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Operação Overlord

Longa produzido por JJ Abrams une terror e Segunda Guerra Mundial e leva o gore com estilo e CGI em grande escala aos cinemas

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Texto por Andrizy Bento

Foto: Paramount/Divulgação

O cinema de horror é um gênero que se reinventa constantemente, para a felicidade dos amantes do gênero. Tem sua origem vinculada ao visionário George Méliès – um dos pioneiros do cinema e considerado o inventor dos efeitos especiais – com O Castelo do Demônio (1896). Chegou às décadas de 1930 e 1940 relegado à categoria de filme B. Durante a crise econômica provocada pela queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, os cinemas, que vinham perdendo público, arranjaram um novo meio de faturar, exibindo dois filmes pelo preço de um. Desse modo, os grandes estúdios ofereciam um filme classe A – produções de elevado destaque, com elencos estrelares – e um filme B – uma fita estrelada por nomes pouco conhecidos e com um orçamento mais modesto. Muitos destes se tornaram verdadeiras obras cult. Da safra merecem menção os Monstros da Universal, como o Drácula estrelado por Bela Lugosi e Frankenstein com Boris Karloff, ambos de 1931.

Nos anos 1970, ainda remanescentes dos filmes B, surgiram os slasher movies, popularizando produções como O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Halloween (1978). O gênero alcançou o statusde cinema de arte com os clássicos O Exorcista (1973) e O Iluminado (1980). Atravessou a década de 1990 com uma onda adolescente apelidada de teen slasher, cujos exemplares mais famosos são os pastiches Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado e a série Pânico. Enfim, chegou à atualidade com propostas mais ousadas e cerebrais, como é o caso de Corra!, uma afiada crítica sobre o racismo mascarada de horror moviee indicada ao Oscar de melhor filme; e Um Lugar Silencioso, experiência extremamente sensorial que abusa da tensão psicológica. No entanto, faltava um exemplar mais tradicional do gênero, que evocasse aquela deliciosa atmosfera de filmes B e o gore com estilo. E é exatamente isso que Operação Overlord (Overlord, EUA, 2018 – Paramount) representa.

O petardo do diretor Julius Avery, produzido pelo hiperativo JJ Abrams, se aproxima dos bons e velhos splatter – sanguinolento e repleto de representações gráficas de violência. Contudo, é mais sofisticado em sua forma e até no conteúdo. A trama, bem sacada, tem início em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, com a Operação Overlord do título, cujo objetivo era a invasão da Europa Ocidental, então ocupada pela Alemanha nazista. Sendo assim, é na Normandia, pouco antes do Dia D, que a ação se desenrola.

A cena de abertura apresenta um grupo de jovens e, em sua maioria, inexperientes soldados americanos, recém-saídos dos campos de treinamento, a bordo de um avião militar. Sua missão é aterrissar na França e destruir uma torre de comunicação instalada pelos nazistas em um afastado vilarejo. Assustados devido ao bombardeio das tropas inimigas, os soldados são obrigados a saltarem do aeroplano em meio ao ataque. Toda a sequência é extremamente bem executada e de um requinte visual impressionante. Ela conduz os espectadores a uma experiência imersiva, abusando de closes e de uma sensação ora claustrofóbica – no intervalo que se passa dentro do avião – ora vertiginosa – durante o salto de paraquedas – além de apresentar um emprego notável dos efeitos sonoros. Acertadamente, aposta na supressão do som em dois momentos bem pontuados, conferindo um estado de aflição absoluta.

Ao penetrarem em território hostil, tomam conhecimento de experimentos realizados na citada torre de comunicação, que vão muito além de simples estratégias de guerra coordenadas pelos nazistas. Lá são conduzidos testes bárbaros em humanos – uma espécie de soro é injetada neles, com o objetivo de se produzir supersoldados (Capitão América manda lembranças!). Contudo, os efeitos são devastadores, transformando as cobaias em verdadeiros monstros e instaurando o terror pelo local. A essência é de filme trash, porém, esteticamente, a produção é moderna e estilosa ao combinar o gore mais clássico com o uso do CGI em grande escala. A abordagem visual é um dos maiores atrativos do filme, mas não é o único.

O elenco afinado é composto de rostos pouco conhecidos, mas que imprimem carisma suficiente aos seus personagens, a ponto de os espectadores se importarem com eles, temerem pelas suas vidas e lamentarem a má sorte de alguns. Talvez, o castmais sagaz tenha sido de Wyatt Russell. Além de ator competente, na pele de Ford, ele traz aquela sensação de familiaridade, especialmente pelo fato de ser filho de Kurt Russell, rosto emblemático de filmes que marcaram a geração oitentista como Fuga de Nova York, O Enigma do Outro Mundo e Os Aventureiros do Bairro Proibido. A sua figura de anti-herói, do homem prático que está ali para realizar um serviço e não se deixa desviar por distrações ou se guiar pelas emoções, oferece um ótimo contraponto ao protagonista Boyce (Jovan Adepo), que compõe um herói mais tradicional, humano e compassivo, apresentando uma gradativa evolução ao longo da trama ao se ver confrontado por questões de sobrevivência mas sem nunca abandonar seus princípios e essência.

Completam o elenco, John Magaro como o malandro boa praça Tibbet, que alcança um meio-termo entre os outros dois citados; o ótimo Iain De Caestecker (o Fitz da série de TVAgentes da SHIELD), interpretando o fotógrafo Chase, que surge como alívio cômico, um soldado constantemente assustado e que acaba por protagonizar uma das cenas mais surpreendentes do longa – o legítimo ponto de virada no filme; o ator-mirim Gianny Taufer, convincente na pele de Paul e que sabe gritar como ninguém; Pilou Asbæk como o oficial do exército nazista que é o grande antagonista da história e cuja representação se aproxima muito de um vilão de quadrinhos, megalomaníaco e sociopata; e Mathilde Ollivier, a francesa blasé, Chloe, que remete imediatamente à Shosanna Dreyfus de Bastardos Inglórios, cheia de fúria e iniciativa, mas mantendo o semblante impassível. Há um maniqueísmo evidente na apresentação dos personagens. Naturalmente, os nazistas são os vilões mais óbvios. Mas nem esse clichê – justificado, convém dizer – nem a profundidade quase nula dos heróis, todos compostos de poucas nuanças, são capazes de comprometer a narrativa ou tirar o brilho do longa. Operação Overlord funciona muito bem como entretenimento.

A última coisa que se pode esperar da produção é um drama de guerra e um compromisso solene com a história. Avery e Abrams estavam pouco preocupados com fidelidade aos fatos, inserindo um sem-número de licenças poéticas que podem vir a ser questionadas pelo espectador mais cínico e cético, com dificuldades em suspender a crença e curtir um conto de zumbis que tem o Nazismo como plano de fundo. Para quem não tem problemas com isso, basta se deixar entreter por uma mescla bem-sucedida e insana de guerra com terror (palavras que se aproximam, mas gêneros cinematográficos que se distanciam). No mais, ele é bem ágil, gore e divertido, com uma das melhores fotografias do ano. E ainda se permite experimentações inusitadas ao combinar diferentes estilos, gêneros e referências visuais e narrativas.

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Star Wars: Os Últimos Jedi

Recheado de humor e autorreferências, novo longa da saga responde a muitas perguntas abertas no episódio anterior e ainda traz algumas surpresas para os fãs

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Texto por Carlos Eduardo Lima

Foto: Disney/Buena Vista/Divulgação

Este ano completamos o 40º aniversário do primeiro longa da série Star Wars, o episódio IV, que hoje leva o subtítulo de Uma Nova Esperança. Ninguém poderia imaginar que os personagens deste primeiro filme se transformariam em ícones da cultura pop e que sobreviveriam tanto tempo. Não só sobreviveram como tornaram-se mais emblemáticos à medida que o tempo foi passando. Muito tempo e muito dinheiro depois, estamos no oitavo – descontando o mediano spin-off Rogue One, de 2016, e o obscuro Caravana da Coragem, de 1987 – que fazem menção ao universo criado por George Lucas e recentemente amplificado e turbinado pela Disney. Sendo assim, com a responsa de levar a saga adiante e reinventá-la para as plateias de 2017, temos o Episódio VIII agora nos cinemas, Star Wars: Os Últimos Jedi (Star Wars: The Last Jedi, EUA, 2017 – Disney/Buena Vista).

Como estou supondo que você, leitor, está aqui porque já tem familiaridade mínima com personagens e história, não me deterei em explicar nada que já não seja do conhecimento de todos. Este novo longa parte em busca de respostas para as perguntas deixadas no capítulo anterior: Quem é Rey? Luke vai treiná-la nas artes da Força? A Resistência vai, bem, resistir? E Kylo Ren? Tem algo de bom ainda em seu âmago? E os personagens apresentados recentemente (Finn, Poe e cia) como estão? E o tal Supremo Líder Snoke? A boa notícia é que a maioria esmagadora delas é respondida e a trama é colocada numa esteira de atualização/inovação que dá, de fato, cara nova a velhos mitos. Mesmo assim, não há como negar a presença de algo que já habitava o episódio anterior: a autorreferência. Parece que estes novos capítulos da saga foram concebidos tendo os filmes clássicos como parâmetro. Sendo assim, cabe a Os Últimos Jedi repetir e revisitar passagens de O Império Contra-Ataca e é exatamente o que acontece.

Está tudo aqui: a tentação pelo lado negro da Força, as reviravoltas, referências explícitas a combates do passado, como o combate entre os andadores da Primeira Ordem e os veículos da Resistência ou as batalhas espaciais entre cruzadores e destroyers, além, claro, das escaramuças entre Tie Fighters e X-Wings. Mesmo em meio a tanta autorreferência, há espaço para novidades. Tem mais humor neste longa, de um jeito como nunca se viu na saga. Também tem muitos bichinhos adoráveis, talvez até em excesso, que fornecem, junto com os robôs, o alívio cômico necessário e já esperado. Tem a presença de Carrie Fisher, vivendo sua imortal Princesa Leia, com a autoridade máxima dentro deste universo. Tem Mark Hamill, oferecendo um Luke envelhecido e desiludido com seu destino materializado. E tem as ótimas atuações de Daisy Ridley e, especialmente, de Adam Driver, que faz seu Kylo Ren evoluir do estado “emo” do filme anterior para um moleque maligno sem escrúpulos ou qualquer sombra de caráter – ainda que permaneça algo muito misterioso sobre sua verdadeira natureza, que, certamente ficará para o próximo filme.

A trama tem alguns arcos desnecessários, como o que introduz o hacker DJ (Benício Del Toro), algo que poderia ser evitado. Tem a chegada de uma nova e adorável personagem, Rose (Kelly Marie Tran), que tem fôlego suficiente para tornar-se integrante do primeiro time. E tem a volta de gente querida dos filmes clássicos, que aparecem mais ou menos tempo na telona, provocando reações do publico. O roteiro apresenta alguns problemas, especialmente no meio do filme, quando perde o fôlego, mas o recupera bravamente no terço final, chegando a promover algumas cenas que arrancaram aplausos no cinema. Há ainda surpresas genuínas e um final pra lá de coerente, que fez este velho fã ficar arrepiado nas bochechas e na nuca.

Os Últimos Jedi é bom divertimento, bem dirigido e roteirizado por Rian Johnson. É um filme bom, digno de levar o selo Star Wars. Ainda que, repito, a autorreferência ao passado seja excessiva em alguns momentos, a recomendação é a de vê-lo mais de uma vez na telona.