Cineasta sueco volta a criticar acidamente a hipocrisia da sociedade, agora com trama eat the rich que envolve o mundo da moda e um cruzeiro
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Diamond Films/Divulgação
O cinema do sueco Ruben Östlund é feito para desafiar o espectador. Sua intenção é clara: instigar e provocar reações nada açucaradas com suas sátiras ácidas, recheadas de criatividade. E esse jeitinho sueco de criticar a hipocrisia da sociedade vem lhe rendendo cada vez prestígio entre a classe, sobretudo perante seus colegas europeus. Com Triângulo da Tristeza (Triangle Of Sadness, EUA/Suécia/Reino Unido/Alemanha/França/Turquia/Dinamarca/Grécia/Suíça/México, 2022 – Diamond Films), Ruben repetiu o feito de The Square, de 2017 e levou mais uma vez a Palma de Ouro no Festival de Cannes, tornando-se o nono cineasta a ter duas palmas de ouro na história.
Sim, a exploração dos pobres pelos ricos, da situação oprimido versus opressor, pode ter se tornado um tema batido, só que o modo como Ruben escancara essa disparidade entre os superricos e a classe trabalhadora é, de fato, instigante e capaz de chocar aqueles mais acanhados. Afinal, o sueco coloca no mesmo barco (ou melhor, no mesmo cruzeiro) personagens estereotipados e um tanto caricatos, mas é eficiente ao subverter os papeis e modelos de comportamento, como ao travar o embate entre o magnata russo capitalista Dimitry (Zlatko Buric), dono de uma empresa de fertilizante, e o comandante do navio, bêbado e comunista, interpretado por Woody Harrelson. Os dois protagonizam um dos momentos mais hilários e geniais do cinema recente.
Em comparação a The Square, em Triângulo da Tristeza Ruben fez questão de usar PH beirando a zero. Sua qualidade “cítrica e crítica” já fica evidente nas peças de divulgação do filme. Na conta do Instagram, por exemplo, não escapam vômitos dourados de caviar. “Free botox for everyone” (botox grátis para todos, em português), estampa um cartaz.
O botox, nesse caso, é para ser injetado sobretudo no chamado triângulo da tristeza, que leva esse nome por conta das marcas de expressão quando contraímos a testa, seja para chorar ou para estampar a insatisfação. Preste atenção, vá na frente do espelho e perceba a medida do seu triângulo.
Essa explicação do que vem a ser o tal triângulo da tristeza surge logo no início do filme (que, aliás, conta com três atos bem marcados). No início, somos apresentados a uma série de modelos que participam de um teste para estampar uma campanha publicitária de uma loja de roupas. Um deles é Carl (Harris Dickson). Para vender para os ricos, a orientação é fazer cara blasé e acionar a região do triângulo. Para o público consumidor de artigos populares, o modelo deve abusar dos sorrisos radiantes.
Carl namora a também modelo e influenciadora digital Yaya, interpretada pela atriz Charlbi Dean (que morreu, aos 32 anos, vítima de sepse, em agosto do ano passado, não tendo a felicidade em ver o filme indicado em três das categorias principais do Oscar: filme, direção e melhor roteiro original).
Questões monetárias e de equidade social e de gênero já surgem como o fio condutor da narrativa no diálogo entre Carl e Yaya a respeito de quem deve pagar o jantar do casal. E o rapaz se sente ofendido porque sua namorada é quem ganha mais e, portanto, ela acha que deveria pagar. No segundo ato, os dois aparecem como convidados de um cruzeiro ao lado de ricaços, entre eles um casal de representantes da indústria bélica. Viciada em likes, Yaya não desgruda de seu celular. Carl lê Dostoievski na beira da piscina.
Quando o naufrágio dá início ao terceiro ato, Ruben inverte o triângulo (ou melhor, a pirâmide social). O mais forte ali não é quem tem dinheiro, mas quem consegue ser mais forte e se impor. Neste momento, a personagem da filipina Dolly de Leon, de nome Abigail, vai mostrar quem manda na ilha – o que, certamente, deixaria Jean-Jacques Rousseau de boca aberta.
Aliás, foi o filósofo francês quem disse “quando o povo não tiver mais nada o que comer, ele comerá os ricos”. E assim o cinema vai abrindo cada vez mais espaço a uma espécie de subgnênero: o “eat the rich”, que surpreendeu o mundo com Parasita levando o Oscar alguns anos atrás. Ou seja, quando o barco afunda, a conta bancária não faz a mínima diferença.
Oito motivos que transformaram o jogador em gênio dos gramados e ícone da cultura pop no Brasil e no mundo
Texto por Abonico Smith
Fotos: Reprodução
Três Copas do Mundo
Foram quatro torneios supremos do futebol mundial disputados consecutivamente. Três vencidos: 1958, 1962 e 1970. Nenhum outro jogador conseguiu igualar o feito antes ou depois.
Garoto-prodígio
Depois de se destacar nos campos da cidade de Bauru, Edson Arantes do Nascimento mudou-se para Santos aos 15 anos de idade, para tentar uma vaga no time local, uma das principais equipes do futebol paulista. Depois de um breve início na formação amadora, marcando 13 gols em 13 jogos, passou aos profissionais, marcando logo na estreia. Chegou à seleção brasileira com 16 anos e apenas dez meses de carreira. Aos 17, disputou a primeira Copa do Mundo, na Suécia. Fez seis gols no total, sendo um nas quartas-de-final (1 a 0 em Gales), três na semifinal (5 a 2 na França) e dois na final (também 5 a 2, contra os anfitriões).
Coleção de chapéus
Na final da copa contra os suecos em 1958, Pelé já havia desfilado toda a sua classe com a bola coroando a goleada de 5 a 2 com um golaço com direito a chapéu no zagueiro e conclusão pro gol sem deixar a bola quicar no chão. A ousadia daquele ainda moleque foi além dois anos depois, numa partida na Rua Javari contra o Juventus. Naquela tarde de 2 de agosto de 1960, a torcida do time grená passou a vaiar o Rei a cada vez que ele tocava na bola por conta de uma dividia que tirara um adversário da partida. Pelé já havia marcado dois dos três gols do Santos. No final do segundo tempo, recebeu na área um cruzamento de Durval. Sem deixar a bola tocar no chão, aplicou uma meia-lua no zagueiro, chapelou o segundo, o terceiro e o goleiro e ainda tocou, de cabeça, para o gol vazio. Um gol de placa, para muitos o mais bonito da carreira. Entretanto, para o azar da História, nunca apareceu até hoje um registro em vídeo de todo o lance (depois reproduzido digitalmente com base em depoimentos e textos da época). Detalhe: com a bola na rede, Pelé saiu correndo em direção aos torcedores e, em uma espécie de desabafo, pula e dá um soco no ar. Nascia, então, a comemoração que tornaria sua marca registrada nos gramados mundiais.
Orgulho preto
Ao tornar-se o grande nome da reta final da Copa de 1958, ainda menor de idade, Pelé deu o primeiro passo para consolidar uma carreira que o transformou não só no maior atleta do século 20 mas também naquele nome conhecido nos quatro cantos do mundo (incluindo lugares inóspitos e sem qualquer tradição no futebol). Tornou-se Rei do Futebol logo no início dos anos 1960, quando, dando sua contribuição fazendo arte nos gramados, ajudou o país a enfrentar uma fase áurea no território sociocultural, com projeção mundial da marca Brasil na música, no cinema, na arquitetura. Sem falar no fato de que Pelé veio de uma família preta e pobre para fazer fama, fortuna e sucesso com o seu trabalho e paixão e conquistou sua majestade por esforço e talento, esfregando na cara da elite branca o racismo estrutural que imperava, até então, de modo soberano e silencioso em nosso país com a divisão entre social e “de serviço” em elevadores e portas de entrada mais os quartinhos e banheiros “de empregada” na parte dos fundos das residências.
Hegemonia no continente e no mundo
Com a camisa do Santos, Pelé foi campeão em 1962 e 1963 da Libertadores e do Mundial de Clubes. Foi a primeira vez que uma equipe brasileira alcançou tais conquistas. Reflexo da hegemonia brasileira nas copas de 1958 e 1962. Outras agremiações fariam o mesmo décadas posteriores, mas o alvinegro da Vila Belmiro foi o pioneiro que deixou o caminho aberto na história do futebol sulamericano. Em 1962, vale lembrar que o adversário europeu era o poderoso Benfica, que havia ganho os dois anos anteriores e contava com o craque português Eusébio na escalação. O Santos não tomou conhecimento de nada disso e venceu os jogos de ida e volta (3 a 2 no Maracanã e 5 a 2 em Lisboa). Pelé fez cinco dos oito gols.
Recordes na artilharia
Pelé disputou 1383 partidas e marcou entre 1281 e 1283 gols (há até hoje divergência em diversas contagens “oficiais”). Uma média que impressiona qualquer pessoa ligada em estatísticas. Como jogou em apenas um time no Brasil, ele marcou pelo Santos em todas as 18 edições do Campeonato Paulista que disputou. Ao todo foram 37 hat-tricks (quando o jogador leva três vezes ou mais a bola à rede na mesma partida). Fez quatro gols em um só jogo por 20 vezes. Cinco gols em outras quatro oportunidades. O recorde absoluto da artilharia em um só confronto ocorreu em 1964, quando chegou à marca por oito vezes na goleada de 11 a 0 imposta ao Botafogo de Ribeirão Preto. Em 1958, entre os 17 e 18 anos de idade, anotou 58 gols no Paulistão da temporada, recorde absoluto jamais superado no país até hoje por qualquer outro jogador em torneios nacionais ou regionais. Pela seleção brasileira, comemerou 77 tentos em 92 disputas (vale lembrar que naquele tempo havia um tempo maior de intervalo entre uma entrada em campo e outra da Amarelinha; Neymar igualou a marca durante esta copa do Catar, mas com 31 atuações a mais).
No social e no cultural
O famoso milésimo gol do craque, anotado no Maracanã, contra o Vasco da Gama, durante o torneio Roberto Gomes Pedrosa (equivalente à época do Brasileirão), na noite de 19 de novembro de 1969, na verdade não foi o milésimo. Foi o milésimo primeiro. Um erro na contagem tirou a honra do último tento da goleada de 4 a 0 contra o Santa Cruz, na Ilha do Retiro, em Recife, seis dias antes. De qualquer forma, aquele pênalti convertido no Rio de Janeiro entrou para a História como o marco oficial. Partida interrompida para a comemoração, invasão de campo de torcedores, reservas e jornalistas. Pelé, carregado nos ombros e segurando firme a bola, dedicou o feito às crianças pobres de todo o país. Há pouco mais de um século, Pelé já tinha noção do que ele representava para tantos meninos e meninas que, de lá para cá, engrossaram cada vez mais os números da infância vivida na pobreza e nas ruas do país. Desde então, dedicou boa parte de seu tempo a ações sociais de combate a estas situações. Em 1997, já na condição de ministro do esporte do governo Fernando Henrique Cardoso gravou uma campanha em vídeo da canção “ABC” (que havia gravado oficialmente um ano antes com o Trem da Alegria) para incentivar a ida das crianças à escola e a queda da taxa de analfabetismo no país. Música era uma paixão secundária do cidadão Edson Arantes do Nascimento. Ele compôs uma centena delas e chegou a lançar discos com Elis Regina e Sérgio Mendes. Também chegou a participar como protagonista de uma novela de TV. O folhetim Os Estranhos, foi levado ao ar pela TV Excelsior, entre março e agosto de 1969, mediando o contato de pacíficos extraterrestres, que queriam ajudar os seres humanos a resolver problemas complicados do dia a dia como os sentimentos de raiva e ciúmes. Como precisava seguir cumprindo suas obrigações como jogador de futebol, seu personagem tinha de ficar longe de qualquer envolvimento amoroso, para que as gravações ocorressem de forma organizada, ocupando os buracos da agenda cheia. Ivani Ribeiro (famosa por A Viagem) foi a autora da trama, escrita para fomentar a expectativa dos brasileiros pela primeira chegada do homem à lua. Gianfrancesco Guarnieri e Gonzaga Blota dirigiram um elenco que tinha, além de Pelé, Regina Duarte, Rosamaria Murtinho, Vida Alves, Claudio Corrêa e Castro, Osmar Prado, Stenio Garcia, Marcia de Windsor, Silvio de Abreu e o próprio Guarnieri. Depois, nos anos 1970 e 1980, ele atuaria em alguns filmes (em um deles, Fuga Para a Vitória, ao lado de Sylvester Stallone) e viraria personagem de HQ, em versão infantil, pelas mãos de Mauricio de Sousa.
Tricampeonato no México
O mundial disputado em 1970 foi o maior desafio da carreira de Pelé. Muito menos por sua capacidade, mais pelo psicológico. Ele havia se contundido durante as duas últimas semanas e ficado de fora dos jogos decisivos para a nossa seleção. Na preparação para a ida ao México seu rendimento também estava sendo constantemente colocado em xeque. Novas lesões e uma birra pessoal do então técnico, o cronista esportivo João Saldanha, ameaçavam a sua presença no time titular. A ditadura militar fez uma intervenção na Confederação Brasileira de Desportos, trocou o treinador (colocando no lugar o iniciante Zagallo, que poucos anos antes abandonara a trajetória de jogador para se dedicar à nova função) e bancou, junto com os companheiros de Amarelinha, a figura de Pelé nos gramados. Deu certo. Pelé viveu momentos iluminados na copa que deu o tricampeonato ao Brasil. Comandou um time avassalador em campo, que somou seis vitórias em seis jogos, totalizando 19 gols (média superior a três por partida). Pelé marcou quatro vezes, três na fase inicial e uma na final (um sonoro 4 a 1 contra a Itália, que também luta pelo tri e pela posse definitiva da taça Jules Rimet). Alimentou o time com grandes jogadas, passes e assistências para gols decisivos dos atacantes Jairzinho (na dura vitória de 1 a 0 contra a última campeã, a Inglaterra) e Rivelino (na semifinal contra os uruguaios, tira-teima da derrota em casa de 1950) mais o lateral e capitão Carlos Alberto (a tampa do caixão da goleada da final). Após o apito final, torcedores mexicanos, efusivos e entusiasmados com as performances brasileiras, invadiram o campo para carregar Pelé nos ombros e arrancar-lhe partes do uniforme.
Só que a Copa do México passou para a História também pelos incríveis quatro gols sensacionais que Pelé não fez (algum outro nome já conseguiu tal feito?). Na estreia contra a Tchecoslováquia, aos 41 minutos do primeiro tempo, quando o placar mostrava empate em 1 a 1, Pelé viu uma bola sobrar após a roubada do volante Clodoaldo, viu o goleiro adversário adiantado e ainda da parte defensiva do círculo central mandou um chutão em direção ao gol. Ivo Viktor correu em desespero de volta à baliza, olhando pra cima, mas a bola, caprichosamente, saiu pela linha de fundo, perto da trave esquerda. O lance, inédito em uma Copa do Mundo, inspirou outros jogadores anos e anos depois (como Rivaldo, Roger Flores e Fred, que obtiveram sucesso naquilo que Pelé não conseguira por capricho do destino). Quatro dias depois, ainda no começo do jogo, Jairzinho cruzou para a área e o camisa 10 testou firme a bola no canto inferior direito. Gordon Banks mergulhou de forma espetacular e conseguiu espalmar a bola para cima, tirando-a da direção certeira do gol. Muita gente considera até hoje esta como a maior defesa de um goleiro de todos os tempos. No segundo tempo da semifinal contra o Uruguai, Pelé protagonizou dois lances cruciais de puro reflexo com genialidade. Em um tiro de meta de Mazurkiewicz, o craque mandou a bola, de bate-pronto, de volta à meta uruguaia. Pena que o chute saiu fraco, facilitando a vida do goleiro. No final da partida, já com o placar decidido em 3 a 1 por pouco não saiu o quarto. Tostão fez uma enfiada rasteira e vertical no meio do campo, Pelé correu mais que todos os rivais, viu o goleiro saindo para fazer com os pés a interceptação, deixou a bola ir um lado do goleiro e foi pelo outro, completou o “drible da vaca” e quase da ponta da pequena área concluiu ao gol. De um lado, um zagueiro atabalhoado se jogou no gramado para tentar cortar. Do outro lado, a bola saiu também por capricho pela linha de fundo, bem perto da trave. Estes quatro lances, mais de meio século depois, ainda são capazes de encantar qualquer pessoa que admire a arte do futebol.
Oito motivos para que seja celebrada sempre a suprema importância do Tremendão à música popular brasileira
Texto por Abonico Smith
Fotos: Divulgação
Na manha de quarta-feira, 22 de novembro, foi confirmada a notícia do falecimento de um dos maiores artistas da nossa música popular em todos os tempos. E esse termo não se refere apenas aos quase dois metros de altura que lhe renderam o apelido de Gigante Gentil. Erasmo Carlos morreu aos 81 anos, no Rio de Janeiro, deixando um legado de dezenas de discos, centenas de canções que entraram para o inconsciente coletivo de todo o povo brasileiro e a condição de ídolo de um movimento que abalou as estruturas culturais de país em uma época de plena efervescência social sob a sombra da mão pesada da ditadura militar.
O cantor e compositor foi internado no último 17 de outubro com uma síndrome edemigênica. No dia 30 chegaram a circular boatos sobre sua morte, logo desmentidos pela família e por ele próprio em um post na internet. No feriado de Finados (2 de novembro), recebeu alta e voltou para casa. As apresentações que estavam marcadas para o início do mês, nos Estados Unidos, já tinham sido desmarcadas por conta do tratamento de sua saúde. Contudo, Erasmo precisou voltar ao mesmo hospital da Barra da Tijuca um dia antes de se despedir de sua passagem terrena. Segundo o boletim médico divulgado, uma paniculite complicada por sepse de origem cutânea foi o que levou o artista ao falecimento.
Em homenagem ao Tremendão (apelido que ganhara nos anos 1960), o Mondo Bacana elenca oito motivos para se celebrar sempre a suprema importância deste gigante cheio de doçura para a música e a cultura nacional.
Turma da Tijuca
Erasmo Esteves era filho de mãe solteira, nascido e criado na Tijuca. Foi nesse bairro da zona norte carioca que conheceu e se tornou amigo de outros nomes que viriam ajudar a escrever a história da música popular brasileira na metade final do século 20. Entre eles estavam Tim Maia, Roberto Carlos, Wilson Simonal e Jorge Ben. Apaixonado pelos pioneiros do rock’n’roll, ajudou a formar em 1957, aos 16 anos de idade, os Sputniks, banda de fugaz carreira e que também tinha em sua formação Tim e Roberto. Logo depois, agora sob a batuta do produtor musical Carlos Imperial, integrou o grupo vocal Snakes, que participava dos shows de seus dois amigos ex-Sputniks; chegou a acompanhar Cauby Peixoto (na gravação de “Rock and Roll em Copacabana”, em 1957; e apareceu no número musical de “That’s Rock”, durante o filme Minha Sogra é da Polícia, de 1958). Tim, inclusive, foi quem lhe ensinou os três primeiros acordes de violão. Com Roberto, por sua vez, compartilhava gostos em comum (música, cinema, futebol, biscoitos) e desenvolveu uma sólida amizade que rendeu uma das mais famosas parcerias do showbiz tupiniquim. Foi dele que pegou emprestado o novo sobrenome artístico e se lançou em carreira solo em 1964, com um compacto de grande sucesso chamado “O Terror dos Namorados”. Desta gravação participa o pianista Lafayette, que introduzia ali, em um órgão Hammond, os timbres eletrônicos dos teclados que viriam a marcar logo depois a sonoridade da Jovem Guarda. Foi a porta de entrada para o primeiro álbum da carreira. Lançado em 1965, este disco continha outras faixas que se tornariam ainda muito mais famosas, como “Minha Fama de Mau” e “Festa de Arromba”. Nos dois anos seguintes, mais dois álbuns e hits como o bolero “Gatinha Manhosa” e o rock arrasa-quarteirão “Vem Quente que Estou Fervendo”.
Jovem Guarda
Na esteira da beatlemania, a TV Record criou o programa Jovem Guarda. O motivo foi um desentendimento com as entidades responsáveis pelos campeonatos de futebol em São Paulo, que deixou a emissora sem poder transmitir os jogos das tardes de domingo. Para preencher o buraco na grade de programação, Roberto Carlos foi convocado para apresentar um semanário musical. Os amigos Erasmo e Wanderléa completavam o time que comandava tudo na frente das câmeras. A partir de 22 de agosto de 1965, no palco do teatro da casa, na Rua da Consolação, o trio cantava sucessos e recebia diversos convidados. Tudo transmitido ao vivo para São Paulo. A rápida adesão dos jovens apaixonados pelos Beatles alavancou o número da audiência a mais de 3 milhões de telespectadores, fazendo toda a performance dominical ser gravada para ser exibida em outras capitais (Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre). Por causa da ascensão de Roberto ao posto de rei da juventude nacional, o programa não durou muito mais. Seu principal integrante deixou o elenco em janeiro de 1968 para dar passos ainda maiores na carreira de cantor e engatar carreira no cinema. O Tremendão (Erasmo) e a Ternurinha (Wanderléa) ainda seguiram um pouco mais adiante à frente de tudo, até que a Record cancelou de vez a Jovem Guarda em outubro desse mesmo ano, por causa da queda na audiência. Foram dois os grandes legados dessa iniciativa televisiva: a difusão do rock para o gosto dos jovens em todo o país e a comprovação de que, sim, o gênero poderia também ter suas criações geniais sendo composto e cantado em língua portuguesa. Inclusive o termo adotado para definir a sonoridade da turma da Jovem Guarda foi adaptado para o nosso idioma. A expressão yeah yeah yeah, cantada no refrão de “She Loves You”, virou, então, o nosso iê-iê-iê.
Ator de cinema
Em 1968, a telinha da TV havia ficado de pequena dimensão para o estrelato de Roberto Carlos. Então, para promover seus discos, o cantor estendeu suas atividades à telona do cinema. Ao lado do diretor Roberto Farias, protagonizou um grande filme por temporada, entre 1969 e 1971, todos com sucesso nas bilheterias brasileiras da época. No primeiro (Roberto Carlos em Ritmo de Aventura), cuja história vai na colados dois longas protagonizados pelos Beatles, Roberto é perseguido pelo Rio de Janeiro por bandidos internacionais ao som de canções da trilha sonora gravada especialmente para a produção. José Lewgoy e Reginaldo Faria, irmão do cineasta, compõem os principais nomes do elenco. No segundo (Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa, foto acima), o astro traz os amigos do programa Jovem Guarda para mais um trabalho em conjunto. Por causa da bolada que rendera a empreitada anterior, a trinca aparece em gravações no exterior (Israel, Japão, EUA), também sendo perseguida por bandidos. O mote era a posse de uma antiga estatueta que traria em seu interior um mapa de um suposto tesouro fenício. Claro que havia também um motivo para tudo acabar no Rio de Janeiro. O terceiro, sem Wanderléa, traz Erasmo como o grande parceiro de cena de Roberto. Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora mostra a dupla como mecânicos improvisando situações para participar de corridas automobilísticas. Este foi o filme mais assistido no Brasil em 1971, levando 2,78 milhões de espectadores às salas de projeção. Reginaldo Faria, agora assinando roteiro e direção, chamou Erasmo para a comédia Os Machões (1972). O cantor era um dos amigos de uma turma. Por sua atuação, foi premiado pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como o melhor ator coadjuvante do ano. Em 1984, voltaria a participar de um filme, interpretando o Cowboy na versão do clássico do teatro infantil O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado. Somente nos últimos anos voltaria a dar vazão ao talento dramatúrgico. Fez o dono da boate decadente que faz a alegria da família da qual é o patriarca em O Paraíso Perdido (2018) e o avô da personagem de Larissa Manoela em Modo Avião (2020, bancado pela Netflix exclusivamente para streaming)
Muito além do rock
Ao trocar a TV pelo cinema, Roberto foi bem além do rock, experimentando um certo gosto pelo soul. Posteriormente, apostou em baladas românticas que, por causa das letras diretas e bastante imagéticas, ligariam o cantor ao rótulo de “música de motel”. Também embarcou por temas bíblicos. Roberto foi o cara que fez sucesso, vendeu muitos discos e se tornou um ídolo maior ainda na representação de nossa música popular. Só que não existiria este Roberto se Erasmo não topasse ser o aventureiro para “experimentar” (e, diga-se passagem, com competência e qualidade) o flerte com tudo isso e mais um pouco. Por conta de sua amizade com Tim Maia e Jorge Ben, Erasmo mergulhou fundo no samba-rock após largar a atividade na Record. Também flertou bastante com as orquestrações, o soul e o jazz nesta época, não se furtando ainda a se reaproximar da bossa nova que chegou a cantar quando cantou em bares e boates cariocas na fase pré-iê-iê-iê. É justamente neste período, já distante da Jovem Guarda um tanto obscuro de seus trabalhos (leia-se a primeira metade dos anos 1970, sobretudo) e sem esboçar chegar perto da popularidade obtida depois pelo amigo, que reside um punhado de grandiosas faixas sempre prontas a ser descobertas por quem quiser ver e ouvir um Erasmo Carlos distante daquele projetado para as massas. Entre os destaques destas gravações estão as faixas “Coqueiro Verde”, “Estou Dez Anos Atrasado”, “Sábado Morto”, “Espuma Congelada” e, claro, “Sentado à Beira do Caminho”. Curiosidade: foi dele a ideia de compor o samba-rock “Meu Nome é Gal”, gravado por Gal Costa em 1969 e assinado em parceria com Roberto.
Carlos, Erasmo…
Esta fase “marginal” do Tremendão, que durou de 1969 a 1976, rendeu discos bem interessantes. O melhor deles – considerado pela crítica brasileira o ponto-chave da virada de rumo da carreira – é o de 1971, curiosamente batizado invertendo nome e sobrenome, tal qual uma apresentação pessoal a um desconhecido no exterior. E é assim, deste jeito, que o cantor apresenta sua carta de intenções nas treze faixas de Carlos, Erasmo…. Aqui é a chegada dele à maturidade musical, assumindo a tomada de riscos. Gravadora nova, garantia de liberdade criativa absoluta. Descobrindo uma nova faceta, pós-ídolo da Jovem Guarda, quis experimentar de tudo. Não apenas a combinação entre a variedade de parceiras sexuais com substâncias químicas e etílicas, como também uma farta variedade musical. Toda a diversidade desse disco mostrava tentativas de seguir novos rumos. É bem verdade que o mercado fonográfico brasileiro ainda não estava preparado para uma mistura genial de rock com samba com funk com salsa com folk com gospel e o escambau a quatro. Tudo começa na pilantragem moldando uma canção feita sob encomenda por Caetano (“De Noite na Cama”, que depois ganharia versões na voz do autor e, mais tarde, Marisa Monte) e vai até uma brisada ode caribenha à cannabis (“Maria Joana”). No miolo tem dueto romântico de casal (“Masculino, Feminino”), psicodelismo ( “Agora Ninguém Chora Mais”, “Dois Animais na Selva Suja da Rua”), protesto soft contra a ditadura militar (“É Preciso Dar um jeito, Meu Amigo”), groove dinamitador de pistas de dança ( “Mundo Deserto”), tema para personagem de novela da Globo (“Ciça, Cecília”), lamento apocalíptico (“Sodoma e Gomorra”) e wall of sound de Phil Spector (“26 Anos de Vida Normal”). Nos créditos, participações especialíssimas dos maestros Rogério Duprat, Chiquinho de Moraes e Arthur Verocai; dos produtores Manoel Barenbein e Nelson Motta; de um ainda pós-adolescente herói da guitarra Lanny Gordin; da vocalista Marisa Fossa; e da cozinha endiabrada dos Mutantes (Liminha e Dinho Leme). Entre as compositores, obras da parceria Roberto e Erasmo intercaladas com nomes como Jorge Ben, Caetano Veloso, Taiguara, os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, o letrista Vitor Martins (que logo depois se tornaria famoso com obras ao lado de Ivan Lins) e Fábio (“o amigo paraguaio de Tim Maia”). A repercussão deste álbum foi muito fraca à época. Sinal de que a obra, para lá de subestimada, estava muito à frente de seu tempo. Hoje, Carlos, Erasmo… é um dos grandes clássicos da música popular brasileira dos anos 1970.
Novos hits em série
Erasmo iniciou os anos 1980 muito longe daquela imagem de Tremendão deixada no imaginário popular durante o auge da Jovem Guarda. Talvez por isso tenha encerrado o ciclo com um álbum (Erasmo Convida…) no qual revia alguns de seus grandes sucessos radiofônicos seus, mas desta vez em duetos e cercado por amigos (Roberto, Wanderléa, Rita Lee, Tim Maia, Jorge Ben, Nara Leão, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Frenéticas, Cor do Som). Depois em 1981, lançou o álbum que iria recolocar a carreira em evidência e popularidade. Mulher trazia uma atmosfera de felicidade familiar, com letras que versavam sobre o relacionamento de um casal ou eram homenagens aos filhos. Sua musa inspiradora, a esposa Narinha, aparecia amamentando o cantor na foto da capa. A imagem, por mais que tenha uma leitura metafórica sobre o renascimento artístico de Erasmo, provocou muita polêmica na época. Deste disco saíram três grandes hits: a balada “Mulher (Sexo Frágil)”e os rocks “Minha Superstar” e “Pega na Mentira”. Este último, inclusive, foi o principal responsável pela renovação de público, virando hit em festas infantis e sendo cantada por muitas crianças nas escolas, ruas, casas e apartamentos. Os versos enfileiravam uma série de pequenas mentiras, inocentes à época, a respeito de celebridades e situações cotidianas envolvendo o social, a economia, o futebol, o meio ambiente e o próprio Erasmo. Ao menos em algumas delas ele previa fake news propagadas na maior cara de pau durante o (des)governo Bolsonaro (“Acabou-se a inflação”, “Amazônia preza a sua mata”, “Sem censura e guaraná em pó”). O mesmo clima se manteve no álbum seguinte. Amar pra Viver ou Morrer de Amor (1982) rendeu mais três hits (a faixa-título, “Meu Boomerangue Não Quer Mais Voltar” e “Mesmo Que Seja Eu”) e outra polêmica sobre a capa – agora, uma ilustração assinada por Benício, com o artista rasgando o peito nu com as próprias mãos para liberar uma pomba de paz, que chegou a ser plagiada em 2011 pelo rapper alemão Morlockk Dilemma. Já em 1984, Buraco Negro daria renderia mais polêmica e um grande sucesso (“Close”, canção inspirada pela transexual Roberta Close, ícone sexual de um Brasil ultraconservador e vivendo os meses derradeiros da ditadura militar).
Cultuado no século 21
Depois de emplacar vários hits no começo dos anos 1980, Erasmo se separou de Narinha, foi completamente desrespeitado pela plateia de metaleiros no primeiro Rock in Rio (1985) e passou a amargar um longo período de frustrações fonográficas. Entrou e saiu de diversas gravadoras, sendo sabotado e fazendo discos esparsos de estúdio que não obtiveram muita repercussão artística e de vendas. Só voltou a ser badalado e tratado com todo o respeito e reverência merecidas na primeira década deste século, quando passou a ter controle artístico total gravando e lançando obras inéditas pela gravadora e editora musical Coqueiro Verde, criada e gerida por seu filho Leonardo. O renascimento artístico começou no disco autodeclaratório Rock’n’Roll (2009). De lá para cá vieram obras reverenciadas e premiadas como Sexo (2011), Gigante Gentil (2014), … Amor é Isso (2018), Quem Foi que Disse que Eu Não Faço Samba… (2019) e o recentíssimo O Futuro Pertence à Jovem Guarda (2022). Com mais alguns DVDs gravados ao vivo e concertos que renovaram pela terceira vez o seu público e passaram a se tornar cult entre os (bem) mais novos, Erasmo era o cara que apontava em direção ao futuro sem perder os parâmetros estabelecidos por um passado de glória, sabedoria e experiência. Já há algum tempo se dissociara da parceria com Roberto, que outrora parecia ser algo ad infinitum. Passou a compor com gente como Tim Bernardes, Emicida, Samuel Rosa, Nando Reis, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Marcelo Camelo, Adriana Calcanhotto, Supla, João Suplicy e Teago Oliveira (Maglore).
O Futuro Pertence à Jovem Guarda
Erasmo faleceu dias depois de ter sido anunciado pelo Grammy Latino como o vencedor do melhor álbum de rock na língua portuguesa pelo seu trabalho lançado em fevereiro de 2022. Neste trabalho, ele gravou oito canções que se tornaram clássicas durante o movimento que ajudou a liderar nos anos 1960: “Nasci Para Chorar”, “Ritmo da Chuva”, “Alguém na Multidão”, “O Tijolinho”, “Esqueça”, “A Volta”, “Devolva-me” e “O Bom”. Detalhe: todas elas nunca tinham sido ouvidas em sua voz, mas na de contemporâneos como Leno e Lilian, Vips, Golden Boys, Demétrius, Bobby di Carlo, Eduardo Araújo e, lógico, Roberto Carlos. Sucessos de décadas atrás à parte, o que chama a atenção neste disco, amplamente divulgado em turnê pelo Brasil durante este ano, é o trocadilho sugerido pelo título. Produzido pelo baterista Pupillo (atualmente na banda de Marisa Monte e ex-Nação Zumbi), o conjunto de registros, altamente conceitual, procura trazer timbragens, efeitos, instrumentos e arranjos nada saudosistas, explorando apenas o que há de bom nos dias atuais. Resultado: Erasmo em estado bruto vivendo o hoje e falando diretamente para uma nova geração (a tal jovem guarda de mais de meio século depois da original). Algo similar ao que fizera Johnny Cash em sua série de seis discos chamada American Recordings. Ou seja, um gigante se despedindo da vida em direção ao futuro eterno.
Harry Styles encabeça elenco de triângulo amoroso que enfrenta o tabu dos relacionamentos gays que havia até 1967 no Reino Unido
Texto por Taís Zago
Foto: Amazon Prime/Divulgação
Filme dirigido por Michael Grandage, Meu Policial (My Policeman, Reino Unido/EUA, 2022 – Amazon Prime) é baseado no romance de Bethan Roberts publicado em 2012, que, por sua vez, foi, fortemente influenciado pela história real do relacionamento de 40 anos entre o autor britânico EM Forster e um policial casado chamado Robert Buckingham. O triângulo amoroso entre Forster, Buckingham e sua esposa May, uma enfermeira, inspirou tanto a obra de Roberts que fica difícil separar a realidade da ficção. Pessoalmente, acho que o certo seria até mesmo categorizar a obra como semibiográfica – claro que sem tirar o mérito criativo de Roberts no processo. O roteiro ficou a cargo de Ron Nyswaner, que, assim como Grandage, tem uma forte queda por dramas de época.
Em O Mestre dos Gênios (2016), Grandage já havia abordado o tema dos tabus sociais britânicos em torno de relações homossexuais. Até 1967, a homossexualidade era considerada crime no Reino Unido: os grupos LGBT+ eram alvo de verdadeiras caças às bruxas, com penas de prisão severas e desproporcionais, além de assédio, ataques violentos e maus tratos mesmo sob a tutela do Estado.
Meu Policial começa em uma Brighton dos anos 1990, com a chegada de Patrick (Rupert Everett) à casa de seus amigos Marion (Gina McKee) e Tom (Linus Roache). Patrick se recupera de um AVC que o deixou praticamente incomunicável e sem autonomia. Por isso, Marion decide assumir os cuidados com sua saúde, aparentemente, a contragosto de Tom. O clima entre os três não poderia ser mais gélido e protocolar. Tom nem sequer aparece para receber Patrick: ele passa seus dias fora de casa passeando com o cachorro na praia. Ao ler antigos diários de Patrick, Marion começa a relembrar o passado doloroso que envolve os três. É nessa hora que voltamos no tempo para 1957, quando Patrick conhece Tom e Tom se envolve com ele e com Marion, criando um triângulo amoroso cheio de mentiras e ressentimentos.
O jovem Tom é interpretado por Harry Styles, em sua segunda atuação em 2022 como protagonista. O papel de Marion é incorporado por Emma Corrin e David Dawson faz o jovem Patrick. Corrin e Dawson são espetaculares, mesmo nos pequenos detalhes de suas atuações – um olhar, um gesto, uma lágrima nos comunicam mundos inteiros de sentimentos encapsulados pelas palavras. Isso, novamente, não favorece Styles. Apesar de sua aparente entrega a esse papel, o cantor pop ainda não consegue atingir o nível de excelência dos seus coprotagonistas.
Harry já estreia em papeis importantes no cinema rodeado de excelentes atores, produções milionárias e um assédio midiático contínuo. Para ser possível se sobressair nessas circunstâncias, teria de ser um talento nato, muito acima da média. Não é o que ocorre. Principalmente nas cenas com mais diálogos, a sua inexperiência fica evidente, e, por fim, acaba prejudicando o resultado final. Corrin, entretanto, é excepcional como Marion. Sentimos na personagem todo o desgosto, o recalque e o sofrimento de quem não desiste de lutar por uma batalha perdida. Dawson, por sua vez, entrega um Patrick comovente, resignado aos limites do seu amor proibido por Tom.
Visualmente opulento, Meu Policial peca na montagem. Os flashbacks frequentes entre os anos 1950 e 1990 acabam por se tornar um banho de água fria. Quando começamos a nos envolver de verdade no drama do passado, o “presente” dos personagens surge nos inundando com uma monotonia desnecessária. Enquanto em 1958 o trio vive intensamente, em 1990 as cenas se repetem – Tom passeia na praia, Marion fuma olhando pela janela e Patrick segue imóvel (por questões óbvias). Bastaria apenas iniciar e encerrar o filme com os desdobramentos do presente e deixar todo o miolo para o drama do passado, para que a dinâmica mudasse completamente e a monotonia fosse em boa parte espantada dessa produção.
Outra questão muito levantada pela crítica e pelo público (principalmente LGBTQIA+) é a necessidade, de mais uma vez, contar a história macabra dos maus tratos, preconceitos e finais trágicos dos relacionamentos amorosos homossexuais de outrora. Um assunto já bastante abordado em diversas produções das últimas décadas. Por outro lado, me pergunto: existem limites para relembrarmos o passado como um cautionarytale daquilo que não queremos que se repita no presente ou no futuro? Pessoalmente, acho que não.
A questão aqui, entretanto, seria mais a qualidade do resultado do que a repetição do tema. Meu Policial falha, principalmente com Styles, no quesito credibilidade e profundidade, mas acerta no objetivo de nos levar a refletir, mais uma vez, sobre injustiça e preconceito. Por fim, vale acrescentar: o triângulo real de Forster, Buckingham e May não teve um final tão trágico quanto o das suas representações nesta película.
>> Leia aqui a resenha de Não se Preocupe, Querida, o outro filme protagonizado por Harry Styles em 2022
>> Leia aqui oito motivos para não perder um dos concertos da turnê de Harry Styles, que passa pelo Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba) neste início de dezembro
Oito motivos para não perder um dos dez concertos da turnê de 40 anos de carreira, que trará de volta os sete integrantes da formação clássica
Texto por Abonico Smith
Foto: Bob Wolfenson/Divulgação
Já dizia o velho provérbio: onde há fumaça, há fogo. Depois de algumas pistas deixadas na internet que colocaram os fãs alvoroçados sobre a possível realização de um antigo sonho, eis que tudo vem à tona oficialmente e agora como verdade: sim, os Titãs voltarão a reunir em um mesmo palco a sua formação clássica, com o retorno de quatro integrantes que deixaram a banda ao longo dos últimos trinta anos. Vale lembrar ainda que haverá, nesses shows, uma homenagem ao oitavo membro da trupe, Marcelo Fromer, falecido em 2001.
Não é definitivo nem duradouro este reencontro, claro. Isso será parte de uma turnê que celebra os 40 anos de trajetória deste grande ícone do rock brasileiro. O evento ganhou o nome de Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora. Ao todo serão dez datas entre abril e junho de 2023. As cidades que receberão o show especial serão, pela ordem, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília, Curitiba, São Paulo. A pré-venda dos ingressos começa hoje para quem fez cadastro no site oficial da tour. A venda para os outros compradores tem início no próximo dia 22. Informações sobre preços, locais e cadastro você tem ao clicar aqui. Mais para a frente, ainda haverá a disponibilização de particularidades aos fãs, como peças oficiais de merchandising, NFT e até um grupo de Telegram.
Por tudo isso, o Mondo Bacana elenca oito motivos para você não perder de jeito nenhum uma destas dez apresentações dos agora todos 60+. E não titubeie se você nunca teve a sorte de ver a banda “inteira” de uma só vez – já o autor deste texto foi agraciado por esta oportunidade várias vezes pela TV e in loco entre os anos de 1984 e 1992. Esta poderá ser a última reunião dos sete músicos que escreveram o nome dos Titãs na história o rock nacional.
Pós-punk Rio-São Paulo
O começo da década de 1980 foi de uma efervescência mágica nas praias cariocas e nos inferninhos subterrâneos das ruas da cidade de São Paulo. Eram os anos em que a ditadura militar se esfacelava e se arrastava moribunda no Brasil e, talvez por isso mesmo, toda uma cultura jovem se formava nos grandes centros urbanos. Ainda plenamente insatisfeitos com o cotidiano e sua consequente relação com a sociedade tupiniquim que ainda não parecia querer lhes dar muita atenção, esses jovens procuravam falar, gritar, espernear. No Rio de Janeiro, a verborragia e atitude criativa dos vinte e poucos anos se estendia das praias à lona do Circo Voador e às ondas da rádio Fluminense FM, que botava no ar toscas gravações de fitas cassete de novas bandas e cantores (Blitz, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Lobão, Sangue da Cidade), ainda longe de qualquer espaço no mainstream artístico nacional. Já em São Paulo, a coisa acontecia no circuito de boates alternativas como Napalm, Rose Bom Bom, Madame Satã e Carbono 14. A estética traduzia para o português muito do que acontecia no eixo anglo-americano em sonoridades, figurinos e penteados. Enquanto esse underground fervilhava de representatividade nos quadrinhos e tiras de jornal criados por cartunistas como Glauco, Laerte e sobretudo Angeli, bandas como Titãs, Gang 90 e Absurdettes, Ira!, Magazine, Mercenárias, Fellini, Akira S e as Garotas que Erraram, Patife Band, Voluntários da Pátria, Inocentes, Violeta de Outono e Ultraje a Rigor (mais agregados que volta e meia vinham de Brasília, como Plebe Rude, Legião Urbana e Capital Inicial) começavam todo um culto e burburinho ao redor de apresentações ao vivo e gravações em cassete da turma. Lojas como a Baratos Afins, cultuado ponto de encontro de apaixonados por música e colecionadores de discos que circulavam pelas grande galerias do centro paulistano, viravam selos e passavam a transformar, aos poucos, essa cena em realidade fonográfica. Comunicadores como Kid Vinil e Serginho Groisman (mais programas musicaisda TV Cultura e constantes matérias dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo) promoviam também todo um oba-oba em torno desses artistas e sonoridades ainda estranhas para os ouvidos da grande massa.
Performance de palco
Os Titãs começaram com nove pessoas, aglutinando gente que vinha de trabalhos anteriores, como a Banda Performática do artista plástico Aguilar, o Trio Mamão e a banda de ritmos caribenhos Sossega Leão. Quando assinaram contrato com a gravadora Warner e passaram a se apresentar em programas de emissoras de TV paulistas (Cultura, SBT Band) em 1984, fecharam a formação em oito. Era, ainda assim, muita gente para dividir um mesmo palco. Alguns praticavam revezamento de instrumentos. Os dois guitarristas (Marcelo Fromer e Tony Bellotto) e o baixista (Nando Reis, na maior parte do repertório) inventavam coreografias sincronizadas para este subgrupo. Já os três backing vocals de cada música (Branco Mello, Arnaldo Antunes e uma terceira posição que trazia às vezes Nando, Paulo Miklos e Sergio Britto) chamavam a atenção com coreografias esquisitas e individualizadas: Branco se esbaldava no pogo, Arnaldo encantava pelos passos robóticos, Paulo já chamava a atenção pelas caretas e gestos que reforçavam sua aura de esquisito. A esbórnia em cena era tamanha que trazia todo um novo significado para aquela leitura rock’n’rollcult de canções de alma brega (“Sonífera Ilha”, “Toda Cor”). Também havia traços de ska e do reggae jamaicano (“Querem Meu Sangue”, “Marvin”) e um pequeno eco de poesia marginal/tropicalista (“Go Back”).
Televisão
Mal o primeiro álbum, homônimo, abria espaço na mídia e trazia uma pequena popularidade aos Titãs, eles já entraram em estúdio para o segundo álbum, agora sob a produção de Lulu Santos, nome escolhido pelos próprios músicos para conseguir fugir da sonoridade pós-punk das bandas da época. E em menos de um ano depois da estreia, o álbum Televisão chegava às lojas revestindo a alma brega do início da banda com um pouco mais de agressividade nos arranjos e nos vocais. A faixa-título era um libelo contra a programação idiotizante das emissoras de TV da época e, ao mesmo tempo, tornou-se um trunfo sarcástico para eles próprios frequentarem programas de auditório da telinha (Hebe, Chacrinha, Bolinha, Raul Gil, Barros de Alencar) e esfregarem na cara dos espectadores toda aquela passividade sem muito questionamento ou inteligência à qual estavam expostos nas camás, sofás e poltronas de sua casa. Além deste grande hit, o disco proveu outros sucessos menores como “Insensível” e o hardcore “Massacre”. Curiosamente duas faixas deste repertório passaram completamente em branco nesta época e somente se transformaram em hits na década seguinte, depois que o grupo se rendeu à moda dos acústicos da MTV Brasil: “Pra Dizer Adeus” e “Não Vou Me Adaptar”.
Cabeça Dinossauro
Alguns indícios já vinham de Televisão, mas o grupo lançou em 1986 seu grande disco de explosão, visceralidade e revolta depois que dois integrantes (Tony e Arnaldo) foram presos em novembro de 1985, sob a acusação de porte e tráfico de heroína. Liminha, que já assinara a supervisão do disco anterior, agora tomou as rédeas da produção destas 13 faixas que traziam o Titãs se esbaldando feito pintos no lixo no território do punk rock. Em uma tacada só, detonavam instituições (“Igreja”, “Família”, “Polícia”). Previam as criaturas odiosas que sairiam dos esgotos décadas depois para tomar conta do noticiário e da política nacional (“Bichos Escrotos”). Vociferavam contra a elite (“Porrada”), as melodias bonitinhas (“AAUU”), a violência do capitalismo selvagem ( “Homem Primata”) e a do Estado contra seu povo (“Estado Violência”). E, segundo o exemplo da obra anterior, apontavam para um futuro próximo da banda na última faixa – “O Que” partia de uma poesia visual-concretista de Arnaldo para brincar com a sonoridade eletrônica que se acentuaria nos dois álbuns vindouros. Com o passar dos anos, Cabeça Dinossauro apenas confirmou sua condição de clássico, um dos maiores trabalhos do rock brasileiro em todos os tempos.
Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas
Em 1987, depois do avassalador sucesso do acesso de fúria de Cabeça Dinossauro, os Titãs – de novo sob a batuta de Liminha – passaram a flertar mais com a eletrônica e os grooves do funk. Ao mesmo tempo, carregava as letras de protestos contra a situação sócio-econômica de um país que prometia um futuro promissor ao deixar para trás a ditadura militar mas ainda rastejava para dar melhores condições a seu povo. Por isso, além da faixa-título, “Comida”, “Desordem”, “Lugar Nenhum”, “Armas Para Lutar”, “Mentiras” e “Nome aos Bois” definem o lado panfletário do discurso, que ainda traz reflexões sobre excessos pessoais (“Diversão”) e polarizações (“Corações e Mentes”). Em tempo: nesses últimos anos o carregamento de bichos escrotos que pipocou aos quatro cantos do Brasil e do mundo já faz urgente uma necessidade da banda fazer uma versão 2.0 de “Nome aos Bois”.
Õ Blésq Blõm
Prevendo o diálogo com as sonoridades regionais brasileiras que daria o tom ao rock nacional da década seguinte, os Titãs, lançaram outro clássico supremo de sua discografia em 1989, também produzido por Liminha. Assumindo cada vez mais a paixão pelas programações, “Miséria” abre o trabalho logo após a vinheta com um breve sample dos repentistas Mauro e Quitéria. A capa, uma colagem gráfica assinada por Arnaldo, voltava a levar a banda ao território punk. Faixas como “Flores”, “32 Dentes e “O Pulso” (uma lista que intercala doenças e situações doentias que servia, justamente como indica o título, para ratificar toda e qualquer forma de vida) ainda mantinham um pezinho do rock, mas outras como “Deus e o Diabo” e “O Camelo e o Dromedário” reafirmavam o crescimento de um novo Titãs, cada vez mais imerso em experimentações, sintetizadores e batidas eletrônicas. Em tempo: o título veio de uma expressão cantada pelo casal pernambucano em uma língua inexistente, que misturava sonoridades do português com as de outros idiomas. O que, esteticamente, combinava demais com o momento sonoro do octeto.
Muito além da banda
Já faz alguns anos que os Titãs hoje tem a formação reduzida a três integrantes originais (Sergio, Branco e Tony). Pouco a pouco, os demais foram deixando o grupo. Arnaldo foi o primeiro, em dezembro de 1992, a optar por seguir uma carreira solo na qual pudesse conciliar a música com projetos literários e de artes gráficas. Entre 1994 e 1995, durante um período de hibernação da banda para descanso das relações pessoais, alguns dos integrantes fundaram o selo alternativo Banguela ao lado dos saudosos produtores Carlos Eduardo Miranda e Vagner Garcia, revelando nomes como Raimundos, mundo livre s/a, Little Quail and the Mad Birds e Maskavo. Paulo e Nando, neste período, também se lançaram “solo em paralelo”. O baixista se separou de vez do coletivo em 2002, dando início a uma cultuada carreira de cantautor, inclusive regravando sucessos seus na voz de sua amiga recém-falecida Cassia Eller. Em 2010, o baterista Charles Gavin, que já tinha dado bons passos no ramo de pesquisador e produtor musical e estava sofrendo sintomas de pânico e depressão, não aguentou mais a vida na estrada e pendurou as baquetas titânicas. Seis anos depois, Paulo partiu de vez, agora para se equilibrar entre as facetas de cantor solo e ator no cinema e televisão. Os três que ficaram, entretanto, também fizeram bons trabalhos longe da marca Titãs. Sergio e Branco, naquela parada de meados dos 1990, criaram o grupo de pós-punk Kleiderman. O primeiro também chegou a lançar discos solo depois disso. O segundo apostou as fichas na criação de trilhas sonoras para peças teatrais e programas de TV. Já Tony abraçou outra grande paixão, a literatura. Já publicou 12 livros, sendo quatro do detetive Bellini (dois transformados em filme para o cinema). Sua mais recente obra, Dom, também se transformou em série de dramaturgia para o streaming, com roteiro também assinado pelo autor.
Marcelo Fromer
Aluno de violão de Luiz Tatit (professor, linguista e músico do grupo Rumo) na adolescência, apaixonado por gastronomia (publicou o livro Você Tem Fome de Quê? em 1999) e torcedor fervoroso do São Paulo (a loucura apor futebol levou-o ao posto de comentarista do canal esportivo SporTV durante a Copa do Mundo de 1998, frilas de cronista do jornal Folha de S. Paulo e uma biografia inacabada do ex-centroavante Casagrande), Fromer morreu aos 39 anos, no dia 13 de junho de 2001, após ser atropelado por um motoqueiro nos Jardins, em São Paulo. A banda, recém-contratada pelo selo Abril Music, braço fonográfico da Editora Abril que pouco durou no mercado mas teve atuação intensa e lançou discos de nomes como Los Hermanos, Ira!, Capital Inicial, CPM 22, Erasmo Carlos, Inocentes, Ultraje a Rigor, mundo livre s/a, Marina Lima, Rita Lee, Gal Costa, Alceu Valença e Marcelo Nova), estava prestes a começar a gravar as 16 faixas que sairiam no álbum A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana. Abalado pelo trágico acontecimento, o grupo chegou a cogitar encerrar suas atividades. Se isso realmente acontecesse, não sairiam mais clássicos para o repertório dos Titãs como “Epitáfio”, “Isso” e a música-título. Detalhe: este foi o último disco de estúdio do grupo produzido por Jack Endino (Nirvana Soundgarden, Mudhoney), que já havia feito com os brasileiros Titanomaquia (1993), Domingo (1995) e Volume Dois (1998).