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The Town 2023 – ao vivo

Yeah Yeah Yeahs, Foo Fighters, Bruno Mars, Racionais MCs, Criolo + Planet Hemp, Ney Matogrosso, Garbage e Wet Leg: oito grandes shows do festival

Yeah Yeah Yeahs

Texto por Abonico Smith

Foto: Fernando Schlaepfer/The Town/Divulgação (Yeah Yeah Yeahs), Adriana Vieira (Rock On Board), G1/Reprodução (Ney Matogrosso e Bruno Mars)

Foram apenas cinco dias (2, 3, 7, 9 e 10 de setembro) em relação aos tradicionais sete do irmão bem mais velho Rock In Rio. Dando mais espaço ao pop e limando a programação mais voltada para os amantes do metal em sua primeira, o caçula The Town veio para colocar São Paulo na rota dos concert goers no calendário bienal de descanso do evento carioca.

Realizado no mesmo Autódromo de Interlagos que sedia outros megafestivais da capital paulista (como o Lollapalloza, o GPWeek e o Primavera Sound BR), o The Town proporcionou gigs intercaladas entre os dois palcos principais e passou a dar maior importância e visibilidade aos artistas nacionais. Mesmo ainda sendo escalados, em sua maioria, antes das atrações estrangeiras, os brazucas em nada deixaram a dever tanto em matéria de produção, grandiosidade, majestade e recepção de público. Em alguns casos, inclusive, fizeram shows melhores do que quem veio depois. Em outros, foram headliner de (muito) respeito em um desses palcos.

Mondo Bacana destaca agora oito motivos que fizeram os tais concertos marcarem a estreia do The Town no calendário de festivais em verde e amarelo.

Yeah Yeah Yeahs

Já faz um tempo que o uso da palavra diva anda bem banalizado. Pelo menos no terreno da música pop. Outrora utilizado para chamar as cantoras principais das óperas, que sempre soltavam o vozeirão nos palcos, o termo hoje serve para chamar qualquer artista do gênero feminino que se apresenta com mais atributos do que o de cantar, como interagir com quinhentos bailarinos, rebolar e fazer mil e uma trocas de roupa durante o concerto. Por causa da forte sensualização, há um grande apelo de adoração do público LGBTQIA+. Seguindo essa linha de raciocínio, então, estaria correto dizer que Karen O é tudo menos diva? Não, nada disso! E ela simplesmente divou no The Town com uma performance espetacularmente teatral, indo do figurino luxuoso e megacolorido aos irônicos gestuais característicos do mais poseur dos roqueiros empastichados em cima de um palco. O começo com a atmosférica “Spitting In The Edge Of The World” (uma das poucas do novo álbum Cool It Down incluídas no set list) deu a largada para uma hora fenomenal em um dia de peso (artisticamente falando também) e que ainda contou com outras grandes bandas como Garbage, Wet Leg e Foo Fighters. Hits dos três primeiros discos (“Zero”, “Cheatd Hearts”, “Maps”, “Heads Will Roll”, “Gold Lion”, “Y Control”) vieram contrabalançados por b-sides que funcionam muito bem ao vivo (“Pin”, “Soft Shock”, “Shame And Fortune”), muito graças ao ótimo entrosamento entre as texturas da guitarra de Nick Zinner, a bateria escandalosamente jazzy de Brian Chase e o multiinstrumentista David Pajo (Slint, Tortoise, Zwan), que se divide entre teclados, baixo e segunda guitarra. Como se não bastasse tudo isso, Karen ainda brindou, no final, o público com muito sarcasmo frente ao machismo que por muito tempo imperou no rock, colocando o microfone em sua boca e enfiando o mesmo sob a calça. O gran finale foi arremessando o mesmo algumas vezes com muita fúria ao chão. Tem de ter muito culhão para divar tanto assim frente à macharada.

Ney Matogrosso

No primeiro dia do The Town ele fez uma participação mais do que especial. Ao cair da noite sirenes tocaram e o artista entrou no palco para reviver o número com o qual abriu a primeira edição do Rock In Rio, lá no longínquo mês de janeiro de 1985. Naquela época, ele ainda encarnava nos palcos uma evolução da criatura andrógina e mascarada que fez os Secos & Molhados virarem febre nacional entre 1973 e 1974. Afinal, em sua carreira solo continuou rebolando de peito e pernas nuas e cheio de badulaques e adereços. Ney Matogrosso tem, hoje. 82 anos. Você acha que está muito distante daquele passado? Nananinanão. Permanece altamente sensual, enlouquecendo homens e mulheres com seu gás, fulgor e vitalidade. Dança, agacha-se, rebola feito um garoto. A voz, ainda cristalina e marcante. O repertório, claro, provocativo como de costume. Sem muitas novidades, apresentou no festival um show baseado em sua mais recente turnê (e que, por sua vez, gerou um DVD).O repertório é pinçado no que de melhor o pop rock brasileiro entre os anos 1970 e 2000: de Rita Lee a Paralamas do Sucesso,  de Ednardo a Sergio Sampaio, de Raul Seixas a Cazuza. Muitos dos versos cantados por Ney tornam-se provocações ao statussociopolítico do país desses últimos anos (afinal, o disco de origem à tour e ao audiovisual é de 2019, o primeiro ano de desgoverno guiado pelo inominável). Portanto, um octogenário primordial aos nossos tempos e mais incendiário que muito moleque com uma guitarra a tiracolo.

Wet Leg

Foi deveras comovente ver Hester Chambers chorar copiosamente na metade da apresentação enquanto ficava quietinha, sentada ao lado do amplificador. Era muita emoção para ser segurada por uma jovem que foi alçada rapidamente ao estrelato mundial e ainda se vê no meio de todo o furacão da fama e do reconhecimento, tocando para uma multidão de cem mil pessoas. Quer dizer… cem mil pessoas se contar todo mundo que estava no autódromo. Com o esquema dos palcos intercalados, o quinteto inglês levou azar ao ser escalado como headliner de um deles. Afinal, sobrou o horário exatamente antes do Foo Fighters para entrar em ação, o que explicava o cenário bem esvaziado de público – afinal, se para qualquer um ficaria bem difícil concorrer com um headliner como Dave Grohl, imagina para uma banda formada durante a pandemia e que só lançou o disco de estreia no ano passado. Mesmo assim, quem ficou lá para ver a dupla dinâmica Hester e Rhian Teasdale não só ganhou uma performance formidável como também teve o privilégio de ver uma banda tocando em nosso país em plena ascensão ou auge (coisa que, talvez, só possa ser comparado a quem assistiu ao Nirvana em 1993 ou ao Arcade Fire em 2005 ou ao Killers em 2007). Em contrapartida, as meninas e seus três mosqueteiros mostram uma coisa no palco que poucas bandas que tocam para multidões parecem ter: todo mundo estárealmente se divertindo ali no palco, não apenas exercendo um papel profissional, por mais que goste de sua profissão. Talvez pela fama meteórica ainda estar sendo absorvida, talvez pelo lado pessoal extremamente brincalhão das duas (que se reflete também em letras absurdamente bem-humoradas quando não nonsense puro). Mas o fato é que a presença de uma banda como o Wet leg em solo brasileiro ainda faz ter esperança que o rock ainda possa permanecer descompromissado, juvenil e barulhento, com um pé e meio fincado ali na sonoridade da explosão do rock alternativo americano do fim dos anos 1980 e começo dos 1990. A hora dos gritos intensos e descontrolados em “Ur Mum” ou o misto de exclamação e interrogação de “What?!” no hit “Chaise Longue” são bons exemplos.

Racionais MCs

Existem cada vez mais duas certezas a cada grande festival no Brasil. A primeira é a de que o rap é o novo rock – ou melhor, cumpre hoje a função de contundência sonora e desobediência verborrágica que o rock cumpriu perante a juventude até pouco tempo atrás. A outra é barbada: Racionais hoje são o melhor grupo do Brasil. Quando se apresentam ao vivo em grandes espaços não tem para ninguém. Mesmo quando enfrentam como adversidade um dilúvio como o que caiu em São Paulo na primeira noite do The Town. O repertório não precisa trazer nenhuma novidade, bem verdade. Já com várias de suas músicas mais consagradas, como “Capítulo 4, Versículo 3”, “Mil Faces de Um Homem Leal (Marighella), “Jesus Chorou”, Nego Drama”, “Mano na Porta do Bar” e as duas partes de “Vida Loka”, Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e o DJ KL Jay – com o acréscimo de um monte de dançarinos, coral, mais dois DJs e o luxuoso acompanhamento de toda a Orquestra Sinfônica de Heliópolis em várias músicas – lavaram a alma de quem já estava encharcado por fora na pista Interlagos. As batidas e os graves ficaram mais brilhantes com o acréscimo de metais e cordas. Cenicamente, com a ajuda de toda a figuração devidamente fantasiada, coreografada e ensaiada, também é uma coisa de encher os olhos. Faz parecer – como se precisasse – que o discurso que Brown e seus asseclas fazem nos microfones fica ainda mais incisivo.

Criolo + Planet Hemp

Se o rap é o novo rock, o que dizer então quando um dos maiores rappers da atualidade chama uma superbanda de rock que ama e faz rap também para dividir o palco? O resultado é uma apresentação mais pungente, ensandecida, barulhenta e muito mais vigorosa do que as da tarde, com muito funk e trap para o delírio do público mais jovem. Criolo veio antes ao palco, com um repertório calcado em obras mais recentes até emendar clássicos da carreira como “Não Existe Amor em SP”, “Subirusdoistiozin” e “Grajauex”. Aí veio a ex-quadrilha da fumaçapara fazer aquele feat especial e tudo ficar ainda mais pesado na segunda parte do set. “Distopia”, gravado por ambos artistas, já começou mandando o recado: “Os que detém o poder precisam ter medo, medo do povo/ […] Tá tudo errado, irmão/ Então pega a visão/ Pobre defende rico/ Empregado, o patrão/ Político vira herói/ Juízes, super-heróis/ Estão acima das leis/ Acima de tudo, acima de nós”. A força das entonações de Marcelo D2 e BNegão, com o acréscimo de Criolo, tornou-se avassaladora. “Jardineiro não é traficante”, rezou o refrão da cancão seguinte, “Jardineiros”, emendada com “Convoque Seu Buda”, do repertório do paulista, que, por sua vez, propõe a união de culturas religiosas para que se tente superar a violência social. No fim do set list, claro, orgasmo proporcionado por “Mantenha o Respeito” e seu poder irresistível de abrir rodas de pogo e fazer o povo berrar o refrão aplenos pulmões.

Garbage

Shirley Manson é uma baita vocalista. Não só pela voz firme, forte, segura, mas também por todo o apelo cênico. Roupa estilosa, olhar hipnotizante, gestos certeiros. Não há como não se render a ela quando está à frente do palco. Abrindo os serviços do palco principal no dia do rock alternativo, Manson e o trio de produtores macacos-velhos do Garbage (o baterista Butch Vig mais os guitarristas Duke Erikson e Steve Marker) fizeram uma apresentação correta, de qualidade, sem, contudo, fazer os povo tirar o pé do chão do autódromo. Meio que repetiram o esquema de dois diantes mostrado em Curitiba, com apenas uma ou outra troca de música no set list. Primeira metade, morna. A cover industrial de “Cities In Dust”, de Siouxsie & The Banshees, fazendo a virada de página e trazendo uma parte final mais quente e comunicativa, com os principais hits da banda (“I Think I’m Paranoid”, “Stupid Girl”, “Vow”, “Push It”). De novo, também, o destaque ficou para “Only Happy When It Rains”, que começa lenta, melancólica, bluesy, ao piano somente, para depois explodir no indie pop dançante de refrão com uma só frase tão assertiva quanto chiclete: “Pour your misery down on me” (“Despeje em mim a sua angústia”). 

Foo Fighters

Se o rock não dinossauro ainda carrega multidões para os estádios no Brasil, muito disso é culpa do Foo Fighters. Comandado por Dave Grohl e formado por músicos que passaram por importantes bandas nascidas e oriundas do underground americano (Nirvana, Nine Inch Nails, Sunny Day Real Estate, Germs, Devo), o FF é um amálgama poderoso do que de melhor existe na música feita por guitarras. Ali estão sementes plantadas pelo punk rockpost-punk (também chamado de new wave), hard rockblues rockhardcore… Por falar em hardcore, cada vez mais, no conjunto de obras pinçadas ao vivo de toda a trajetória discográfica, fica mais evidente a gênese do grupo no emocore. Refrãos explosivos, guitarras furiosas, riffs matadores, vocais estrategicamente berrados, andamentos ora acelerados ora mais lentos: todos elementos gerados nos porões do circuito independente americano dos anos 1980, fermentado por bandas seminais como Embrace e Rites Of Spring (que depois dariam origem ao Fugazi) mais Gray Matter, Fire Party, Hüsker Dü, Moss Icon, Policy Of 3 e Still Life. Por emocore, vale lembra, entenda o berço musical que desembocou em gerações posteriores que acabariam definidas pelos nomes de pop punk e tão somente emo. No set, o sexteto despejou uma saraivada de hits e levou o público ao delírio. Foi uma espécie de agradecimento a quem os ajudou a se manter vivo após a tragédia ocorrida no começo do ano passado, com a morte de Taylor Hawkins na Colômbia, e um pagamento pela dívida dos shows cancelados no resto da turnê sul-americana, incluindo o do nosso Lollapalooza. Só que quem esteve na passagem da banda por Curitiba dois dias antes percebeu que o set list de SP foi um pouco menor (faltaram duas músicas em Interlagos) e que na capital paranaense Dave mostrou-se mais empolgado e com mais gás. No fim das contas, entretanto, isso não afetou muito o resultado da troca com a plateia bastante emocionada.

Bruno Mars

Das cinco noites ele foi a atração principal de duas, curiosamente os dois domingos. E foi o headliner que fez esgotar em apenas uma hora TODOS os ingressos de ambos os dias voltados para a música dançante. A expectativa pela sua vinda era alta, o cachê também. O astro havaiano não decepcionou: entregou um show vibrante a seus fãs, que mostrou o porquê de ser um dos grandes nomes da música pop americana dos últimos anos. Sua performance foi impecável. Na voz, nos falsetes, no comando coreográfico de sua banda (os instrumentistas faziam também a parte dos bailarinos), nos arranjos. Tudo bem que muita gente pode considerá-lo um sub Michael Jackson ou ainda uma tentativa de soar como o trio Police, mas é justamente aí que reside aí o maior talento de Mars: trafegar fluidamente entre o pop, o soul, o rock… e o populismo! Afinal, a plateia veio abaixo quando o tecladista de sua banda mandou uma base instrumental de “Evidências”, logicamente comandada por um coro de cem mil vozes. Se alguns hits pipocaram durante o set list, o final com “Just The Way You Are” e o bis com “Uptown Funk” (parceria de Bruno com Mark Ronson) levou ao êxtase quem foi vê-lo.

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Lollapalooza Brasil 2023 – ao vivo

Billie Eilish, Modest Mouse, Jane’s Addiction, Paralamas, Aurora, Baco Exu do Blues, Tove Lo e Cigarettes After Sex: shows que marcaram o festival

Billie EIlish

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução

Entre os dias 24 e 26 de março foi realizada a décima edição brasileira do festival Lollapalooza, a última em parceria da produtora T4F com a americana LLC, detentora da marca do evento. Depois de cinco recentes cancelamentos de concertos programados para este ano, todo mundo foi surpreendido com a não vinda ao Brasil do headliner da última noite, o canadense Drake, horas antes dos portões do Autódromo de Interlagos serem abertos. A desculpa oficial do artista, esfarrapada, não colou: a de que estariam faltando pessoas de sua equipe no país. Entretanto, ele foi visto na madrugada anterior festando em Miami em conjunto com o rapper 50 Cent. E mais: estas pessoas de sua equipe já estavam em SP instalando no autódromo os telões e o material de seu espetáculo. Mas como é sempre melhor falar de coisas boas, deve também ser registrado um marco desta edição: pela primeira vez o line-up estava dividido quase igualitariamente entre artistas dos dois gêneros.

O Mondo Bacana comenta um pouco dos oito shows que deixarão esta edição do Lolla na história dos grandes festivais de música pop do Brasil.

Billie Eilish

Única headliner originalmente anunciada a se apresentar em Interlagos (além de Drake, o Blink 182 também não veio para cá), ela já era aguardada havia algum tempo por aqui. Afinal, este seria seu primeiro concerto no país, já que o anterior fora cancelado por causa da pandemia. Em cima daquele palco enorme, tendo a companhia apenas de seu inseparável irmão e produtor Phinneas e um baterista, ela – com o verde e amarelo predominando no figurino grande e largo sobre a malha preta que lhe escondia o corpo – entregou o que prometia: uma boa coleção de letras intimistas a respeito de observações, sensações e sentimentos de uma garota vivendo os anos finais de sua adolescência. Intimista também foi sua performance: sem muitos pulos, correrias ou coreografias ensaiadas, era quase apenas ela cantando ao microfone. Quer dizer, cantando às vezes. Billie só cantava o necessário e muitas vezes sua voz ecoava pelo autódromo junto com os instrumentos também pré-gravados. O que deixava o show redondo, sem espaço para improvisos ou erros. Só que teve momentos em que os manos abriam mão do playback e se arriscavam em momentos semiacústicos para mostrarem que não são uma fraude ao vivo: foram cerca de meia dúzia de canções com Phinneas dedilhando o violão ou o piano para a irmãzinha soltar o gogó de alcance não muito grande.

Modest Mouse

Quem foi a genial pessoa responsável pela grade de shows que conseguiu jogar o grupo para uma tarde de sexta-feira? Modest Mouse – um dos ícones do indie rock americano dos anos 2000 – não é para a GenZ, é para gente mais velha. Melhor: para quase todo mundo que não tem a) grana disponível de salário ou frilas para pagar o caro ingresso do festival; b) saco ou corpo para aguentar ficar um dia sequer em uma maratona de shows; c) horário disponível para ir assistir a uma banda tocar às quatro da tarde de sexta-feira. Sob um sol escaldante, o vocalista Isaac Brock estava vermelho feito um camarão, à frente de seu quinteto que foge da musicalidade óbvia e mistura lo-fi, folk e psicodelismo em doses nada comerciais. O resultado foi uma banda competentíssima tocando para quase ninguém, sendo a maior parte disso gente que desconhecia por completo o repertório loteado entre sua boa discografia. Hits como “Float On” e  “Dashboard” ficaram desperdiçados  naquela escala gigantesca ao ar livre. De qualquer maneira, quem viu in loco ou pelo streaming foi abençoado pela tardia estreia do Modest Mouse em solo brasileiro. Antes tarde do que muito mais tarde. Antes de tarde durante a semana do que nunca.

Jane’s Addiction

Perry Farrell idealizou o Lollapalooza em 1991 como um festival ambulante, que pudesse rodar algumas grandes cidades norte-americanas com uma escalação de excelentes bandas alternativas como suporte para a turnê de despedida de sua banda. Deu tão certo que o Jane’s Addiction se separou mas o Lolla continou trilhando seu caminho de sucesso durante os meados dos anos 1990. Perry, então, quase sempre vem prestigiar a edição brasileira. Agora trouxe a tiracolo a reformada banda que o revelou para o mundo da música. Integrantes originais… ou quase, já que o guitarrista Dave Navarro (que saiu do JA para tocar no Red Hot Chili Peppers) continua afastado dos palcos para tratar da saúde (covid longa como justificativa oficial, rehab longa como rumor alimentado entre os fãs do grupo). De qualquer forma, seu substituto, o também ex-guitarrista do RHCP Josh Klinghoffer, mostrou ser uma escolha acertada. Enquanto o baterista Stephen Perkins e o baixista Eric Avery (que também costuma ser músico de apoio do Garbage) se entendem perfeitamente em uma cozinha rítmica hipnótica e dançante, Josh jorrava os efeitos de pedais que fazem a sonoridade da banda flutuar entre o hard rock, o psicodelismo e o groove. Para completar, uma trinca de dançarinas comandada pela atual mulher de Farrell faziam pole dances sensuais ao fundo do palco, dando um approach cênico diferente às canções. Em Interlagos, o set list foi reduzido por conta do tempo destinado ao show, socado no meio da programação da tarde do segundo dia. De qualquer forma, ficou bem dividido entre os dois primeiros e incensados discos da banda, concebidos entre 1988 e 1990, antes das brigas internas que levaram à implosão precoce da carreira. De qualquer forma, reunidos já nas casas dos 50 e 60 anos de idade, os músicos mostraram por aqui que estão como vinho: quanto mais velhos, melhor. Maturidade e experiência – e um longo hiato interrompido por outras duas reuniões e discos criados em 2003 e 2011 – fizeram bem. Em um sábado fraco de opções, o Jane’s Addiction chegou quietinho e fez uma puta (e despretensiosa) apresentação. Ainda terminou com uma batucada em homenagem ao amigo Taylor Hawkins, que morria havia exatamente naquela data, no ano anterior… horas antes do show do Foo Fighters na Colômbia e de viajar para tocar no Lollapalooza brasileiro.

Paralamas do Sucesso

Ter 40 anos de carreira fonográfica não é para qualquer um. Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone sabem disso e utilizam um arsenal de clássicos colecionados em sua extensa discografia para disparar um show magnífico. É hit atrás de hit  quase sem intervalo para respirar. Foi assim neste Lollapalloza, na tarde de sol de um domingo para uma maioria de plateia formada por GenZ e millennials. O repertório começou com canções mais representativas da faceta ska (“Vital e Sua Moto”, “Patrulha Noturna”, “Ska”, “Loirinha Bombril”) e passeou por toda a galeria das duas primeiras décadas de carreira, misturando reggaedubafrobeat, rock, citações (Tim Maia, Titãs, Raul Seixas) e muita injeção rítmica contínua para não deixar ninguém totalmente parado – pelo menos um dos pezinhos não teve como resistir. Herbert começou enfrentando problemas técnicos, contornados sabiamente com conversas fora do microfone com um roadie enquanto não parava de cantar as letras para a plateia. Tirando este pequeno detalhe, que não chegou a comprometer a apresentação aliás, os Paralamas mostraram toda a sua realeza na música pop nacional. Não precisa de firulas, telões, coreografias, trocas de roupa, andar para lá e para cá no palco ou ao redor dele. Só precisa de música. E muito boa música. Referências para se criar música de qualidade eles sempre tiveram também. São uma banda pós-punk brasilis roots (a sonoridade two-tone em verde e amarelo, inclusive com versos politizados e críticos transformados para a nossa realidade!) e isso ainda faz toda a diferença. Mesmo diante de uma molecada que não chegou a viver os tempos dos vinis e CDs lançados com essas músicas.

Aurora

É só começar a ouvir a sua extensão vocal de soprano que não tem como não embarcar junto nesta fantasia musical que é seu show. Ela mesma parece uma pequena e adorável duende, sempre a saltitar feliz e travessa pelos vastos campos verdes. Seu look também ajuda: vestes claras e em tonalidades pasteis, pés descalços, pele alva e um cabelinho curto e de um chanel tão branco quanto sua melanina norueguesa. Muita gente que estava ali na plateia sabia de cor e salteado as letras, cantava junto e se emocionava por estar na frente de Aurora Asknes. Pudera. A artista faz da voz um belo poder instrumental, além de ser hábil nas palavras para demonstrar seus mais profundos sentimentos acerca da vida e da natureza. Mas também não precisa ser expert na obra dela para se render ao poder desta guria escandinava, solta, espontânea, natural e sem qualquer maquiagem, capaz de provocar um midsommar tão contagiante aqui no hemisfério sul e em pleno cair da tarde de um domingo quente brasileiro.

Baco Exu do Blues

Ele entrou na grade do Lolla como uma rápida solução caseira para suprir o cancelamento quase em cima da hora de Willow, filha do astro Will Smith. E ainda entregou uma das mais emocionantes performances em língua brasileira deste Lollapalooza. Generoso, o baiano de quatro discos lançados nos últimos seis anos fez questão de não brilhar sozinho. No telão, prestou reverência a personalidades negras já falecidas como Marielle Franco, Elza Soares, Muhammad Ali, 2Pac Shakur e Nelson Mandela. E no meio do repertório montado com alguns de seus grandes sucessos ainda cedeu espaço lá na frente para cada uma de suas backings (Aísha, Alma Thomas e Mirella Costa) dividirem as atenções, o microfone e o gogó poderoso. Mirella, por sua vez, protagonizou uma emocionante homenagem à também soteropolitana Gal Costa, ao mandar, a capella, um trecho de “Força Estranha”. Mancando e dando passos lentos, Baco fez o que pode, cenicamente, para superar o estiramento na panturrilha sofrido poucos dias antes. E ainda mandou a letra para espinafrar o grande ausente da noite, Drake, sendo complementado por xingamentos dirigidos pelo público ao astro chiliquento canadense. Mostrou, como Kevin Parker (Tame Impala) na noite anterior, que nem sérias limitações físicas para a locomoção não podem servir como desculpa para não cantar aos fãs.

Tove Lo e Pabllo Vittar

Tove Lo

Outra atração nórdica dominical, a sueca mostrou que um show de música pop pode muito bem ser construído em cima de… música pop. Nada pode tirar o primeiro plano. Pelo contrário. Figurinos podem ser um bom complemento (no caso, uma roupa colante em tons verdes que lhe permitiu fazer o manjado gesto de mostrar os seios à plateia). Coreografias também. Mas um palco deve ser povoado por musicistas tocando seus instrumentos, cantora realmente cantando e dispensando playbacks descarados e a ausência de um time de bailarinos indo para lá e para cá, chamando mais a atenção dos olhos do que os ouvidos. Tove Lo é muito mais discípula de Madonna do que muita gente pode pensar. Ela canta, dança, brinca com a sexualidade diante de uma multidão e mostra ser uma artista de força suficiente para ter um longo futuro pela frente. E olha que ela já tem cinco álbuns feitos de 2014 para cá.

Cigarettes After Sex

Todo ilusionista sabe muito bem que o segredo do sucesso de sua performance está na habilidade de deslocar a atenção do público para um local diferente daquele onde realmente “acontece” o truque. A derradeira das três noites do Lolla, de fato, foi equivalente a um show de ilusionismo. Todo mundo esperando o headliner Drake e depois todo mundo desapontado e xingando o arredio Drake por nem ter viajado ao Brasil. Muita gente comentando o fato de que o DJ e produtor de IDM Skrillex havia sido escalado de improviso para ocupar o horário e o palco anteriormente destinado ao fujão. Muita gente indo embora ao cair da noite, já desesperançoso de que ali em Interlagos acontecesse mais alguma coisa estupenda no autódromo. Espertos, porém, foram aqueles que não arredaram o pé e ficaram no local (ou sintonizados no streaming) até as nove da noite, de olhos bem atentos a um dos palcos secundários. Ali, já aos 45 minutos do segundo tempo do festival, os acréscimos permitiram uma magnífica performance de um singelo trio norte-americano que, por meio da internet, tornou-se objeto de culto nos últimos anos por um pessoal mais antenado. O Cigarettes After Sex veio para impactar com todo o seu minimalismo. Cênico, com seus integrantes tocando quase sempre parados no palco, dispostos geometricamente lado a lado. Sonoro, com somente um vocal (de seu líder e criador Greg Gonzalez) e a mínima movimentação possível de baixo, guitarra e bateria. Havia uma textura de teclados pré-gravados disparada como pano de fundo para a maioria das canções. Mas isso só reforçou a atmosfera etérea e hipnótica do concerto. Fotógrafos não foram permitidos no pit à frente do palco. Quem ficou em casa assistiu a uma transmissão noir, que impôs a ausência de captação de qualquer cor pelas câmeras que não fossem o preto e o branco. Com ares de cabaré decadente, algo tipicamente David Lynch, o CAS fechou as cortinas da décima edição premiando poucos felizardos com algo meio difícil de acontecer em um grande festival. Truque de mestre.

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Lollapalooza Brasil 2022 – ao vivo

Oito motivos para celebrar o retorno do festival cantando os versos “olê olê olá! Lolla! Lolla!”

Planet Hemp

Textos por Abonico Smith

Fotos: Lolla BR/Camila Cara/Divulgação

Enfim, a música está definitivamente de volta aos palcos no Brasil. E os festivais de música também. Depois de dois anos de muito isolamento, distanciamento e congelamento de eventos artísticos provocados pela pandemia, com os números em queda e o gradativo relaxamento das regras sociais, a grade de grandes eventos pode ser retomada em 2022. No terreno da música pop, tudo começou no último final de semana, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, com os quatro palcos e três dias do Lollapalooza Brasil, que, entre 25 e 27 de março, retomou um pouco daquela programação que estava sendo esperada para 2020, mas com várias alterações sendo feitas a cada cancelamento, até mesmo nas últimas semanas com a desistência de duas bandas internacionais por conta de gente diagnosticada com a covid-19. Surpresas que se prolongaram até a véspera do domingo, com o mundo sendo pego de surpresa pela notícia da inesperada morte de Taylor Hawkins, o carismático baterista do Foo Fighters, o último dos três headliners, horas antes de um show em outro festival na Colômbia.

Mondo Bacana lista oito motivos que vão fazer você se lembrar para sempre desta edição um tanto confusa e atabalhoada mas extremamente importante para ajudar a recolocar os grandes festivais e eventos musicais no eixo em território brasileiro.

Wombats

Este trio liverpludiano de nome de marsupial australiano e carreira sólida no circuito indie rock europeu merecia ter sorte melhor em sua primeira vinda (tardia, já que a discografia aponta cinco trabalhos em 15 anos) ao Brasil. Mal havia começado seu set e do nada veio um toró danado, com muitos raios e ventos, o que forçou a organização a cancelar tudo imediatamente e evacuar palco e plateia pelo risco de acidentes próximos a instalações metálicas. Foram só cinco músicas, mas o suficiente para ver que o vocalista Matthew Murphy e seus comparsas tinham muita lenha para queimar naquela tarde de sexta-feira. Misturando guitarras e grooves e com hits poderosos como “Moving To New York” e “Techno Fan”, lá do início da carreira, estrategicamente colocados no pontapé inicial para incendiar tudo. Só que aí veio o inesperado. A chuvarada veio impiedosamente para apagar todo o fogo da banda. Pelo menos restou a suspeita de que ano que vem eles deverão estar de volta por aí para compensar o “pocket show forçado”.

Strokes

Muita gente pode achar sem sentido a escalação do Strokes como headliner de um grande festival, justificando que o quinteto nova-iorquino está longe de seu auge criativo. Pura bobagem! Se bandas como Red Hot Chili Peppers e Guns N’Roses vivem desembarcando aqui no Brasil com o mesmo status, porque a trupe de Julian Casablancas não poderia também? OK, as vendagens podem não ter sido tão grandiosas se comparadas a estes nomes, mas a importância e a significância para tal ponto. Afinal, ajudaram a consolidar uma nova linguagem do rock, tão suja e underground quanto seus antecessores que consolidaram o punk e o alternativo no subsolo norte-americano. E, bem, musicalmente continuam muito bons. Simples, direto ao ponto, sem firulas (até mesmo nos solos). Julian Casablancas continua cantando cinicamente desanimado, como um “tô nem aí para nada”, agarrado no pedestal, de óculos escuros e na maior pose antipopstar. Aliás o foda-se desta vez estendeu-se também à escolha do repertório. O grupo ousou ao eliminar escolhas óbvias para festivais como de hits (como “Someday” e sobretudo “Last Nite”), pegar lados B dos dois primeiros álbuns (“Under Control”, “Trying Your Luck”, “Take It Or Leave It”, “New York City Cops”) e bancar um terço do set list (cinco de quinze) com faixas do álbum mais recente, lançado logo depois do lockdown mundial provocado pelo decreto da pandemia. Gran finale da primeira noite!

Emicida

Há muito tempo que, em se tratando de peso e atitude, o rap é o novo rock aqui no Brasil. Depois de uma série de discos acachapantes, Emicida veio para este Lollapalooza disposto a provar que, sim, pelo menos em se tratando de festivais de música a revolução pode ser televisionada em nosso país. AmarElo, o show, é uma porrada na cara, um soco no estômago, um tapa do Will Smith em todos os sentidos. Banda afiada, com duas guitarras poderosas, baixista-maestro, percussão dando peso às batidas do DJ. Com versos de forte conteúdo racial, social, político e (por quê não?) de relacionamentos pessoais – a ponto de levar a um festival pop o pastor Henrique Vieira para mandar um sermão contagiante no final com “Principia”. Antes, porém, uma trinca matadora com participações especiais: Rael em “Levanta e Anda”, Drik Barbosa em “Luz” e Majur em “AmarElo”(aquela na qual o sample com o refrão gravado originalmente na voz de Belchor vira transe coletivo).

Miley Cyrus

Às vésperas de completar 30 anos de idade, a ex-Hannah Montana libertou-se de todas as amarras imagéticas que ainda poderiam estar assombrando seus trabalhos anteriores. Sonoramente, lançou-se fundo no rock, com muitas timbragens e elementos oitentistas sem abandonar a veia pop dos arranjos. Visualmente, toda de preto e cabelo platinado no melhor estilo femme fatale eternizado por Madonna também nos anos 1980. De quebra, ainda chamou a amiga Anitta ao palco para celebrar “a brasileira número um mundial do Spotify” e mandar – rebolando bastante, claro – um feat do novo hit dela “Boys Don’t Cry”. Só que nem tudo é perfeito. Para os millennials, Miley pde ser o máximo, impactante, de causar arrepios. Só que quem tem mais idade e já viu muito mais coisa no rock’n’roll sabe que tudo nao passa de um pastiche. Bem produzido mas um pastiche. Rola um déjà-vu atrás do outro, com lembranças que vão de Bon Jovi a… Madonna! Isso sem falar no amontoado de covers sem sentido (já que ela é uma headliner com carreira já longa e consolidada) que deformam Pixies (“Where Is My Mind?”), Blondie (“Heart Of Glass”) e Nancy Sinatra (“Bang Bang”). Ah, sim, teve toda a encenação do choro pela morte do grande amigo pessoal Taylor Hawkins no meio do show (quando ela cantou “Angles Like You” sentada em uma cadeira agarrada a uma bolsa de grife da qual tirou um lencinho para enxugar as lágrimas sem borrar o make). Por falar em grife, o que dizer do enorme casaco de inverno verde que ela teve de vestir e cantar por uns dois minutos usando durante a primeira música. Contratos de parceira publicitária? Muito rock’n’roll isso, né? No telão ao fundo, a frase “sell out to sell out”(em bom português, “vender-se para se vender”). Pose dez, atitude duvidosa no fim das contas. Será que é disso que o mundo necessita mesmo?

Idles

Já faz alguns anos que as terras britânicas vem exportando ao mundo uma série de novas bandas excitantes. Muitas delas, inclusive, com inspiração clara nos bons sons alternativos norte-americanos dos anos 1990. O Idles é um destes exemplos. Formado na cidade de Bristol, o quinteto vem concebendo álbuns maravilhosos em série (foram quatro desde 2017) e é nos concertos em grande escala que vem fazendo sua fama expandir ainda mais. Se a sonoridade já era brutal em pequenos espaços, quando o palco ganha proporções gigantescas – como é o caso dos festivais a céu aberto – parece que a banda também se agiganta com facilidade extrema. Aqui no Brasil, tocando pela primeira vez, não foi diferente. Com um pezinho naquela mistura entre o punk rock, o hardcore e o industrial e lembrando bandas clássicas de selos como Touch and Go (de Chicago) e Alternative Tentacles (criado por Jello Biafra em San Francisco). O quinteto insano jorrou em pouco menos de uma hora treze músicas praticamente coladas uma na outra – com claro destaque para o segundo álbum, Joy As An Act Of Resistance, de onde vieram sete delas). Ao vivo, parece que cada músico dispara para um lugar separado, tanto nas notas musicais como na performance cênica individual. A somatória desta coisa toda aparentemente difusa acaba atordoando, formando um conjunto monolítico com altos graus de ironia e sarcasmo – nas danças ora patéticas ora intensas dos músicos, na verborragia cuspida pelo vocalista Joe Talbot, na pancadaria rítmica da e bateria, nas distorções e microfonias incessantes formadas por toneladas de pedais ligados ao baixo e às duas guitarras. Nunca um fim de tarde de domingo soou tão longe de ser modorrento.

Libertines

Depois do Idles, no mesmo palco principal do Lolla vieram os Libertines, atração praticamente acertada de última hora, já que duas semanas antes do festival o Jane’s Addiction cancelou a vinda por conta de casos de covid em sua equipe. E, olha, nunca uma escolha poderia ter sido tão acertada e oportuna quanto esta. Afinal, lá atrás, quando estiveram pela primeira vez no país também em um grande festival, a banda estava no seu auge mas se encontrava temporariamente sem um de seus frontmen, o guitarrista e vocalista Pete Doherty estava temporariamente afastado de suas funções em virtude de uma sentença judicial que o levou à cadeia. E Carl Bârat sem Pete é como Piu-Piu sem Frajola, Buchecha sem Claudinho. Agora, Pete e Carl ficaram lado a lado, alternando-se nos vocais no típico repertório “banda de bar” que fez a fama do quarteto lá na primeira metade dos anos 2000 – o set list contou com treze faixas extraídas dos dois primeiros e mais famosos álbuns. Com a poderosa ajuda do experiente baterista Gary Powell (que, dez anos mais velho que os dois e negro, ainda insere com extrema competência elementos de jazzblues e soul nos arranjos). Tudo bem que a idade já começa a pesar nos ombros. Com 43 anos de idade, não são mais aqueles likely lads que promoviam performances anárquicas em pequenos palcos nas gigs em Londres e arredores. Pelo menos estão vivos e esperneando, sempre prontos para mandar clássicos do indie rock do século 21 como “What Became Of The Likely Lads”, “What Katie Did”, “Boys In The Band”, “Time For Heroes” e “Can’t Stand Me Now”. Sorte nossa, mesmo que muita gente mais jovem que estava in loco no Lolla não tenha dado a mínima por achar que rock é o que menos importa na música de um festival.

Mano Brown

O rap é o novo rock

Perto da meia-noite de sexta para sábado (horário de Brasília) chega a notícia bombástica: horas antes de se apresentar em um festival na Colômbia, o baterista do Foo Fighters Taylor Hawkins morre no hotel. Mais um problema – e que problemão – de última hora para a escalação do festival: como resolver em questão de menos de dois dias a substituição da banda para encerrar a programação do palco principal no domingo? A solução estava bem perto e, de certa forma, vinda de um lado inesperado para muita gente: ela respondia por Emicida. Admirador da banda de Dave Grohl, assim como a guitarrista de sua banda, Michele Cordeiro, ele recorreu a um punhado de amigos rappers e resolveu prontamente o problema de logística: montou um show tão longo quanto, juntando um monte de artista que nas últimas três décadas ajudou a cristalizar o hip hop como um dos gêneros musicais mais populares do país. Deste jeito, o concerto improvisado – anunciado como uma homenagem a Taylor Hawkins sem, contudo, prender-se ao modelo chato de tributo de execução das principais músicas gravadas pelo homenageado – foi dividido em duas partes. Na primeira, os DJs Nyack e KL Jay deram o suporte soltando as bases para nomes como Emicida, Rael, Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Djonga, Ice Blue e Mano Brown mandarem algumas das principais composições de suas carreiras (…). A metralhadora verborrágica da turma revelou-se tudo aquilo que anda em falta nas bandas mais tradicionais de rock: sagacidade, rebeldia e periculosidade intelectual. Na segunda, os DJs e MCs individuais cederam o palco ao Planet Hemp, que veio do Rio de Janeiro para mostrar que a produção do festival cometeu um grande erro ao não escalá-lo. Com a banda afiadíssima e misturando hardcore, psicodelia, samba e jazz ao canto falado de Marcelo D2 e BNegão, o PH é uma das poucas bandas brasileiras de rock realmente avassaladoras ao vivo hoje em dia. Peso, contundência e, claro, aquela chama capaz de nunca se apagar. Tanto uma metade quanto a outra pode ser definida como uma oportunidade para celebrar o amor, a música e a possibilidade de se estar junto àquelas pessoas que amamos. E não bastasse esses lados A e B do novo concerto, houve ainda um “prefácio” tocante com Michele e Mônica Agena dedilhando lentamente suas guitarras e tornando “My Hero” ainda mais emocionante. No fim, depois do Planet Hemp, mais uma homenagem direta a Hawkins. O Ego Kill Talent, banda brasileira escalada para abrir a última turnê brasileira do FF em 2018, encerrou as atividades com duas músicas: uma autoral mais “Everlong”, a primeira cover tocada pelo quinteto durante toda a sua trajetória de shows. Se em um primeiro momento tudo parecia triste, perdido e arrasado para o encerramento de domingo do Lolla, depois dessa turma toda ninguém mais teve dúvida de que valeu muito a pena ter ido ao Autódromo ou ficar vendo pela TV toda aquela competente gambiarra improvisada horas antes.

#ForaBolsonaro

Sabe aquele tiro que sai pela culatra? Pois foi bem o que aconteceu neste Lollapalooza. Na sexta-feira, um fã deu a Pabllo Vittar uma bandeira com a cara e o nome de Lula e ela saiu correndo com o objeto, tremulando-o ao vento, em disparada pelo corredor que separa uma metade da outra do público. A foto saiu estampada em todos os portais de notícias. Em outro palco, a cantora galesa Marina Diamandis mandou, em alto e bom português, um “#ForaBolsonaro”. Os Strokes saíram do palco usando o microfone para falar a mesma coisa. Foi o que bastou para Jair Bolsonaro ficar nervosinho e, disfarçando sob a assinatura de seu novo partido, pedir judicialmente a reativaçãoo da censura a artistas, proibindo-os de expressar suas opiniões travestidas de, segundo suas palavras, “campanha para presidente antes do período determinado pela lei”. Só que ele pode e sempre faz isso. E o pior: o mesmo ministro do TSE Raul Araújo que endossou o pedido e faz voltar a valer a censura neste país foi aquele que, semanas antes negara pedido de retirada de outdoors irregulares fazendo campanha para Bolsonaro em uma cidade de Mato Grosso do Sul. Mas de nada adiantou esse passo rumo ao retrocesso. Depois de sábado, quando a notícia estourou pelos bastidores, foi um tal de “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” (como disse Lulu Santos ao adentrar o palco do Fresno para uma participação especial). No mesmo dia, Silva puxou o coro do incentivo para que jovens entre 16 e 18 anos (faixa etária para a qual o voto é facultativo) tirassem seu título de eleitor para poderem ir às urnas em outubro próximo. O grupo gaúcho também mandou um #ForaBolsonaro no telão. Logo depois, Gloria Groove entrou com uma blusa semelhante a um uniforme de time de futebol, tendo escrito atrás seu nome e o número 13. Emicida, tanto no sábado quanto no domingo, reforçou que o amor vale mais que o ódio e também mandou a hashtag mais famosa destes últimos quatro anos no país. Criolo não disse nada, apenas vestiu uma camiseta com a urna eletrônica na frente, mais um título de eleitor atrás. Bivolt demonstrou toda a sua insatsifação com o atual desgoverno federal no rap freestyle. Mas, claro, a maior vociferação contra a absurda ação autocrata veio de Marcelo D2. “Não, hoje #EleNão. Hoje #EleNão vai fazer a narrativa. A gente vai fazer a narrativa. Isso aqui é sobre amor. É sobre Taylor Hawkins. Sobre Chorão. Sobre Chico Science. Sobre Sabotage. Sobre Speedfreaks e Skunk.”, mandou logo ao entrar com o Planet Hemp, lembrando os nomes de amigos e ídolos já falecidos, sendo os dois últimos um ex-colaborador e um dos fundadores do PH. Aí mandou a letra de “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, manifesto antinarrativa de direita da Nação Zumbi. Depois emendou “Distopia”, música inédita “sobre esperança” com base jazzy que estará no disco da banda que será lançado do próximo semestre. O refrão trazia um jogo de palavras hipnótico (“Desobedeço o obedeça/ Obedeço o desobedeça”) enquanto o telão repetia outra parte da letra (“Repense Reflita Resista Recuse”). Em “Dig Dig Dig” reviveu o canto de Zumbi eternizado por Jorge Ben (“Zumbi é o Senhor das Guerras/ Zumbi é o Senhor das Demandas/ Quando Zumbi chega/ É Zumbi é quem manda”). Antes de “queimar tudo até a últimaponta”, aproveitou para xingar diretamente Bolsonaro. Depois, lembrou que a musica “Zerovinteum”, há quase trinta anos, já falava sobre o problema das milícias no Rio de Janeiro – e ainda atestou estarem presentes sempre os assassinados Marielle e Anderson. Também levou um improvável hino do Ratos de Porão ao palco do grande festival mainstream com a cover de “Crise Geral” e antecipou a execução de “Contexto” dizedo que de nada adianta acreditar em um salvador da pátria e só fazer algo ao ir lá votar no dia da eleição. Ah, sim: não deixou de entoar a famosa musiquinha adaptando-a para homenagear o festival: “olê olê olá! Lolla, Lolla!”. Os artistas sambaram bonito em cima da cara do “é melhor Jair embora de uma vez”. Em tempo: o festival não foi notificado pela justiça porque o pedido de censura foi tão incompetente que nenhum dos dois CNPJs informados ali batiam com os responsáveis pelo evento. Em tempo 2: na segunda-feira, quando não adiantava mais nada porque tudo já acabara no domingo, Araújo suspendeu as manifestações políticas no Lolla afirmando que o texto da solicitação do PL o havia induzido a erro. A emenda ficou, de vez, pior que o soneto…