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Knotfest Brasil 2022 – ao vivo

Festival criado e encabeçado pelo Slipknot ganha sua primeira edição no país com doze atrações e shows de qualidade

Slipknot

Texto por Bruno Eduardo (Rock On Board)

Fotos por Rock On Board (Vinicius Pereira: Slipknot; Rom Jom: Judas Priest, Mt Bungle, Bring Me The Horizon e Sepultura)

No último dia 18 de dezembro foi realizada a primeira edição do Knotfest Brasil, em São Paulo. O festival, idealizado pelo Slipknot, reuniu naquele domingo doze bandas em dois palcos e teve todos os seus ingressos esgotados. Cerca de 45 mil pessoas estiveram no local para acompanhar bons shows, incluindo medalhões e bandas da nova geração. 

Mesmo gerando algumas críticas por parte do público, os palcos localizados em cada extremo do Anhembi até que funcionaram bem na questão de mobilidade entre os shows. Com as atrações alternadas entre o KnotStage e o Carnival Stage, os fãs precisavam se deslocar de um lado ao outro do sambódromo assim que terminava uma apresentação, para poder assistir à seguinte. O deslocamento durante o evento até que aconteceu de forma bem tranquila, com exceção do período da tarde, onde uma enorme quantidade de pessoas aglomerou-se em frente a um telão instalado no meio do Anhembi, para assistir à final da Copa do Mundo, entre França e Argentina.

Outro fator que vale registro é que embora o Knotfest tenha suas ativações para experiências como qualquer outro grande festival, como por exemplo, o Slipknot Museum e estúdios de tatuagem, ele se diferencia por seguir um modelo mais old school, no qual os shows são o maior atrativo – algo que caracteriza bastante o público amante do metal, que vai aos festivais principalmente para assistir às bandas.

Não é sempre que temos um festival, onde podemos dizer que praticamente todos os shows foram realmente bons ou interessantes. O destaque, é claro, ficou para os donos da festa (Slipknot), que fecharam o festival de forma sublime, mostrando o porquê é hoje um dos melhores grupos de rock para se assistir ao vivo. A banda contou com um som de alto nível, além de toda a estrutura cênica, com labaredas, fogos de artifício e telão de qualidade. Levaram os fãs ao delírio por uma hora e meia de um repertório praticamente de grandes sucessos e um Corey Taylor – que já pode ser considerado um dos maiores frontmen da História – inspirado. Essa foi certamente uma das melhores passagens da banda pelo Brasil, perdendo apenas (na opinião deste jornalista) para a antológica apresentação do Rock in Rio em 2011.

Judas Priest

Em um line up bem diversificado, tivemos também um grande show do Judas Priest, que comemora 50 anos de carreira. Surpreendeu pela ótima forma de Rob Halford, que veio com seus agudos preservados, mesmo aos 71 anos de idade. O set list também foi de respeito, já que a banda priorizou o preferido da casa, Screaming For Vengeance, que completou 40 anos em junho. Ao todo, foram cinco canções do álbum de 1982.

Outro show que deu o que falar e reuniu um grande público interessado foi o tributo ao Pantera, que contou apenas com apenas Phil Anselmo da formação original, já que o baixista Rex Brown cancelou sua participação por ter contraído covid-19. Com Zakk Wylde (Ozzy Osbourne/Black Label Society) e Charlie Benante (Anthrax), foram prestadas homenagens aos dois integrantes e irmãos fundadores, os falecidos Vinnie Paul e Dimebag Darrell. Num repertório baseado nos dois álbuns mais bem sucedidos do finado grupo (Vulgar Display Of Power Far Beyond Driven), o tributo agradou a grande maioria dos presentes.

Mr Bungle

Contando com menos apelo e interessados, outros nomes também saíram do festival com novos fãs. O Mr Bungle, banda liderada por Mike Patton (mais conhecido pelo trabalho com o Faith No More) se apresentou com sua nova formação, que traz dois ícones do thrash metal: o baterista Dave Lombardo (ex-Slayer) e o guitarrista Scott Ian (Anthrax). Num repertório baseado em sua primeira demo, relançada em 2020, o Bungle fez uma ode ao thrash, com canções longas e riffs matadores. Abusando do português, Patton homenageou a campeã Argentina, xingou o já ex-presidente Bolsonaro e convidou no palco Andreas Kisser e Derrick Green do Sepultura para uma versão de “Territory”.

Outra banda que estreou no Brasil foi o Vended, que tem dois filhos de integrantes do Slipknot. O vocalista Griffin Taylor, filho de Corey Taylor, e o baterista Simon Crahan, filho de Shawn “Clown” Crahan. O som do grupo pode ser considerado um subproduto do Slipknot, com foco na fase mais embrionária, onde o nu metal ainda é referência – basta ouvir o último single deles, “Overall”. Com o rosto pintado, Griffin comandou o show com muita energia e boa performance. A banda, formada apenas em 2018, ainda não possui um full álbum e apresentou músicas de seus EPs lançados nos últimos anos.

Bring Me The Horizon

Dos nomes que já passaram por aqui, o Bring Me The Horizon vai mostrando um crescimento de sua legião de fãs no Brasil. O grupo carregou um bom público para o palco principal (Knotstage) e fez a galera cantar alguns de seus sucessos. Assim como aconteceu no Rio de Janeiro, o grupo também foi um dos primeiros a utilizar bem os telões, com imagens e efeitos visuais criados especificamente para as canções. Ainda rolou um pedido do público para “Sleepwalking”.

Primeira banda gringa a tocar neste Knotfest, o Trivium se apresentou debaixo de um sol escaldante. O destaque ficou para o carismático Matt Heafy, que além de usar uma blusa do Brasil falou o tempo inteiro com o público. A banda não priorizou nenhum álbum específico. Eles resolveram fazer um apanhado de toda carreira e funcionou bem no festival. A verdade é que o grupo agradou sem precisar fazer muito esforço.

Dos nacionais, o Sepultura fez um show já bastante conhecido por aqui. No entanto, eles aproveitaram as atrações do Knotfest para incluir convidados em sua performance. Scott Ian apareceu no palco em “Cut Throat”. Matt Heafy foi outro que colaborou tocando “Slave New World”. Phil Anselmo emprestou sua voz ao clássico “Arise”. No final, os hits “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots” encerram o set com nível elevado.

Sepultura

Aquecendo o público no início do festival, tivemos três boas apresentações nacionais. Não existiria melhor nome para iniciar o festival de uma forma tão intensa quanto o Black Pantera. A banda já parece veterana em cima do palco, mostrando cada vez mais à vontade em festivais dessa envergadura. Além de carregar um repertório de letras contundentes, o grupo não deixa de se posicionar contra todo tipo de preconceito. Tanto que não foram poucas vezes que o vocalista Charles Gama mandou seu recado (“White Power é o caralho!”), referindo-se ao tema polêmico envolvendo Phil Anselmo, que se apresentara mais tarde.

Já o Project 46 promoveu uma ode às rodas de pogo numa apresentação impecável para um festival de metal. Agitando sem parar, o vocalista Caio MacBeserra usou e abusou – no bom sentido – dos berros e dos agudos, mostrando o porquê de ser um dos melhores cantores do gênero no cenário nacional. O público, já bem numeroso, respondeu ao show do grupo de maneira catártica, com mosh, palmas e energia lá em cima. A banda saiu de palco consagrada pela galera.

Em show dividido em primeiro e segundo tempo, Jimmy & Rats e Oitão agitaram o público que chegava aos poucos no Anhembi. As bandas abriram o palco Carnival Stage e não deixaram a intensidade baixar. Destaque para o bom repertório de Jimmy & Rats que basearam o show em seu ótimo album, Só Há Um Caminho a Seguir, comprovando a efetividade da fórmula musical entre fãs de metal em geral.

Music

Lollapalooza Brasil 2022 – ao vivo

Oito motivos para celebrar o retorno do festival cantando os versos “olê olê olá! Lolla! Lolla!”

Planet Hemp

Textos por Abonico Smith

Fotos: Lolla BR/Camila Cara/Divulgação

Enfim, a música está definitivamente de volta aos palcos no Brasil. E os festivais de música também. Depois de dois anos de muito isolamento, distanciamento e congelamento de eventos artísticos provocados pela pandemia, com os números em queda e o gradativo relaxamento das regras sociais, a grade de grandes eventos pode ser retomada em 2022. No terreno da música pop, tudo começou no último final de semana, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, com os quatro palcos e três dias do Lollapalooza Brasil, que, entre 25 e 27 de março, retomou um pouco daquela programação que estava sendo esperada para 2020, mas com várias alterações sendo feitas a cada cancelamento, até mesmo nas últimas semanas com a desistência de duas bandas internacionais por conta de gente diagnosticada com a covid-19. Surpresas que se prolongaram até a véspera do domingo, com o mundo sendo pego de surpresa pela notícia da inesperada morte de Taylor Hawkins, o carismático baterista do Foo Fighters, o último dos três headliners, horas antes de um show em outro festival na Colômbia.

Mondo Bacana lista oito motivos que vão fazer você se lembrar para sempre desta edição um tanto confusa e atabalhoada mas extremamente importante para ajudar a recolocar os grandes festivais e eventos musicais no eixo em território brasileiro.

Wombats

Este trio liverpludiano de nome de marsupial australiano e carreira sólida no circuito indie rock europeu merecia ter sorte melhor em sua primeira vinda (tardia, já que a discografia aponta cinco trabalhos em 15 anos) ao Brasil. Mal havia começado seu set e do nada veio um toró danado, com muitos raios e ventos, o que forçou a organização a cancelar tudo imediatamente e evacuar palco e plateia pelo risco de acidentes próximos a instalações metálicas. Foram só cinco músicas, mas o suficiente para ver que o vocalista Matthew Murphy e seus comparsas tinham muita lenha para queimar naquela tarde de sexta-feira. Misturando guitarras e grooves e com hits poderosos como “Moving To New York” e “Techno Fan”, lá do início da carreira, estrategicamente colocados no pontapé inicial para incendiar tudo. Só que aí veio o inesperado. A chuvarada veio impiedosamente para apagar todo o fogo da banda. Pelo menos restou a suspeita de que ano que vem eles deverão estar de volta por aí para compensar o “pocket show forçado”.

Strokes

Muita gente pode achar sem sentido a escalação do Strokes como headliner de um grande festival, justificando que o quinteto nova-iorquino está longe de seu auge criativo. Pura bobagem! Se bandas como Red Hot Chili Peppers e Guns N’Roses vivem desembarcando aqui no Brasil com o mesmo status, porque a trupe de Julian Casablancas não poderia também? OK, as vendagens podem não ter sido tão grandiosas se comparadas a estes nomes, mas a importância e a significância para tal ponto. Afinal, ajudaram a consolidar uma nova linguagem do rock, tão suja e underground quanto seus antecessores que consolidaram o punk e o alternativo no subsolo norte-americano. E, bem, musicalmente continuam muito bons. Simples, direto ao ponto, sem firulas (até mesmo nos solos). Julian Casablancas continua cantando cinicamente desanimado, como um “tô nem aí para nada”, agarrado no pedestal, de óculos escuros e na maior pose antipopstar. Aliás o foda-se desta vez estendeu-se também à escolha do repertório. O grupo ousou ao eliminar escolhas óbvias para festivais como de hits (como “Someday” e sobretudo “Last Nite”), pegar lados B dos dois primeiros álbuns (“Under Control”, “Trying Your Luck”, “Take It Or Leave It”, “New York City Cops”) e bancar um terço do set list (cinco de quinze) com faixas do álbum mais recente, lançado logo depois do lockdown mundial provocado pelo decreto da pandemia. Gran finale da primeira noite!

Emicida

Há muito tempo que, em se tratando de peso e atitude, o rap é o novo rock aqui no Brasil. Depois de uma série de discos acachapantes, Emicida veio para este Lollapalooza disposto a provar que, sim, pelo menos em se tratando de festivais de música a revolução pode ser televisionada em nosso país. AmarElo, o show, é uma porrada na cara, um soco no estômago, um tapa do Will Smith em todos os sentidos. Banda afiada, com duas guitarras poderosas, baixista-maestro, percussão dando peso às batidas do DJ. Com versos de forte conteúdo racial, social, político e (por quê não?) de relacionamentos pessoais – a ponto de levar a um festival pop o pastor Henrique Vieira para mandar um sermão contagiante no final com “Principia”. Antes, porém, uma trinca matadora com participações especiais: Rael em “Levanta e Anda”, Drik Barbosa em “Luz” e Majur em “AmarElo”(aquela na qual o sample com o refrão gravado originalmente na voz de Belchor vira transe coletivo).

Miley Cyrus

Às vésperas de completar 30 anos de idade, a ex-Hannah Montana libertou-se de todas as amarras imagéticas que ainda poderiam estar assombrando seus trabalhos anteriores. Sonoramente, lançou-se fundo no rock, com muitas timbragens e elementos oitentistas sem abandonar a veia pop dos arranjos. Visualmente, toda de preto e cabelo platinado no melhor estilo femme fatale eternizado por Madonna também nos anos 1980. De quebra, ainda chamou a amiga Anitta ao palco para celebrar “a brasileira número um mundial do Spotify” e mandar – rebolando bastante, claro – um feat do novo hit dela “Boys Don’t Cry”. Só que nem tudo é perfeito. Para os millennials, Miley pde ser o máximo, impactante, de causar arrepios. Só que quem tem mais idade e já viu muito mais coisa no rock’n’roll sabe que tudo nao passa de um pastiche. Bem produzido mas um pastiche. Rola um déjà-vu atrás do outro, com lembranças que vão de Bon Jovi a… Madonna! Isso sem falar no amontoado de covers sem sentido (já que ela é uma headliner com carreira já longa e consolidada) que deformam Pixies (“Where Is My Mind?”), Blondie (“Heart Of Glass”) e Nancy Sinatra (“Bang Bang”). Ah, sim, teve toda a encenação do choro pela morte do grande amigo pessoal Taylor Hawkins no meio do show (quando ela cantou “Angles Like You” sentada em uma cadeira agarrada a uma bolsa de grife da qual tirou um lencinho para enxugar as lágrimas sem borrar o make). Por falar em grife, o que dizer do enorme casaco de inverno verde que ela teve de vestir e cantar por uns dois minutos usando durante a primeira música. Contratos de parceira publicitária? Muito rock’n’roll isso, né? No telão ao fundo, a frase “sell out to sell out”(em bom português, “vender-se para se vender”). Pose dez, atitude duvidosa no fim das contas. Será que é disso que o mundo necessita mesmo?

Idles

Já faz alguns anos que as terras britânicas vem exportando ao mundo uma série de novas bandas excitantes. Muitas delas, inclusive, com inspiração clara nos bons sons alternativos norte-americanos dos anos 1990. O Idles é um destes exemplos. Formado na cidade de Bristol, o quinteto vem concebendo álbuns maravilhosos em série (foram quatro desde 2017) e é nos concertos em grande escala que vem fazendo sua fama expandir ainda mais. Se a sonoridade já era brutal em pequenos espaços, quando o palco ganha proporções gigantescas – como é o caso dos festivais a céu aberto – parece que a banda também se agiganta com facilidade extrema. Aqui no Brasil, tocando pela primeira vez, não foi diferente. Com um pezinho naquela mistura entre o punk rock, o hardcore e o industrial e lembrando bandas clássicas de selos como Touch and Go (de Chicago) e Alternative Tentacles (criado por Jello Biafra em San Francisco). O quinteto insano jorrou em pouco menos de uma hora treze músicas praticamente coladas uma na outra – com claro destaque para o segundo álbum, Joy As An Act Of Resistance, de onde vieram sete delas). Ao vivo, parece que cada músico dispara para um lugar separado, tanto nas notas musicais como na performance cênica individual. A somatória desta coisa toda aparentemente difusa acaba atordoando, formando um conjunto monolítico com altos graus de ironia e sarcasmo – nas danças ora patéticas ora intensas dos músicos, na verborragia cuspida pelo vocalista Joe Talbot, na pancadaria rítmica da e bateria, nas distorções e microfonias incessantes formadas por toneladas de pedais ligados ao baixo e às duas guitarras. Nunca um fim de tarde de domingo soou tão longe de ser modorrento.

Libertines

Depois do Idles, no mesmo palco principal do Lolla vieram os Libertines, atração praticamente acertada de última hora, já que duas semanas antes do festival o Jane’s Addiction cancelou a vinda por conta de casos de covid em sua equipe. E, olha, nunca uma escolha poderia ter sido tão acertada e oportuna quanto esta. Afinal, lá atrás, quando estiveram pela primeira vez no país também em um grande festival, a banda estava no seu auge mas se encontrava temporariamente sem um de seus frontmen, o guitarrista e vocalista Pete Doherty estava temporariamente afastado de suas funções em virtude de uma sentença judicial que o levou à cadeia. E Carl Bârat sem Pete é como Piu-Piu sem Frajola, Buchecha sem Claudinho. Agora, Pete e Carl ficaram lado a lado, alternando-se nos vocais no típico repertório “banda de bar” que fez a fama do quarteto lá na primeira metade dos anos 2000 – o set list contou com treze faixas extraídas dos dois primeiros e mais famosos álbuns. Com a poderosa ajuda do experiente baterista Gary Powell (que, dez anos mais velho que os dois e negro, ainda insere com extrema competência elementos de jazzblues e soul nos arranjos). Tudo bem que a idade já começa a pesar nos ombros. Com 43 anos de idade, não são mais aqueles likely lads que promoviam performances anárquicas em pequenos palcos nas gigs em Londres e arredores. Pelo menos estão vivos e esperneando, sempre prontos para mandar clássicos do indie rock do século 21 como “What Became Of The Likely Lads”, “What Katie Did”, “Boys In The Band”, “Time For Heroes” e “Can’t Stand Me Now”. Sorte nossa, mesmo que muita gente mais jovem que estava in loco no Lolla não tenha dado a mínima por achar que rock é o que menos importa na música de um festival.

Mano Brown

O rap é o novo rock

Perto da meia-noite de sexta para sábado (horário de Brasília) chega a notícia bombástica: horas antes de se apresentar em um festival na Colômbia, o baterista do Foo Fighters Taylor Hawkins morre no hotel. Mais um problema – e que problemão – de última hora para a escalação do festival: como resolver em questão de menos de dois dias a substituição da banda para encerrar a programação do palco principal no domingo? A solução estava bem perto e, de certa forma, vinda de um lado inesperado para muita gente: ela respondia por Emicida. Admirador da banda de Dave Grohl, assim como a guitarrista de sua banda, Michele Cordeiro, ele recorreu a um punhado de amigos rappers e resolveu prontamente o problema de logística: montou um show tão longo quanto, juntando um monte de artista que nas últimas três décadas ajudou a cristalizar o hip hop como um dos gêneros musicais mais populares do país. Deste jeito, o concerto improvisado – anunciado como uma homenagem a Taylor Hawkins sem, contudo, prender-se ao modelo chato de tributo de execução das principais músicas gravadas pelo homenageado – foi dividido em duas partes. Na primeira, os DJs Nyack e KL Jay deram o suporte soltando as bases para nomes como Emicida, Rael, Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Djonga, Ice Blue e Mano Brown mandarem algumas das principais composições de suas carreiras (…). A metralhadora verborrágica da turma revelou-se tudo aquilo que anda em falta nas bandas mais tradicionais de rock: sagacidade, rebeldia e periculosidade intelectual. Na segunda, os DJs e MCs individuais cederam o palco ao Planet Hemp, que veio do Rio de Janeiro para mostrar que a produção do festival cometeu um grande erro ao não escalá-lo. Com a banda afiadíssima e misturando hardcore, psicodelia, samba e jazz ao canto falado de Marcelo D2 e BNegão, o PH é uma das poucas bandas brasileiras de rock realmente avassaladoras ao vivo hoje em dia. Peso, contundência e, claro, aquela chama capaz de nunca se apagar. Tanto uma metade quanto a outra pode ser definida como uma oportunidade para celebrar o amor, a música e a possibilidade de se estar junto àquelas pessoas que amamos. E não bastasse esses lados A e B do novo concerto, houve ainda um “prefácio” tocante com Michele e Mônica Agena dedilhando lentamente suas guitarras e tornando “My Hero” ainda mais emocionante. No fim, depois do Planet Hemp, mais uma homenagem direta a Hawkins. O Ego Kill Talent, banda brasileira escalada para abrir a última turnê brasileira do FF em 2018, encerrou as atividades com duas músicas: uma autoral mais “Everlong”, a primeira cover tocada pelo quinteto durante toda a sua trajetória de shows. Se em um primeiro momento tudo parecia triste, perdido e arrasado para o encerramento de domingo do Lolla, depois dessa turma toda ninguém mais teve dúvida de que valeu muito a pena ter ido ao Autódromo ou ficar vendo pela TV toda aquela competente gambiarra improvisada horas antes.

#ForaBolsonaro

Sabe aquele tiro que sai pela culatra? Pois foi bem o que aconteceu neste Lollapalooza. Na sexta-feira, um fã deu a Pabllo Vittar uma bandeira com a cara e o nome de Lula e ela saiu correndo com o objeto, tremulando-o ao vento, em disparada pelo corredor que separa uma metade da outra do público. A foto saiu estampada em todos os portais de notícias. Em outro palco, a cantora galesa Marina Diamandis mandou, em alto e bom português, um “#ForaBolsonaro”. Os Strokes saíram do palco usando o microfone para falar a mesma coisa. Foi o que bastou para Jair Bolsonaro ficar nervosinho e, disfarçando sob a assinatura de seu novo partido, pedir judicialmente a reativaçãoo da censura a artistas, proibindo-os de expressar suas opiniões travestidas de, segundo suas palavras, “campanha para presidente antes do período determinado pela lei”. Só que ele pode e sempre faz isso. E o pior: o mesmo ministro do TSE Raul Araújo que endossou o pedido e faz voltar a valer a censura neste país foi aquele que, semanas antes negara pedido de retirada de outdoors irregulares fazendo campanha para Bolsonaro em uma cidade de Mato Grosso do Sul. Mas de nada adiantou esse passo rumo ao retrocesso. Depois de sábado, quando a notícia estourou pelos bastidores, foi um tal de “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” (como disse Lulu Santos ao adentrar o palco do Fresno para uma participação especial). No mesmo dia, Silva puxou o coro do incentivo para que jovens entre 16 e 18 anos (faixa etária para a qual o voto é facultativo) tirassem seu título de eleitor para poderem ir às urnas em outubro próximo. O grupo gaúcho também mandou um #ForaBolsonaro no telão. Logo depois, Gloria Groove entrou com uma blusa semelhante a um uniforme de time de futebol, tendo escrito atrás seu nome e o número 13. Emicida, tanto no sábado quanto no domingo, reforçou que o amor vale mais que o ódio e também mandou a hashtag mais famosa destes últimos quatro anos no país. Criolo não disse nada, apenas vestiu uma camiseta com a urna eletrônica na frente, mais um título de eleitor atrás. Bivolt demonstrou toda a sua insatsifação com o atual desgoverno federal no rap freestyle. Mas, claro, a maior vociferação contra a absurda ação autocrata veio de Marcelo D2. “Não, hoje #EleNão. Hoje #EleNão vai fazer a narrativa. A gente vai fazer a narrativa. Isso aqui é sobre amor. É sobre Taylor Hawkins. Sobre Chorão. Sobre Chico Science. Sobre Sabotage. Sobre Speedfreaks e Skunk.”, mandou logo ao entrar com o Planet Hemp, lembrando os nomes de amigos e ídolos já falecidos, sendo os dois últimos um ex-colaborador e um dos fundadores do PH. Aí mandou a letra de “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, manifesto antinarrativa de direita da Nação Zumbi. Depois emendou “Distopia”, música inédita “sobre esperança” com base jazzy que estará no disco da banda que será lançado do próximo semestre. O refrão trazia um jogo de palavras hipnótico (“Desobedeço o obedeça/ Obedeço o desobedeça”) enquanto o telão repetia outra parte da letra (“Repense Reflita Resista Recuse”). Em “Dig Dig Dig” reviveu o canto de Zumbi eternizado por Jorge Ben (“Zumbi é o Senhor das Guerras/ Zumbi é o Senhor das Demandas/ Quando Zumbi chega/ É Zumbi é quem manda”). Antes de “queimar tudo até a últimaponta”, aproveitou para xingar diretamente Bolsonaro. Depois, lembrou que a musica “Zerovinteum”, há quase trinta anos, já falava sobre o problema das milícias no Rio de Janeiro – e ainda atestou estarem presentes sempre os assassinados Marielle e Anderson. Também levou um improvável hino do Ratos de Porão ao palco do grande festival mainstream com a cover de “Crise Geral” e antecipou a execução de “Contexto” dizedo que de nada adianta acreditar em um salvador da pátria e só fazer algo ao ir lá votar no dia da eleição. Ah, sim: não deixou de entoar a famosa musiquinha adaptando-a para homenagear o festival: “olê olê olá! Lolla, Lolla!”. Os artistas sambaram bonito em cima da cara do “é melhor Jair embora de uma vez”. Em tempo: o festival não foi notificado pela justiça porque o pedido de censura foi tão incompetente que nenhum dos dois CNPJs informados ali batiam com os responsáveis pelo evento. Em tempo 2: na segunda-feira, quando não adiantava mais nada porque tudo já acabara no domingo, Araújo suspendeu as manifestações políticas no Lolla afirmando que o texto da solicitação do PL o havia induzido a erro. A emenda ficou, de vez, pior que o soneto…

Music

Plebe Rude + Relespública – ao vivo

Uma noite entre mods e punks com carreiras longevas, repertórios matadores e muita fúria em forma de rock’n’roll

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Plebe Rude

Texto por Getulio Guerra
Fotos: Murilo Ribeiro

Jokers Pub, noite de sábado, 8 de junho de 2019. Casa cheia pra ver dois dinossauros da cena roqueira nacional no bar mais tradicional do rock curitibano. DJ Ronypek era um dos fanzineiros responsáveis pelo Ordem & Protesto – o fanzine mais foda da cidade, distribuído mundo afora nos anos 1980. Entre um IPA e um APA, a discotecagem já antevia a vibe da noite com “Festa Punk”, dos Replicantes (“Quero uma festa com os Kennedys / Eles é que sabem o que é hardcore / Depois pra resfriar, pra afastar os junkies/ Poguear um monte ouvindo Circle Jerks”)

Sobe ao palco a primeira banda da noite. A Relespública com o trio clássico é matadora! Não consigo pensar em outra formação que não seja Moon-Fábio-Ricardo fazendo aquele som… A banda curitibana tem hits, mesmo que no underground e o anexo todo do Jokers socado, inclusive os camarotes, e cantando junto com Fábio Elias – em sua melhor forma possível, mental-física-espiritualmente. Ele conta que abrir para a Plebe no Jokers já era um sonho antigo, da banda e do Sandro – o dono da porra toda da conceituada casa. Fabio brinca que sua guita não está afinando talvez por causa do frio. Diz que quando foi comprar na loja ela afinava mas ali no palco, não. Oferece a cover “I Cant Explain”, do Who, a Serguei e Andre Matos, ambos falecidos horas antes desse show.

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Relespública

A Plebe Rude é uma banda que tem uma egrégora que é muito foda! Era “só” a predileta do Renato Russo em Brasília. E isso é uma baita responsa, pra vida inteira. O André e o Phillipe se conhecem e tocam juntos há muito tempo, desde a fundação da banda em 1981. E lá se vão quase 40 anos de estrada… A leveza da relação, o respeito que um tem pelo outro (que deu pra ver no recente DVD Primórdios) é bonito. E somados ao Clemente, que tem também uma presença de espírito maravilhosa, e o Capucci, que é de outra geração mas veio com discrição e precisão juntar-se aos dinossauros… Vira um quarteto e tanto.

Eu ouço os caras desde o lançamento do primeiro disco, O Concreto Já Rachou, de 1986! Aquele discurso pertinente daqueles primeiros tiros (“Proteção” e “Até Quando Esperar”) bateu forte no então jovem de 15 anos que já ouvia Inocentes (cujo bandleader é o Clemente, desde a formação da banda, também em 1981), Cólera, Garotos Podres, Replicantes, Camisa de Vênus… Tinha aquela estética e pegada pós-punk, sem tosquices nem exageros, que até hoje se mantém com integridade.

Abonico Smith – editor deste site – entrevistou os punks velhos horas antes do show, descobrindo que logo entram em estúdio pra gravar um novo disco. Será uma ópera punk com quase trinta músicas e que servirá de base para um musical. Neste disco será contada a História da humanidade. De três mil anos pra cá, desde quando o homem se tornou bípede. A ideia iniciou de uma canção inédita já há três décadas, que se chama “Evolução” e foi tirada pela Plebe da gaveta. Em breve este bate-papo estará disponível aqui no canal do Mondo Bacana no YouTube.

Mas voltemos ao show do Jokers. Phillipe fala, depois de “Um Outro Lugar”, que esta canção tem 30 anos e ele não pensava que teria de ficar cantando ela hoje. Não imaginava que teríamos um presidente que ficaria fazendo gracinhas em relação à cor das pessoas, à cultura quilombola e a outras coisas. A base do set list fica nos dois históricos primeiros discos, mas ainda dá espaço a novidades e faixas posteriormente incorporadas ao repertório da banda, como “Medo”, clássico do Cólera (“Redson não está morto!”, avisa alguém da banda).

Cortinões fechados, sem bis de nenhuma das bandas. Esse é o último concerto desta tour referente a Primórdios! Compro um botton da Plebe, carrego um pouco meu celular numa tomada do hall, pago minha ficha e pego o rumo do Xaxim. É… Alguns artistas ainda me tiram de casa.

Set list Relespública: “Boogie”, “Nós Estamos Aqui”, “Mudando os Sentidos”, “Dê Uma Chance Pro Amor”, “Nunca Mais”, “Eu Soul”, “I Can’t Explain”, “Sol em Estocolmo”, “Capaz de Tudo”, “Mod de Viola”, “In The City”, “Garoa e Solidão”, “Boatos de Bar/A Fumaça é Maior Que o Ar”,  “Camburão” e “Minha Menina”.

Set list Plebe Rude: “Voz do Brasil”, “Brasília”, “Johnny Vai à Guerra (Outra Vez)”, “Dança do Semáforo”, “Luzes”, “Censura”, “Um Outro Lugar”, “Anos de Luta”, “O Que Se Faz”, “Sua História”, “A Ida”, “Esse Ano”, “Bravo Mundo Novo”, “Pressão Social”, “Tá Com Nada”, “Códigos”, “Sexo & Karatê”, “Medo”, “Minha Renda”, “Proteção”, “Plebiscito”, “Disco em Moscou” e “Até Quando Esperar.

 

Music

Phil Anselmo & The Illegals

Vocalista resgata músicas do Pantera e fala com o Mondo Bacana sobre próximos projetos e sua luta contra as doenças mentais

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Texto por Abonico R. Smith e entrevista por Janaina Azevedo Lopes

Foto: Divulgação

Um Pantera está à solta no Brasil, vociferando como sempre. Phil Anselmo veio ao país para realizar três shows nestes últimos dias de janeiro. Neste último final de semana, ao lado dos Illegals, o vocalista apresentou-se em São Paulo e Brasília. Nesta terça, dia 30, ele encerra a miniturnê em Porto Alegre (clique aqui para ter mais informações sobre este show).

Marcada por um repertório especial, que consta com metade do set list reservado ao resgate de antigas músicas do Pantera, a tour também é uma homenagem aos irmãos Dimebag Darrell e Vinnie Paul, ambos já falecidos e os fundadores da clássica banda de heavy metal, que teve seu auge na primeira metade dos anos 1990.

Em entrevista para o Mondo Bacana, o músico, atualmente com 50 anos de idade, relembra um pouco do passado musical, adianta os novos projetos para um futuro próximo e ainda abre um pouco de sua intimidade com a saúde, falando sobre sua luta, tão particular quanto uma herança familiar desde os tempos de infância, contra as doenças mentais.

Os shows que vocês trouxeram para o Brasil são formados por parte do repertório do Illegals, parte do Pantera. Como se deu isso?

Desde o ano passado, quando Vince morreu, nós vínhamos tocando algumas das músicas do Pantera, em tributo. Então, depende do público. Eles querem ouvir, nós tocamos.

O público é quem pede as músicas?

Eles podem pedir, mas não sei se vamos saber tocar… (risos)

Como tem sido revisitar essas composições?

É interessante. Às vezes, meio estranho. Eu olho lá de cima e vejo jovens que nunca tiveram a chance de ver o Pantera curtindo tanto as músicas…

E como é relembrar tanto o Vinnie quanto o Dimebag enquanto a banda toca essas músicas?

Como eu disse, pode ser bem estranho. Eu nunca tinha considerado fazer isso, tocar de novo essas músicas, reaprender as coisas velhas. É estranho! Estamos apresentando isso [o show] como eu cantando as músicas do Pantera. E são minhas músicas. Acho meio estranho ficar pensando nos caras originais. Mas ao mesmo tempo, [as músicas] são do público, que cresceu com elas. É a música deles também. É meio estranho, mas quando eu vejo o público curtindo eu curto também.

Quais os planos para o Illegals esse ano?

Tem sempre algo acontecendo com o Illegals. São caras ótimos, muito humildes e fáceis de trabalhar. Tá todo mundo na mesma fase. Então… Temos esta tour na América do Sul, em março vamos para a Austrália e no verão vamos para a Europa fazer os festivais. Depois disso, quero escrever um pouco, fazer o que eu chamaria de um verdadeiro disco de heavy metal. Não me pergunte o que isso quer dizer. Eu ainda tô formulando na minha cabeça. Quero experimentar com a minha voz.

O mais recente álbum do Illegals se chama Choose Mental Illness As a Virtue [Escolha a Doença Mental Como uma Virtude, em português]. O que isso significa?

Bem, não tenho problemas em admitir que eu sofro de doenças mentais desde que era criança. E se não fosse pelo heavy metal não sei onde eu teria canalizado toda a negatividade. Por exemplo, uma letra que escrevi, que é “Mouth For War”. Ela concentra toda escuridão e todos os pensamentos ruins em algo produtivo. Portanto, se você tem alguma doença mental e a reconhece, precisa entender que ela não vai simplesmente embora. Você tem de manter isso sob controle. Administrar isso e fazer algo produtivo, útil, como música, é muito importante. Eu sei que nem todo mundo tem o talento musical, entre os que sofrem de doenças mentais. Mas eu peço que todos achem algo produtivo.

Fazer este disco te ajudou?

Claro! Todo disco ajuda. Mas esse em particular foi um mergulho bem fundo no meu passado familiar e a luta com doenças mentais, em ambos os lados, tanto do meu pai quanto da minha mãe. Então, sim, foi um vazio a ser descoberto, por assim dizer.

E o que você tem feito além de se dedicar à banda?

Eu tô sempre me recuperando de um ou outro machucado.

Qual é o teu último machucado?

Ah, um negócio no ombro.

Mas tá bem agora?

Tô ok. Melhor do que há duas semanas.

Pros shows no Brasil, vai estar bem?

Espero que sim. Se não, vou lutar para isso, como sempre faço. Além disso, tenho tantos projetos [musicais] que nunca foram lançados…

Tipo o quê?

Bem… Existem algumas bandas. Uma é death metal, que eu formei em 2014, com alguns amigos de várias partes do mundo. Nunca tive tempo de lançá-la. Mas acho que posso fazer isso em breve. Daí tem o En Minor, que não é metal. Tem um cello, um piano, teclado, três guitarras. É bem diferente, obscuro, moroso, pessimista. Um negócio bem real. Estamos finalizando [a gravação]. É só questão de tempo.