Movies

E.T. – O Extraterrestre

Quarenta curiosidades sobre o clássico de Steven Spielberg que há 40 anos estreava nos cinemas brasileiros

Texto por Carolina Genez

Fotos: Universal Pictures/Divulgação

Um dos marcos do cinema pop, E.T. – O Extraterrestre (E.T., The Extra-Terrestrial, EUA, 1982 – Universal Pictures), completou 40 anos de lançamento no Brasil no último dia 25 de dezembro. O filme é até hoje lembrado com grande apreço e emoção por ter conseguido conquistar tanto as crianças quanto os adultos. O longa, assinado por Steven Spielberg, consolidou nas grandes telas, naquele começo dos anos 1980, o termo blockbuster. Passadas quatro décadas de sua chegada, até hoje segue ganhando fãs de novas gerações.

Em homenagem ao aniversário da cultuada obra, o Mondo Bacana elenca 40 curiosidades a respeito dela.

>> E.T. contou com um orçamento estimado de US$ 10,5 milhões de dólares. Bateu recordes de bilheteria, faturando 792,9 milhões de dólares nos cinemas de todo o planeta.

>> O longa, inclusive, ocupou por onze anos o posto de maior bilheteria da História por 11 anos. Foi superado apenas em 1993, por Jurassic Park: Parque dos Dinossauros. Por sinal, outro filme de Steven Spielberg.

>> Este foi um dos marcos da carreira do diretor. Tanto é que a emblemática cena da silhueta do personagem E.T. e o garoto Elliott na bicicleta à frente da Lua foi escolhida para servir como logomarca da produtora de Spielberg, a Amblin Entertainment.

>> E.T. foi indicado a nove estatuetas do Oscar e, 1983, incluindo diretor e filme do ano. Levou para casa quatro delas, todas em categorias técnicas: som, edição de som, efeitos especiais e trilha sonora.

>> As estatuetas de melhor filme e direção em 1983 acabaram ficando com Gandhi. Mas nem mesmo o cineasta Richard Attenborough se convenceu com a vitória nas duas categorias, já que ele considerava o trabalho de Spielberg mais completo.

>> Foi também durante essa premiação que o compositor John Williams, parceiro de Spielberg, conquistou seu terceiro Oscar de trilha sonora. Os outros dois vieram pelos trabalhos realizados em Tubarão (1975) e Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977)

>> As conexões de E.T. com a saga de George Lucas também não param somente aí. Em uma das cenas, Spielberg colocou uma criança vestida de Yoda, com direito até a trilha do personagem também composta por John Williams.

>> Em Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999), Lucas devolveu a homenagem colocando a espécie de E.T. participando de uma reunião do Senado.

>> Ainda sobre o parelho com a saga Star Wars: Harrison Ford (intérprete de Han Solo), quase entrou no filme de Spielberg. O ator chegou a rodar uma breve participação como o diretor da escola de Elliott. Contudo, a cena acabou ficando de fora da edição final. 

>> Ford também foi o responsável por apresentar Spielberg a Melissa Mathison, que viria a se tornar roteirista de E.T. – O Etraterresetre. Os dois se conheceram porque Mathison era namorada do ator e estava presente nos sets de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), também dirigido por Spielberg.

>> Nas primeiras versões do roteiro, o personagem E.T. seria uma espécie de planta sem gênero.

>> A fisionomia do rosto de E.T. foi criada pelo designer italiano Carlo Rambaldi, tendo como modelos o poeta Carl Sandburg, o físico Albert Einstein, o escritor Ernest Hemingway e um cão da raça pug.

>> Em seus outros filmes o diretor sempre gostou de trabalhar com efeitos visuais e práticos. Além de ter uma parte animatrônica, o extraterrestre também foi interpretado pelos atores Matthew de Meritt, que nascera sem pernas, mais Tamara de Treaux e Pat Bilon, que tinham nanismo.

>> Responsável por dublar o alienígena, o ator Pat Welsh foi escolhido para o papel por causa de sua rouquidão, fruto dos dois maços de cigarro que fumava por dia. O criador de efeitos sonoros Ben Burtt também usou vozes de outras pessoas, incluindo a de Spielberg, para chegar ao timbre do personagem.

>> Durante a história, o alienígena utiliza um comunicador. O aparelho foi construído pelo especialista em ciência e tecnologia Henry Feinberg. De fato, ele funcionava.

>> O boneco custou 1,5 milhões de dólares. Aliás, boa parte do orçamento do filme foi gasto somente para “dar vida” ao personagem E.T.

>> Michael Jackson adquiriu um dos bonecos originais criados para o filme.

>> A versão final ficou tão realista que a atriz Drew Barrymore, que na época de rodar o filme tinha 7 anos, realmente acreditava que E.T. era uma criatura de verdade. Para continuar o encanto dela, o diretor, então, pedia que a produção mantivesse o boneco vivo durante os intervalos.

>> Apesar de muito nova para o ofício, Drew Barrymore improvisou diversas falas dentro do filme. A fala dela quando vê E.T. (“Eu não gosto dos pés dele”) foi tão espontânea que o diretor que decidiu mantê-la no filme. 

>> O papel da pequena Gertie lançou a carreira de Drew Barrymore. Só que a atriz quase não ficou com o papel. Sarah Michelle Gellar e Juliette Lewis também fizeram testes para interpretar a menina.

>> O filme foi gravado em ordem cronológica para passar uma sensação de autenticidade para as crianças do elenco.

>> Antes de chegar em Henry Thomas, Spielberg testou mais de 300 atores para o papel do menino. Thomas conquistou o papel após emocionar o diretor encenando a cena em que Elliott teme que o agente do governo leve E.T. embora.

>> O diretor também optou por rodar grande parte do filme no nível do olhar de Elliott e E.T., justamente para aumentar a conexão entre os personagens e os espectadores. 

>> O sobrenome de Elliott nunca é mencionado. Em uma entrevista de 2015, foi revelado por Spielberg que seu nome completo é Elliott Taylor.

>> Apesar de E.T. – O Extraterrestre ser uma história infanto-juvenil, o diretor chegou a desenvolver uma história de terror para dar base ao filme, com o título de Night Skies.

>> A ideia de uma continuação chegou a existir. A Universal queria muito uma continuação para a história e Spielberg chegou até a pensar em um roteiro. A história se passaria no planeta do alienígena. O projeto, entretanto, acabou sendo arquivado, por medo de “sujar” o original.

>> O diretor fora convencido a fazer um filme infantil por François Truffaut. Segundo o francês, Spielberg também era uma criança.

>> Foi durante o trabalho em Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) que surgiu a primeira premissa do filme. Steven Spielberg ficou intrigado com a ideia do que aconteceria se um alien ficasse para trás aqui na Terra.

>> Naquela mesma temporada de 1982, Spielberg também lançou o filme Poltergeist: O Fenômeno, desta vez assinando apenas o roteiro. Segundo o cineasta, E.T. é uma representação dos sonhos do subúrbio americano, enquanto Poltergeist representa os pesadelos.

>> Em 2002, celebrando o aniversário de 20 anos do longa-metragem, o diretor resolveu alterar uma cena digitalmente para retirar as armas dos policiais que perseguiam as crianças. Anos depois, porém, ele voltou atrás na ideia e deixou a cena como ela era originalmente.

>> Também para celebrar este aniversário de duas décadas, E.T. foi relançado nos cinemas com cinco minutos de novas cenas que ficaram de fora da versão original. Além disso, foram utilizados novos efeitos especiais e uma remasterização digital realizada em todo o longa.

>> Spielberg manteve muito sigilo em torno do filme antes do seu lançamento em 1982. Nem mesmo o responsável por produzir o cartaz de E.T. sabia como era o visual do extraterrestre.

>> Para aumentar o segredo, no começo das filmagens o diretor trocou o nome do filme para A Boy´s Life, para impedir que copiassem o enredo.

>> Para dar mais realismo à cena do hospital, foram contratados médicos e enfermeiros de ofício para examinar o extraterrestre. O diretor ainda pediu que os profissionais tratassem o personagem como um paciente de verdade.

>> Inicialmente o diretor queria usar os chocolates M&M’s pra atrair o extraterrestre em uma das cenas. Só que a marca controlada pela Mars negou a participação por achar que o alienígena iria assustar as crianças.

>> A produção usou então os chocolates Reese’s Peices. Isso fez com que as vendas da marca fabricada pela Hershey Company disparassem.

>> Por conta deste grande sucesso, muitas marcas começaram a pedir que seus produtos fossem usados em filmes. Esse feito também já tinha sido comprovado em alguns dos filmes de 007.

>> Quando lançado em VHS em outubro de 1988, o filme veio com fita, protetores e hubs na cor verde, justamente para diferenciar as cópias originais das piratas. Em homevídeo, vendeu mais de 15 milhões de unidades nos EUA, arrecadando mais de 250 milhões. Durante as duas primeiras semanas nas prateleiras das videolocadoras, E.T. foi alugado mais de 6 milhões de vezes no país.

>> Inicialmente, o longa seria produzido pela Columbia Pictures, porém a produtora achava que o filme fracassaria e o roteiro era muito fraco. O diretor acabou assinando com a Universal Studios, para qual vendeu o script por 1 milhão de dólares. Spielberg ainda cobrou 5% da bilheteria.

>> Tentando construir a trilha do longa, John Williams foi incentivado por  Spielberg a conduzir a orquestra da mesma maneira que faria em um concerto. O diretor, mais tarde, chegou até a reeditar o filme para combinar melhor com a música que hoje é conhecida como uma das mais clássicas obras sonoras do cinema.

TV

Wandinha

Série centrada na primogênita da Família Addams traz a estreia de Tim Burton nas telas menores e Jenna Ortega brilhando sem piscar os olhos

Texto por Taís Zago

Fotos: MGM/Netflix/Divulgação

Muito aguardada pelos fãs, a série sobre a primogênita da Família Addams estreou no último dia 23 de novembro com toda pompa e circunstância no streaming. Criados por Alfred Gough e Miler Millar, os oito episódios da primeira temporada de Wandinha(Wednesday, EUA, 2022 – MGM/Netflix) trazem nada menos que o diretor Tim Burton em sua estreia nas pequenas telas – ele assina a direção de quatro capítulos além de participar da produção executiva.

coming of age que mistura terror, suspense e mistério nos pega pela mão e nos conduz por um caminho parecido já trilhado pela série Chilling Adventures of Sabrina, também da Netflix. Qual a diferença entre elas, então? Na origem, tanto Sabrina quanto a Família Addams surgiram nos quadrinhos. Em 1938, Charles Addams criou a trupe dos amados freaks que passaram a estampar as páginas das edições do The New Yorker e que, em virtude de seu imenso sucesso, virou a série de TV cult nos anos 1960 e desenho animado de Hanna-Barbera nos 1970. Já Sabrina apareceu pela primeira vez mais ou menos na mesma época, final dos anos 1930, mas como integrante da patota da revista Archie Comics. Mas também há divergências em ambas adaptações recentes: As Aventuras de Sabrina são direcionadas aos adolescentes e jovens adultos, enquanto as de Wandinha (como a personagem é conhecida no Brasil, agora mantendo o W de sua inicial em inglês) procura abranger um maior público, pegando um pouco mais leve no gore ou na complexidade das relações interpessoais.

O roteiro não é incrivelmente criativo, seu desenvolvimento e diálogos nos são familiares de outras obras de terror teen: Wednesday apronta na escola e é transferida pelos pais para um internato, que ambos, em sua juventude, frequentaram. Ali ela faz amigos e aliados, desvenda crimes e até resolve algumas questões familiares. Um drama de praxe, portanto. O grande diferencial aqui, está, na minha humilde opinião, no dedo magico de Tim Burton. Ele é o mestre do macabro gótico sem apelar para cachoeiras de sangue e vísceras. Tim é afeito aos “monstrinhos camaradas”, os personagens de coração de ouro por trás de uma aparência ameaçadora. O ar melancólico de suas produções permeia Wandinha do começo ao fim e, nisso, acertou precisamente o gosto de quem admira seu trabalho. A escolha me pareceu tão acertada que agora se tornou impossível imaginar outra interpretação para o universo Addams. Uma questão de um daqueles casamentos que estavam há muito tempo para acontecer.

Os personagens da Família Addams já foram explorados de todas as formas possíveis ao longo das décadas – de videogames a musicais. Mas a referência que as gerações atuais têm em mente foi a implantada com o filme The Addams Family (1991), que conseguiu reunir um elenco brilhante com atores como Anjelica Huston (no papel de Mortícia), Raul Julia (o sedutor Gomez), Christopher Lloyd (o histriônico Tio Fester) e, principalmente, Christina Ricci (a própria Wednesday). Após tentativas falhas de “reanimar” a franquia da familia nos últimos anos (sem muito sucesso, aliás), a aposta na personagem teenager parecia a menos arriscada, tendo em vista a popularidade intergeracional da personagem de Ricci. Portanto, a decisão mais difícil e crucial da produção foi encontrar alguém que preenchesse o enorme espaço quer ocupava o talento de Ricci.

Jenna Ortega trouxe para o papel exatamente o que precisávamos – o niilismo, a frieza de emoções, a inconformidade e a revolta com as convenções sociais que Wednesday sempre transpirou. O seu mundo é bicolor, sem meio-termo, sem a empolgação hormonal adolescente. Ortega, inclusive, não piscava em cena – o que tornou a personagem ainda mais distante e insensível em momentos de grande tensão ou emoção. A idéia foi da atriz e Burton adorou. 

Para o segundo papel feminino mais importante dos Addams foi escolhida Catherine Zeta-Jones. Ela cumpre bem sua tarefa como Mortícia, mas de forma alguma com a intensidade magnética de Anjelica Huston. Já Luis Guzmán como Gomez não foi uma decisão acertada, já que o tom goofy de sua interpretação não deixa espaço para o perigo e o mistério que faziam parte do sabor subliminar dado ao personagem por Raul Julia. Fred Armisen também não se destaca como o Tio Fester, que deveria ser uma mistura bem equilibrada de psicopatia e ingenuidade. Armisen fica apagado no papel e dá ao careca um tom demasiadamente bobo. Também fazem parte do elenco Gwendoline Christie (de Game of Thrones) e a própria Christina Ricci como parte dos docentes da Nevermore Academy. No elenco ,jovem também merecem destaque Hunter Doohan como o “bom moço” Tyler Galpin, Joy Sunday como a siren Bianca Barclay, Moosa Mostafa como o fiel amigo Eugene Otinger e, principalmente, Emma Myers como Enid Sinclair, a companheira de quarto e autointitulada melhor amiga de Wednesday. Ennid e Wednesday, por sinal, complementam-se de uma forma comovente e nos lembram do valor de uma verdadeira amizade e como muitas delas iniciam em nossa adolescência.

Reforçando o ar gótico e a fotografia fria e escura, as filmagens da série foram realizadas na Romênia, em 2021. Os cenários são impecáveis; os efeitos especiais, satisfatórios; as caracterizações, perfeitas. Temos aqui tudo que esperamos de uma obra com alto orçamento e saída das mãos de uma produtora com as dimensões da MGM. O único ponto mais fraco, a meu ver, acaba sendo o roteiro. A história é bastante previsível, assim como os próximos passos de cada personagem. Muito disso, imagino, deve-se também à classificação etária para 12 anos, o que limita um pouco a ousadia dos escritores. Para quem estava esperando uma mudança de estilo, ousadia ou inovação vindos da casa Burton, portanto, pode ser decepcionante – o Tim gótico é o mesmo Tim de Edward Mãos-de Tesoura (1990) ou Sombras da Noite (2012). Vemos um imenso contraste entre o mundo em preto e branco, pálido e frio dos Addams e o mundo de cores pasteis e estridentes do resto das pessoas ao seu redor. Sempre, claro, com uma forte influência da estética dos anos 1950 e 1960, tanto nos figurinos como nos cenários.

Wandinha acaba sendo – mais uma – perfeita diversão para toda a família. Contém todas as mensagens positivas necessárias, lições morais, mesmo que sutis, e, finalmente, uma diversidade maior entre os atores, algo que não era muito observado nas obras de Tim Burton. O diretor já sofrera críticas por escalar elencos quase que inteiramente brancos para seus filmes. Pelo menos nesse ponto, podemos enxergar uma boa mudança em suas escolhas, já que, apesar de toda a estética retrô tão cultuada por ele, Wednesday é uma adolescente do século 21.

Movies

Não! Não Olhe!

Jordan Peele volta à telas com um thriller recheado de suspense e reflexões sobre a perversidade da indústria do entretenimento

Texto por Carolina Genez

Foto: Universal/Divulgação

O longa-metragem acompanha os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) no vale Santa Clarita, nos arredores de Los Angeles. Os dois vivem em um rancho herdado do pai Otis Haywood Sr (Keith David), que trabalhava como domador de cavalos que eram utilizados pela indústria cinematográfica. Eles querem continuar com os negócios, porém enfrentam muitos desafios, inclusive tendo de vender diversos animais para conseguir manter a propriedade. Até que um dia OJ e Emerald se deparam com fenômenos inexplicáveis que passam a acontecer por lá. Tentando sair da crise financeira, querem filmar e registrar esse mistério com estratégias cada vez mais elaboradas.

Assim como os irmãos, Ricky “Jupe” Park (Steven Yeun), também se interessa em lucrar em cima desses eventos estranhos. Jupe é dono do rancho vizinho dos Haywood, o Jupiter’s Claim, que é um parque temático no estilo da Corrida de Ouro da Califórnia. Ele ficou conhecido por ter sido astro mirim, mas teve sua carreira marcada por uma tragédia que ocorrera em uma série da qual participava. 

Em Não! Não Olhe! (Nope, EUA/Japão, 2022 – Universal) Jordan Peele volta a surpreender o espectador em seu terceiro longa. Depois do sucesso de Corra! (2017) e Nós (2019), o diretor e roteirista apresenta mais uma vez com um thriller recheado de tensão. Apesar dos três filmes terem características marcantes do diretor e roteirista, as obras são muito diferentes entre si. Dessa vez, explora o território da ficção científica e traz reflexões sobre a indústria do entretenimento, o espetáculo envolvido na mídia e toda violência e oportunismo presente na área. 

E uma das formas mais claras dessa violência do showbiz é o próprio personagem Jupe, que, mesmo traumatizado por seu passado, vê na sua tragédia exposta exacerbadamente em tabloides uma forma dele mesmo lucrar, criando uma espécie de museu sádico. Com isso, o filme também traz críticas aos consumidores desses tipo de conteúdo “espetacular”, já que a maioria das ações dos personagens são justificadas pelo retorno, já que eles sabem que tal tipo de mídia rende muita visibilidade. 

Ainda nesta questão, o longa critica à própria exploração desse meio em relação às pessoas e principalmente aos animais – essas “criaturas” são constantemente humilhadas e destratadas para garantir entretenimento. a crítica fica ainda mais forte nas ações de Jupe com OJ. O primeiro enxerga os animais como objetos, talvez refletindo a forma que o mesmo era tratado quando ator-mirim, quando o lucro era visado acima de qualquer outra coisa. Já o segundo, de fato, cria uma relação com cada um dos animais, tendo cuidado e respeito com os bichos.

Uma das características em comum com as obras anteriores de Peele é a construção da tensão feita de forma impecável, realmente trazendo o espectador para dentro da trama e dando a ele a oportunidade de sentir o mesmo que os personagens, prendendo a atenção do começo até o fim graças ao suspense em tela. Parte disso é gerada pelo resgate da essência dos blockbusters vintage, trazendo uma história que à primeira vista parece simples e explorando-a de forma compreensível, interessante e de certa forma trazendo um novo ponto de vista e algo cheio de aventura. Não à toa que o filme lembra muito Contatos Imediatos de Terceiro Grau, feito em 1977 por Steven Spielberg, construindo o suspense em cima do medo do desconhecido também por parte do público. 

Essa sensação de aventura também é intensificada na trilha sonora. As músicas fazem referências aos grandes filmes de faroeste do passado mas ainda assim apresentam melodias sinistras, que conseguem arrepiar e assustar. Além disso, os movimentos de câmera e enquadramentos também impressionam. Peele, embora se utilize de técnicas já costumeiras dos filmes de terror, aposta em uma fotografia mais colorida (tais cores se destacam na vastidão do deserto em que a trama se passa) e grandes espaços abertos durante o dia (quesito que lembra muito o assustador Midsommar), conseguindo trazer o medo de maneira palpável para o público. E, completando esses aspectos, a imersão fica ainda mais completa pelo uso da tecnologia IMAX.

As atuações, apesar de não serem o principal destaque do filme, também impressionam. Keke Palmer e Daniel Kaluuya tem uma dinâmica muito interessante agindo de forma convincente como irmãos. Os personagens também são muito reais e verdadeiros com suas ações que não só são condizentes com suas personalidades, mas também com a própria realidade. Suas reações muito naturais que, embora engraçadas às vezes, condizem com o que a audiência sente no mesmo instante, o que os torna ainda mais humanizados aos olhos de quem os acompanha na tela. 

Kaluuya dessa vez vivendo um personagem mais quieto, trabalhador e introspectivo, ao estilo Clint Eastwood. Muito bondoso e descolado, OJ tem um carinho enorme pela empresa montada pelo pai e está disposto a fazer de tudo para manter o legado. Já Palmer traz alguém muito informal, divertida e falante, quase o completo oposto do irmão e o que rende as cenas mais engraçadas do longa. Sua Emerald é muito carismática e consegue com facilidade conquistar a empatia do público.

Por tudo isso, Não! Não Olhe! é um dos grandes lançamentos do cinema em 2022. É um thriller que, como as outras obras do diretor e roteirista, provoca medos e reflexões, deixando o espectador à beira do assento durante os 130 minutos de duração.

Series, TV

Stranger Things 4

Quarta temporada da série da Netflix traz o novo vilão Vecna e os personagens adolescentes agora mais crescidos e em diferentes lugares

Texto por Tais Zago

Foto: Netflix/Divulgação

Foram longos três anos de espera, mas finalmente no dia 27 de maio estreou na Netflix a tão aguardada quarta temporada do cult hit Stranger Things. Poucas séries reuniram, até hoje, um fã-clube tão leal ao nível de Game Of ThronesLosou The Walking DeadStranger Things repetiu essa façanha. Há exatos seis anos estreava na plataforma de streaming uma nova viagem cultural aos gêneros da nossa infância, primeiro embarcando no hype do revival dos anos 1980 e depois permanecendo pela competência de seus atores e criadores.

Pensando nisso os irmãos Duffer, criadores da série, não economizaram esforços (e dinheiro) e nos apresentam um show de opulência em episódios que, por vezes, ultrapassam uma hora de duração. Para aumentar ainda mais a expectativa (e despedaçar a paciência dos fãs mais afoitos), essa quarta viagem ainda foi dividida em duas etapas. A primeira trouxe sete deles, adiando o showdown em forma de dois episódios – incluindo um gran finale com a extensão de um longa – para o primeiro dia de julho. Sim, Netflix quis fazer render um de seus carros chefes e nós, como fãs, obviamente, aceitamos as regras.

Nessa nova etapa, batizada Stranger Things 4 (EUA, 2022 – Netflix), reencontramos nossos “heróis” crescidos, apesar de temporalmente ter se passado apenas alguns meses do fim da terceira temporada – o hiato de três anos nas produções, devido à pandemia, não permitiu que fosse diferente. Estamos agora diante de adolescentes, não mais de crianças, assim como os personagens os temas abordados se tornam mais maduros. O monstro da vez, ainda que coabitante do Mundo Invertido (Upside Down), não é mais um Demogorgon ou um Demodog – criaturas que tem como mero objetivo se alimentar e dominar humanos. O novo monstro, curiosamente nomeado Vecna, inspirado nos jogos de Dungeons & Dragons da garotada, quer possuir e manipular os vulneráveis que encontra pelo seu caminho. 

Para complicar ainda mais as coisas, temos a divisão da história em três diferentes locações. Na Califórnia, seguimos a trajetória de Eleven (Millie Bobby Brown), Joyce (Winona Ryder), Will (Noah Schnapp) e Jonathan (Charlie Heaton), na tentativa de reconstruir uma nova vida após os acontecimentos do final da terceira temporada. O segundo grupo, em Hawkins, é formado pelo resto da patota – Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo), Lucas (Caleb MacLaughlin), Max (Sadie Sink), Steve (Joe Keery), Nancy (Natali Dyer) e Robin (Maya Thurman-Hawke) – e tenta se adaptar a mais um ano de escola e trabalha os traumas e as cicatrizes deixadas pelos monstros. Vem ainda um terceiro cenário representando uma prisão russa em meio ao severo inverno siberiano, cujo significada aprendemos logo nos primeiros capítulos. Além disso, ainda voltamos para a “clínica” onde Eleven fora criada e treinada: passeamos pelo seu passado, revisitamos antigos personagens e conhecemos novos. Com tantas pontas soltas, pode ficar meio difícil dedicar a mesma atenção para todos os acontecimentos paralelos. Impossível captar todas as referências ao cinema e à cultura popular norte-americana da década de 1980. Porém, todos esses enredos estão interligados, como um quebra-cabeça que começamos a montar pelas beiradas e no final nos leva para o encontro no centro.

Esteticamente, mais uma vez, não são poupados esforços em matéria de ambientação, cenários, música e efeitos especiais. O investimento material foi pesado e o resultado visual é bastante convincente, inclusive incorporando a mais recente febre do CGIs – o “rejuvenescimento” digital de atores para cenas de flashback. Mesmo com tudo isso nas mãos, alguns episódios parecem um tanto arrastados, pelo menos para o ritmo ao qual estamos acostumados nesta franquia. É inegável que Stranger Things tem ainda os seus momentos – num deles, em especial, roemos as unhas até os cotovelos tendo como pano de fundo a maravilhosa Kate Bush e seu hino “Running Up That Hill” (automaticamente catapultado, depois disso, para o primeiro lugar nas paradas musicais dos Estados Unidos, um lugar onde a artista nunca esteve) ou gargalhamos com as trapalhadas de Eddie (Joseph Quinn) e Argyle (Eduardo Franco), dois novos personagens apresentados como alívio cômico em uma temporada especialmente tensa e macabra repleta de situações de bullying, gore e terror psicológico.

Stranger Things cresceu e passa pela puberdade. Com isso, em nenhum momento deixa de fora o teenage angst de seu cardápio de atrocidades onde adultos continuam como personagens aleatórios e alienados enquanto os jovens, praticamente sozinhos, salvam o mundo nos quintais de Hawkins. E se após tudo isso alguém ainda não se sentiu compelido a assistir, cito como argumento final a brilhante participação de Robert Englund, que interpretou o icônico vilão Freddie Krueger na famosa franquia A Nightmare On Elm Street (A Hora do Pesadelo, no Brasil), em um dos episódios.