Oito motivos para lembrar-se sempre da cantora como uma das maiores divas de todos os tempos do olimpo da música pop

Tina Turner em sessão de fotos para o disco Private Dancer
Texto por Abonico Smith
Fotos: Reprodução
Anna Mae Bullock teve seu falecimento anunciado no último dia 24 de maio. Ela morreu em casa, aos 83 anos, na cidade suíça de Küsnacht, próxima a Zurique, onde vivia havia três décadas. A cauda da morte não foi revelada, mas sabe-se que nos últimos anos ela vinha lutando contra algumas doenças, além de ter perdido dos filhos em um curto espaço de tempo.
Sob a alcunha de Tina Turner, tornou-se figura de suma importância na música pop dos anos 1960 para cá. Na juventude, fez história ao ser a linha de frente da dupla formada com o marido, o produtor e multiinstrumentista Ike Turner . O relacionamento, sempre movido a drogas, machismo, abusos e violência física, ruiu de vez em 1976. Com o divórcio veio a carreira solo ea famosa tríade “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Com mais de 40 anos, já em meados dos 1980s, transformou-se em sex symbol dos palcos, sempre chamando a atenção pelos vestidos curtos mostrando as pernas torneadas e favorecendo os movimentos frenéticos das coreografias que sempre foram parte integrante das performances desde o início da trajetória profissional). Também viu sua carreira ser elevada ao status de rockstar mundial. Com a ajuda da MTV e dos videoclipes, passou a vender milhões de discos, tornar-se atriz bissexta cultuada em Hollywood e carregar multidões para ver os seus concertos em grandes arenas. Em 1988, entrou para o livro Guinness dos recordes ao ter um público pagante de quase 200 mil pessoas no seu primeiro show em solo brasileiro, realizado no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.
Se Anna Mae desencarnou desta dimensão, seu legado deixado como Tina Turner continuará sendo eterna. Por isso, o Mondo Bacana preparou aqui oito motivos para se lembrar sempre da cantora.

Tina Turner cantando no Ed Sullivan Show ainda na dupla com Ike Turner
Furacão nos palcos
Descoberta ainda adolescente pelo produtor Ike Turner – que logo viria a se tornar seu marido – tornou-se estrela solitária em tempos de auge dos girl groups. Ao vivo, à frete da banda comandada por Ike, sempre trazia seu grupo de backings para lhe ajudar a encorpar os vocais e as coreografias do palco. E colocava fogo sempre em todos os palcos nos quais se apresentava, rodopiando feito um furacão, equilibrando-se no salto e soltando o vozeirão em canções que traçavam um diálogo entre o wall of sound de Phil Spector e a energia crua do rock’n’roll. Portanto, se hoje você tem dezenas de divas pop cantando e dançando absolutas em cena, coloque isso na conta de Tina Turner.
Relacionamento abusivo
Ao lado de Ike, Tina conheceu o paraíso em sua trajetória profissional, sobretudo varrendo o mainstream do showbiz norte-americano entre os anos de 1966 e 1975, vendendo discos e discos e arrasando nos concertos. Só que a década áurea também não trouxe apenas sorrisos e boas lembranças. Pelo contrário. Aquela Tina se jogava de cabeça para seu público passava muito sofrimento nos bastidores. As atitudes de Ike, sempre movidas ao abuso de drogas, passaram a se tornar gradualmente cada vez mais insanas frente a Tina. O relacionamento abusivo incluía muita, muita, muita violência física e emocional. No dia do casamento, em 1962, logo após a cerimônia, Ike o obrigou a entrar em um bordel e assistir a um show de sexo explícito. A escalada foi aumentando até que em 1976, depois de uma viagem de carro durante uma turnê, Tina saiu correndo estrada afora só com a roupa do corpo para mudar de vez seu destino e virar, tanto na carreira artística quanto no estado civil, uma estrela ainda maior do que era sob o covarde cabresto do companheiro troglodita.

Tina Turner no filme Tommy (1975)
“The Acid Queen”
Em 1975, o diretor e roteirista Ken Russell levou às telonas uma impactante versão da ópera-rock Tommy, lançada seis anos antes em disco pelo Who. O protagonista era, inclusive, interpretado pelo vocalista do grupo britânico, Roger Daltrey. Outras presenças marcantes neste musical são Elton John (como o mágico do pinball em antando “Pinball Wizard”), Eric Clapton (como o pregador que recupera o antigo blues “Eyesight To The Blind”) e Tina Turner (como o “barato das drogas químicas” em “The Acid Queen”). A interpretação que Tina imprimiu à faixa foi tão poderosa que logo a gravadora embarcou na veia rock’nróll da cantora e bancou um álbum solo dela (ainda que estivesse presa ao casamento e à parceira com Ike naquele ano), também batizado como The Acid Queen. No lado A, Turner arrasa cantando clássicos dos Rolling Stones (“Under My Thumb”, “Let’s Spend The Night Together”), Who (“I Can See For Miles”, a faixa-título) e Led Zeppelin (“Whole Lotta Love”). No outro lado do vinil, quatro composições de Ike, sendo “Baby Get It On” gravada em dueto com ele. Foi o grande rito de passagem de sua trajetória pessoal e profissional, que a fez ficar livre de vez do encosto que passou a tomar conta de sua vida.
Rasteira no etarismo
Tina Turner tornou-se popstar de números e recordes mundiais já depois da virada dos anos 1980. De quebra, transformou-se em sex symbol do rock, sempre arrebatando corações com seus looks de pernas de fora, saltos e vestidos curtos. Este período áureo da carreira solo coincidiu com o apogeu da Music Television, que no decorrer dos anos 1980 alastrou-se para o planeta todo com suas filiais inundando de videoclipe as televisões de jovens e adolescentes espalhados pelos quatro cantos. Era o formato audiovisual dando todas as cartas na indústria fonográfica, pautando todas as rádios, alavancando vendagens estratosféricas e dando início ao que passamos a entender por grandes turnês mundiais. Tina Turner conseguir tudo isso – vale bem lembrar – já tendo passado dos 40 anos e em um mundo onde machismo e etarismo ainda rolavam soltinhos na sociedade. Portanto, ela dava um banho de talento, beleza, sensualidade, força, liderança e perseverança sendo uma mulher em uma faixa etária majoriatariamente descreditada pelo então ainda impiedoso patriarcado.
Fase de ouro
Quinto álbum solo de Tina, Private Dancer chegou às lojas no final de maio de 1984 revelando uma artista pronta para ser catapultada ao megaestrelato. Sua nova gravadora bancou vários produtores e compositores de sucesso para as nove faixas, que formavam uma mistura eletrizante de baladas e canções dançantes, além do flerte com elementos do rock, do pop, do r&b e do jazz. O resultado foi a chegada de vários hits nas paradas (“Better Be Good To Me”, “Private Dancer”, “What’s Love Go To Do With It” e a releitura do clássico soul “Let’s Stay Together”). Além de muitos discos de platina em vários países, a obra rendeu ainda quatro prêmios Grammy. Dois anos depois, o sucessor Break Every Rule foi capaz de sustentar Tina no olimpo pop, que rendeu nada menos do que oito singles (!!!). Novamente muitos produtores (entre os nomes, agora, os endeusados Bryan Adams e Mark Knopfler, que compusera a canção “Private Dancer” com Jeff Beck), novamente hits enfileirados nas paradas (“Two People”, “Typical Male”, “Paradise Is Here”, “What You Get Is What You See”), agora participações especialíssimas nos créditos das gravações (Knopler, Adams, Steve Winwood, Phil Collins, Branford Marsalis). Novamente múltiplos discos de platina ao redor do mundo, novamente o Grammy de melhor performance feminina de rock.

Tina Turner cantando no Maracanã
Recorde no Maracanã
O sucesso expandido pelo álbum Break Every Rule rendeu uma megaturnê que levou treze meses girando pelo mundo. Veio parar inclusive por aqui em uma época em que, ajudado pelo Queen e pelo Rock In Rio em 1985, o Brasil estava começando a entrar na rota dos grandes shows internacionais. Tina já havia cantado duas vezes na semana anterior em São Paulo, mas foi a passagem pelo Rio de Janeiro o seu maior momento – no país e, como indicam as memórias transpostas para a autobiografia Minha História de Amor – e da própria tour. A cantora levou 188 mil pagantes ao Maracanã, quebrando o recorde de pessoas em um evento não futebolístico – e superando marcas obtidas por outros nomes gigantes da música como Paul McCartney (184 mil), Frank Sinatra (175 mil), Rolling Stones (141 mil) e Kiss (137 mil). Aproveitando a estrutura utilizada dias antes pela primeira edição do festival Hollywood Rock, aquela histórica noite de 16 janeiro começou com bateria de escola de samba e o puxador Neguinho da Beija-Flor adaptando seu característico bordão para a estrela que chegou ao palco levada por um carro alegórico de Joãosinho Trinta. O set list contou com 19 canções. Começou com “Addicted To Love”, cover de Robert Palmer. Passou por várias canções daquele momento mágico que ela vivia nos anos 1980 (“Girls”, “Private Dancer”, “Typical Male”, “What’s Love Got To Do With It”, “Break Every Rule”, “What You Get Is What You See”, “Show Some Respect”, “Better Be Good To Me”, “Paradise Is Here”, “We Don’t Need Another Hero”), outras releituras de clássicos (“Help!”, “Let’s Stay Together”, “Proud Mary”) e pescou faixas de sucesso do passado (“The Acid Queen”, “Nutbush Cuty Limits”. Esta última, gravada em 1973 ainda como Ike & Tina Turner e uma quase autobiografia em versos e melodias composta por ela própria, encerrou a apresentação. Este show está disponível para streaming na Globoplay, por meio de um especial preparado e transmitido na época pela Rede Globo.
“We Don’t Need Another Hero”
Em 1979, George Miller apresentava ao mundo a trama pós-apocalíptica Mad Max, cujo sucesso comercial fez ainda dois títulos (em 1982 e 1985) para a trilogia oitentista protagonizada por Mel Gibson. Recentemente a franquia foi retomada com sucesso de público, crítica e premiações, mas naquele ano de 1985 a recepção fora bem diferente. Se não fosse pela presença de Tina Turner na produção, talvez Mad Max: Além da Cúpula do Trovão tivesse fracassado ainda mais. Nas telas, ela fez o papel de Aunty Entity, governante de Bartertown, uma cidade incrustada no deserto, que tenta a todo e qualquer custo consolidar seu poder na área. A interpretação da cantora transformou-se no ponto mais interessante de um filme perdido em um roteiro confuso e defendido sem qualquer empolgação por seu diretor. O visual marcante da personagem ainda se estendeu para o videoclipe da música-tema “We Don’t Need Another Hero”, esta sim o maior trunfo do longa-metragem. Além de indicações para o Oscar e o Grammy, Tina fez desta balada um hit mundial, capaz de mantê-la nas paradas durante o intervalo entre os discaços Private Dancer (1984) e Break Every Rule (1986).

Tina Turner no filme Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (1985)
Cidadania renegada
Em 1986, Tina conheceu o executivo alemão do mundo da música Erwin Bach, com quem logo engatou um namoro. No começo da década seguinte, mudou-se para a cidade de Küsnacht, próxima a Zurique, para morar com Bach. O casamento só foi oficializado em 2013, quando solicitou a nacionalidade suíça em detrimento da norte-americana. Definitivamente os Estados Unidos não lhe encantavam mais. Afirmava apenas ter nascido lá e possuir familiares morando do outro lado do Atlântico. De certa forma, todo este processo de mudança foi uma saída para passar uma borracha em todo o sofrimento pessoal do passado e construir uma nova vida para Anna Mae Bullock, longe dos holofotes ligados para iluminar o glamour vivido como Tina Turner. Haja atitude para um artista dos EUA apagar suas ligações todas com o país natal.