Series, TV

Treta

Série provoca riso e choro com protagonistas conflituosos que só pensam em um dar ao outro um “troco” cada vez mais mirabolante

Texto por Tais Zago

Foto: Netflix/Divulgação

Até onde um pequeno desentendimento no trânsito pode chegar quando as duas pessoas envolvidas estão profundamente infelizes e insatisfeitas? Essa é a questão central de Treta (Beef, EUA – Netflix). Não, apesar do nome original, a série – iniciada agora em 2023 – não tem nada a ver com culinária ou alguma paixão carnívora. Nos Estados Unidos, a palavra para a carne bovina também serve como gíria para um desentendimento, um ressentimento ou, mais precisamente, uma “treta” entre pessoas. E esse “bife”, aqui, não é para amadores.

Lee Sung Jin é o criador e o roteirista dessa tragicomédia entre dois personagens completamente diferentes. Amy (Ali Wong) é uma bem sucedida empreendedora. Ela tem dinheiro, um marido considerado “perfeito”, uma filha e todo o luxo californiano na classe artística aos seus pés. Já Danny (Steven Yeun) é um empreiteiro endividado e fracassado, lutando para sobreviver e sustentar o irmão mais novo, enquanto sonha em comprar uma casa para seus pais. Em um cenário comum, os dois nunca coexistiriam. Apesar de ambos terem origem asiática, nada mais parece conectá-los. Até que um desentendimento no estacionamento de um shopping center – Amy buzina incessantemente enquanto Danny se recusa a sair da vaga – culmina em uma absurda perseguição pelas ruas de Los Angeles, quando ambos infringem diversas leis de trânsito e colocam pessoas em risco. Logo o acontecido cai nas redes sociais e assim se inicia uma procura dos dois por “investigadores amadores” de bairro da localidade de Calabasas.  

A comediante e stand up Ali Wong nos entrega uma Amy profundamente frustrada e em conflito com suas verdadeiras vontades e a realidade da vida que ela construiu para si mesma. Se tudo é tão perfeito, por que ela ainda se sente infeliz? Esta é a questão que já nos acompanha a partir do primeiro episódio e continua até o último. Já Steven Yeun, mais conhecido do grande público por sua atuação como o Glenn de The Walking Dead, interpreta um Danny repleto de medos e insatisfações, apesar da sempre aparente autoconfiança, ele é castigado pelos seus sentimentos de fracasso e uma depressão que esconde de todos. Em cima da base criada pelos dois, cada episódio se torna uma montanha-russa de paybacks, onde cada decepção diária dos personagens consigo mesmos os leva a montar planos cada vez mais maquiavélicos e mirabolantes um contra o outro. Na vida de Amy e Danny, o foco principal se torna o beef, a treta, a qual nenhum deles parece realmente querer resolver ou perdoar.

Apesar da sinopse nos levar a crer que Treta seria mais uma comédia de slapsticks e vinganças malsucedidas, Lee Sung Jin consegue incluir uma miríade de conflitos internos, traumas e experiências que enriquecem seus personagens de tal forma, que, lá pelo meio, já conseguimos nos compadecer com a imagem horrível, mas real e crua, que Amy e Danny tem deles mesmos. É a queda da máscara construída com muito esforço. Os sonhos despedaçados deixando apenas o desespero e o ódio como substitutos da tristeza. A série possui diálogos e situações hilárias, daquelas de rirmos até chorar. Mas também nos arrasta a um abismo onde choramos sem rir. O toque reflexivo chega até a nos lembrar um pouco as divagações filosóficas do vitorioso do último Oscar, Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo. Uma tendência que parece permear muitas das obras da produtora indie A24, assim como uma forte queda para representações de um psicodelismo surrealista.

Será que não existe um pouquinho de Danny e Amy dentro de todos nós? Eu acho que sim. Ao menos quando invariavelmente descontamos nossas frustrações em discussões acaloradas, porém absurdas e sem utilidade prática, em redes sociais ou em situações mundanas do dia a dia. Nesse quesito, Treta vai além das telas e nos traz questionamentos válidos que podem nos conduzir a uma jornada de autoconhecimento.

Music

Dionne Warwick

Oito motivos para não perder um show desta que muito provavelmente deverá ser a última passagem da cantora por nosso país

Texto e tradução por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Nesta sexta-feira se consumará mais um encontro mágico entre o público brasileiro e uma das maiores cantoras norte-americanas de música pop em todos os tempos. Dionne Warwick começa hoje, por Curitiba, uma nova passagem por nosso país, com direito a outras três datas (Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, respectivamente nos próximos dias 20, 23 e 28 de maio). Mais informações sobre a turnê você encontra clicando aqui.

A mais perfeita tradução vocal das melodias compostas por Burt Bacharach em parceria com os versos do letrista Hal David, Dionne Warwick chega por aqui com sua nova tour. O nome, One Last Time, entretanto indica uma coisa triste: apesar da química sempre perfeita demonstrada nas outras vezes em que artista e audiência verde-amarela estiveram frente a frente, esta parece ser mesmo a última oportunidade para desfrutar ao vivo de sua voz doce.

O Mondo Bacana preparou oito motivos para você não perder esta noite especial comandada por Warwick. As aspas foram retiradas de uma entrevista concedida por ela dias antes do embarque rumo ao nosso país.

Última vez?

A expressão que dá nome à tour, One Last Time, pode ser traduzida para o português como “uma última vez”. Claro que tudo no showbiz pode mudar dependendo das circunstâncias de momento, além do entretenimento do ramo dos concertos gostar de usar bastante batismos que apelem para o emocional dos fãs. Só que isso indica mesmo ser esta a derradeira passagem da cantora por terras brasileiras. No último mês de dezembro ela completou 82 anos e a idade começa a pesar quando os artistas vão envelhecendo e ficando sem muita paciência para encarar longos tempos de viagens de lá para cá, daqui para ali. Warwick ainda corrobora a questão sendo franca em relação a isso. “Não estou parando com a música. Saberei muito bem quando chegar esta hora de parar, acredite em mim. Será quando eu notar que não conseguirei mais dar o meu melhor. Mas eu venho de um grande número de turnês, tantas quantas eu consigo fazer. Portanto, este nome não indica sobre parada na carreira, apenas um jeito de desacelerar o ritmo das viagens. É aquele negócio de passar menos dias na estrada, correndo por aeroportos”.

Melhor de si ao vivo

Dionne nunca escondeu sua satisfação e extrema vontade de subir aos palcos mundo afora. “Fico excitada sobretudo por estar em plena capacidade de vir a uma platéia e cantar aquilo que todo mundo espera de mim. Eu me preparo bastante para isso por todo este tempo. Entrego vários clássicos e ainda posso fazer surpresas com algumas canções nunca antes ouvidas. Estive ainda trabalhando ativamente esses últimos anos, gravando coisas novas”.

Clássicos eternos

Segundo a própria Dionne, existe um punhado de músicas “obrigatórias” em todos os seus shows. “I Say a Little Prayer” não pode ficar fora das turnês. “Do You Know The Way To San José?” não pode focar fora das turnês. “Alfie” não pode ficar fora das turnês. “I’ll Never Fall In Love Again” não pode ficar fora das turnês. “Toda canção que eu tenho em meu set list é uma canção que eu sei que as pessoas estão esperando que eu cante. Então eu preparo um repertório sempre de acordo com isso”.

Burt Bacharach & Hal David

Pode reparar. Mil e um nomes já fizeram suas versões de composições assinadas pela dupla que se transformou em excelência no cancioneiro popular norte-americano. Entretanto, Dionne Warwick se transformou em excelência da excelência com sua voz arrebatadoramente aveludada ao gravar dezenas de canções desses compositores. Tanto que até hoje mais da metade de seu repertório dos concertos é composta por seus hits – a ponto dela se dar ao luxo de emendar uma na outra, como medleys, sem deixar qualquer tempo para espectadores maravilhados se recomporem nas poltronas dos teatros. Além daquelas citadas por ela mesma no parágrafo acima, aí vai outra pequena lista das preciosidades que não costumam ficar de fora da qualquer set list: “What The World Needs Now Is Love”, “Anyone Who Had a Heart”, “That´s What Friends Are For”, “This Girl Is In Love With You”, “Message To Michael” e, claro, “Walk On By”.

Ligação especial com o nosso país

“Eu amo o Brasil e o Brasil já me mostrou que me ama também. Não poderia pedir por uma relação melhor, aliás. O Brasil me deu uma dos melhores abraços que já tive na carreira, melhor do que muitos outros países. Sinto que os brasileiros querem que eu seja uma parte do que eles já são. Dizem para mim “você tem de ser brasileira” e eu me desculpo dizendo que não posso ser brasileira… (risos) É um dos sentimentos mais quentes que se pode ter, o de ser bem aceita e com paixão por um povo. Eu tento arranhar umas palavras na língua portuguesa, mas só um pouquinho… (risos) Também sempre fui muito ligada na música brasileira. Eu a amo porque ela é algo feliz para mim, me faz sorrir. É ainda uma eterna referência para o país, que faz a gente amá-lo e isso é muito importante. E a feijoada é uma coisa absolutamente extraordinária”.

Ouvidos atentos para novidades

“Não conheço muita coisa nova não, mas eu tenho sete netos e eles sempre me mantêm atualizada no que está rolando por aí, ficam tocando o que gostam para eu ouvir. Claro que continuo ouvindo música durante todos esses anos, é algo que faz bem aos meus ouvidos. E gosto de ouvir qualquer tipo ou gênero musical, é o que me mantêm aqui até hoje. Um nome mais novo que me vem imediatamente à cabeça é o de Beyoncé. Eu a conheci quando ela tinha quinze anos de idade. Já dava para saber o porquê do tamanho do sucesso que ela iria obter depois em sua carreira. Outro nome é o de Rihanna, mas não gosto só das suas aventuras no mundo da música, também do que ela fazia fora disso. Ela cresceu como uma jovem que tinha aspirações a muitas, muitas coisas, não apenas musicais. Sabe, há diversas pessoas na indústria da música seguindo os seus próprios caminhos, o que é maravilhoso, por sinal. E usando o mundo dos negócios muito bem. Há muita gente abaixo dos 30 ou mesmo lá pelos 30 anos que estão imprimindo em suas carreiras justamente aquilo que gostariam de ouvir. Claro que algumas coisas não conseguem se encaixar perfeitamente nos meus ouvidos, então não há motivos para eu ouvi-las. Mas aquilo que está sendo gravando é de acordo com a sua música, a sua sonoridade, as suas palavras. E estas pessoas depositam na indústria a sua paixão”.

Ativismo social

“Todo o tempo em que me envolvi na campanha de conscientização em relação à aids foi maravilhosamente importante. Estávamos perdendo de forma precoce muitas pessoas dentro do nosso meio. Então era hora de alguém encarar os fatos e perguntar o que está acontecendo. A última coisa que eu poderia ter feito a respeito disso era fugir. Sempre fui de me meter em questões bem sérias como essas e procurei saber como poderia ajudar quem estava contraindo o vírus na época. Fui eleita uma das embaixadoras dos Estados Unidos nesta área para descobrir como poderíamos lutar contra isso não só aqui mas em outros países. Então comecei a viajar para me encontrar com pessoas em todo o mundo, observar o que estava sendo feito e dando certo em outros lugares para que pudesse retornar e trazer isso também para o meu país. O mais importante sempre foi fazer as pessoas compreenderam como e por que tudo acontecia para lutar contra isso da maneira mais apropriada, entender as causas da aids e fazer as pessoas entenderem como se cuidar e se prevenir. Isso deu toda a repercussão para este trabalho. Mas com certeza sou e sempre fui uma pequena parte disso, não levo para mim os créditos desta empreitada inteira não”.

Poder de cura pela música

“Claro que sim, acredito nisso. É de fato uma das principais forças de cura. Veja como isso funciona em hospitais, asilos… Em bebês! Bebês reagem à música. Musica traz o poder da cura. Canções são escritas e elas também podem curar as pessoas”.

Music

Smiths

Andy Rourke, baixista da icônica banda que consolidou o termo indie rock em terras britânicas, morre aos 59 anos de idade

Da esq. à dir.: Morrissey, Johnny Marr, Mike Joyce e Andy Rourke

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação/Rough Trade

Na manhã desta sexta-feira 19 de maio foi anunciado o falecimento do músico e DJ inglês Andy Rourke, mais conhecido pelo trabalho como baixista do grupo Smiths nos anos 1980. Ele tinha 59 anos e enfrentou uma longa batalha contra um câncer no pâncreas.

Quem divulgou a notícia foi o ex-companheiro de banda, o guitarrista Johnny Marr. Ele o definiu como uma alma boa e gentil, além de instrumentista talentoso. Ao lado de Johnny, o vocalista Morrissey e o baterista Mike Joyce, Rouke integrou o quarteto que revolucionou o rock britânico entre 1982 e 1987. Em 1996, também já enfrentando o vício em heroína, Andy, em conjunto com Mike, processou a dupla de compositores Morrissey e Marr, em busca de ganhos a mais nos direitos autorais sobre a obra composta e gravada pela banda. Um acordo judicial foi feito para ação ser encerrada. A amizade com Marr foi refeita. Entretanto, o frontman nunca mais o desculpou pela atitude.

A obra-prima dos Smiths é o álbum The Queen Is Dead, de 1986. Entre os hits deixados pela banda estão as faixas “The Boy With The Thorn In His Side”, “Bigmouth Strikes Again”, “Ask”, “Panic”, “There Is a Light That Never Goes Out”, “Shoplifters Of The World Unite”, “Hand In Glove” e “How Soon Is Now”. A marca registrada impressa por Rourke nos arranjos da banda eram as linhas de baixo extremamente dançantes, que junto com as batidas de Joyce, formavam uma textura rítmica irresístivel para as combinações da literatura rebuscada em forma de versos dramáticos desenhada por Morrissey e os dedilhados com um pezinho no floreio psicodélico nas seis cordas de Marr.

Após o término da banda, Andy participou da gravação de algumas canções da carreira solo inicial de Morrissey. Também tocou com Pretenders, Badly Drawn Boy, Ian Brown e Moondog One (que incluía músicos que passaram por Smiths e Oasis). Em 2007 formou o supergrupo de baixistas Freebass, ao lado de Peter Hook (New Order) e Gary Mounfield (Stone Roses). Logo depois mudou-se para Nova York, onde passou a trabalhar como DJ de rádio e pistas de nightclubs. Foi, inclusive como DJ, que veio ao Brasil em novembro de 2008, que veio ao Brasil (mais especificamente a cidade de Curitiba), onde lançou a coletânea Hang The DJ (refrão da letra de “Panic” que batizou uma tradicional festa que era realizada no histórico e hoje extinto clube noturno Vox). Seis anos depois, retornou à capital paranaense para estrelar outra noite na pista de dança do Vox. E também foi em Nova York, ao lado de Ole Koretsky (com quem discotecava em dupla nas noites, sob a alcunha de Jetlag) e Dolores O´Riorden (vocalista dos Cranberries, também já falecida), que ele criou a banda D.A.R.K., que lançou um álbum chamado em 2016.