Music

Arnaldo Antunes + Vitor Araújo

Oito motivos para você não perder a chance de ver ao vivo o show em conjunto do cantor e compositor paulista e o pianista pernambucano

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Fevereiro de 2020. Mês de lançamento do décimo segundo álbum de estúdio de Arnaldo Antunes. O Real Resiste, como diz o próprio título (além dos versos que compõem a letra da faixa que o batizou, servia como um contraponto para o autor. Sob um clima de meia-luz, harmonizando teclas e cordas e dispensando a parte rítmica de percussão e bateria, era um pretexto para uma retomada de ar de toda a loucura na qual o país mergulhara no ano anterior, com todos os bichos escrtos que saíram dos esgotos sob o comando do inominável presidente.

Mas eis que veio a pandemia da covid e o Brasil parou. O mundo parou. Isolamento radical e a mais completa falta de possibilidade de seguir em frente no meio artístico e cultural. Arnaldo foi pego em cheio por este tsunami planetário. Estava preparado para estrear a turnê que divulgaria e espalharia por diversas cidades o disco novo. Ainda mais porque a empreitada traria uma novidade: em vez de estar acompanhado por uma banda no palco, haveria apenas um músico ao seu lado. E não qualquer músico. O escolhido havia sido o pernambucano Vitor Araújo, enfant terrible dos pianos, que alguns anos atrás despontara como uma grande revelação da música brasileira ao se propor a experimentar novos caminhos e sonoridades em seu instrumento, indo além da convencional exploração das teclas pretas e brancas com os pedais.

O novo show virou apenas lives (Sesc Pompeia, Inhotim) e gravação para documentários (Arnaldo 60). O entrosamento estava tão grande, porém, que Arnaldo voltou para o mesmo estúdio situado em uma fazenda do interior de São Paulo, levando Vitor para criar mais um disco. De lá saíram nove faixas (algumas inéditas, outras já lançadas antes por Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Itamar Assumpção, Titãs e o próprio Arnaldo em carreira solo) registradas  no período de uma semana. A temática compreende  as instabilidades emocionais tão pertinentes àqueles dias (distanciamento, saudade, comunicação ruidosa, fim de relacionamento) e a participação do jovem pernambucano não se limita à condição de mero coadjuvante musical. Vitor revela-se tão intérprete quanto Arnaldo, desdobrando o seu piano em muitas camadas e climas, dando a impressão de estar se ouvindo mais gente colocada ali no aquário do estúdio durante a gravação.

Aos poucos, depois do lançamento do álbum Lágrimas no Mar em setembro de 2021 (portanto, ainda naquele clima de incertezas vivido pelo lento arrefecimento do lockdown), Arnaldo e Vitor vão levando à estrada o show que a pandemia insistiu em adiar, agora com um repertório de canções ainda maior por conta do trabalho em conjunto. Nesta sexta, 17 de maio, é a vez de Florianópolis (clique aqui para mais informações sobre local, horário e ingressos). No sábado, a dupla se apresenta em Curitiba (clique aqui para mais informações sobre local, horário e ingressos). E o Mondo Bacana preparou abaixo oito motivos para você não perder a chance de assistir ao perfeito entrosamento entre Arnaldo Antunes e Vitor Araújo ao vivo.

Som do silêncio

Uma das ideias de Arnaldo ao apostar no formato de piano e voz ao vivo – ainda mais com as intervenções autorais de Vitor Araujo – foi justamente chamar a atenção para o momento das pausas. O intervalo, o interim, o pequeno espaço entre um som e outro, seja a sua voz ou de algum instrumento. Então, fazer a audiência poder desfrutar dos curtos instantes de silêncio também passa a ser um requinte que poder realçar o valor de uma canção – algo que seria quase impossível se estivesse ali com o vocalista uma banda inteira.

Piano autoral

A presença de um nome como Vitor Araújo significa perceber as canções – do próprio Arnaldo ou as releituras – de uma outra forma. O pernambucano assina o arranjo de todas as músicas para seu instrumento e se multiplica de uma forma pouco vista no terreno da música pop. Também apresenta ao gênero o piano preparado, que consiste na montagem de peças introduzidas entre as cordas, de modo que quando a pressão das teclas as fazem ressoar sejam produzidos efeitos sonoros inusitados e diferentes. Henry Cowell e John Cage são os principais nomes desta técnica.

Spoken word

Além da música, Arnaldo sempre foi bastante ligado ao mundo da poesia, chegando a fazer instalações e brincadeiras visuais com palavras e letras de canções para algumas exposições. Quase despido da instrumentação convencional da música pop, encontra um terreno ideal para injetar a leitura de alguns poemas entre uma música e outra do set list. Mas não espere que haja só a declamação por meio de sua voz. Vitor o acompanha criando efeitos e sonoridades que transforma tudo em um breve happening, tão visceral quanto o momento das harmonias e melodias.

Duas vezes Titãs

Claro que aqui não poderia deixar de ter a presença de faixas assinadas por Arnaldo para o repertório de sua ex-banda. A tensão da harmonia de “O Pulso” combinada à lista quase declamada de doenças e distorções do corpo e da mente é um dos momentos mais vibrantes do show. O arranjo elaborado por Vitor dá um novo gás à canção que sempre foi uma das favoritas dos fãs dos Titãs e foi muito bem recebida no resgate da recente turnê de reunião de seus integrantes da formação clássica. Já “Saia de Mim” tem as dissonâncias harmônicas das teclas de Araújo muito bem casadas com o vocal raivoso e gritado de Arnaldo, que parece expelir, na hora de cantar, as excreções corporais relacionadas em sua letra (suor, peido, vômito, escarro, espirro, pus, porra, sangue, lágrima, catarro). Tudo para chegar ao fim com a exclamação “saia de mim a verdade”.

“Fim de Festa”

Na releitura deste blues de pura fossa de Itamar Assumpção, Arnaldo e Vitor injetam um certo ar soturno, com a exploração de timbres graves (a linha contínua do baixo mais o vocal-tenor quase falado do paulista) e uma repetição mântrica propícia para o pernambucano criar alguns barulhos estranhos no arranjo, manipulando diretamente as cordas do piano no interior da cauda. Vale lembrar que o resgate da canção é mais uma referência ao período da pandemia, quando vários casamentos e namoros chegaram ao fim por conta justamente da incompatibilidade de gênios, modos e pensamentos reforçada pela intimidade extrema do isolamento social. Outra curiosidade: a gravação original veio outro disco criado em parceria entre São Paulo (Itamar) e Pernambuco (Naná Vasconcelos), lançado em 2004, um ano após a morte do cantor e compositor. O videoclipe oficial da faixa registrada em Lágrimas no Mar tem Rubi, neta de Itamar, fazendo a performance de dança.

“Manhãs de Love”

Composta por Arnaldo Antunes e Erasmo Carlos gravada pelo Gigante Gentil no álbum que leva justamente seu segundo apelido como título, em 2014. Faz parte do renascimento artístico do Tremendão, com uma sucessão de álbuns nos quais ele abriu seu leque de parceiros, indo bem além do costumeiro amigo de fé e irmão camarada Roberto Carlos. Este movimento fez com que o artista se aproximasse de uma nova geração de fãs, algo que continuou até a sua morte há dois anos. Faz dupla com “Fim de Festa” na cota de momento bluesy de dor-de-cotovelo neste trabalho parceira com Vitor Araújo. O piano, executado de modo mais tradicional, acentua a melancolia da letra.

Como 2 e 2

Composta por Caetano Veloso, gravada originalmente por Roberto Carlos e também bastante conhecida na voz de Gal Costa, a canção foi recriada por Vitor e Arnaldo para o álbum Lágrimas no Mar. Feita durante o período de maior repressão da ditadura militar no Brasil, sua letra expressa, recorrendo à matemática e alterando metaforicamente as suas certezas (e, claro, fazendo referência direta ao estado totalitário imaginado por George Orwell para o clássico livro 1984), a imprevisibilidade das coisas, seja na expressão dos sentimentos de qualquer pessoa ou mesmo na vida perante a uma sociedade que muitas vezes se transfigura no horror ao qual não desejamos para a gente. A manipulação da verdade – aqui, no caso de somar dois e dois e dar cinco como resultado – anda bastante em voga hoje em dia, em um mundo cheio de distorções provocadas por uma enxurrada diária de fake news, grande imprensa bastante tendenciosa e um bando de políticos que agem e dizem tudo de acordo com seus interesses e conveniências.

O Real Resiste

“Autoritarismo não existe/ Sectarismo não existe/ Xenofobia não existe/ Fanatismo não existe/ Bruxa, fantasma, bicho papão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Na fumaça de um rojão/ É só ilusão, não, não/ Deve ser ilusão, não, não/ É só ilusão, não, não/ Só pode ser ilusão/ Miliciano não existe/ Torturador não existe/ Fundamentalista não existe/ Terraplanista não existe/ Monstro, vampiro, assombração/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Múmia, zumbi, medo/ Depressão, não, não/ Não, não/ Não, não, não, não/ Não, não, não, não/ Trabalho escravo não existe/ Desmatamento não existe/ Homofobia não existe/Extermínio não existe/ Mula sem cabeça, demônio, dragão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Com um estrondo de um trovão/ É só ilusão, não, não/ Deve ser ilusão, não, não/ É só ilusão, não, não/ Só pode ser ilusão/ Esquadrão da morte não existe/ Ku Klux Klan não existe/ Neonazismo não existe/ O inferno não existe/ Tirania eleita pela multidão/ O real resiste/ É só pesadelo depois passa/ Lobisomem, horror/ Opressão, não, não/ Não, não/ Não, não, não, não/ Não, não, não, não”. Esta é a letra toda da canção criada durante o primeiro ano de desgoverno do inominável. É preciso dizer mais alguma coisa depois disso tudo?

Music

Jethro Tull – ao vivo

Ao proibir o uso de celulares durante quase toda a noite, Ian Anderson leva à plateia de Curitiba bastante do clima de um concerto do início da carreira

Texto por Daniela Farah

Foto: Abonico Smith

Se Ian Anderson queria reproduzir um concerto dos anos 1970 para o público que está em plena temporada de 2024, ele conseguiu. Tanto para o bem quanto para o não tão bem assim. Na noite de 12 de abril, o artista trouxe sua performance de Jethro Tull para Curitiba, mais precisamente o Teatro Positivo. A escolha por ser um teatro determinou todo o contexto do show. Não pela casa em si, já que o local recebe diversos concertos, mas pela estrutura da apresentação – dividida em duas partes, com direito a um intervalo de 20 minutos.

Quem foi lá esperando um show de rock saiu de lá frustrado, assim como quem se deixou levar pela ansiedade causada pela dependência digital e a raiva pela obrigação de deixar o celular guardado. O uso do aparelho era expressamente probidio por Anderson e havia alguns seguranças para vigiar quem insistisse em ignorar a ordem e botar medo de uma possível exclusão do recinto. Por outro lado, quem se abriu e deixou-se levar pela proposta do escocês saiu de lá diferente. Anderson encarnou a experimentação, a arte, a mistura com a tecnologia do presente apenas no palco (toda canção tocada era acmpanhada por um vídeo recentemente produzido, cheio de efeitos digitais e aquele ritmo fragmentado típico do videoclipe) e sua personalidade forte para dar o tom da apresentação da RökFlöte Tour.

Essa mudança de show para performance artística se refletiu inclusive nos arranjos sonoros das principais músicas do Jethro Tull. Mas isso não pegou ninguém desavisado: após entrar ovacionado e tocar “My Sunday Feeeling”, Ian conversou com o público. “Bem-vindos para celebrar sete décadas de lançamentos de discos”, disparou.

O cantor comentou com uma tonalidade um tanto quanto jocosa a respeito do fato de “Hotel California” ser curiosamente parecido com a sua composição “We Used To Know”, criada em 1969. “Ela é dedicada aos Eagles, aquele grupo pop fabuloso dos Estados Unidos que surgiu com uma música pop brilhante em 1974. Você vai poder notar similaridades entre as canções. Esta é uma minha que eu escrevi anos antes, particularmente o solo de guitarra que Jack irá tocar”, disse Ian, só errando a data do megahit (a faixa foi gravada em 1976 e lançada em dezembro do mesmo ano, dando nome ao quinto álbum dos anericanos).

Anderson contou histórias de todas as suas obras apresentadas no Positivo, como a do catavento em forma de galináceo que vive no teto de sua casa (o “Sr. Weathercock”). Ele ainda trouxe o clima de Natal antecipado – porque nunca é cedo para comemorar o Natal, ainda mais para cantar canções do Jethro Tull. “Ela traz elementos de música de igreja e folk mais algumas coisas da minha própria criação. Nós chamamos essa de “Holly Herald” e Scott Hammond vai começar com os bongôs.”

O passado logo foi substituído pelo presente e uma música do RökFlöte, “Wolf Unchained”, chegou, enfim, ao set list. E como o grande contador de histórias da noite, Ian mostrou seu humor britânico (ou seria o particularmente escocês?) especialmente nessa aqui, que soa muito sério no começo e surpreende no final. “É sobre aquele barulhento lobo perverso chamado fenrir. Era um cachorro muito mau… e eu ficava dizendo a ele para não lutar contra o entregador da Amazon senão não iria ganhar presente de Natal”, disse o músico fazendo o público cair na gargalhada.

Depois de “Mine Is The Mountain” e “Bourrée In E Minor” (versão da obra de Johann Sebastian Bach), chegou ao fim a primeira metade. Depois foram 20 minutos de intervalo, importante para que todo mundo pudesse relaxar da tensão e poder esticar as pernas. Ou mexer nos próprios celulares e coisas assim.

Talvez pela dispersão da pausa, a segunda parte não empolgou tanto assim. Exceto, claro, por dois momentos muito importantes. Um deles foi “Aqualung”. O clássico dos clássicos do Jethro Tull protagonizou o clímax da noite e levou o público a se soltar na cadeira, dançar e gritar. Anderson parecia feliz em proporcionar essa alegria aos fãs. É tão bonito quando a gente vê um momento genuíno de troca entre artista e público, especialmente com uma música que ele tocou tantas vezes durante toda a extensa carreira.

O outro grande momento foi a última música “Locomotive Breath”. Aqui, Ian Anderson foi genial. Como já estava no bis, ele permitiu que todo mundo pegasse seus celulares e câmeras e filmasse e fotografasse tudo o que quisesse. O público entrou em frenesi e milhares de celulares foram apontados para o palco praticamente a canção inteira. Assim distraídos, ninguém pode perceber a falta que a guitarra de Martin Barre (habilidoso membro da formação original que brigou com Anderson em 2011 e passou a excursionar com uma banda própria sem deixar de tocar os clássicos do Jethro Tull) fazia, especialmente nessa música.

Set list: Parte 1 – “My Sunday Feeling”, “We Used To Know”, “Heavy Horses”, “Weathercock”, “Roots To Branches”, “Holly Herald”, “Wolf Unchained”, “Mine Is The Mountain” e “Bourrée In E Minor”. Parte 2 – “Farm On The Freeway”, “The Navigators”, “Warm Sporran”, “Mrs Tibbets”, “Dark Ages”, “Aquadiddley” e “Aqualung”. Bis: “Locomotive Breath”.

Music

Madonna

Oito motivos para não conter a ansiedade e ficar contando as horas até o início do megaespetáculo A Celebration Tour na praia de Copacabana

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução/Live Nation

O próximo sábado vai marcar uma data especial da música pop de todos os tempos: Madonna, enfim, subirá à megaestrutura de palco montada nas areias e Copacabana para fazer o maior show não só de toda a sua carreira como da história da música pop. A estimativa de público para a noite de 4 de maio pode chegar até dois milhões de pessoas naquela que é uma das praias mais conhecidas de todo o mundo.

Esta será a única escala do atual turnê de Madonna não apenas no Brasil mas como em toda a América do Sul. A Celebration Tour começou seu giro em Londres. Depois passou por outros países do centro-oeste europeu, Estados Unidos, Canadá e México. Entre 14 de outubro do ano passado e o último 26 de abril foram 80 apresentações realizadas. Cinco datas acabaram canceladas por motivos de logística e agenda. A princípio nosso país não estaria incluso na agenda, mas uma negociação com grandes atrativos de infra-estrutura e grana bancada por um banco gigante acabou colocando, meio que de última hora, o Rio de Janeiro no encerramento e todo o cronograma. Algo perfeito para um espetáculo que celebra a majestade adquirida pela cantora e compositora em quatro décadas de carreira. Desde seus primeiros videoclipes veiculados pela MTV até hoje, a soberania de seu reinado musical (e extramusical também) é incontestável.

O Mondo Bacana antecipa o concerto dando oito motivos para você não conter a ansiedade e ficar contando as horas até o início da apresentação neste próximo sábado. O objetivo aqui não é falar apenas da suprema importância da Madonna Louise Ciccone como artista e ícone pop, mas sim no que isso se cruza com os detalhes e particularidades as quase duas horas e meia deste concerto, que se estabeleceu como o maior e todos os megashows de um só artista em toda a História.

>> Leia aqui a matéria do Mondo Bacana com 60 curiosidades sobre Madonna, publicada no dia em que a cantora completou 60 anos de idade, em 2018

>> Leia aqui a matéria do Mondo Bacana com as 25 melhores e mais importantes músicas da carreira de Madonna

O maior espetáculo de todos os tempos

Não é exagero, nem empolgação. Basta uma rápida olhada nos números para se convencer disso. Cachê de 9 milhões de dólares e produção orçada em 60 milhões de reais. Três aviões de carga trouxeram ao Rio de Janeiro a popstar, sua trupe e o equipamento de 270 toneladas 45 baús de figurinos e adereços. Fazem parte da equipe oficial de Madonna 200 pessoas e 90 quartos foram ocupados no Copacabana Palace, cabendo à estrela a suíte do último andar, com piscina privativa e mordomo à disposição 24 horas por dia. Três academias e cinco salões foram disponibilizados pelo hotel para treinos e ensaios. O palco montado na praia terá 812 m2, o dobro do tamanho daquele que foi normalmente utilizado durante a turnê mundial. Foram espalhados pela faixa de areia de Copacabana 16 torres de som e 15 telões de led. Para garantir a visão das pessoas, a altura do palco será de 2,4 metros do chão. A economia do Rio prevê 300 milhões de injeção por parte de 150 mil turistas, que ocupam quase 100% da rede hoteleira da cidade. Quatro mil pessoas estão envolvidas na produção nacional do espetáculo. A Polícia Militar contará com 3,2 mil agentes para garantir a segurança, mais 12 câmeras de reconhecimento facial, 64 viaturas, quatro drones e 65 torres de observação.

Transmissão simultânea ao vivo

Você tem pavor de multidão ou não pode, por algum motivo, estar no Rio neste sábado? Não tem problema. A Rede Globo vai transmitir ao vivo e na íntegra a passagem d’A Celebration Tour por Copacabana, a partir das 21h45. O antes e o depois do show em si também poderão ser acompanhados em tempo real pela Globoplay (com sinal aberto para não assinantes) e o canal Multishow. Três das quatro cotas de patrocínio,orçadas em 17 milhões de reais já haviam sido vendidas pela emissora até o começo desta semana. Claro que o banco que financiou tudo isso é uma delas.

Revisionismo da carreira

Claro que todos estes números superlativos não foram obtidos ao acaso. Madonna soube construir uma carreira fonográfica gloriosas a partir de 1983 e a turnê, iniciada em outubro de 2023, celebra justamente todas estas quatro décadas recheadas de hits nas paradas não só dos Estados Unidos como também dos quatro cantos do planeta. Entre as marcas alcançadas por ela estão a de nome feminino que mais vendeu álbuns e singles em todos os tempos (ficando atrás na colocação apenas de Elvis Presley, Beatles e Michael Jackson); a popstar com o segundo, o terceiro e o quarto videoclipes mais caros de todos tempos (“Die Another Day”, “Express Yourself” e “Bedtime Story”), o que significa uma trinca de apostas milionárias em um tempo em que grandes gravadoras jorravam muita grana para produzir estas peças musicais publicitárias); a artista internacional que mais vendeu no mercado fonográfico brasileiro (3,6 milhões de cópias, com certificado emitido em 2021 pela Pró-Musica Brasil (antiga Associação Brasileira de Produtores de Discos); e a cantora que mais emplacou músicas no Top 40 da Billboard norte-americana em todos os tempos (foram 44 no total). Por tudo isso, é mais do que merecido que a celebração destes 40 anos de sucesso tenha um repertório longo, que celebre boa parte das canções históricas escritas e gravadas por Madonna. Claro que não dá tempo de entrar todas elas, mas para isso armou-se uma solução criativa: várias da músicas que não são entoadas pela cantora no palco aparecem brevemente citadas nos arranjos de outras e alguns interlúdios entre os sete atos que dividem a programação d’A Celebration Tour. Por isso, espere ouvir de quase um tudo que você mais conhece de Madonna, nem que seja só um pequeno e quase irreconhecível trechinho remixado e emendado em outras coisas.

Presente x passado

Desde 1983 você se acostumou a ver várias Madonnas em ação. Diferentes no figurino, nos cabelos, nas letras da músicas, nos videoclipes. Nada mais normal do que a celebração revisionista deste extenso e diversificado passado a colocasse ali, no palco, frente a frente com um certo toque de ficção científica. Algumas vezes a Madonna de hoje se conecta e encontra com aquela de ontem. Não apenas em imagens e vídeos projetados telões e nas roupas utilizadas no decorrer da apresentação, mas também “pessoalmente”. Chama muito a atenção o momento em que a popstar é beijada e sexualmente tocada por uma bailarina fantasiada de Madonna da virada dos anos 1990, aquela de aplique de grande rabo de cavalo loiríssimo e sutiã de cone assinado pelo estilista Jean Paul Gaultier. Mas também tem a transgressiva jovem das roupas justas e rendadas do início de carreira, a fase country do início dos anos 1990, a pegação geral dos tempos de Erotica e do livro Sex

“Live To Tell”

Na hora desta balada, um dos grandes hits radiofônicos de True Blue (1986), o terceiro álbum da cantora, Madonna se prende a uma barra de ferro e, dentro de uma cabine sem vidros, faz um grande voo panorâmica por sobre as cabeças de seus fãs. Ela sai do palco justamente para que o grande momento ocorra nele, com os telões gigantescos mostrando retratos em preto e branco de personalidades e amigos pessoais que faleceram em decorrência da aids. No primeiro grupo estão os cantores Freddie Mercury e Sylvester. No segundo, o fotografo Herb Ritts, o professor de dança Christopher Flynn, o designer Martin Burgoyne e o grafiteiro Keith Haring. Para a apresentação em Copacabana, a produção brasileira sugeriu ao estafe da cantora a inclusão de ícones nacionais como Betinho, Renato Russo e Cazuza. Madonna sempre foi uma incansável batalhadora pela propagação de informações a respeito da prevenção da doença e tudo mais que a cercava. No encarte do álbum Like a Prayer (1989), fez questão de publicar uma enorme cartilha a respeito do vírus HIV. Na subsequente turnê mundial Blond Ambition (1990), três dos seus sete bailarinos haviam sido diagnosticados com aids. Os grandiosos painéis somados à letra de “Live To Tell” emocionam até os corações mais empedrados. Afinal, a canção trata justamente da terrível experiência de passar por uma situação bastante difícil e sobreviver para poder conta-la depois. As pessoas mostradas neste momento de A Celebration Tour não tiveram esta chance.

“Vogue”

Na virada dos anos 1990, Madonna lançava em single uma de suas faixas mais famosas. Inspirada por uma dança famosa no underground gay de Nova York, em que os movimentos sugeriam poses fotográficas (daí o nome, retirado da famosa revista sobre moda e estilo e vida), a música tornou-se sucesso mundial por causa da alta rotação nas MTVs espalhadas pelos quatro cantos do planeta e seu estiloso videoclipe em preto e branco. A direção da obra era celebrado fotógrafo fashion David Fincher, que anos depois migraria para o cinema e acabaria se tornando um dos nomes mais cultuados de Hollywood neste século 21. No palco da atual turnê, Madonna recria o clima de improviso e diversão das pistas de dança de onde nasceu a vogue dance. É a deixa para criar um suposto concurso entre seus bailarinos e chamar celebridades para participar da encenação como jurados. No México, a atriz Salma Hayek participou caracterizada como Frida Kahlo. Em Nova York, Ricky Martin estava lá no palco distribuindo nota dez. No Rio, será vez de Pabllo Vittar.

Presença de Anitta

O mais recente álbum de estúdio de Madonna, Madame X (2019), concebido já com a popstar morando em Lisboa, trazia a participação especial da brasileira em uma faixa de nome em português (“Faz Gostoso”). Agora as duas estarão reunidas em um mesmo palco. Não se sabe ainda se haverá algum dueto, se Anitta cantará, dançará ou fará outra coisa. Isso ainda está sendo mantido em segredo, embora especule-se que também ocorra durante o “concurso” da música “Vogue”. Só vazou até agora uma condição imposta pela anfitriã: a aprovação prévia do figurino da convidada, algo bem normal por causa da conhecida rigidez da norte-americana em relação a todos os figurinos de seus concertos, clipes e fotografias desde sempre.

Prince e Michael Jackson

Tudo culpa da MTV. Se não fosse a emissora especializada em veicular videoclipes lá nos meados dos anos 1980, Madonna, Michael Jackson e Prince não teriam se tornado a santa trindade da música pop de todos os tempos. Os três foram os primeiros artistas a personificação a equidade da importância entre som e imagem para construir uma carreira sólida perante jovens e adolescentes. Quatro décadas se passaram, o consumo do videoclipe mudou bastante por causa da internet 2.0, a Music Television persiste até hoje mas trocando a música pelos reality shows e os dois “amigos” de Madonna morreram de forma precoce e inesperada. Nada mais justo do que a cantora, no show que celebra os 40 anos de sua carreira fonográfica, renda as devidas homenagens a ambos. A deidade púrpura é citada durante um solo de guitarra enquanto o eterno menino dançarino aparece em um belo duelo de sombras ao som de “Billie Jean” e “Like a Virgin”.

Books, Movies

Argylle – O Superespião

Trama de espionagem onde não se sabe o que é realidade ou ficção apresenta ao cinema um novo agente secreto galã

Texto por Abonico Smith

Foto: Apple/Universal/Divulgação

O universo da espionagem sempre foi um terreno fértil para a literatura. Ao mergulhar na leitura das páginas de histórias como as de Frederick Forsyth, John Le Carré e Ian Fleming, a mente de cada um molda e fantasia a seu modo toda aquela riqueza imagética proporcionada pelas tramas criadas por escritores que dominam com perfeição esse universo de mistério, suspense, intrigas e reviravoltas. Por isso que livros deste naipe de escritores – sobretudo os de Fleming, criador de James Bond – costumam ganhar adaptações vibrantes para o cinema.

Elly Conway também participa do seleto grupo de criadores literários. Depois de transportar ao papel as aventuras do misto de espião e galã Argylle, conheceu rapidamente a fama, mesmo ainda optando por continuar a sua vida de reclusão e completamente fora dos holofotes. Tendo a companhia segura apenas de seu gato scottish fold batizado Alfie, ela já publicou uma série de quatro livros consecutivos até, de uma hora para a outra, sua vida apresentar um revertério e ela entrar em uma espiral de acontecimentos que parecem ter sido extraídos de tudo aquilo que escreve.

Esta é a premissa de Argylle – O Superespião (Argylle, Reino Unido/EUA, 2024 – Apple/Universal Pictures) a mais nova iniciativa cinematográfica a gravitar em torno das histórias de espionagem. O cineasta Matthew Vaughn, não é um iniciante na temática: dirigiu a trilogia, também britânica, Kingsman. O ator Hanry Cavill, que vive o personagem de sucesso, muito menos – já atuou em outros três longas anteriores do tipo. A principal questão aqui é justamente a respeito da protagonista interpretada por Bryce Dallas Howard. A escritora é real – junto com o filme nas telas de todo o mundo, está chegando às lojas, editado pela cultuada Penguin Books, o livro “um” do agente secreto. Entretanto, ninguém conhece a sua verdadeira identidade. Quem estaria por trás do pseudônimo? Fãs de Taylor Swift já se alvoroçam nas redes caçando pistas e conclusões que levariam a cantora à resposta do mistério. Também tem gente especulando que JK Rowling poderia ter se aventurado em outra seara bem além da fantasia e das bruxarias adolescentes.

Se o lançamento em conjunto de duas mídias movimenta o meio cultural e seus seguidores ardorosos, cabe ao filme de Vaughn tomar a posição de carro-chefe ao misturar, com maestria, realidade e ficção em sua trama. Pouco a pouco Conway se vê no mais completo desespero de não saber mais no que acreditar e em quem deve confiar. Em um piscar de olhos, a parit de uma mera decisão tomada por impulso, sua vidinha pacífica e monótona se desconstrói por completo. Argylle existe de fato? Sua interação com ele não passa de alucinação de uma cabeça em frangalhos? O mundo seria de fato extenso e algo muito além de sua confortável casa? Ações, instintos e palavras seriam remanescências do passado que, por alguma razão, ficaram escondidas em algum canto de seu cérebro.

A primeira metade do filme de Vaughn empolga. Mistura suspense com muita ação e largas doses de comédia, traz coadjuvantes de luxo (Samuel L Jackson, Sam Rockwell, Ariana DeBose, Bryan Cranston e a popstar Dua Lipa, estreando como atriz no papel de uma loiraça femme fatale). As coreografadas cenas de luta e porrada rolam com o inusitado acompanhamento de música pop dançante. O espectador mergulha de cabeça com Conway em toda a sequência de confusões na qual ela se envolve, sempre com ótima atuação de Howard.

Contudo, à medida que a trama se desenvolve para ligar os pontos na mente de quem está assistindo a ela, o roteiro de Jason Fuchs (que também aparece na tela em uma ponta) vai se perdendo. É tanta ponta solta que precisa ser ligada na mesma teia que o gás vai se perdendo e a narrativa passa a correr para que tudo possa fazer efeito na mais completa suspensão da descrença espalhada pela sala do cinema.

Ao final de quase duas horas e vinte minutos de projeção, vem a conclusão de que aquele filme que começou o novelo tentando apresentar algo divertido e criativo dentro do universo da espionagem acabou virando um mais do mesmo justamente porque enfileirou fórmulas dos filmes de ação que brotam aos montes em Hollywood. Quando começam os créditos finais a sensação de uma certa decepção toma conta. Isso até chegar uma misteriosa cena do espião Argylle. Aí, quem sabe, nem tudo esteja perdido…

Music

Violent Femmes – ao vivo

Cultuada banda alternativa americana celebra os 40 anos de seu álbum de estreia tocando-o na íntegra em Los Angeles

Texto por Paulo Biscaia

Foto: Reprodução

Quando se pensa em álbum lendário na história da música pop, daqueles que apresentam vários hits perfeitos, surgem de pronto clássicos como White AlbumThe Dark Side Of The MoonSome GirlsThrillerOK Computer, Purple Rain e mais outros suspeitos de sempre. Só que mesmo alguns destes trabalhos, que são referência para várias gerações, têm uma ou outra canção que desliza e foge do padrão de qualidade do todo. Sempre muito subjetivo, é claro, mas tem.

Existe um album de 1983 que detém o raro feito de ter um conjunto PERFEITO de faixas e nem todo mundo trata dele com a devida reverência. Trata-se do primeiro disco do Violent Femmes, que carrega o mesmo nome da banda. No aniversário de 40 anos de lançamento, a banda fez um show de comemoração no The Novo em Los Angeles e este que vos escreve teve a imensa felicidade de estar presente naquela noite de 16 de novembro. 

A banda entrou e de cara Brian Ritchie abriu com os acordes inconfundíveis da primeira faixa do álbum, “Blister In The Sun”. Com Gordon Gano à frente, seguiram-se então, na exata ordem do disco, cada uma das faixas do album de estreia. Uma mais perfeita que a outra: “Kiss Off”, “Please Do Not Go”, “Add It Up”, “Confessions”, “Prove My Love”, “Promise”, “To The Kill”, “Gone Daddy Gone” e “Good Feeling”.

Ritchie no baixo (e mais voz e mais xilofone e mais um monte de outras coisas) e Gano na guitarra (e voz e violino e banjo e mais outras coisas), estavam acompanhados de dois jovens integrantes que certamente nem tinham nascido na época da estreia dos Violent Femmes. Um deles, um sujeito misteriosamente pomposo, todo de preto com um enorme chapéu de caubói, ficava de pé, imóvel, e entrava pontualmente em momentos para tocar uma singular tuba/sax barítono tão gigante que era maior que o próprio músico (e bem maior que o baixinho Gordon Gano). O jovem baterista seguia a tradição do original Victor de Lorenzo. Ao apresentá-lo, Ritchie disse que LA tem os mais bateristas incríveis por metro quadrado, mais do que qualquer outro lugar do planeta, mas que nenhum “tocava churrasqueira como ele toca”. Sim, a velha churrasqueira de metal ainda é o padrão de bateria e percussão do som único dos Femmes. 

Terminadas as faixas do disco de estreia, teria alguma outra música à altura? Claro! “Jesus Walking On The Water”, “Country Death Song”, “I Held Her In My Arms” e outras que culminaram com o grand finale de “American Music”. Uma aventura sonora conduzida por um grupo de instrumentistas ousados, inquietos e com letras provocadoras sobre o frágil american way of life

Depois de quase duas horas de show de arrepiar e tantas faixas memoráveis será que eles tinham gabaritado tudo o que há de perfeito em toda a discografia? Andando ao meu lado no corredor de saída, uma fã de 20 e poucos anos disse que faltou “Waiting For The Bus”. Só pensei: “Sim! Faltou essa. Amo essa música”. Pois é!

Violent Femmes é uma das bandas mais consistentes que já ouvi e lamentavelmente pouco lembrada nas listas de melhores de todos os tempos. A volumosa quantidade de composições incríveis da banda de Milwaukee garante seu lugar no panteão dos gigantes. Pelo menos ela está aqui no meu e no das pessoas que saíram maravilhadas do The Novo.

Set list: “Blister In The Sun”, “Kiss Off”, “Please Do Not Go”, “Add It Up”, “Confessions”, “Prove My Love”, “Promise”, “To The Kill”,  “Gone Daddy Gone”, “Good Felling”, “Jesus Walking On The Water”, “I’m Nothing”, “Memory”, “Country Death Song”, “I Could Be Anything”, “Old Mother Reagan”, “Dance Motherfucker Dance”, “Color Me Once”, “I Held Her In My Arms”, “Black Girls” e “Give Me The Car”. Bis: “I’m Not Gonna Cry” e “American Music”.