Music

Beatles

Resgatada a partir de uma fita demo de John Lennon nos anos 1970, canção “final” do grupo se revela um paradoxo de viagem pelo tempo

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Reprodução

Neste último dia 2 de novembro chegou aos ouvidos do mundo “Now And Then”, a canção “final” dos Beatles. Construída a partir de uma fita demo gravada por John Lennon no fim dos anos 1970, ela foi uma das três obras dele a chegar nas mãos de George Harrison, Paul McCartney e Ringo Starr, quando estes decidiram levar adiante o projeto Anthology, em 1994. As três canções ficaram de fora do álbum póstumo de John, Milk And Honey, lançado em 1982, no qual as últimas gravações dele foram aproveitadas.

Na época não havia nem traço da tecnologia que se estabeleceu ao longo dos anos seguintes. Se foi possível trazer à vida em 1994/95 “Free As A Bird” e “Real Love”, as outras duas obras perdidas de John, o mesmo não aconteceu com “Now And Then”. Alegações sobre o estado da gravação e, sobretudo, a precariedade do registro de sua voz, sentenciaram a canção aos arquivos e, quem sabe, ao limbo por quase vinte anos. Até que entrou em cena o cineasta neozelandês Peter Jackson. Responsável pela revisão mais recente dos arquivos dos Beatles, Jackson e sua equipe reencontraram o registro primordial de John e, com todo o aparato técnico de hoje, conseguiram resgatar a voz dele e acenar com a chance de gravar “Now And Then”, cerca de 45 anos depois de sua concepção. O resultado é 100% Beatles. Mas, acima disso, 150% John nos anos 1970.

“Now And Then” é uma canção de amor, de preocupação com a permanência do sentimento ao longo dos anos, com a força que a gente precisa ter para sentir o mesmo por alguém mesmo com tanto tempo transcorrido. É uma bela declaração de amor a Yoko Ono, a musa de John, a responsável por boa parte de sua formação artística a partir de meados dos anos 1960. Repito sempre esta frase: “quem implica com a presença de Yoko na vida de John esquece que seu papel foi decisivo na transformação de Lennon no mito que se formou. Sua combatividade política, sua postura diante do mundo, sua atuação como pai, tudo isso tem a ver com a interação com Yoko. E foi da generosidade dela – que cedeu a fita original de Lennon aos beatles remanescentes em 1994 – que temos esta canção, direto do Túnel do Tempo.

George, Paul e Ringo participam da gravação. Harrison, morto em 2001, deixou registros nas sessões de gravação para as Anthologies, enquanto Paul e Ringo, que também participaram daqueles encontros, acrescentaram partes novíssimas em 2023. Quem produz é Giles Martin, responsável pelas sensacionais remasterizações que a obra dos Beatles vem recebendo desde a década de 2000. Ele aproveitou as pré-produções de Jeff Lynne dos anos 1990 e recrutou uma orquestra, que trabalhou sem saber que gravaria algo para… uma canção dos Beatles.

Pois bem. Com a canção no mundo, é de se esperar uma comoção generalizada, certo? Bem, sim. Muitos fãs da banda abraçaram a chegada de “Now And Then” como deve ser, um presente. Pense bem: por que diabos os envolvidos no processo criativo se dariam ao trabalho de resgatar uma canção dos Beatles a esta altura do campeonato? O legado do grupo está consolidado há décadas, seu catálogo é imaculado, todas as ações de revisão da obra dos Fab 4 são extremamente criteriosas, bem feitas e respeitosas. Por que então alguém resolveria provocar os fãs de música em 2023 com um artefato que já nasce atemporal? Porque a função da arte é essa, provocar. E “Now And Then” é arte em vários sentidos. Além de ser uma canção pop por excelência – em estrutura, duração, conceitos, estética – ela é uma peça dotada de sentidos únicos. Ela é de outro tempo, foi feita em um contexto que impediria – e impediu durante muito tempo – a sua existência. Ela só foi lançada por conta de um esforço de décadas. Enquanto isso, a música pop de 2023 é lançada após poucas horas num estúdio caseiro, postada online num serviço de streaming, esperando a atenção das pessoas.

“Now And Then” vai contra tudo isso. Mesmo assim, ela está longe de ser conservadora ou despertar a nostalgia das pessoas. A rigor, ela é um produto de seu tempo – ou seja, o nosso. Ela é um paradoxo: uma canção dos Beatles, que encerraram suas atividades em 1970, composta por um dos integrantes, morto em 1980, trabalhada em 1994 e finalizada em 2023. Ela é uma distorção temporal, das mais adoráveis. Mas ser um produto de 2023 a expõe aos detritos da época atual, que se materializam em comentários lamentáveis feitos sobre sua chegada. Repito: ninguém é obrigado a gostar de nada, concordar com nada, muito menos com meu ponto de vista neste texto. Contudo, qualquer fã de música com o mínimo de noção de que ela é produzida num determinado espaço de tempo e que, via de regra, aspira a transcendência deste tempo, precisa celebrar a chegada da música dos Beatles. Já li críticas à arte do single, já vi gente desprezando a produção de Martin e McCartney (veja bem, de Giles Martin e Paul McCartney), bem como atacando a relevância da gravação. Vi gente se referindo a “Now And Then” como “sobra de estúdio do Lennon”. Via de regra, essas pessoas aplaudem gravações de bandas como Foo Fighters, Coldplay, Red Hot Chili Peppers, isso só para ficar num terreno conservador e rock de opinião, pois, via de regra, essas pessoas enaltecem registros de artistas muito, muito menos interessantes ou com uma obra minimamente próxima da dos Beatles.

Uma crítica básica e simples é aquela que desmerece “Now And Then” em relação às suas irmãs gêmeas “Free As A Bird” e “Real Love”, gravadas em 1994/95. Pense: são canções que estão disponíveis para audição há cerca de quase trinta anos e, portanto, já criaram nos ouvintes um sem-número de laços afetivos e referências que são fruto do tempo transcorrido. “Now And Then” chegou… ontem! Além disso, é uma triste tendência do ser humano optar pela acomodação pela segurança do que conhece.

Sendo assim, esta nova canção ainda tem um caminho a percorrer, uma trajetória a criar, um lugar a buscar no imaginário dos fãs de música. Ela estaria num Top 10 da banda? Num Top 50? Não sei. No meu caso, “Free As A Bird” se tornou uma das minhas canções preferidas dos Beatles em todos os tempos. Além da beleza da melodia e do resultado final, ela me proporciona lembranças e associações que são só minhas e que significam muito para mim. Mas isso não faz dela uma unanimidade, pelo contrário. Sendo assim, a “canção final” dos Beatles ainda tem muito o que viver. Ainda bem.

Se você é um dos fãs audiófilos, com acesso aos estúdios de gravação mais modernos, com uma sensibilidade ímpar e um conhecimento/capacidade de expressão à prova de falhas, além de uma vasta experiência no assunto, dê mais uma chance à pobre obra dos Beatles. Por favor.

Só falando assim.

Music

L7

Oito motivos para não perder a nova passagem do quarteto californiano por Curitiba e outras cidades brasileiras

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Trinta anos atrás elas passaram feito um furacão por nosso país. Foi em janeiro de 1993, no Festival Hollywood Rock, quando tivemos a primazia, hoje cada vez rara, de receber bandas novas que estavam em alta lá fora. Era ainda o tempo da explosão do rock alternativo na mídia tradicional e o L7 era um dos nomes mais badalados daquela turma, com videoclipe em alta rotação na MTV Brasil e críticas elogiosas em revistas especializadas de música. Para completar, ainda abriram o esperadíssimo (e polêmico) show do Nirvana nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Donita Sparks (guitarra e voz), Suzi Gardner (guitarra e voz), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria), ícones daquela época áurea em que vocais berrados, guitarras sujas e distorcidas e uma estética que cruzava informações vindas do punk rock e do heavy metal saíram do subterrâneo para tomar de assalto o mainstream, a imprensa corporativa, as grandes gravadoras, a matriz e as filiais da MTV e o gosto das pessoas espalhadas ao redor do planeta.

Depois do fim em 2001 e de um longo tempo na inatividade, a banda, com sua formação clássica, voltou a se encontrar com os fãs em 2015. As quatro gurias (hoje na faixa dos 60 anos de idade) voltaram às turnês, tocando aqui, ali e em todo lugar. Passaram novamente pelo Brasil, com parada em cinco capitais (Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba Porto Alegre e Belo Horizonte) em dezembro de 2018. De la para cá também soltaram novidades: um álbum (Scatter Than Rats, 2019) e mais três singles (“Dispatch From Mar-a-Lago”, “I Came Back To Bitch” e “Cooler Thn Mars”). Os dois primeiros foram nos meses anteriores à segunda vinda para cá. O último foi disponibilizado semanas atrás nas plataformas digitais de áudio e vídeo.

Agora o L7 vem pela terceira vez tocar para a gente. A tour começou ontem em São Paulo e alcança Ribeirão Preto (SP), no domingo (22 de outubro). Em Curitiba (24), acontecerá o ponto alto, quando o quarteto sobe ao palco no mesmo que outra história banda do rock independente norte-americano, o Black Flag (mais informações sobre local, horário e ingressos deste show na capital paranaense você tem clicando aqui; mais sobre o Black Flag você encontra aqui) A dobradinha se repete no dia seguinte (25) em Porto Alegre. De novo como atração única principal da noite, a banda ainda tocará em Belo Horizonte (27) e Rio de Janeiro (29). Mais informações sobre toda a rodagem em território verde-e-amarelo e os demais concertos você tem clicando aqui.

Para celebrar este retorno, o Mondo Bacana preparou uma relação com oito motivos para você não perder a terceira passagem do L7 por aqui.

Documentário

Dirigido pela cineasta Sarah Price, o documentário L7: Pretend We’re Dead foi lançado em 2016, depois de uma campanha de crowdfunding que arrecadou fundos para a sua realização. O filme conta a história da banda do underground ao estrelato e, então, de volta ao underground até o fim das atividades em 2001. São muitas imagens de arquivo e acervo pessoal com trechos de concertos e festivais, curiosidades de bastidores e depoimentos de Donita, Suzi, Jennifer e Dee em off.

Nada de girl band

Se existe uma coisa que elas deixam claro logo nos primeiros minutos de L7: Pretend We’re Dead é para não chamá-las de “banda de garotas”. Afinal, essa questão da diferenciação pelo gênero – e sempre através de um modo tão comparativo quanto negativo, diga-se de passagem – já é uma coisa tão batida, sem noção e sem sentido que elas já disparam que estão enojadas e cansadas de que usem isso a respeito do grupo. Donita afirma que rejeita toda a imagem criada ao longo destes anos pelo fato do L7 nunca ter sido algo que a pessoas pudessem esperar delas, sobretudo pela questão de não se encaixar no que se chama de estereótipo da beleza feminina.

Punk e também heavy

O L7 foi formado na esteira de um cenário punk e hardcore criado por jovens que não se encaixavam com a apatia de seus semelhantes durante o governo Ronald Reagan nos 1980. Paralelamente a isso, na cidade em que as musicistas viviam (Los Angeles), o rock era tomado pelo mainstream de bandas masculinas glam metal, mais preocupadas com o visual andrógino e a estética sexista da cosmética, levada aos extremos comerciais através dos videoclipes em alta rotação na MTV norte-americana. Entretanto, o heavy clássico, mais sujo e poderoso, também faz parte da formação delas. Isso pode ser facilmente notado em diversas faixas de álbuns como Smell The Magic (lançado pela Sub Pop em 1990) ou Bricks Are Heavy (de 1992, quando a banda era contratada do selo Slash, então ligado às gravadoras major Warner nos Estados Unidos e PolyGram no resto do mundo). São muitos riffs, pedais de efeito e power chords – sem falar que Donita leva uma guitarra Flying V a tiracolo ao subir em um palco. Sparks até então se ressentia do fato do grupo nunca ter sido convidado para participar de um festival dedicado a bandas heavy metal nos Estados Unidos. “Ne Europa nos aceitam muito bem e volta e meia participamos destes eventos. Mas em nosso país isso nunca aconteceu.”

Bricks Are Heavy

Responsável pela sonoridade assumidamente pop (porém sem negar as origens alternativas) de vários discos de sucesso da época – como Dirty (Sonic Youth), Nevermind (Nirvana) e Siamese Dream (Smashing Pumpkins) – o produtor Butch Vig também conseguiu fazer o mesmo com o L7 em Bricks Are Heavy. Deixou toda a sujeira lá, mas conseguiu aparar as arestas e arredondar as músicas compostas e cantadas por Donita, Suzi e Jennifer, inclusive fazendo os mesmos com seus vocais. O resultado foram três grandes hits (“Pretend We’re Dead”, “Monster” e “Everglade”), indispensáveis em qualquer set list do L7 até o final dos tempos da banda. Mas o repertório dos atuais shows da banda não se sustenta apenas nessas faixas do disco. Outras menos conhecidas na época continuam bastante poderosas quando tocadas ao vivo. É o caso de “Scrap”, “Slide”, “One More Thing” e “Shitlist”. Os versos desta última sempre soam como um eterno grito de guerra feminista.

Homenagem aos ídolos

Na volta para o bis de cada show, a banda rende uma saudação a uma histórica banda dos primórdios do punk rock.Primeiro single lançado em 1979 pelo trio Agent Orange, a música “Bloodstrains” foi a escolhida para a turnê passada por aqui. Desta vez, o salve vai para o Eddie and The Subtitles, com a canção “American Society”, gravada por eles em 1980. O quarteto também veio daquele cenário californiano muito prolífico para jovens inconformados e hipnotizados pela fúria e resistência comportamental do punk daquela época.

Brasil, 1993

O festival Hollywood Rock de 1993, realizado no segundo e no terceiro final de semana de janeiro, respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, trouxe uma escalação memorável. Duas das três noites eram reservadas a bandas internacionais que estavam, naquele momento, no auge de suas carreiras mundiais, fato até hoje não superado por qualquer outro evento do tipo em solo brasileiro. Uma das noites trazia o Alice In Chains e, como headliner, o Red Hot Chili Peppers. A outra, no mesmo esquema, era composta por L7 e Nirvana. E o show do L7 acabou sendo tão memorável quanto o de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. O estádio do Morumbi (onde este que aqui escreve estava presente, aliás) chacoalhava na noite do sábado 15 com a multidão pulando sem parar no gramado, cadeiras e arquibancada. Não foi bem um aquecimento para o trio principal, já disparado no topo das paradas mundiais, mas sim um show de primeira e que deixou todo mundo tão suado quanto. No Rio de Janeiro, sete dias depois, foi tudo igualzinho (conforme você pode checar aqui, assistindo à gravação da apresentação de mais de uma hora na íntegra).

Tampax para a plateia

A edição de 1992 do Reading Festival, na Inglaterra, entrou para a História pela trolagem do Nirvana. Havia uma expectativa negativa em relação ao show do trio porque Kurt Cobain estava entrando e saindo de períodos na rehab e muito se falava sobre a possibilidade da gig no evento ser cancelada. Sem qualquer aviso, Dave Grohl entrou no palco empurrando Kurt sentado em uma cadeira de rodas e com roupa hospitalar. O vocalista simulou uns espasmos e jogou-se ao chão, assustando e arregalando os olhos de todos. Posteriormente levantou-se e fez um puta show à frente de sua banda. Mas o L7 também deu sua bela contribuição para fazer aquele verão ser inesquecível para quem estava lá no interior inglês. A apresentação do quarteto foi um grande caos. A tensão já era grande no início, quando começou a haver problemas técnicos no som. A plateia ensandecida e à espera do Nirvana, reagia contra o grupo. A banda chegou a trolar todo mundo que queria mainstream começando a tocar o riff de “Enter The Sandman”, do Metallica, para depois parar tudo e xingar ao microfone. Depois, muita gente passou a arremessar lama em direção às integrantes. Irritadíssima, Donita não pensou duas vezes. Pôs a mão dentro da calcinha, arrancou o tampax, mostrou-o a todo mundo e arremessou-o em direção às pessoas, provocando reações de espanto e nojo em muitos. Apesar da gravação tosca e cheia de problemas, este simbólico show do L7 também está registrado no YouTube (veja aqui). O “incidente” do tampax – que chegou a ser incluído entre os cem melhores momentos de toda a história do heavy metal pelo canal de TV VH1 (veja aqui) – ocorre quase no final, aos 40 minutos e 24 segundos, assim que acaba a penúltima música do set list.

“Cooler Than Mars”

Lançado no último mês de setembro, o novo single do L7 é uma nova crítica disparada pela banda. Desta vez o foco fica nas mudanças ambientais drásticas que abatem o planeta inteiro e foram provocadas pelo mesmo ser humano que agora fala em deixar a Terra para passar a colonizar Marte. No videoclipe, as quatro integrantes interagem com cenas da natureza em um cromaqui intencionalmente tosco. Aparecem vegetações, mares e dezenas de animais da espécies variadas, das mais comuns aos mais esquisitos.

festival, Music

Lollapalooza Brasil 2023 – ao vivo

Billie Eilish, Modest Mouse, Jane’s Addiction, Paralamas, Aurora, Baco Exu do Blues, Tove Lo e Cigarettes After Sex: shows que marcaram o festival

Billie EIlish

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução

Entre os dias 24 e 26 de março foi realizada a décima edição brasileira do festival Lollapalooza, a última em parceria da produtora T4F com a americana LLC, detentora da marca do evento. Depois de cinco recentes cancelamentos de concertos programados para este ano, todo mundo foi surpreendido com a não vinda ao Brasil do headliner da última noite, o canadense Drake, horas antes dos portões do Autódromo de Interlagos serem abertos. A desculpa oficial do artista, esfarrapada, não colou: a de que estariam faltando pessoas de sua equipe no país. Entretanto, ele foi visto na madrugada anterior festando em Miami em conjunto com o rapper 50 Cent. E mais: estas pessoas de sua equipe já estavam em SP instalando no autódromo os telões e o material de seu espetáculo. Mas como é sempre melhor falar de coisas boas, deve também ser registrado um marco desta edição: pela primeira vez o line-up estava dividido quase igualitariamente entre artistas dos dois gêneros.

O Mondo Bacana comenta um pouco dos oito shows que deixarão esta edição do Lolla na história dos grandes festivais de música pop do Brasil.

Billie Eilish

Única headliner originalmente anunciada a se apresentar em Interlagos (além de Drake, o Blink 182 também não veio para cá), ela já era aguardada havia algum tempo por aqui. Afinal, este seria seu primeiro concerto no país, já que o anterior fora cancelado por causa da pandemia. Em cima daquele palco enorme, tendo a companhia apenas de seu inseparável irmão e produtor Phinneas e um baterista, ela – com o verde e amarelo predominando no figurino grande e largo sobre a malha preta que lhe escondia o corpo – entregou o que prometia: uma boa coleção de letras intimistas a respeito de observações, sensações e sentimentos de uma garota vivendo os anos finais de sua adolescência. Intimista também foi sua performance: sem muitos pulos, correrias ou coreografias ensaiadas, era quase apenas ela cantando ao microfone. Quer dizer, cantando às vezes. Billie só cantava o necessário e muitas vezes sua voz ecoava pelo autódromo junto com os instrumentos também pré-gravados. O que deixava o show redondo, sem espaço para improvisos ou erros. Só que teve momentos em que os manos abriam mão do playback e se arriscavam em momentos semiacústicos para mostrarem que não são uma fraude ao vivo: foram cerca de meia dúzia de canções com Phinneas dedilhando o violão ou o piano para a irmãzinha soltar o gogó de alcance não muito grande.

Modest Mouse

Quem foi a genial pessoa responsável pela grade de shows que conseguiu jogar o grupo para uma tarde de sexta-feira? Modest Mouse – um dos ícones do indie rock americano dos anos 2000 – não é para a GenZ, é para gente mais velha. Melhor: para quase todo mundo que não tem a) grana disponível de salário ou frilas para pagar o caro ingresso do festival; b) saco ou corpo para aguentar ficar um dia sequer em uma maratona de shows; c) horário disponível para ir assistir a uma banda tocar às quatro da tarde de sexta-feira. Sob um sol escaldante, o vocalista Isaac Brock estava vermelho feito um camarão, à frente de seu quinteto que foge da musicalidade óbvia e mistura lo-fi, folk e psicodelismo em doses nada comerciais. O resultado foi uma banda competentíssima tocando para quase ninguém, sendo a maior parte disso gente que desconhecia por completo o repertório loteado entre sua boa discografia. Hits como “Float On” e  “Dashboard” ficaram desperdiçados  naquela escala gigantesca ao ar livre. De qualquer maneira, quem viu in loco ou pelo streaming foi abençoado pela tardia estreia do Modest Mouse em solo brasileiro. Antes tarde do que muito mais tarde. Antes de tarde durante a semana do que nunca.

Jane’s Addiction

Perry Farrell idealizou o Lollapalooza em 1991 como um festival ambulante, que pudesse rodar algumas grandes cidades norte-americanas com uma escalação de excelentes bandas alternativas como suporte para a turnê de despedida de sua banda. Deu tão certo que o Jane’s Addiction se separou mas o Lolla continou trilhando seu caminho de sucesso durante os meados dos anos 1990. Perry, então, quase sempre vem prestigiar a edição brasileira. Agora trouxe a tiracolo a reformada banda que o revelou para o mundo da música. Integrantes originais… ou quase, já que o guitarrista Dave Navarro (que saiu do JA para tocar no Red Hot Chili Peppers) continua afastado dos palcos para tratar da saúde (covid longa como justificativa oficial, rehab longa como rumor alimentado entre os fãs do grupo). De qualquer forma, seu substituto, o também ex-guitarrista do RHCP Josh Klinghoffer, mostrou ser uma escolha acertada. Enquanto o baterista Stephen Perkins e o baixista Eric Avery (que também costuma ser músico de apoio do Garbage) se entendem perfeitamente em uma cozinha rítmica hipnótica e dançante, Josh jorrava os efeitos de pedais que fazem a sonoridade da banda flutuar entre o hard rock, o psicodelismo e o groove. Para completar, uma trinca de dançarinas comandada pela atual mulher de Farrell faziam pole dances sensuais ao fundo do palco, dando um approach cênico diferente às canções. Em Interlagos, o set list foi reduzido por conta do tempo destinado ao show, socado no meio da programação da tarde do segundo dia. De qualquer forma, ficou bem dividido entre os dois primeiros e incensados discos da banda, concebidos entre 1988 e 1990, antes das brigas internas que levaram à implosão precoce da carreira. De qualquer forma, reunidos já nas casas dos 50 e 60 anos de idade, os músicos mostraram por aqui que estão como vinho: quanto mais velhos, melhor. Maturidade e experiência – e um longo hiato interrompido por outras duas reuniões e discos criados em 2003 e 2011 – fizeram bem. Em um sábado fraco de opções, o Jane’s Addiction chegou quietinho e fez uma puta (e despretensiosa) apresentação. Ainda terminou com uma batucada em homenagem ao amigo Taylor Hawkins, que morria havia exatamente naquela data, no ano anterior… horas antes do show do Foo Fighters na Colômbia e de viajar para tocar no Lollapalooza brasileiro.

Paralamas do Sucesso

Ter 40 anos de carreira fonográfica não é para qualquer um. Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone sabem disso e utilizam um arsenal de clássicos colecionados em sua extensa discografia para disparar um show magnífico. É hit atrás de hit  quase sem intervalo para respirar. Foi assim neste Lollapalloza, na tarde de sol de um domingo para uma maioria de plateia formada por GenZ e millennials. O repertório começou com canções mais representativas da faceta ska (“Vital e Sua Moto”, “Patrulha Noturna”, “Ska”, “Loirinha Bombril”) e passeou por toda a galeria das duas primeiras décadas de carreira, misturando reggaedubafrobeat, rock, citações (Tim Maia, Titãs, Raul Seixas) e muita injeção rítmica contínua para não deixar ninguém totalmente parado – pelo menos um dos pezinhos não teve como resistir. Herbert começou enfrentando problemas técnicos, contornados sabiamente com conversas fora do microfone com um roadie enquanto não parava de cantar as letras para a plateia. Tirando este pequeno detalhe, que não chegou a comprometer a apresentação aliás, os Paralamas mostraram toda a sua realeza na música pop nacional. Não precisa de firulas, telões, coreografias, trocas de roupa, andar para lá e para cá no palco ou ao redor dele. Só precisa de música. E muito boa música. Referências para se criar música de qualidade eles sempre tiveram também. São uma banda pós-punk brasilis roots (a sonoridade two-tone em verde e amarelo, inclusive com versos politizados e críticos transformados para a nossa realidade!) e isso ainda faz toda a diferença. Mesmo diante de uma molecada que não chegou a viver os tempos dos vinis e CDs lançados com essas músicas.

Aurora

É só começar a ouvir a sua extensão vocal de soprano que não tem como não embarcar junto nesta fantasia musical que é seu show. Ela mesma parece uma pequena e adorável duende, sempre a saltitar feliz e travessa pelos vastos campos verdes. Seu look também ajuda: vestes claras e em tonalidades pasteis, pés descalços, pele alva e um cabelinho curto e de um chanel tão branco quanto sua melanina norueguesa. Muita gente que estava ali na plateia sabia de cor e salteado as letras, cantava junto e se emocionava por estar na frente de Aurora Asknes. Pudera. A artista faz da voz um belo poder instrumental, além de ser hábil nas palavras para demonstrar seus mais profundos sentimentos acerca da vida e da natureza. Mas também não precisa ser expert na obra dela para se render ao poder desta guria escandinava, solta, espontânea, natural e sem qualquer maquiagem, capaz de provocar um midsommar tão contagiante aqui no hemisfério sul e em pleno cair da tarde de um domingo quente brasileiro.

Baco Exu do Blues

Ele entrou na grade do Lolla como uma rápida solução caseira para suprir o cancelamento quase em cima da hora de Willow, filha do astro Will Smith. E ainda entregou uma das mais emocionantes performances em língua brasileira deste Lollapalooza. Generoso, o baiano de quatro discos lançados nos últimos seis anos fez questão de não brilhar sozinho. No telão, prestou reverência a personalidades negras já falecidas como Marielle Franco, Elza Soares, Muhammad Ali, 2Pac Shakur e Nelson Mandela. E no meio do repertório montado com alguns de seus grandes sucessos ainda cedeu espaço lá na frente para cada uma de suas backings (Aísha, Alma Thomas e Mirella Costa) dividirem as atenções, o microfone e o gogó poderoso. Mirella, por sua vez, protagonizou uma emocionante homenagem à também soteropolitana Gal Costa, ao mandar, a capella, um trecho de “Força Estranha”. Mancando e dando passos lentos, Baco fez o que pode, cenicamente, para superar o estiramento na panturrilha sofrido poucos dias antes. E ainda mandou a letra para espinafrar o grande ausente da noite, Drake, sendo complementado por xingamentos dirigidos pelo público ao astro chiliquento canadense. Mostrou, como Kevin Parker (Tame Impala) na noite anterior, que nem sérias limitações físicas para a locomoção não podem servir como desculpa para não cantar aos fãs.

Tove Lo e Pabllo Vittar

Tove Lo

Outra atração nórdica dominical, a sueca mostrou que um show de música pop pode muito bem ser construído em cima de… música pop. Nada pode tirar o primeiro plano. Pelo contrário. Figurinos podem ser um bom complemento (no caso, uma roupa colante em tons verdes que lhe permitiu fazer o manjado gesto de mostrar os seios à plateia). Coreografias também. Mas um palco deve ser povoado por musicistas tocando seus instrumentos, cantora realmente cantando e dispensando playbacks descarados e a ausência de um time de bailarinos indo para lá e para cá, chamando mais a atenção dos olhos do que os ouvidos. Tove Lo é muito mais discípula de Madonna do que muita gente pode pensar. Ela canta, dança, brinca com a sexualidade diante de uma multidão e mostra ser uma artista de força suficiente para ter um longo futuro pela frente. E olha que ela já tem cinco álbuns feitos de 2014 para cá.

Cigarettes After Sex

Todo ilusionista sabe muito bem que o segredo do sucesso de sua performance está na habilidade de deslocar a atenção do público para um local diferente daquele onde realmente “acontece” o truque. A derradeira das três noites do Lolla, de fato, foi equivalente a um show de ilusionismo. Todo mundo esperando o headliner Drake e depois todo mundo desapontado e xingando o arredio Drake por nem ter viajado ao Brasil. Muita gente comentando o fato de que o DJ e produtor de IDM Skrillex havia sido escalado de improviso para ocupar o horário e o palco anteriormente destinado ao fujão. Muita gente indo embora ao cair da noite, já desesperançoso de que ali em Interlagos acontecesse mais alguma coisa estupenda no autódromo. Espertos, porém, foram aqueles que não arredaram o pé e ficaram no local (ou sintonizados no streaming) até as nove da noite, de olhos bem atentos a um dos palcos secundários. Ali, já aos 45 minutos do segundo tempo do festival, os acréscimos permitiram uma magnífica performance de um singelo trio norte-americano que, por meio da internet, tornou-se objeto de culto nos últimos anos por um pessoal mais antenado. O Cigarettes After Sex veio para impactar com todo o seu minimalismo. Cênico, com seus integrantes tocando quase sempre parados no palco, dispostos geometricamente lado a lado. Sonoro, com somente um vocal (de seu líder e criador Greg Gonzalez) e a mínima movimentação possível de baixo, guitarra e bateria. Havia uma textura de teclados pré-gravados disparada como pano de fundo para a maioria das canções. Mas isso só reforçou a atmosfera etérea e hipnótica do concerto. Fotógrafos não foram permitidos no pit à frente do palco. Quem ficou em casa assistiu a uma transmissão noir, que impôs a ausência de captação de qualquer cor pelas câmeras que não fossem o preto e o branco. Com ares de cabaré decadente, algo tipicamente David Lynch, o CAS fechou as cortinas da décima edição premiando poucos felizardos com algo meio difícil de acontecer em um grande festival. Truque de mestre.

Music

História do Rock: Nirvana – Parte 1

Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl faziam no Brasil, há exatos 30 anos, um show furioso, confuso, autossabotado e memorável

Texto por Fábio Soares

Fotos do show de SP: iaskara/Mondo Bacana

Um calor etíope recaía na capital paulista naquele sábado, dia 16 de janeiro de 1993 no calendário, que não era parte integrante de um final de semana qualquer. A quarta edição do extinto festival Hollywood Rock (ironicamente e ao lado do também finado Free Jazz o único benefício que o cigarro trouxe às nossas vidas) aportava no estádio do Morumbi com um aspecto elogiável: reunir numa única edição headliners de um recém-surgido estilo musical que varreria o mundo naquele início dos anos 1990.

L7 e Alice In Chains chegavam embalados pelos hinos “Pretend We’re Dead” e “Man In The Box”, respectivamente. Pegando carona no sucesso do grunge, os Red Hot Chilli Peppers promoviam o antológico álbum Blood Sugar Sex Magik com a dobradinha-chiclete “Give It Away” e “Suck My Kiss”. Mas venhamos e convenhamos: todos eles vieram a reboque da maior (sim, era a maior mesmo e aceita isso porque dói menos) banda do mundo naquele recorte temporal.

O Nirvana estava entre nós! Os caras que tocaram o terror no VMA, da MTV americana, no ano anterior. Os caboclos que expulsaram Michael Jackson, Guns N’Roses e Madonna do topo das paradas nos últimos meses de 1991. As cabeças por trás de Nevermind, a bolacha que pôs 3/4 do planeta pra chacoalhar o pescoço no biênio anterior. O Brasil veria uma banda no seu auge criativo e histórico, coisa que raramente aconteceu até então (e raramente voltaria a acontecer até hoje). Isso eria naquele sábado. Portanto, era a brecha que o sistema queria. AVISA O IML, CHEGOU O GRANDE DIA! 

Com maciça divulgação na MTV Brasil, os ingressos praticamente se esgotaram para aquela tarde/noite em São Paulo. As arquibancadas do Morumbi (setor em que fiquei) estavam tão lotadas como num hipotético jogo envolvendo todos os quatro grandes times paulistas num único domingo. Era uma época em que as famigeradas (e irritantes) arenas de Palmeiras e Corinthians não existiam e o Morumbi monopolizava quase todos os clássicos do futebol estadual. No setor de pista do estádio (o conceito de setor “premium” passava longe de ser cogitado!) a lotação não era diferente: pouquíssimos “buracos” eram vistos. Havia uma atmosfera diferente no ar e a ansiedade de todos ali estava a mil.

Mas cadê o Nirvana? 

Por volta de 21h30, João Gordo subiu ao palco para ler um pedido de desculpas do baixista Krist Novoselic por declarações proferidas numa entrevista concedida semanas antes e, claro, distorcidas na edição publicada no principal semanário impresso do país na época. “Quem quer saber?”, pensei, antes de ouvi-lo anunciar: “Com vocês, a maior banda underground de todos os tempos: NIRVANAAAA!”.

Um barulho ensurdecedor tomou conta do “Morumba” quando Kurt Cobain, Krist e o então baterista Dave Grohl surgiram em cena evidenciando o óbvio: a diminuta formação da banda era pequena demais para aquele palco gigantesco. Imagine, antes de mais nada, a sala da mansão de Chiquinho Scarpa contendo apenas uma estante (Novoselic), uma poltrona (Grohl) e uma TV de 14 polegadas (Cobain). Agora não imagine mais nada, pois toda essa impressão foi para as cucuias quando Kurt extraiu de sua Fender Jaguar o matador riff de “School”, minha predileta de Bleach, primeiro álbum dos caras. Um verdadeiro pandemônio se instalou no estádio e a visão das arquibancadas para a pista era assustadora: o “mar” de gente parecia estar de ressaca com todo mundo se espremendo na vã tentativa de se aproximar da grade.

No palco, porém, ocorria algo fora do comum. Novoselic e Grohl estavam visivelmente a 120 por hora, mas Cobain a 60. Um desencontro para o qual ninguém ligou, afinal de contas o que veio a seguir passou por cima da audiência como um rolo compressor. “Drain You”, veio seguida pela inacreditável linha de baixo de Novoselic em “Breed”, a espetacular bateria de Grohl em “In Bloom”. Estas todas, além de “Sliver”, não deixaram pedra sobre pedra. A arrasa-quarteirão “Dive” (desconhecida até aquele momento e que seria lançada logo depois na compilação de singles e raridades Incesticide) preparou o terreno para “Come As You Are”, com o estádio inteiro entoando a letra em uníssono.

Em “Lithium”, uma cena que jamais sairá de minha memória: durante o refrão (aquele em que Cobain esgoela-se num “iêiêêiêêê” interminável), trinta mil pessoas na pista pulavam e giravam suas camisetas acima de suas cabeças, levantando uma nuvem de poeira que mais parecia uma tempestade noturna no Saara. Nas arquibancadas, outras cinquenta mil faziam o mesmo. A estrutura do estádio começou a balançar assustadoramente e as antigas torres de iluminação dançavam mais do que os bonecos de Olinda no carnaval pernambucano. “Esta porra vai cair!”, gritaram alguns (eu, incluso). Que momento! “Daqui pra frente, será um “showzão da porra, pensaram todos. Contudo, foi aí que o caldo começou a entornar.

Reza a lenda que, horas antes da apresentação, Kurt enchera a cara no bar do hotel onde eles estavam hospedados, o hoje fechado Maksoud Plaza. Também se entupira de comprimidos. Chegando ao estádio, alguém teria dito a ele que o festival era patrocinado por uma marca de cigarros (dããã!) e isso o teria deixado puto. O que existe de verdade ou não nesta historieta é difícil saber, mas o fato é que a segunda metade do show foi uma auto-sabotagem explícita e proposital. Antes de iniciarem “Smells Like Teen Spirit”, os três chamaram ao palco o baixista dos Chilli Peppers para tocar trompete em substituição ao solo de guitarra da canção. O resultado, porém, foi esquisito demais. O hit ficou praticamente irreconhecível e o constrangimento de Flea era evidente diante da presepada.

Daí em diante, a coisa desandou de vez! A banda iniciou um festival de covers com versões que em quase nada se parecia com as gravações originais. Pior: Cobain (doidão de pedra) encasquetou que o trio deveria trocar instrumentos entre si. É isso mesmo o que você está lendo: a estante virou TV de 14 polegadas (Novoselic na guitarra), a poltrona virou estante (Grohl no baixo), a TV de 14 polegadas virou poltrona (Cobain na bateria). O que se viu e ouviu dali por diante foi difícil de engolir. Foi um espetáculo de horrores! “Run To The Hills” (Iron Maiden), “Rio” (Duran Duran),  Kids In America” (Kim Wilde), “867-5309/Jenny” (Tommy Tutone), “Heartbreaker (Led Zeppelin), “Seasons In The Sun” (adaptação em inglês de uma chanson de Jacques Brel) “Should I Stay Or Should I Go” (Clash) e até “We Will Rock You” (Queen) foram tocadas com essa formação, algumas em rotação mais lenta. O que ocorreu durante a execução das mesmas jamais esquecerei: a pista se esvaziou! Inacreditável foi presenciar milhares de pessoas dirigindo-se aos portões de saída tais quais muçulmanos numa peregrinação a Meca. Nas arquibancadas, não foi diferente: presenciei um fulano, sentado num canto, gritar “Acaba, ‘pelamor’ de Deus!”. A debandada foi geral.

Confesso que quase fui embora também. Não sei por qual motivo fiquei. Fiquei para presenciar a maior banda do mundo pisar no tomate. Fiquei para ver uma trinca “responsa” de canções finais: “Territorial Pissings”, “Heart Shaped-Box” (que jamais havia sido executada ao vivo até aquele momento e viria gravada no fim daquele ano, no álbum In Utero) e a hecatombe nuclear “Scentless Apprentice” (também de In Utero). Fiquei pra ver Kurt Cobain destruir sua guitarra antes do momento Led Zeppelin, descer do palco e distribuir os pedaços da coitada para poucos sortudos e corajosos que ainda permaneciam junto à grade, como se fosse um padre a distribuir hóstias aos seu fiéis. Fiquei, enfim, para ser testemunha ocular de uma tortura sonora que durou quase três horas regada a muito cansaço e letargia exacerbados.

Uma experiência esquisita demais e que mesmo hoje, tanto tempo depois, ainda me faz procurar por respostas. O que fora aquilo? Teria sido aquela horror history um marco na carreira da banda? Teria Cobain agido como um moleque dono da bola e do campinho que, de repente, diz “se eu não jogar, ninguém mais joga”? Estaria o Nirvana a um passo da dissolução bem ali, diante de 80 mil pessoas?

Saí do Morumbi naquela noite com a quase certeza de que a resposta viria depois de algum tempo, numa segunda vinda do grupo ao Brasil. “Farão um show num local fechado e será bem melhor”, pensei. Não deu. Quinze meses depois, Kurt estourava os próprios miolos em Seattle e o resto da história todo mundo já sabe.

Fiquei puto na época mas este sentimento não carrego mais. Trago comigo a certeza de que hoje, tanto tempo depois, presenciei um fato histórico. Uma banda no auge, fazendo um concerto ruim. Aliás, a maior banda do mundo promovendo uma ópera do horror.

Em 16 de Janeiro de 1993, o Nirvana tocava em São Paulo. Há exatos 30 anos eu estava lá! 

E eu me lembro muito bem de tudo.

Set list: “School”, “Drain You”, “Breed”, “Silver”, “In Bloom”, “About a Girl”, “Dive”, “Come As You Are”, “Molly’s Lips”, “Lithium”, “(New Wave) Polly”, “D-7”, “Smells Like Teen Spirit”, “On a Plain”, “Negative Creep”, “Something In The Way”, “Blew”, “Run To The Hills”, “Heartbreaker”, “We Will Rock You”, “Seasons In The Sun”, “Kids In America”, “Should I Stay or Shuld I Go?” “867-5309/Jenny”, “Rio”, “Lounge Act”, “Territorial Pissings”, “Heart-Shaped Box” e “Scentless Apprentice”.

Music

Lollapalooza Brasil 2022 – ao vivo

Oito motivos para celebrar o retorno do festival cantando os versos “olê olê olá! Lolla! Lolla!”

Planet Hemp

Textos por Abonico Smith

Fotos: Lolla BR/Camila Cara/Divulgação

Enfim, a música está definitivamente de volta aos palcos no Brasil. E os festivais de música também. Depois de dois anos de muito isolamento, distanciamento e congelamento de eventos artísticos provocados pela pandemia, com os números em queda e o gradativo relaxamento das regras sociais, a grade de grandes eventos pode ser retomada em 2022. No terreno da música pop, tudo começou no último final de semana, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, com os quatro palcos e três dias do Lollapalooza Brasil, que, entre 25 e 27 de março, retomou um pouco daquela programação que estava sendo esperada para 2020, mas com várias alterações sendo feitas a cada cancelamento, até mesmo nas últimas semanas com a desistência de duas bandas internacionais por conta de gente diagnosticada com a covid-19. Surpresas que se prolongaram até a véspera do domingo, com o mundo sendo pego de surpresa pela notícia da inesperada morte de Taylor Hawkins, o carismático baterista do Foo Fighters, o último dos três headliners, horas antes de um show em outro festival na Colômbia.

Mondo Bacana lista oito motivos que vão fazer você se lembrar para sempre desta edição um tanto confusa e atabalhoada mas extremamente importante para ajudar a recolocar os grandes festivais e eventos musicais no eixo em território brasileiro.

Wombats

Este trio liverpludiano de nome de marsupial australiano e carreira sólida no circuito indie rock europeu merecia ter sorte melhor em sua primeira vinda (tardia, já que a discografia aponta cinco trabalhos em 15 anos) ao Brasil. Mal havia começado seu set e do nada veio um toró danado, com muitos raios e ventos, o que forçou a organização a cancelar tudo imediatamente e evacuar palco e plateia pelo risco de acidentes próximos a instalações metálicas. Foram só cinco músicas, mas o suficiente para ver que o vocalista Matthew Murphy e seus comparsas tinham muita lenha para queimar naquela tarde de sexta-feira. Misturando guitarras e grooves e com hits poderosos como “Moving To New York” e “Techno Fan”, lá do início da carreira, estrategicamente colocados no pontapé inicial para incendiar tudo. Só que aí veio o inesperado. A chuvarada veio impiedosamente para apagar todo o fogo da banda. Pelo menos restou a suspeita de que ano que vem eles deverão estar de volta por aí para compensar o “pocket show forçado”.

Strokes

Muita gente pode achar sem sentido a escalação do Strokes como headliner de um grande festival, justificando que o quinteto nova-iorquino está longe de seu auge criativo. Pura bobagem! Se bandas como Red Hot Chili Peppers e Guns N’Roses vivem desembarcando aqui no Brasil com o mesmo status, porque a trupe de Julian Casablancas não poderia também? OK, as vendagens podem não ter sido tão grandiosas se comparadas a estes nomes, mas a importância e a significância para tal ponto. Afinal, ajudaram a consolidar uma nova linguagem do rock, tão suja e underground quanto seus antecessores que consolidaram o punk e o alternativo no subsolo norte-americano. E, bem, musicalmente continuam muito bons. Simples, direto ao ponto, sem firulas (até mesmo nos solos). Julian Casablancas continua cantando cinicamente desanimado, como um “tô nem aí para nada”, agarrado no pedestal, de óculos escuros e na maior pose antipopstar. Aliás o foda-se desta vez estendeu-se também à escolha do repertório. O grupo ousou ao eliminar escolhas óbvias para festivais como de hits (como “Someday” e sobretudo “Last Nite”), pegar lados B dos dois primeiros álbuns (“Under Control”, “Trying Your Luck”, “Take It Or Leave It”, “New York City Cops”) e bancar um terço do set list (cinco de quinze) com faixas do álbum mais recente, lançado logo depois do lockdown mundial provocado pelo decreto da pandemia. Gran finale da primeira noite!

Emicida

Há muito tempo que, em se tratando de peso e atitude, o rap é o novo rock aqui no Brasil. Depois de uma série de discos acachapantes, Emicida veio para este Lollapalooza disposto a provar que, sim, pelo menos em se tratando de festivais de música a revolução pode ser televisionada em nosso país. AmarElo, o show, é uma porrada na cara, um soco no estômago, um tapa do Will Smith em todos os sentidos. Banda afiada, com duas guitarras poderosas, baixista-maestro, percussão dando peso às batidas do DJ. Com versos de forte conteúdo racial, social, político e (por quê não?) de relacionamentos pessoais – a ponto de levar a um festival pop o pastor Henrique Vieira para mandar um sermão contagiante no final com “Principia”. Antes, porém, uma trinca matadora com participações especiais: Rael em “Levanta e Anda”, Drik Barbosa em “Luz” e Majur em “AmarElo”(aquela na qual o sample com o refrão gravado originalmente na voz de Belchor vira transe coletivo).

Miley Cyrus

Às vésperas de completar 30 anos de idade, a ex-Hannah Montana libertou-se de todas as amarras imagéticas que ainda poderiam estar assombrando seus trabalhos anteriores. Sonoramente, lançou-se fundo no rock, com muitas timbragens e elementos oitentistas sem abandonar a veia pop dos arranjos. Visualmente, toda de preto e cabelo platinado no melhor estilo femme fatale eternizado por Madonna também nos anos 1980. De quebra, ainda chamou a amiga Anitta ao palco para celebrar “a brasileira número um mundial do Spotify” e mandar – rebolando bastante, claro – um feat do novo hit dela “Boys Don’t Cry”. Só que nem tudo é perfeito. Para os millennials, Miley pde ser o máximo, impactante, de causar arrepios. Só que quem tem mais idade e já viu muito mais coisa no rock’n’roll sabe que tudo nao passa de um pastiche. Bem produzido mas um pastiche. Rola um déjà-vu atrás do outro, com lembranças que vão de Bon Jovi a… Madonna! Isso sem falar no amontoado de covers sem sentido (já que ela é uma headliner com carreira já longa e consolidada) que deformam Pixies (“Where Is My Mind?”), Blondie (“Heart Of Glass”) e Nancy Sinatra (“Bang Bang”). Ah, sim, teve toda a encenação do choro pela morte do grande amigo pessoal Taylor Hawkins no meio do show (quando ela cantou “Angles Like You” sentada em uma cadeira agarrada a uma bolsa de grife da qual tirou um lencinho para enxugar as lágrimas sem borrar o make). Por falar em grife, o que dizer do enorme casaco de inverno verde que ela teve de vestir e cantar por uns dois minutos usando durante a primeira música. Contratos de parceira publicitária? Muito rock’n’roll isso, né? No telão ao fundo, a frase “sell out to sell out”(em bom português, “vender-se para se vender”). Pose dez, atitude duvidosa no fim das contas. Será que é disso que o mundo necessita mesmo?

Idles

Já faz alguns anos que as terras britânicas vem exportando ao mundo uma série de novas bandas excitantes. Muitas delas, inclusive, com inspiração clara nos bons sons alternativos norte-americanos dos anos 1990. O Idles é um destes exemplos. Formado na cidade de Bristol, o quinteto vem concebendo álbuns maravilhosos em série (foram quatro desde 2017) e é nos concertos em grande escala que vem fazendo sua fama expandir ainda mais. Se a sonoridade já era brutal em pequenos espaços, quando o palco ganha proporções gigantescas – como é o caso dos festivais a céu aberto – parece que a banda também se agiganta com facilidade extrema. Aqui no Brasil, tocando pela primeira vez, não foi diferente. Com um pezinho naquela mistura entre o punk rock, o hardcore e o industrial e lembrando bandas clássicas de selos como Touch and Go (de Chicago) e Alternative Tentacles (criado por Jello Biafra em San Francisco). O quinteto insano jorrou em pouco menos de uma hora treze músicas praticamente coladas uma na outra – com claro destaque para o segundo álbum, Joy As An Act Of Resistance, de onde vieram sete delas). Ao vivo, parece que cada músico dispara para um lugar separado, tanto nas notas musicais como na performance cênica individual. A somatória desta coisa toda aparentemente difusa acaba atordoando, formando um conjunto monolítico com altos graus de ironia e sarcasmo – nas danças ora patéticas ora intensas dos músicos, na verborragia cuspida pelo vocalista Joe Talbot, na pancadaria rítmica da e bateria, nas distorções e microfonias incessantes formadas por toneladas de pedais ligados ao baixo e às duas guitarras. Nunca um fim de tarde de domingo soou tão longe de ser modorrento.

Libertines

Depois do Idles, no mesmo palco principal do Lolla vieram os Libertines, atração praticamente acertada de última hora, já que duas semanas antes do festival o Jane’s Addiction cancelou a vinda por conta de casos de covid em sua equipe. E, olha, nunca uma escolha poderia ter sido tão acertada e oportuna quanto esta. Afinal, lá atrás, quando estiveram pela primeira vez no país também em um grande festival, a banda estava no seu auge mas se encontrava temporariamente sem um de seus frontmen, o guitarrista e vocalista Pete Doherty estava temporariamente afastado de suas funções em virtude de uma sentença judicial que o levou à cadeia. E Carl Bârat sem Pete é como Piu-Piu sem Frajola, Buchecha sem Claudinho. Agora, Pete e Carl ficaram lado a lado, alternando-se nos vocais no típico repertório “banda de bar” que fez a fama do quarteto lá na primeira metade dos anos 2000 – o set list contou com treze faixas extraídas dos dois primeiros e mais famosos álbuns. Com a poderosa ajuda do experiente baterista Gary Powell (que, dez anos mais velho que os dois e negro, ainda insere com extrema competência elementos de jazzblues e soul nos arranjos). Tudo bem que a idade já começa a pesar nos ombros. Com 43 anos de idade, não são mais aqueles likely lads que promoviam performances anárquicas em pequenos palcos nas gigs em Londres e arredores. Pelo menos estão vivos e esperneando, sempre prontos para mandar clássicos do indie rock do século 21 como “What Became Of The Likely Lads”, “What Katie Did”, “Boys In The Band”, “Time For Heroes” e “Can’t Stand Me Now”. Sorte nossa, mesmo que muita gente mais jovem que estava in loco no Lolla não tenha dado a mínima por achar que rock é o que menos importa na música de um festival.

Mano Brown

O rap é o novo rock

Perto da meia-noite de sexta para sábado (horário de Brasília) chega a notícia bombástica: horas antes de se apresentar em um festival na Colômbia, o baterista do Foo Fighters Taylor Hawkins morre no hotel. Mais um problema – e que problemão – de última hora para a escalação do festival: como resolver em questão de menos de dois dias a substituição da banda para encerrar a programação do palco principal no domingo? A solução estava bem perto e, de certa forma, vinda de um lado inesperado para muita gente: ela respondia por Emicida. Admirador da banda de Dave Grohl, assim como a guitarrista de sua banda, Michele Cordeiro, ele recorreu a um punhado de amigos rappers e resolveu prontamente o problema de logística: montou um show tão longo quanto, juntando um monte de artista que nas últimas três décadas ajudou a cristalizar o hip hop como um dos gêneros musicais mais populares do país. Deste jeito, o concerto improvisado – anunciado como uma homenagem a Taylor Hawkins sem, contudo, prender-se ao modelo chato de tributo de execução das principais músicas gravadas pelo homenageado – foi dividido em duas partes. Na primeira, os DJs Nyack e KL Jay deram o suporte soltando as bases para nomes como Emicida, Rael, Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Djonga, Ice Blue e Mano Brown mandarem algumas das principais composições de suas carreiras (…). A metralhadora verborrágica da turma revelou-se tudo aquilo que anda em falta nas bandas mais tradicionais de rock: sagacidade, rebeldia e periculosidade intelectual. Na segunda, os DJs e MCs individuais cederam o palco ao Planet Hemp, que veio do Rio de Janeiro para mostrar que a produção do festival cometeu um grande erro ao não escalá-lo. Com a banda afiadíssima e misturando hardcore, psicodelia, samba e jazz ao canto falado de Marcelo D2 e BNegão, o PH é uma das poucas bandas brasileiras de rock realmente avassaladoras ao vivo hoje em dia. Peso, contundência e, claro, aquela chama capaz de nunca se apagar. Tanto uma metade quanto a outra pode ser definida como uma oportunidade para celebrar o amor, a música e a possibilidade de se estar junto àquelas pessoas que amamos. E não bastasse esses lados A e B do novo concerto, houve ainda um “prefácio” tocante com Michele e Mônica Agena dedilhando lentamente suas guitarras e tornando “My Hero” ainda mais emocionante. No fim, depois do Planet Hemp, mais uma homenagem direta a Hawkins. O Ego Kill Talent, banda brasileira escalada para abrir a última turnê brasileira do FF em 2018, encerrou as atividades com duas músicas: uma autoral mais “Everlong”, a primeira cover tocada pelo quinteto durante toda a sua trajetória de shows. Se em um primeiro momento tudo parecia triste, perdido e arrasado para o encerramento de domingo do Lolla, depois dessa turma toda ninguém mais teve dúvida de que valeu muito a pena ter ido ao Autódromo ou ficar vendo pela TV toda aquela competente gambiarra improvisada horas antes.

#ForaBolsonaro

Sabe aquele tiro que sai pela culatra? Pois foi bem o que aconteceu neste Lollapalooza. Na sexta-feira, um fã deu a Pabllo Vittar uma bandeira com a cara e o nome de Lula e ela saiu correndo com o objeto, tremulando-o ao vento, em disparada pelo corredor que separa uma metade da outra do público. A foto saiu estampada em todos os portais de notícias. Em outro palco, a cantora galesa Marina Diamandis mandou, em alto e bom português, um “#ForaBolsonaro”. Os Strokes saíram do palco usando o microfone para falar a mesma coisa. Foi o que bastou para Jair Bolsonaro ficar nervosinho e, disfarçando sob a assinatura de seu novo partido, pedir judicialmente a reativaçãoo da censura a artistas, proibindo-os de expressar suas opiniões travestidas de, segundo suas palavras, “campanha para presidente antes do período determinado pela lei”. Só que ele pode e sempre faz isso. E o pior: o mesmo ministro do TSE Raul Araújo que endossou o pedido e faz voltar a valer a censura neste país foi aquele que, semanas antes negara pedido de retirada de outdoors irregulares fazendo campanha para Bolsonaro em uma cidade de Mato Grosso do Sul. Mas de nada adiantou esse passo rumo ao retrocesso. Depois de sábado, quando a notícia estourou pelos bastidores, foi um tal de “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” (como disse Lulu Santos ao adentrar o palco do Fresno para uma participação especial). No mesmo dia, Silva puxou o coro do incentivo para que jovens entre 16 e 18 anos (faixa etária para a qual o voto é facultativo) tirassem seu título de eleitor para poderem ir às urnas em outubro próximo. O grupo gaúcho também mandou um #ForaBolsonaro no telão. Logo depois, Gloria Groove entrou com uma blusa semelhante a um uniforme de time de futebol, tendo escrito atrás seu nome e o número 13. Emicida, tanto no sábado quanto no domingo, reforçou que o amor vale mais que o ódio e também mandou a hashtag mais famosa destes últimos quatro anos no país. Criolo não disse nada, apenas vestiu uma camiseta com a urna eletrônica na frente, mais um título de eleitor atrás. Bivolt demonstrou toda a sua insatsifação com o atual desgoverno federal no rap freestyle. Mas, claro, a maior vociferação contra a absurda ação autocrata veio de Marcelo D2. “Não, hoje #EleNão. Hoje #EleNão vai fazer a narrativa. A gente vai fazer a narrativa. Isso aqui é sobre amor. É sobre Taylor Hawkins. Sobre Chorão. Sobre Chico Science. Sobre Sabotage. Sobre Speedfreaks e Skunk.”, mandou logo ao entrar com o Planet Hemp, lembrando os nomes de amigos e ídolos já falecidos, sendo os dois últimos um ex-colaborador e um dos fundadores do PH. Aí mandou a letra de “Banditismo Por Uma Questão de Classe”, manifesto antinarrativa de direita da Nação Zumbi. Depois emendou “Distopia”, música inédita “sobre esperança” com base jazzy que estará no disco da banda que será lançado do próximo semestre. O refrão trazia um jogo de palavras hipnótico (“Desobedeço o obedeça/ Obedeço o desobedeça”) enquanto o telão repetia outra parte da letra (“Repense Reflita Resista Recuse”). Em “Dig Dig Dig” reviveu o canto de Zumbi eternizado por Jorge Ben (“Zumbi é o Senhor das Guerras/ Zumbi é o Senhor das Demandas/ Quando Zumbi chega/ É Zumbi é quem manda”). Antes de “queimar tudo até a últimaponta”, aproveitou para xingar diretamente Bolsonaro. Depois, lembrou que a musica “Zerovinteum”, há quase trinta anos, já falava sobre o problema das milícias no Rio de Janeiro – e ainda atestou estarem presentes sempre os assassinados Marielle e Anderson. Também levou um improvável hino do Ratos de Porão ao palco do grande festival mainstream com a cover de “Crise Geral” e antecipou a execução de “Contexto” dizedo que de nada adianta acreditar em um salvador da pátria e só fazer algo ao ir lá votar no dia da eleição. Ah, sim: não deixou de entoar a famosa musiquinha adaptando-a para homenagear o festival: “olê olê olá! Lolla, Lolla!”. Os artistas sambaram bonito em cima da cara do “é melhor Jair embora de uma vez”. Em tempo: o festival não foi notificado pela justiça porque o pedido de censura foi tão incompetente que nenhum dos dois CNPJs informados ali batiam com os responsáveis pelo evento. Em tempo 2: na segunda-feira, quando não adiantava mais nada porque tudo já acabara no domingo, Araújo suspendeu as manifestações políticas no Lolla afirmando que o texto da solicitação do PL o havia induzido a erro. A emenda ficou, de vez, pior que o soneto…