Music

L7

Oito motivos para não perder a nova passagem do quarteto californiano por Curitiba e outras cidades brasileiras

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Trinta anos atrás elas passaram feito um furacão por nosso país. Foi em janeiro de 1993, no Festival Hollywood Rock, quando tivemos a primazia, hoje cada vez rara, de receber bandas novas que estavam em alta lá fora. Era ainda o tempo da explosão do rock alternativo na mídia tradicional e o L7 era um dos nomes mais badalados daquela turma, com videoclipe em alta rotação na MTV Brasil e críticas elogiosas em revistas especializadas de música. Para completar, ainda abriram o esperadíssimo (e polêmico) show do Nirvana nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Donita Sparks (guitarra e voz), Suzi Gardner (guitarra e voz), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria), ícones daquela época áurea em que vocais berrados, guitarras sujas e distorcidas e uma estética que cruzava informações vindas do punk rock e do heavy metal saíram do subterrâneo para tomar de assalto o mainstream, a imprensa corporativa, as grandes gravadoras, a matriz e as filiais da MTV e o gosto das pessoas espalhadas ao redor do planeta.

Depois do fim em 2001 e de um longo tempo na inatividade, a banda, com sua formação clássica, voltou a se encontrar com os fãs em 2015. As quatro gurias (hoje na faixa dos 60 anos de idade) voltaram às turnês, tocando aqui, ali e em todo lugar. Passaram novamente pelo Brasil, com parada em cinco capitais (Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba Porto Alegre e Belo Horizonte) em dezembro de 2018. De la para cá também soltaram novidades: um álbum (Scatter Than Rats, 2019) e mais três singles (“Dispatch From Mar-a-Lago”, “I Came Back To Bitch” e “Cooler Thn Mars”). Os dois primeiros foram nos meses anteriores à segunda vinda para cá. O último foi disponibilizado semanas atrás nas plataformas digitais de áudio e vídeo.

Agora o L7 vem pela terceira vez tocar para a gente. A tour começou ontem em São Paulo e alcança Ribeirão Preto (SP), no domingo (22 de outubro). Em Curitiba (24), acontecerá o ponto alto, quando o quarteto sobe ao palco no mesmo que outra história banda do rock independente norte-americano, o Black Flag (mais informações sobre local, horário e ingressos deste show na capital paranaense você tem clicando aqui; mais sobre o Black Flag você encontra aqui) A dobradinha se repete no dia seguinte (25) em Porto Alegre. De novo como atração única principal da noite, a banda ainda tocará em Belo Horizonte (27) e Rio de Janeiro (29). Mais informações sobre toda a rodagem em território verde-e-amarelo e os demais concertos você tem clicando aqui.

Para celebrar este retorno, o Mondo Bacana preparou uma relação com oito motivos para você não perder a terceira passagem do L7 por aqui.

Documentário

Dirigido pela cineasta Sarah Price, o documentário L7: Pretend We’re Dead foi lançado em 2016, depois de uma campanha de crowdfunding que arrecadou fundos para a sua realização. O filme conta a história da banda do underground ao estrelato e, então, de volta ao underground até o fim das atividades em 2001. São muitas imagens de arquivo e acervo pessoal com trechos de concertos e festivais, curiosidades de bastidores e depoimentos de Donita, Suzi, Jennifer e Dee em off.

Nada de girl band

Se existe uma coisa que elas deixam claro logo nos primeiros minutos de L7: Pretend We’re Dead é para não chamá-las de “banda de garotas”. Afinal, essa questão da diferenciação pelo gênero – e sempre através de um modo tão comparativo quanto negativo, diga-se de passagem – já é uma coisa tão batida, sem noção e sem sentido que elas já disparam que estão enojadas e cansadas de que usem isso a respeito do grupo. Donita afirma que rejeita toda a imagem criada ao longo destes anos pelo fato do L7 nunca ter sido algo que a pessoas pudessem esperar delas, sobretudo pela questão de não se encaixar no que se chama de estereótipo da beleza feminina.

Punk e também heavy

O L7 foi formado na esteira de um cenário punk e hardcore criado por jovens que não se encaixavam com a apatia de seus semelhantes durante o governo Ronald Reagan nos 1980. Paralelamente a isso, na cidade em que as musicistas viviam (Los Angeles), o rock era tomado pelo mainstream de bandas masculinas glam metal, mais preocupadas com o visual andrógino e a estética sexista da cosmética, levada aos extremos comerciais através dos videoclipes em alta rotação na MTV norte-americana. Entretanto, o heavy clássico, mais sujo e poderoso, também faz parte da formação delas. Isso pode ser facilmente notado em diversas faixas de álbuns como Smell The Magic (lançado pela Sub Pop em 1990) ou Bricks Are Heavy (de 1992, quando a banda era contratada do selo Slash, então ligado às gravadoras major Warner nos Estados Unidos e PolyGram no resto do mundo). São muitos riffs, pedais de efeito e power chords – sem falar que Donita leva uma guitarra Flying V a tiracolo ao subir em um palco. Sparks até então se ressentia do fato do grupo nunca ter sido convidado para participar de um festival dedicado a bandas heavy metal nos Estados Unidos. “Ne Europa nos aceitam muito bem e volta e meia participamos destes eventos. Mas em nosso país isso nunca aconteceu.”

Bricks Are Heavy

Responsável pela sonoridade assumidamente pop (porém sem negar as origens alternativas) de vários discos de sucesso da época – como Dirty (Sonic Youth), Nevermind (Nirvana) e Siamese Dream (Smashing Pumpkins) – o produtor Butch Vig também conseguiu fazer o mesmo com o L7 em Bricks Are Heavy. Deixou toda a sujeira lá, mas conseguiu aparar as arestas e arredondar as músicas compostas e cantadas por Donita, Suzi e Jennifer, inclusive fazendo os mesmos com seus vocais. O resultado foram três grandes hits (“Pretend We’re Dead”, “Monster” e “Everglade”), indispensáveis em qualquer set list do L7 até o final dos tempos da banda. Mas o repertório dos atuais shows da banda não se sustenta apenas nessas faixas do disco. Outras menos conhecidas na época continuam bastante poderosas quando tocadas ao vivo. É o caso de “Scrap”, “Slide”, “One More Thing” e “Shitlist”. Os versos desta última sempre soam como um eterno grito de guerra feminista.

Homenagem aos ídolos

Na volta para o bis de cada show, a banda rende uma saudação a uma histórica banda dos primórdios do punk rock.Primeiro single lançado em 1979 pelo trio Agent Orange, a música “Bloodstrains” foi a escolhida para a turnê passada por aqui. Desta vez, o salve vai para o Eddie and The Subtitles, com a canção “American Society”, gravada por eles em 1980. O quarteto também veio daquele cenário californiano muito prolífico para jovens inconformados e hipnotizados pela fúria e resistência comportamental do punk daquela época.

Brasil, 1993

O festival Hollywood Rock de 1993, realizado no segundo e no terceiro final de semana de janeiro, respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, trouxe uma escalação memorável. Duas das três noites eram reservadas a bandas internacionais que estavam, naquele momento, no auge de suas carreiras mundiais, fato até hoje não superado por qualquer outro evento do tipo em solo brasileiro. Uma das noites trazia o Alice In Chains e, como headliner, o Red Hot Chili Peppers. A outra, no mesmo esquema, era composta por L7 e Nirvana. E o show do L7 acabou sendo tão memorável quanto o de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. O estádio do Morumbi (onde este que aqui escreve estava presente, aliás) chacoalhava na noite do sábado 15 com a multidão pulando sem parar no gramado, cadeiras e arquibancada. Não foi bem um aquecimento para o trio principal, já disparado no topo das paradas mundiais, mas sim um show de primeira e que deixou todo mundo tão suado quanto. No Rio de Janeiro, sete dias depois, foi tudo igualzinho (conforme você pode checar aqui, assistindo à gravação da apresentação de mais de uma hora na íntegra).

Tampax para a plateia

A edição de 1992 do Reading Festival, na Inglaterra, entrou para a História pela trolagem do Nirvana. Havia uma expectativa negativa em relação ao show do trio porque Kurt Cobain estava entrando e saindo de períodos na rehab e muito se falava sobre a possibilidade da gig no evento ser cancelada. Sem qualquer aviso, Dave Grohl entrou no palco empurrando Kurt sentado em uma cadeira de rodas e com roupa hospitalar. O vocalista simulou uns espasmos e jogou-se ao chão, assustando e arregalando os olhos de todos. Posteriormente levantou-se e fez um puta show à frente de sua banda. Mas o L7 também deu sua bela contribuição para fazer aquele verão ser inesquecível para quem estava lá no interior inglês. A apresentação do quarteto foi um grande caos. A tensão já era grande no início, quando começou a haver problemas técnicos no som. A plateia ensandecida e à espera do Nirvana, reagia contra o grupo. A banda chegou a trolar todo mundo que queria mainstream começando a tocar o riff de “Enter The Sandman”, do Metallica, para depois parar tudo e xingar ao microfone. Depois, muita gente passou a arremessar lama em direção às integrantes. Irritadíssima, Donita não pensou duas vezes. Pôs a mão dentro da calcinha, arrancou o tampax, mostrou-o a todo mundo e arremessou-o em direção às pessoas, provocando reações de espanto e nojo em muitos. Apesar da gravação tosca e cheia de problemas, este simbólico show do L7 também está registrado no YouTube (veja aqui). O “incidente” do tampax – que chegou a ser incluído entre os cem melhores momentos de toda a história do heavy metal pelo canal de TV VH1 (veja aqui) – ocorre quase no final, aos 40 minutos e 24 segundos, assim que acaba a penúltima música do set list.

“Cooler Than Mars”

Lançado no último mês de setembro, o novo single do L7 é uma nova crítica disparada pela banda. Desta vez o foco fica nas mudanças ambientais drásticas que abatem o planeta inteiro e foram provocadas pelo mesmo ser humano que agora fala em deixar a Terra para passar a colonizar Marte. No videoclipe, as quatro integrantes interagem com cenas da natureza em um cromaqui intencionalmente tosco. Aparecem vegetações, mares e dezenas de animais da espécies variadas, das mais comuns aos mais esquisitos.

Music

Arctic Monkeys

Oito motivos (entre eles alguns que envolvem o aguardado álbum The Car, que acaba de ser lançado) para não perder os shows dos britânicos no Brasil

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação

Se existe um dos nomes mais aguardados pelos fãs brasileiros de indie rock neste fim de ano, ele é o do Arctic Monkeys. Afinal, o grupo liderado pelo guitarrista, vocalista principal e letrista Alex Turner está de volta aos discos e palcos.

Passado um intervalo de quatro anos, o quarteto volta a lançar um novo álbum, The Car, o sétimo trabalho de estúdio da carreira, que chegou oficialmente às lojas físicas e plataformas digitais neste último 21 de outubro. Trazendo como base a divulgação desta coleção de dez novas faixas, Turner, Jamie Cook (guitarra, teclados), Nick O’Mailey (baixo) e Matt Helders (bateria e backing vocals) já estão na estrada desde o verão europeu.

Depois de participarem de um punhado de festivais, o grupo levou a turnê homônima aos Estados Unidos e mais alguns países do Velho Continente antes de chegar à América Latina, onde passa o próximo mês com datas marcadas para Brasil, Paraguai, Chile, Argentina, Peru, Colômbia e México. Em território nacional, o grupo é um dos headliners da primeira noite (5 de novembro) da primeira edição da edição em verde e amarelo do Primavera Sound, em São Paulo, no Distrito Anhembi (outras informações sobre o festival você tem aqui). Na véspera (dia 4), fazem um dos sideshows do Primavera no Rio de Janeiro na Jeneusse Arena. O segundo compromisso (dia 8) será em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski. Em ambas as oportunidades, a atração de abertura ficará por conta dos nova-iorquinos do Interpol, também escalados para o Primavera BR. Mais sobre os ingressos desses dois concertos paralelos você pode encontrar clicando aqui.

Como esquenta dessa nova vinda ao país de uma das mais importantes formações do rock britânico do século 21, o Mondo Bacana preparou oito motivos para você nem sequer pensar em perder a nova passagem do quarteto por aqui.

The Car

O sétimo álbum de estúdio demorou mais do que o previsto para ser apresentado publicamente por conta de uma interrupção forçada pela pandemia da covid-19. Neste caso, porém, o mal veio para o bem Afinal, a banda pode ter um bom tempo de sossego e calma para trabalhar na pós-produção e refinando a sonoridade até chegar com requinte e perfeição ao objetivo inicialmente proposto: fazer dos Arctic Mokeys, em um total de dez faixas, uma grande banda de sonoridade pop orquestral sixtie. Scott Walker, John Barry, Serge Gainsbourg, Burt Bacharach, George Martin… Boas referencias saltam aos ouvidos já durante a primeira audição. Também percebe-se o esmero dos vocais impressos por Alex Turner. Ele canta com estilo, livre, leve e solto. Manda diversos trechos em falsete com aquela segurança que só o tempo é capaz de dar a um grande músico (vale lembrar que aquele garoto-prodígio dos dois primeiros álbuns avassaladores dos Arctic Monkeys já chegou aos 36 anos!). E tem ainda a bela capa clicada pelo baterista Helders, com um automóvel estacionado solitariamente no terraço de um edifício-garagem.

Ao vivo no Kings Theatre

No dia 22 de setembro, os Monkeys estavam em Nova York. Mais precisamente no tradicional e recentemente renovado Kings Theatre, no Brooklyn, para fazer diante de 3 mil espectadores aquela que, até agora, foi a mais luxuosa (e intimista, se contar que era o palco de um teatro e quem viu tudo estava sentado em uma poltrona confortável) apresentação da turnê de The Car. No set list figuraram quatro das dez faixas do novo disco, sendo duas tocadas pela primeira vez ao vivo diante de seus fãs. “There’d Better Be a Mirrorball” fez o trabalho de abertura da noite. Lá pelo meio pintou ainda “Body Paint”, que já havia sido mostrada dias antes, mas desta vez na TV, durante o talk show comandado por Jimmy Fallon. O restante do repertório (18 outras canções) deram uma boa espanada na já extensa trajetória do grupo de Sheffield, com destaque para o mais popular trabalho, AM, de onde foram pinçadas seis faixas. Hits não faltaram, para mostrar que, sim, os Monkeys continuam uma grandiosa banda ao vivo, com muito peso e presença de palco. Entre eles estavam “Do I Wanna Know”, “Arabella”, “R U Mine”, “Why’d You Call Me Only When You’re High?”, “Crying Lightning”, “Brainstorm” e “I Bet You Look Good On The Dancefloor”. De quebra, pintou uma composição que não estava prevista inicialmente no set preparado para a noite (“The Ultracheese”, do álbum anterior Tranquility Base Hotel + Casino). Ficou com vontade de poder ter estado lá e assistido a este concerto de 45 minutos? Então acesse o YouTube da banda neste domingo, 23 de outubro, às 16h no horário de Brasília. O show será transmitido pela banda na íntegra por lá. Não poderá assistir a ele neste horário? Não tem problema também: tudo ficará disponível ali mais um pouco, até o dia 27.

I Ain’t Quite Where I Think I Am

A performance desta nova música do show no Kings Theatre também virou o videoclipe oficial dela. Executada na parte final do set list, a canção ganhou uma aura soul com a combinação entre o vocal estiloso de Turner, o efeito wah wah da sua guitarra, uma percussãozinha discreta e aquela mãozinha poderosa dos backings em falsete feitos por vários músicos no palco. Para completar, a reunião de versos bastante abstratos criados pelo frontman desenham um certo sentimento de entranheza e nao pertencimento durante um passeio pela Riviera francesa com sua namorada também francesa.

There’d Better Be a Mirrorball

Faixa de abertura de The Car e também de boa parte dos shows da nova turnê. Quando tocada ao vivo, com os músicos recém-chegados ao palco, pode até causar estranheza em fãs mais desavisados, esperando uma pancadaria sonora para injetar adrenalina na plateia logo de cara. Só que não. O desafio da trupe de Turner no novo disco é provocar um mergulho retrô pela sofisticação do pop sessentista, quando belas melodias e harmonias bem trabalhadas se encontravam com muitos arranjos de cordas que em muito ainda contribuíam para a riqueza auditiva. Não é diferente em “There’d Better Be a Mirroball”. Com versos que flertam com ares reflexivos provocados pela deparação do protagonista/narrador com uma ambientação de explícita decadência e aquela sonoridade de boate da boca do lixo, a faixa é o cartão de visitas da nova fase do grupo. Portanto, nada melhor do que também começar o concerto com ela, com as cordas disparadas em bases pré-gravadas ou mesmo recriadas em sintetizador. Curiosidade: Alex também assina a direção e a fotografia do videoclipe. As imagens foram todas captadas por ele durante as sessões de gravação do novo disco em Los Angeles, para onde carregou a tiracolo uma câmera de 16mm para também brincar de cineasta dentro do estúdio.

Body Paint

Mais uma faixa de The Car que ganhou videoclipe oficial antes mesmo do disco ter sido lançado oficialmente. Com direção de Brook Linder e imagens captadas entre Londres e Missouri, o clipe é, na verdade, um metaclipe. Mostra os bastidores da filmagem e da edição de um filme e brinca com diversas referências de formas circulares e retilíneas, além de fazer da projeção dentro da projeção um elemento vivo de cena, que comanda por meio de luzes uma determinada linha melódica de um riff ou ainda faz o vocalista se multiplicar em três para cada um deles cantar uma parte do mesmo verso. Os cinéfilos poderão notar a reverência ao cineasta norte-americano Alan J. Pakula (Todos os Homens do PresidenteA TramaA Escolha de SofiaKlute: O Passado Condena).

Tranquility Base Hotel + Casino

The Car é um passo além daquele dado pelo grupo há quatro anos, quando relevou ao mundo o surpreendente sexto álbum da carreira. O peso, a urgência e a ansiedade explosiva dos primeiros trabalhos deram lugar, em 2018, a um trabalho muito maduro, que mesclava referências sonoras díspares (entre elas glam, progressivo, jazz e psicodelismo). Certamente The Car não teria sido feito se não tivesse existido Tranquility Base Hotel + Casino – que, inclusive, chegou a abocanhar o Grammy de melhor disco de rock alternativo. Suas duas principais faixas continuam mantidas no novo repertório ao vivo (a música-título e “Four Out Of Five”) e devem ser tocadas para os fãs brasileiros.

505

Favourite Worst Nightmare (lançado em2007), rendeu três grandes hits naquele ano: “Brainstorm”, “Fluorescent Adolescent” e “Teddy Picker”. Quinze anos depois, mais uma faixa daquele trabalho veio a se juntar à mesma galeria de sucessos. Trata-se do final daquele segundo álbum da carreira. “505”, a famosa “última do lado B”, descoberta meses atrás pela geração Z e que viralizou a tal ponto no TikTok que impulsionou a canção, outrora obscura e desconhecida, ao pódio das maiores execuções dos Monkeys no Spotify. O título se refere ao número do quarto do hotel onde está a namorada do narrador/protagonista da canção, que preenche os versos com muita imaginação e os sobrecarrega com pimenta sexual (“In my imagination you’re waiting lying on your side/ With your hands between your thighs”, diz o refrão). Turner, em entrevista ao website britânico NME, diz achar curioso e legítimo o revival intenso da canção por uma geração que ainda era bem criança quando ela foi gravada e fechava os shows da banda na mesma época, mas também confessa ter ficado um tanto quanto confuso sobre o porquê da escolha e da adoração desta faixa. De qualquer modo, ele que não é bobo, já encaixou “505” no repertório desta turnê e em um lugar especial: o encerramento do bis, logo antes de todos os músicos deixarem o palco em definitivo.

Menino-prodígio

Lá em meados dos anos 2000, quando o MySpace bombava entre os fãs de rock e pop como a plataforma de divulgação musical mais democrática e interessante na recente internet 2.0, nomes como Arctic Monkeys, Lily Allen e Cansei de Ser Sexy pegaram muita gente de surpresa ao voarem do quase anonimato para a fama mundial. No caso da banda de Sheffield, Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006) entrou para a História como o álbum de estreia de maior vendagem no mercado fonográfico britânico (contabilizou quase 400 mil exemplares somente na primeira semana nas lojas. E mais: lançado por um selo independente chamado Domino, faturou o Brit Awards de melhor álbum da temporada e ainda passou a ser incensado como um dos mais fantásticos primeiros discos de um artista em todos os tempos. Alex Turner era o cérebro por trás de toda essa força-motriz. As faixas empolgavam por conseguirem encaixar um canto falado em um arranjo básico (leia-se guitarra, baixo e bateria) poderoso, urgente e de alto teor de adrenalina. Algo que, guardadas as devidas proporções, não acontecia na ilha da Rainha Elizabeth desde os tempos do punk rock. As letras escritas pelo vocalista também eram fantasticamente criativas e elaboradas, cinematograficamente literárias, com vocabulário rico pouco comum para um jovem de apenas 20 anos. O bom é que tudo isso não se mostrou um fogo-de-palha. Favourite WIrst Nightmare veio no ano seguinte para dar prosseguimento ao grande estilo dos Monkeys. Depois, a banda elaborou o som, adotando mais peso e sujeira em discos como Humbug e AM, seu álbum mais popular até hoje. As letras escritas por Turner – ainda bem – continuaram com o sarrafo sendo posto lá em cima, ajudando o quarteto a se tornar uma das maiores bandas britânicas deste século 21. E tudo isso sem contar os projetos paralelos do rapaz, como a trilha sonora do filme Submarine e o Last Shadow Puppets, formação criada ao lado de Miles Kane ex-Rascals) e o produtor James Ford (nome seminal do indie disco dos anos 2000, membro do cultuado Simian Mobile Disco, produtor de todos os álbuns dos Monkeys e que já trabalho com gente do quilate de Depeche Mode, Gorillaz, Haim, Foals, Beth Ditto, Peaches, Florence & The Machine, Little Boots, Mumford and Sons, Kalxons, Kylie Minogue e Jessie Ware)

Movies

The Eyes Of Tammy Faye

Jessica Chastain brilha como a pioneira do televangelismo americano que ia muito além do moralismo habitual do gênero

Texto por Taís Zago

Foto: Star+Searchlight/Divulgação

Tammy Faye e Jim Bakker são o casal mais famoso do televangelismo americano. Nos anos 1970 e 1980, eles praticamente “inventaram” a “TV da fé” nos moldes que conhecemos hoje também no Brasil. Ao mesmo tempo, os dois foram protagonistas de um dos maiores escândalos de fraude e desvio de dinheiro do canal PTL – Praise The Lord, a rede televisiva que criaram. Contavam nessa jornada com o apoio de outros agentes religiosos da época, como o pastor homofóbico e misógino Jerry Falwell, que ficou famoso ao travar uma guerra contra os Teletubbies por considerar os personagens infantis uma “propaganda homossexual”. Semelhanças com Malafaia et caterva não são mera coincidência. Os pastores brasileiros se inspiraram no modelo dos cristãos evangélicos norte-americanos ao montar seu império (dourado) da fé por essas bandas.

Jim e Tammy se conheceram quando eram estudantes no Bible College de Minneapolis, Minnesota. E a atração foi imediata. Tammy viu em Jim a personificação do pastor evangelista moderno – aquele que, ao invés de defender as sandálias da humildade, não condenava o enriquecimento e o amor ao dinheiro. Jim sabia pregar, tinha desenvoltura e um arsenal prontinho de platitudes para converter e atrair cristãos para seus sermões. Tammy, por sua vez, era, à primeira vista, a própria imagem da religiosa näif – ingênua, wide eyed, devota e idealista. Com voz de Betty Boop e uma presença sensual, mesmerizava os fiéis com cabelos e figurinos extravagantes e com cílios imensos, que viraram sua marca registrada. Mais tarde ela viraria chacota em sketches de programas de humor de TV como o Saturday Night Live por causa da maquiagem exagerada e permanente. Tammy era 100% entretenimento, fazia entrevistas, shows de bonecos e encantava fiéis com suas performances exageradas de hinos religiosos. 

Enquanto Bakker se limitava a seguir a austera cartilha de pregações morais, aquela que conhecemos bem – família, costumes, pecados e punições e propaganda republicana – ditada pelos pastores, todos homens, que o cercavam, Tammy rompeu muitas regras e arrepiou os cabelos dos devotos mais conservadores ao defender direitos LGBT, discutir a aids nos anos 1980 e defender o amor ao próximo acima das regras religiosas. Por essa sua atuação quase ativista e, claro, também pela sua opulenta aparência, Ela foi festejada como a primeira drag queen, servindo de inspiração para muitos outros artistas.

The Eyes Of Tammy Faye (EUA, 2021 – Star+/Searchlight) é baseado no documentário do mesmo nome, de 2000, narrado em parte por RuPaul. O diretor de obras de dramedy Michael Showalter tomou para si a tarefa de transformar Jessica Chastain em Tammy e Andrew Garfield em Jim. Contudo, os louros aqui vão diretamente para os atores. Garfield incorpora Jim como uma figura fraca, infantilizada, dependente, narcisista, gananciosa, insegura e em claro conflito com sua sexualidade, algo que não é confirmado mas insinuado em várias cenas do filme. Já Chastain personifica em Tammy um leque muito maior de características conflitantes. Por um lado vemos uma protagonista que possui fé genuína, empolga todos ao seu redor, está sempre feliz e sempre otimista e é aparentemente alheia a todas as malandragens feitas com o dinheiro dos fiéis. Por outro, vemos uma figura viciada em comprimidos, infeliz e insatisfeita em seu casamento, que não economiza um tostão em suas indulgências materiais e que faz vista grossa para toda a sujeira ao seu redor. Os olhos de Tammy são seletivos e Jim, junto com seus associados, contam com isso para suas falcatruas. O filme recebeu duras criticas por ficar apenas na superfície das relações, por enfatizar o glamour e esconder fatos desconcertantes do casal, como todo o processo da acusação de estupro contra Jim, que junto ao escândalo das fraudes o colocaram na cadeia.

O que temos aqui uma história clássica de ascensão e queda sem que haja uma verdadeira redenção no final, e que, em alguns momentos, parece muito enamorada de Tammy e sua aparência física. Jessica Chastain, favorita ao Oscar de melhor atriz pelo papel, levou-o para casa. O filme também concorreu ao Oscar de melhor cabelo e maquiagem – e venceu. É inegável o delicioso e colorido pulo entre as décadas de 1960-1980 na produção das músicas, figurinos e fotografia. Todos são fantásticos.

A forma como Jessica transita na personagem entre os opostos, indo da completa euforia até o abismo e a paralisia da depressão é, sem dúvida, sensacional. Tammy coloca um sorriso no rosto, ajeita a maquiagem, abre uma lata de coca-cola light, respira fundo e é cordial até mesmo com quem a ataca. Ela sobe ao palco sempre como se fosse a sua última vez e se entrega de corpo e alma ao que considerava ser sua vocação divina. E nós, aqui, do outro lado da tela, quase nos convertemos.

Movies

Coringa

Joaquin Phoenix encarna com maestria o clássico vilão de Gotham em contundente história que metaforiza a psicopatia da sociedade atual

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Texto por Janaina Monteiro

Fotos: Warner/Divulgação

Sorria, mesmo que seu coração esteja dolorido. Sorria, mesmo que ele esteja partido. Charles Chaplin, que deu vida ao palhaço Carlitos, escreveu esses versos em “Smile”, música composta nos anos 1930 para o filme Tempos Modernos.

Mas como sorrir quando se é miserável de alma e conta bancária? Quando se é vítima de toda a sujeira mais imunda que o ser humano pode produzir? Quando o bullying e o abandono se arrastam pela vida adulta? Quando você perde emprego, vive sozinho, deprimido, e, pra piorar, sofre de transtorno psicótico? Esse é o dilema de Coringa (Joker, EUA, 2019 – Warner). No filme que leva o nome em português do personagem, o vilão se transforma em herói retratado de forma humanizada pelo diretor Todd Phillips (mais conhecido pela trilogia Se Beber Não Case). O aguardado e aclamado longa sobre um dos antagonistas de Batman, vencedor do último Leão de Ouro em Veneza, estreia nesta quinta-feira no Brasil cercado de polêmicas e protagonizado por Joaquin Phoenix, um ator com estrutura física e psicológica para viver o papel que já foi interpretado por Heath Ledger (morto por overdose acidental de medicamentos logo após terminar as filmagens de Batman: O Cavaleiro das Trevas), Jared Leto e Jack Nicholson.

O Coringa de Phoenix sorri por conta de sua psicose acompanhada de um distúrbio neurológico (ele ri incontrolavelmente a ponto de quase sufocar) e do seu trabalho como palhaço de rua. Arthur, na verdade, chora através de suas risadas histéricas. Ele é o freak, o weirdo, em busca de sentido de pertencimento no mundo cada vez mais apático e egocêntrico. Faz parte da escória da humanidade, que de tanto sofrer assume a personalidade de Joker e se transforma num monstro guiado pela violência nua e crua, similar à praticada por jovens armados em escolas e cujos massacres são exibidos e reexibidos pelos telejornais. Por isso a preocupação com a censura: no Brasil, o filme não é recomendado para menores de 16 anos.

A introdução mostra o drama de Arthur em seu ambiente hostil. Gotham City está infestada por ratos reais, numa analogia à Nova York do início dos anos 1980 quando o número de habitantes roedores quase ultrapassou a população. Arthur mora com a mãe num prédio decadente do Bronx e sonha em ser comediante de stand-up. O tempo todo ele é esculhambado, ridicularizado por colegas, agredido por gangue de adolescentes, refém de sua doença, dos remédios e da pilhéria da sociedade em que vive.

Phillips, que coescreveu o roteiro, conseguiu de forma soberba traduzir essa personagem dos quadrinhos capaz de causar tanto fascínio e terror. E humanizar o vilão, digno de pena. Todo o sofrimento serve como base de seu comportamento no decorrer da trama. Arthur não chega a ser um psicopata, pois consegue sentir compaixão: cuida da mãe tão perturbada quanto ele. E como todo psicótico, encontra fuga numa realidade paralela. Quando assiste, por exemplo, ao seu talk show preferido, chamado Live With Murray Franklin, imagina-se dentro do programa. Delira e encontra no apresentador  (interpretado por Robert De Niro) o pai que nunca teve. O mundo de Arthur está em vias de explodir quando perde o emprego, momento em que seu alterego passa a dominar.

O turning point acontece quando ele descobre a verdade sobre sua mãe, sobre o seu passado, sua doença, sobre o pai que nunca conheceu e que poderia ser o mesmo pai de Bruce Wayne, o Batman, super-herói nascido em berço de ouro. Thomas Wayne, bem ao estilo Donald Trump, é candidato a prefeito de Gotham e se refere aos pobres como sendo palhaços. O filme, aliás, faz um paralelo surpreendente com a história de Batman e confronta as duas personagens, dando uma suposta prévia do novo filme sobre o Homem-Morcego.

Na mente do Joker (o nome original do Coringa, em inglês), Arthur passa do homem ridicularizado, vítima de chacota e agressão, ao palhaço vingativo, terrorista. Sua satisfação vem através da violência. Em vez de estourar seus miolos, Arthur decide eliminar quem o ridicularizou. E poupa aqueles que o trataram bem, na maioria das vezes também minorias.

Cenas chocantes não faltam no filme, que alimentam a polêmica de fomentar atos de violência. Entretanto, o roteiro consegue a proeza de, em algumas delas, nos fazer rir com uma certa culpa por conta da atitude perturbada do protagonista. Phillips e Phoenix transformam em arte cenas de dança em que o Coringa comemora e parece emular Carlitos, incorporando gestos de tai chi. Aliás, o balé do Coringa foi feito de improviso. Joaquin e Todd não gostaram do primeiro resultado e o ator, gênio, começou a dançar, o que rendeu uma cena de beleza poética e transformou em marca registrada desse Joker.

A tensão é mantida do início ao fim, garantida pela riqueza da personagem e o brilhantismo do ator. Como é possível esperar qualquer coisa da mente de um psicótico, há tomadas tão carregadas de suspense que o espectador sente aquele frio na espinha. Somando a isso, a trilha sonora do filme é fundamental na manutenção dessa condição de ansiedade e expectativa. Muitas vezes, por si só, uma canção é capaz de dar sentido à determinada sequência. Como “Send In The Clows” (gravada originalmente por Frank Sinatra e interpelada por uma das vítimas do Coringa) e “Smile”, de Chaplin, sobre quem há faz várias referências durante esta história (o homem por trás de Carlitos era um gênio, filho de mãe doente mental e que acabou tendo fama de pedófilo).

Além de close-ups reveladores e movimentos de câmeras sempre em sintonia com o tom sombrio do filme, Phillips também faz uso de elementos não verbais para mostrar o conflito de personalidade e a angústia de Arthur. Exemplos disto são as cenas em ele aparece numa escadaria, sinônimo de verticalidade, representando os planos do espírito, da mente, a ligação entre o céu e a Terra. A trama, aliás, é tão bem costurada que o espectador não consegue definir quais são momentos de delírio e sanidade da personagem até que, quase na metade do filme, um flashback desnecessário surge como uma explicação para os improváveis desatentos.

Muito mais que a história de um conflito pessoal, Coringa é a metáfora de uma sociedade que caminha para uma psicopatia, na qual seus cidadãos usam da violência, desprezo, abandono para resolver diferenças e exigir seus direitos, num mundo em que a raiva toma conta e os fins justificam os meios. Essa sociedade exclui, ignora, marginaliza e trata essas pessoas como meros clowns.

Quando o protagonista se transforma em vigilante, há referências claras a Guy Fawkes e críticas evidentemente políticas a injustiças sociais, como o fato da extinção do serviço social que garante os remédios de Arthur.

Coringa é um soco na cara. Pisa na ferida e escancara a violência de modo brutal, pura, ácida, nua e crua. É um papel tão forte, poderoso, trágico que só um Phoenix (irmão do ator River, morto por overdose em 1993, aos 23 anos de idade) para encará-lo de forma esplêndida. O ator emagreceu 23 quilos para encarnar o vilão e lembra Christian Bale em O Operário (Bale, aliás, foi Batman nas telas). Nessa nossa sociedade delirante, nem todos são psicóticos, mas pobres mortais são, sim, todos palhaços.

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Represálias

Por evocar a violência e transformar o vilão em herói, embora a Warner negue isso, o filme vem sofrendo represálias e chegou a ser proibido em Aurora, cidade norte-americana onde um rapaz supostamente inspirado no Coringa abriu fogo numa sala de cinema matando doze pessoas em 2012. O medo é que este novo filme inspire novas tragédias. O diretor Todd Phillips, porém, diz que não é justo fazer essa associação. “É um personagem de ficção num mundo fictício que existe há 80 anos”, justificou Phillips numa entrevista.

A Warner divulgou um comunicado respondendo a uma carta escrita por familiares do massacre de Aurora, enfatizando que violência por arma de fogo é um assunto crítico e que o estúdio tem uma longa história de doações a vítimas de violência, incluindo esta cidade do estado do Colorado. “Ao mesmo tempo, a Warner Bros acredita que uma das funções da arte de contar histórias é provocar diálogos difíceis sobre questões complexas. Não se engane: nem o personagem fictício Joker, nem o filme, é um endosso de qualquer tipo de violência no mundo real. Não é esta a intenção do filme, dos cineastas ou do estúdio manter esse personagem como um herói”, declarou a empresa.

Music

Jesus And Mary Chain – ao vivo

Retorno dos escoceses, agora tocando em um ambiente fechado, teve sabor especial para os fãs brasileiros

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Texto e foto por Fábio Soares

Meu par de experiências anteriores em apresentações do Jesus and Mary Chain não foi nada agradável. Em 2008, no extinto festival Planeta Terra, eu era uma ilha shoegazer cercada de fãs do Offspring por todos os lados – tendo em vista que a organização do evento escalou os Reid Brothers antes da trupe de Dexter Holland e seu insuportável (pseudo)punk rock. Já em 2014, no Festival Cultura Inglesa, problemas técnicos, chuva e falta de punch em cima do palco pôs aquela apresentação no halldas “esquecíveis” de meu currículo. Mas ainda bem que o tempo passou…

Quando uma nova apresentação de Jim e William foi anunciada em São Paulo, corri para garantir meu ingresso por um motivo muito simples: para mim, o JAMC (assim como o Interpol) não funciona a céu aberto. Sempre quis vê-los num minúsculo pub esfumaçado. Mas como quem não tem cão caça com gato, o Tropical Butantã abrigaria minha primeira vez com os ourives do shoegaze com um teto sobre minha cabeça. Na plateia do último 27 de junho, noite de Popload Gig, cabelos grisalhos davam o tom (eu, incluso). E tudo o que queríamos era, ao menos, um arremedo do que este gigante alternativo proporcionou a três décadas: um infinito universo de possibilidades sonoras, encharcadas de microfonias, sobreposição de efeitos fuzz e letras melancólicas. Expectativa grande, casa cheia e eis que, com pouco menos de quinze minutos de atraso, Will (guitarra) e Jim (voz) adentram o palco ladeados pelo baixista Mark Crozer, pelo baterista Brian Young e pelo outro guitarrista Scott Van Ryper.

“Amputation” abriu os trabalhos com um certo ar de nostalgia porque a bolacha que a abriga como faixa de abertura (Damage And Joy) é uma compilação de sobras de estúdio da banda durante um dos períodos em que William e Jim não se falaram. Aliás, chuto que das mais de cinquenta primaveras que a dupla tem de vida, em 70% delas um desejou ver o outro no fundo de um penhasco ou de uma piscina. Não se suportam. Se aturam. Mas ninguém quer saber disso.

“April Skies” mostrou à plateia como seria o tom da apresentação. A minimontanha de amplificadores montadas no palco foram ajustadas no volume cem para delírio dos presentes (eu incluso de novo). No palco, a fumaça artificial, iluminação etérea e a proposital contraluz entregavam que a música (pura e simples) seria a estrela da noite. Em “Head On”, emocionados semblantes cantavam o refrão em uníssono. Em “Blues From A Gun”, a potência dos equipamentos foi testada ao máximo. A impressão que se tinha é que ursos polares acordaram no Ártico com o volume das guitarras de William e Van Ryper. A performance do último, aliás, merece destaque: com trejeitos insanos e surrando o instrumento, o guitarrista lembra (e muito) Jonny Greenwood, a seminal guitarra do Radiohead. “Between Planets” pôs os esqueletos acima dos quarenta anos para chacoalhar, “The Living End” trouxe a divina sujeira de Psychocandy à tona e “All Things Pass” (a melhor faixa de Damage And Joy) teve efeito hipnótico ao recinto. O volume altíssimo dava às cartas à medida que apresentação se encaminhava para o fim da primeira parte magistralmente fechada com “Reverence”. Sujeira? Microfonia? Pra caralho! Graças a Jesus!

O bis se iniciou com um filme na cabeça de todos os presentes. Se tem algo que me deixa puto, é constatar que “Just Like Honey” jamais é citada em listas de “melhores canções de todos os tempos”. Dane-se! No top ten de meu coração, ela sempre figurará. A seguir, a execução de “Cracking Up” deve ter rendido uma multa ao Tropical Butantã por excessivo barulho após às 22h. Ainda atordoado e sem perceber a rapidez da apresentação que descia como água, o público viu o teto tremer, devido à exacerbada microfonia de “In a Hole” e celebrou “I Hate Rock ‘N’ Roll” como o fim do mundo que todos alí queriam ter.

Ao final, luzes acesas, amplificadores ligados e microfonia latente. Um público em êxtase por, finalmente, ver o gigante escocês do shoegaze numa sonora cápsula particular que fez nosso mundo girar ao contrário por noventa minutos. Zumbidos acompanharam o sistema auditivo de cada um no caminho de casa. Mas quer saber? Com certeza, ninguém reclamou. Afinal, a volta de Jesus entre os seus seguidores nunca foi tão saborosa.

Set list: “Amputation”, April Skies”, “Head On”, “Blues From a Gun”, “Mood Rider”, “Black And Blues”, “Far Gone And Out”, “Between Planets”, “Taste Of Cindy”, “The Living End”, “Never Understand”, “All Things Must Pass”, “Some Candy Talking”, “Halfway To Crazy” e “Reverence”. Bis: “Just Like Honey”, “Cracking Up”, “In a Hole”, “War On Peace” e “I Hate Rock’n’Roll”.