Music

Smiths

Andy Rourke, baixista da icônica banda que consolidou o termo indie rock em terras britânicas, morre aos 59 anos de idade

Da esq. à dir.: Morrissey, Johnny Marr, Mike Joyce e Andy Rourke

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação/Rough Trade

Na manhã desta sexta-feira 19 de maio foi anunciado o falecimento do músico e DJ inglês Andy Rourke, mais conhecido pelo trabalho como baixista do grupo Smiths nos anos 1980. Ele tinha 59 anos e enfrentou uma longa batalha contra um câncer no pâncreas.

Quem divulgou a notícia foi o ex-companheiro de banda, o guitarrista Johnny Marr. Ele o definiu como uma alma boa e gentil, além de instrumentista talentoso. Ao lado de Johnny, o vocalista Morrissey e o baterista Mike Joyce, Rouke integrou o quarteto que revolucionou o rock britânico entre 1982 e 1987. Em 1996, também já enfrentando o vício em heroína, Andy, em conjunto com Mike, processou a dupla de compositores Morrissey e Marr, em busca de ganhos a mais nos direitos autorais sobre a obra composta e gravada pela banda. Um acordo judicial foi feito para ação ser encerrada. A amizade com Marr foi refeita. Entretanto, o frontman nunca mais o desculpou pela atitude.

A obra-prima dos Smiths é o álbum The Queen Is Dead, de 1986. Entre os hits deixados pela banda estão as faixas “The Boy With The Thorn In His Side”, “Bigmouth Strikes Again”, “Ask”, “Panic”, “There Is a Light That Never Goes Out”, “Shoplifters Of The World Unite”, “Hand In Glove” e “How Soon Is Now”. A marca registrada impressa por Rourke nos arranjos da banda eram as linhas de baixo extremamente dançantes, que junto com as batidas de Joyce, formavam uma textura rítmica irresístivel para as combinações da literatura rebuscada em forma de versos dramáticos desenhada por Morrissey e os dedilhados com um pezinho no floreio psicodélico nas seis cordas de Marr.

Após o término da banda, Andy participou da gravação de algumas canções da carreira solo inicial de Morrissey. Também tocou com Pretenders, Badly Drawn Boy, Ian Brown e Moondog One (que incluía músicos que passaram por Smiths e Oasis). Em 2007 formou o supergrupo de baixistas Freebass, ao lado de Peter Hook (New Order) e Gary Mounfield (Stone Roses). Logo depois mudou-se para Nova York, onde passou a trabalhar como DJ de rádio e pistas de nightclubs. Foi, inclusive como DJ, que veio ao Brasil em novembro de 2008, que veio ao Brasil (mais especificamente a cidade de Curitiba), onde lançou a coletânea Hang The DJ (refrão da letra de “Panic” que batizou uma tradicional festa que era realizada no histórico e hoje extinto clube noturno Vox). Seis anos depois, retornou à capital paranaense para estrelar outra noite na pista de dança do Vox. E também foi em Nova York, ao lado de Ole Koretsky (com quem discotecava em dupla nas noites, sob a alcunha de Jetlag) e Dolores O´Riorden (vocalista dos Cranberries, também já falecida), que ele criou a banda D.A.R.K., que lançou um álbum chamado em 2016.

Movies, Music, Series, TV, Videos

Rainha Elizabeth II

Oito momentos em que a monarca britânica imprimiu a sua marca na cultura pop que ajudou a fomentar em 96 anos de vida

Textos por Marden Machado (Cinemarden) e Abonico Smith

Fotos: Reprodução e divulgação 

Os ponteiros do relógio já haviam ultrapassado a tradicional hora britânica do chá quando o anúncio oficial da morte da rainha Elizabeth II foi disparado pela área de comunicação do governo britânico. A monarca – que completava 70 anos de reinado em 2022, o mais longo de todos os tempos da História – faleceu neste dia 8 de setembro aos 96 anos de idade, no castelo real de Balmoral, na Escócia. Seu filho, Charles, hoje com 73 anos, será o sucessor no trono e se tornará o rei mais velho a ser coroado no Reino Unido.

Nascida Elizabeth Alexandra Mary Windsor, Lilbet – como era chamada pela família – transformou-se em um dos maiores ícones da cultura pop do século 20. Seu rosto, seu simbolismo, sua posição, tudo isso movimenta uma trilhardária indústria do turismo por Londres e outras cidades do Reino Unido (que comporta, além da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte). Quem vai a Londres deve pelo menos passar ali pela frente dos portões do Palácio de Buckingham – ou assistir ao espetáculo semanal da troca da guarda se for o dia certo para tal. Por isso, o Mondo Bacana comenta oito momentos em que a monarca marcou presença em música, filmes e séries, sendo uma ilustre presença pop dentro da própria cultura pop que sempre ajudou a fomentar durante seu reinado. (AS)

O Discurso do Rei (2010)

O cineasta londrino Tom Hooper começou sua carreira profissional na televisão em 1997, onde dirigiu episódios de seriados e alguns telefilmes e minisséries. Sua estreia no cinema veio em 2004, quando dirigiu Sombras do Passado. Isso não impediu que ele continuasse trabalhando na TV, onde dirigiu em 2008 para a HBO a premiada minissérie John Adams, estrelada pelo ator Paul Giamatti. O Discurso do Rei foi seu terceiro longa. A partir de um roteiro de David Seidler, o filme conta um período da vida do rei George VI, do Reino Unido, que era gago. Ele não esperava tornar-se rei. Isso aconteceu porque seu irmão mais velho abdicou do trono. Veio a Segunda Guerra Mundial e ele precisava falar e inspirar confiança em seu povo. Para tanto, George, vivido por Colin Firth, é levado por sua esposa, Elizabeth (Helena Bonham Carter), para ser tratado por um terapeuta, Lionel Logue (Geoffrey Rush), de métodos pouco ortodoxos. O Discurso do Rei se concentra nesse momento crucial da vida do monarca, pai de Elizabeth II (que também aparece como personagem na história, ainda como uma pequena princesa). Ou seja, todo o caminho que percorreu para superar a gagueira e vencer esse grande desafio. Tom Hooper não é um diretor, digamos assim, cinematográfico. Ele funciona melhor em trabalhos para televisão. De qualquer maneira, o filme recebeu 12 indicações ao Oscar e ganhou nas categorias de filme, diretor, roteiro original e ator. (MM)

A Rainha (2006)

É lugar-comum dizer que ninguém faz filmes sobre a realeza como os ingleses. E se o roteiro for escrito por Peter Morgan, então, é aposta certa. Este é o caso de A Rainha, dirigido por Stephen Frears. A monarca em questão é a rainha Elizabeth II, vivida aqui por Helen Mirren, que ganhou o Oscar de melhor atriz naquele ano pelo papel. A história se passa na primeira semana do mês de setembro de 1997, logo depois do acidente de carro que vitimou a princesa Diana, em Paris. A família real se isola no palácio de Balmoral e cabe a Tony Blair (Michael Sheen), que acabara de ser apontado como primeiro-ministro do Reino Unido, a missão de reconectar os governantes com a população em luto pela morte prematura de sua querida princesa. Para tanto, somente Elizabeth poderá ajudá-lo. Repare como Frears diferencia as cenas onde a realeza e os comuns aparecem. Ele usou duas câmeras: uma 35 mm para os nobres e uma 16 mm para os plebeus. Você pode até não perceber num primeiro momento, mas, com certeza vai sentir que há algo diferente nas mudanças de cenário. (MM)

Spencer (2021)

O cineasta chileno Pablo Larraín iniciou sua carreira em 2001. Desde então tem se revelado um sensível roteirista, diretor e produtor, bem como um adepto de trilogias. A primeira delas, a “Trilogia da Ditadura Chilena”, é composta por Tony Manero (2008), Post Mortem (2010) e No (2012). Em 2016 ele iniciou uma nova trilogia sobre a solidão de mulheres ligadas ao poder. Jackie, estrelado por Natalie Portman no papel da primeira-dama americana Jacqueline Kennedy, viúva do presidente Kennedy, nos dias seguintes a seu assassinato. Com Spencer, ele dá continuidade a essa nova trinca de filmes. Com roteiro de Steven Knight, temos aqui um preciso recorte de três dias na vida da princesa Diana, da família real inglesa, então casada com o príncipe Charles, durante as festividades de Natal junto à Família Real (Stella Gonet interpreta o papel de Elizabeth). No papel-título, a atriz Kristen Stewart interpreta uma jovem angustiada e extremamente solitária presa a uma rotina de obrigações tradicionais que remonta há séculos. O principal elo que Lady Di tem com o mundo real se concentra nas figuras de Maggie (Sally Hawkins), sua estilista; o mordomo Alistar (Timothy Spall); e o cozinheiro Darren (Sean Harris). Além disso, ela tem visões da Ana Bolena, segunda esposa do rei Henrique VIII. Não há registro algum que confirme a história que Spencer conta. Trata-se de uma especulação bastante crível. Principalmente, quando sabemos de inúmeros relatos da rotina da princesa. Larraín é meticuloso em sua narrativa e tem Kristen Stewart em interpretação inspirada, precisa no sotaque britânico e minuciosa nos gestos, olhares e jeito de andar. Como se isso não bastasse, há um cuidado extremado com o desenho de produção, o que resulta em cenários, figurinos e objetos de cena que trabalham a favor da história. Da mesma forma que a fotografia, a montagem e especialmente a bela trilha sonora composta por Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead. (MM)

Corra Que a Polícia Vem Aí (1988)

O trio ZAZ, formado pelos irmãos Jerry e David Zucker junto com Jim Abrahams, surgiu em 1980 com o sucesso Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu, comédia que abriu espaço para outras semelhantes com traziam muitas piadas acontecendo ao mesmo tempo em cena. Piadas tanto verbais quanto não verbais, em primeiro, em segundo e até em terceiro planos. Corra Que a Polícia Vem Aí!, de 1988, é, na verdade, uma versão para cinema da série Esquadrão de Polícia, criada pelo trio em 1982, que apresentou o atrapalhado detetive Frank Drebin (Leslie Nielsen). Ele agora está de volta e tem como missão impedir um atentado contra a Rainha Elizabeth II (interpretada por Jeannette Charles), que está nos Estados Unidos para uma visita oficial. O roteiro, escrito pelo ZAZ junto com Pat Proft, não nos poupa de rir, sem exagero, por um segundo sequer. A resposta nas bilheterias foi mais do que satisfatória e gerou duas continuações, além de transformar Nielsen em astro da comédia pastelão. (MM)

The Crown (2016–)

A série anglo-americana feita para a Netflix conta a trajetória de Elizabeth II do seu casamento em 1947 ao começo deste novo século, passando por várias pessoas e acontecimentos que fizeram parte de seu extenso reinado. Com quatro temporadas já disponíveis, já arrebatou várias indicações e premiações. Três atrizes já fizeram a monarca durante a cronologia: Claire Foy, Olivia Colman e Imelda Stauton. A última estreará como protagonista da produção em novembro deste ano, quando vier a quinta temporada. (AS)

Os Simpsons (1989-)

Todo mundo que significa algo a mais na cultura pop mundial com certeza já ganhou alguma participação especial na longeva série de animação criada por Matt Groening. Elizabeth II aparece em carne, osso e pele amarelada em seis episódios (e ainda é mencionada em outros dois!). No mais engraçado deles, que pertence à decima quinta temporada, Homer provoca uma grande balbúrdia ao invadir acidentalmente o Palácio de Buckingham, bater em uma carruagem e ser espancado pela Guarda Real. Depois começa a chamar a rainha de impostora e acaba sentenciado à prisão nas masmorras da Torre de Londres. O desenrolar de tudo isso, se contado, vira spoiler, mas só dá para dizer que até a cantora Madonna acaba tendo seu nome envolvido em todo este imbroglio.

“God Save The Queen” (1977)

Era final de maio de 1977 e o Reino Unido estava nas comemorações do jubileu da rainha, dos 25 anos de monarquia de Elizabeth II. Regidos pelo empresário picareta Malcolm McLaren, os Sex Pistols lançavam – tocando em um navio alugado por McLaren para ficar em movimento à frente do Parlamento, nas águas do Tâmisa – uma nova música com o mesmo nome do hino britânico de séculos e séculos. Só que a letra provoca uma cusparada verbal atrás da outra na história da realeza britânica. Na capa do single, uma foto da Elizabeth jovem cheia de referencia estética da arte punk.  Nos versos vociferados por Johnny Rotten, dizeres como “Deus salve a Rainha/ O regime fascista dela/ Eles fizeram você de idiota/ Uma bomba H em potencial/ Deus salve a Rainha/ Ela não é ser humano/ E não existe futuro/ No sonho da Inglaterra” transformaram a gravação em um clássico do punk rock.

“The Queen Is Dead” (1986)

Terceiro álbum de estúdio e considerado a grande obra-prima da banda inglesa que lançou as carreiras do Morrissey (vocais e letras) e Johnny Marr (guitarras e musicas). Com dez faixas e a capa ostentando uma foto monocromática em verde ao ator francês Alain Delon em um filme de 1964 que levou o nome de Terei o Direito de Matar? no Brasil, o disco tem dez faixas e traz clássicos como “There Is A Light That Never Goes Out”,  “Bigmouth Strikes Again” e “The Boy With The Thorn In His Side”. A abertura do lado A do vinil (e consequentemente a abertura do CD também) fica com a música-título, que traz versos costumeiramente interpretados como antimonarquistas, mas que fazem referência a passagens da vida de Morrissey, sobretudo as dificuldades de relacionamento com a mãe (no caso, a figura da Rainha Elizabeth seria apenas uma metáfora para a incitação a uma inevitável mudança de vida). “The Queen Is Dead”,  a música, não foi lançada como single. Entretanto, acabou ganhando videoclipe pelas mãos do cineasta Derek Jarman, que flagra, por meio de uma câmera frenética sempre em movimento, os momentos de rebeldia e insatisfação da  juventude e a sobreposição de imagens de ruas, edificações, pessoas, árvores, flores e o fogo, que culmina com a simbologia da destruição de tudo que havia até então. Jarman também produziu – com estética semelhante – videoclipes para outros dois singles da banda nesta época (“There Is A Light…” e “Ask”) e lançou tudo sequenciado como um curta-metragem e também sob o nome de The Queen Is Dead.

Music

História do Rock: T.Rex

Há meio século, Marc Bolan atiçava a libido das adolescentes britânicas com o glam rock e via seu grupo ser considerado o “sucessor” dos Beatles

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução

Sábado, 18 de março de 1972. Arena Wembley, Londres. Sessão dupla de concertos (um à tarde e outro à noite) para um total de público de 16 mil pessoas. Quase todas elas adolescentes, a maioria feminina. Da plateia vem um frenesi descontrolado, com muitos gritos histéricos e devoção extrema ao frontman da banda, um jovem de roupas supercoloridas e brilhantes, longos cabelos encaracolados e aquela androginia no visual. Muitas das garotas, inclusive, repetem o visual purpurinado espalhado pelo ídolo através de fotografias em jornais e revistas mais as costumeiras aparições em programas musicais na televisão. Marc Bolan é o novo Deus da música pop jovem e sua banda, T. Rex, coleciona, consecutivamente, desde o ano anterior, três números um e mais um número dois na parada britânica de singles. A imprensa nacional, como sempre ávida por incensar boas novidades da ilha e cunhar novos termos já arrumou uma nova expressão para suceder a beatlemania de outrora. A onda de êxtase coletivo agora chama-se T.Rextasy.

O ano de 1971 fora bastante produtivo para Bolan e seu reformulado grupo, agora na formação de quarteto e carregando um novo batismo. Apesar da ainda pouca idade, o guitarrista e vocalista não era necessariamente um novato no circuito musical londrino. Nascido em 30 de setembro de 1947, ele assinou seu primeiro contrato fonográfico aos 18 anos. Lançou dois compactos sem qualquer repercussão até juntar-se ao grupo mod John’s Children em 1967, com o qual ficou apenas quatro meses, até a sua dissolução.  Na sequência, formou um novo projeto chamado Tyrannosaurus Rex. Acompanhado apenas pelo percussionista Steve Pelegrin Took, ele tocava violão sentado no chão, andava sempre com uma capa preta tal qual um antigo mago e cantava letras formadas com temas como bruxaria e outros temas místicos. Pudera: Bolan, entrando nos seus vinte anos de idade, estava imerso até a medula na contracultura hippie que dominava as artes da então chamada Swinging London. Com um certo burburinho no circuito musical e o grande incentivo do então iniciante DJ John Peel, desde sempre ávido por descobrir e impulsionar no rádio nomes desconhecidos do underground, a dupla lançou quatro álbuns e algunssingles até 1970, quando Peregrin deixou a formação por conta de seguidos problemas de bastidores provocados pelo consumo excessivo de álcool e drogas. Paralelamente, ele chegou a lançar um livro de poesia que alcançou a marca de 40 mil exemplares vendidos, marca considerada expressiva para o gênero.

Com a saída de Peregrin, Bolan aproveitou para reformular por completo o direcionamento conceitual do projeto. Encurtou o nome para T.Rex, comprou uma guitarra Gibson Les Paul e uma outra Fender Stratocaster e comandou a eletrificação da sonoridade e a formação de um quarteto (com a entrada em definitivo de um baixista e baterista, ao lado de um novo percussionista), jogando-se, assim, ao encontro de seus sonhos de adolescência. É que ele nunca escondera seu fascínio pelos pioneiros do rock’n’roll desde a entrada na puberdade. Amava Elvis Presley Chuck Berry, Little Richard, Gene Vincent e, em especial, Eddie Cochran. Largou o colégio aos 14 anos e desde então dedilhava seu primeiro violão com esmero, perseguindo o sonho juvenil de ser tão famoso quanto eles na área musical. Como a mãe trabalhava de feirante no East End londrino, em alguns dias da semana ia junto com ela para visitar lojas de alfaiataria da região. Seu interesse, mesmo moleque, era vestir-se com ternos tão impecáveis quanto de cortes diferenciados. Um gosto relativamente esquisito e incomum para um moleque daquela idade, convenhamos.

Ao lado do produtor musical Tony Visconti (e do recém-chegado Mickey Finn, que veio para comandar um alucinado conjunto de congas, bongôs, apitos, maracas e pandeirosmais os backing vocals afinadíssimos dos músicos/comediantes Flo & Eddie, ex-integrantes dos grupos Turtles e do Mothers Of Invention de Frank Zappa, sempre presentes nas gravações de estúdio), Bolan começou a reformulação sonora ainda em 1970, com o single “Ride a White Swan”. Mesmo ainda insistindo em temáticas do paganismo comuns ao Tyrannosaurus Rex (neste letra há palavras como “druida”, “feitiços” e Beltane – nome de uma tradicional festa de regiões da Irlanda, Escócia e também Ilha de Man, geralmente celebrada na entrada do mês de maio), saíam de cena as lisérgicas e longas viagens sonoras para mísseis certeiros de três minutos de duração, com direito a letras curtas, repetindo versos ou algumas palavras e frases. A estrutura das novas composições também tornou-se algo bastante rudimentar: eram estrofes e refrões intercalados. Nada de pontes ou terceira parte – no máximo, ao vivo, havia um pequeno espaço para solos de guitarra ou percussões, mas sempre repetindo uma mesma sequência anterior de acordes. Quanto aos vocais, um pequeno truque de Visconti: Marc gravava-os sempre em dobro, com o produtor se esmerando para deixá-los distanciados por um pequeno delay de um milissegundo. Adicionados à instrumentação rock’n’roll, as vozes de Bolan traziam um eco de extrema força magnética, algo quase imperceptível.

Entretanto, foi só em 1971 que o T.Rex decolou rumo ao sucesso e à fama. Steve Currie e Bill Legend (respectivamente baixo e bateria) foram adicionados à formação. A estilista Chelita Secunda, esposa de Tony Secunda, manager do Bolan na época, foi peça primordial na transformação do vocalista em sex symbol. Veio dela a ideia de que Marc adotasse a androginia em seu visual, com o uso de cores fortes e muito brilho nas roupas, acessórios femininos como espalhafatosos boás e discretos slingbacks mais uma forte maquiagem com direito a lápis preto, blush, batom mais estrelas e lágrimas feitas com muita purpurina colada logo abaixo dos olhos. Foi com a banda cheia, o novo visual e a nova receita sonora que a banda emplacou naquele ano. A aparição desta maneira no popular programa Top Of The Pops, da BBC, logo no início do ano, cantando o novo single “Hot Love” transformou a banda em nova febre da garotada. As meninas, especialmente, formaram a maioria do fã clube. Pudera, também. A nova fórmula de Bolan incluía versos para lá de libidinosos, tal qual seus heróis pioneiros do rock, com versos de alto teor sexual, chegando a usar gírias corriqueiras dos jovens, Como no single seguinte, que seria o responsável por detonar o tal T.Rextasy.

Na verdade, a trajetória do T.Rex coincide com um período muito especial para o cotidiano da sexualidade na Grã-Bretanha. Para se ter uma ideia, somente em 1968 a homossexualidade foi descriminalizada por lá. Então, o período da contracultura foi uma movimentação primordial para a sociedade andar por novos caminhos e maneiras para viver e sobretudo se adaptar a isso. Sobretudo os adolescentes, que estão na fase dos hormônios todos em ebulição e um mundo inteiro de descobertas pela frente. O que leva ao principal caso midiático da cobertura da imprensa britânica em 1971: o julgamento dos editores da revista Oz, febre entre os teenagers, considerada extremamente obscena pelos setores mais conservadores por causa de alguns desenhos e fotografias utilizadas em colagens. O tribunal – o mais longo de toda a história da justiça de lá – levou cinco longas semanas até decidir pela condenação de seus editores, levados à prisão sob a alegação de “fornecer conteúdo sexual a menores de idade e perverter a moral pública”. Os cabeças da publicação cumpriram um tempo de pena na cadeia e o golpe foi duro, a ponto da revista ver sua popularidade cair até deixar de circular em 1973.

Ao lado da Oz, o T.Rex foi o grande responsável pela liberação do tesão adolescente no biênio 1971/1972. Os shows da banda eram um festival de hormônios à flor de pele. Meninas gritando histericamente como não se via desde os primeiros anos dos Beatles. No palco, um frontman que não apenas sensualizava com a guitarra como fizera Jimi Hendrix (inclusive chegando a tocá-la com um pandeiro), o que somava ruídos e microfonias à costumeira distorção do pedal. Marc Bolan incorporava um dândi afetadíssimo, era um puro teatro de Pantomima, rebolava sem parar na hora do acentuado batuque de tambores promovido por Finn, Currie e Legend e dava sem parar gritos estridentes e selvagens. Sabia, como ninguém, levar a plateia adolescente em sua mão do início ao fim dos shows – como se pode ver na íntegra dos dois concertos promovidos pelo quarteto naquele fatídico sábado 18 de março de 1972, devidamente documentados em filmes dirigidos por Ringo Starr.

“Get It On (Bang a Gong)” foi a canção responsável pelo estouro sem volta do T.Rextasy. Com versos que comparavam a libido de uma garota a uma possante máquina automotiva, o single era um boogie dançante que “pegava emprestado” um riff de Chuck Berry (do hit “Little Queenie”, porém com a devida desaceleração) e trazia um refrão acachapante, daquele de demolir qualquer paredão à frente com a força de um coro em uníssono cantando junto como é chegar a um orgasmo. Novo número um das paradas britânicas em julho de 1971, o compacto foi incluído no vindouro álbum Electric Warrior, lançado em setembro e logo içado ao mais alto posto das paradas de sua categoria. O long-play incluía ainda dois clássicos. “Jeepster” – que também trazia versos de teor altamente sexual e já fazia referência automobilística já em seu título –saiu em compacto em novembro, chegando ao número dois dos charts. “Cosmic Dancer”, por sua vez, era uma balada que falava sobre a obsessão que Marc tinha por dançar rock desde os mais tenros anos da infância. Não ganhou edição separada em sete polegadas mas nunca faltava no repertório dos shows – era sempre um dos dois ou três elementos reservados para o interlúdio de calmaria estrategicamente promovido no meio do set, quando os acompanhantes saíam do palco e Marc voltava a sentar-se ao chão para dedilhar um violão.

Sem tempo para deixar a poeira assentar, Bolan, Visconti e banda entravam em estúdio para gravar as faixas de um novo álbum do T.Rex. “Telegram Sam” e “Metal Guru” anteciparam o disco The Slider no formato de compactos. A primeira canção transformou-se em mais um hino glam cantado de cabo a rabo pela molecada. A segunda, uma balada com apurado arranjo de cordas escrito por Visconti, questionava a cegueira da religiosidade com citações discretas sobre rock’n’roll, drogas, mais automóveis (neste caso, a poluição) e o boom da industrialização exercido no período pós-guerra. Ambos deram à carreira meteórica do grupo outros números um.

The Slider chegou às lojas em julho de 1972 mas o furacão T.Rex continuava sem controle. Ringo, voltou a se aproveitar de sua carreira paralela como produtor e diretor de cinema e lançou um filme centrado em Marc Bolan e suas composições. Lançado nos cinemas em dezembro, Born To Boogie intercalava esquetes nonsense com números musicais (em alguns deles, o quarteto tocava no famoso estúdio dos Beatles junto com o baterista dos Fab Four e Elton John ao piano). Mais singles com músicas não lançadas em álbum vinham para saciar a sede do extenso fã-clube juvenil. Em setembro, foi a vez de outra balada, “Children Of The Revolution”, composta para entrar em Born To Boogie e que também fazia referência às quatro rodas na letra, ganhar versão definitiva em estúdio – em compacto que alcançou a segunda posição nos mais vendidos da ilha. “Solid Gold Easy Action” foi lançada em dezembro e repetiu a performance de vendagem do disquinho anterior. Para o primeiro semestre de 1973, foram guardadas “20th Century Boy” e “The Groover”, mais dois hits certeiros (números três e quatro da parada, respectivamente).

Entretanto, tudo o que é intenso e meteórico também acaba sendo fugaz. A fórmula bem-sucedida do grupo fez com que outros músicos passassem a adotar o visual cheio de glitter e glamour iniciado por Marc Bolan, mas em contrapartida propusessem outras sonoridades. Algo diferente, por isso mesmo, mais atrativo tanto para crítica quanto para o público. Nomes como Slade, Roxy Music, Sweet, Gary Glitter vieram para explorar o filão junto ao público mais jovem e dividir o espaço com o T.Rex. A principal “ameaça” ao império de Bolan partiu justamente de um “fogo amigo”. Foi justamente um colega próximo, a quem inclusive Marc apresentou o produtor Tony Visconti, quem veio para destroná-lo. Em processo de reinvenção musical e conceitual desde 1971, David Bowie mergulhou na persona do alienígena Ziggy Stardust para chacoalhar de vez as estruturas do showbiz britânico – e logo em seguida mundial – e também se firmar como popstar camaleônico, incensado pela mídia e carregador de um séquito sem fim de fãs.

Só que não foram apenas a forte concorrência e o tiro certeiro de Bowie como Ziggy Stardust que foram determinantes para a queda do T.Rex. A exploração foi tanta e tão rápida que a fonte secou. Depois de meados de 1973, Bolan nunca mais conseguiu emplacar um compacto sequer entre os dez mais vendidos, quanto mais voltar a fazer álbuns tão poderosos como Electric Warrior e The Slider. Contribuiu também para isso uma boa dose de autoindulgência do músico, que, isolado dentro de seu próprio castelo de excessos etílicos e químicos, tornou inviável não só a química com os demais integrantes (com exceção da esposa, a cantora Gloria Jones, incorporada aos teclados a partir daquele ano e que já havia feito relativo sucesso solo com a canção “Tainted Love’, posteriormente regravada e tornada hit por Marc Almond e seu Soft Cell) como também a comunicação direta com executivos de gravadora e promotores de concertos e turnês nos Estados Unidos, fato que impediu o desenvolvimento da carreira internacional da banda. Pouco a pouco, nesta ordem, Legend, Finn e Currie não tardariam a abandonar o barco, sendo imediatamente substituídos por outros músicos.

O ocaso do T.Rex, contudo, parecia que não iria durar muito. Em 1976, Marc Bolan – que nunca escondeu ser apaixonado por programas musicais na TV – foi convidado a estrelar um deles, chamado Supersonic, dando novas interpretações para algumas de suas músicas mais conhecidas. Logo depois ganhou o seu próprio show, produzido em Manchester para a ITV pela mesma Granada Television que anos depois iria popularizar o nome de Tony Wilson) no qual poderia ser o apresentador e escalar qualquer convidado para tocar ao vivo por lá. Entre os convocados dos seis programas estavam bandas iniciantes como Generation X e Jam – o que mostra uma sintonia fina de Bolan com o underground e o irromper do movimento punk. Outra banda do gênero, o Damned, inclusive, fora convidada pelo guitarrista para ser a atração de abertura de parte de sua nova turnê britânica. Quem também participou do programa derradeiro foi o amigo David Bowie. O sucesso foi tanto que uma segunda temporada já estava nos planos para o ano seguinte.

Contudo, quando as portas pareciam propensas a se abrirem de novo graças à forte conexão com eis que veio o golpe final do destino e sem direito a final feliz. Depois de voltarem de uma noitada etílica em Mayfair, em Londres, Bolan e Jones sofreram um grave acidente de carro na madrugada de 16 de setembro de 1977, exatas duas semanas antes do trigésimo aniversário dele. Ela perdeu o controle da direção e o carro onde estavam chocou-se violentamente contra uma árvore. Gloria ficou bastante machucada e Marc bateu a cabeça contra o painel frontal, morrendo instantaneamente. Ele estava no banco do passageiro porque sempre se negou a aprender a dirigir pelo fato de não querer morrer jovem e da mesma maneira que alguns dos seus grandes ídolos. Justo ele, que fizera muito sucesso com letras sobre diversão, sexo e carros (tal qual seus heróis lá do início do rock’n’roll), perdia a vida em um acidente automobilístico. Como James Dean e Eddie Cochran.

Movies, Music

Trilha sonora: Last Night In Soho

Oito motivos para se deliciar com o fantástico mergulho na Swinging London feito pelo diretor e roteirista Edgar Wright em seu novo filme

Texto por Abonico Smith

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Para saber que o diretor e roteirista Edgar Wright é um fã assumido de cultura pop basta ver todos os easter eggs espalhados pelos filmes. Contudo, sua predileção pela (boa) música jovem das últimas décadas vem ganhando cada vez mais destaque em seus títulos mais recentes.

Em 2010, para contar a história de um jovem baixista de uma banda underground apaixonado por uma misteriosa garota de cabelos coloridos, ele contou com a ajuda de Beck para construir boa parte da trilha rock’n’roll original de Scott Pilgrim Contra o Mundo (no original, Scott Pilgrim vs The World), além de incluir obras de Rolling Stones, Metric, Black Lips, T-Rex, Plumtree, Beachwood Sparks e Frank Black.

Sete anos depois, em Baby Driver – Em Ritmo de Fuga, o intrépido teenager com habilidade especial no volante ouve tão paciente quanto hiperativamente Jon Spencer Blues Xplosion no heaphone enquanto espera o resto da gangue criminosa que integra terminar o assalto a um banco para pisar no acelerador e escapar de modo espetacular da perseguição de vários carros da polícia. Depois, por meio de nomes como Blur, Queen, Martha and The Vandellas, Damned, Alexis Korner, Incredible Bongo Band, Sam & Dave, Beach Boys e Jonathan Richman & The Modern Lovers, o espectador percebe que personagem, que ganhou um problema de tinnitus ao escapar com vida de um acidente automobilístico que matou seus pais, encontra catarse na música conectada diretamente aos ouvidos. Para o mesmo filme, os DJs e produtores de música eletrônica Kid Koala e Danger Mouse fizeram faixas inéditas.

Agora Wright mergulha na Swinging London em Noite Passada em Soho (Last Night In Soho, 2021) para traçar a história de sonho, ambição, fantasia e alucinações de uma jovem interiorana apaixonada pelo estilo e pelas canções pop da Inglaterra dos anos 1960 que acaba de chegar a Londres para fazer a tão sonhada universidade de moda. Há um foco bem maior nas cantoras pop que fizeram história com graciosidade e hits singelos, bem verdade. Mas ele também abre espaço para bandas – umas muito conhecidas até hoje, outras com fama não tão duradoura e reduzida geograficamente à ilha da Rainha Elizabeth – e representantes masculinos em vozes e talento instrumental. Em comum a todas as inclusões, o fato de serem pérolas musicais que, de uma forma ou de outra, acabam por se encaixar na narrativa das trajetórias das duas personagens principais da trama – a adolescente Ellie e a não menos sonhadora – e um pouco mais velha – Sandie, interpretadas respectivamente pelas atrizes Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy.

Mondo Bacana dá oito motivos para você não deixar de se encantar pela trilha sonora de Last Night In Soho e, mais, procurar ouvi-la além do filme e conhecer um pouco mais de detalhes que acabaram contando um pouquinho da história da música pop sixtie britânica – uma época em que viabilidade comercial combinava perfeitamente com refinamento harmônico, sofisticação instrumental e, claro, muito, muito glamour. Na lista abaixo cabem só oito citações, mas aqui também ficam menções honrosas para outros artistas que também fazem parte do filme e do disco. São eles Searchers, Walker Brothers, Graham Bond Organisation, R. Dean Taylor, James Ray (com a gravação original de “Got My Mind Set On You”, petardo que 25 anos depois estouraria nas paradas na carreira solo de George Harrison) mais os megarreverenciados Dusty Springfield, Who e Siouxsie & The Banshees (“Happy House”, de 1981, é a única peça temporalmente deslocada aqui, mas que mesmo assim não deixar de ser empolgante).

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“A World Without Love” (Peter and Gordon)

Os Beatles dominaram o mundo com vários hits número um, mas só uma canção com a assinatura Lennon-McCartney chegou ao topo sem ter sido gravada pelo quarteto de Liverpool. Paul, o verdadeiro autor da composição, não a considerava “a altura do repertório do grupo” e, então, entregou-a de bandeja para Peter Asher gravá-la no primeiro single da dupla formada com o amigo escocês Gordon Waller. O baixista começou a namorar a atriz adolescente Jane Asher em 1963 e, quando os Fab Four mudaram-se para Londres, lá foi ele morar na casa dela, dividindo o quarto com o cunhado de cara de nerd e vasta franja ruiva. Os versos de, tão românticos quanto ingênuos, nem chamam muito atenção se comparados ao feliz casamento entre melodia açucarada, refinada harmonia pop e, sobretudo, ao agradável jogo entre primeira e segunda voz de Peter and Gordon. Em Last Night In Soho, Wright usa o hit para dar sequência à sua marca autoral de cenas memoráveis de aberturas de filmes. Aqui o público é imediatamente apresentado ao mundo de amores e sonhos adolescentes de Ellie Turner. Enquanto a música toca e o espectador enxerga objetos de seu mundinho particular (vitrola vintage, compactos em vinil dos anos 1960, pôster do filme Bonequinha de Luxo, moda retrô), ela flutua em uma coreografia até arranhar acidentalmente a agulha no disco ao se deparar com a visão da falecida mãe no espelho.

“Beat Girl” (John Barry Orchestra)

Houve um tempo, antes de o mundo conhecer o rock’n’roll tal qual uma evolução do rhythm’n’blues combinada com pitadas de country’n’western, que quem incendiava os salões de dança eram grandes orquestras com um pé e meio no jazz e melodias lideradas por um naipe de sopros. Já com a febre adolescente em curso a partir de meados dos anos 1950, o trumpetista britânico John Barry deu um passo além. Montou seu septeto, colocou uma virtuosa guitarra twangy executada por Vic Flick à frente dos arranjos, e passou a fazer fama com sua pequena “orquestra”. Em 1959, em menos de dois minutos e logo em sua primeira empreitada casada à sétima arte, gravou “Beat Girl” para a festiva cena de abertura do filme inglês de mesmo nome, feito com orçamento barato para ir na cola da exploração do sucesso alcançado por Hollywood com seus filmes sobre jovens, diversão e muito rock. O sucesso foi tanto que esta foi a primeira trilha sonora britânica a ser lançada em disco e ainda garantiu uma convocação feita pelo produtor Alberto Broccoli para registrar com seu grupo o tema principal de um filme que trazia um misto de galã e espião em missões secretas cheias de aventura pelo mundo e sedução de mulheres. Com o mesmo Flick à frente, Barry eternizou o tema principal de James Bond, que, curiosamente, não fora composto por ele, mas sim por um ex-crooner de big bands chamado Monty Norman. Depois de assinar a trilha dos longas de 007 até 1967, Barry lançou-se em uma bem-sucedida carreira musical nas grandes telas, chegando a receber vários prêmios como Oscar, Grammy e Globo de Ouro por soundtracks de filmes como Entre Dois Amores (1985) e Dança com Lobos (1990). Em Last Night in Soho, enquanto Ellie passeia pelas ruas com seus novos amigos de república estudantil fica impossível não reconhecer o poderoso riff da guitarra de Flick, resgatado de volta ao sucesso graças ao sample feito pelo DJ Fatboy Slim em seu principal hit do fim dos anos 1990, o big beat “The Rockafeller Skank”.

“Starstruck” (Kinks)

Se lá pelos nineties um levante de bandas inglesas solidificou a bandeira do britpop cantando sobre a vida e os hábitos comuns dos habitantes da ilha governada pela Rainha Elizabeth, isso se deveu à existência do Kinks e o direcionamento conceitual de seus álbuns na segunda metade dos anos 1960. Através das canções cantadas e compostas por Ray Davies, sempre na companhia de seu irmão Dave. À frente do grupo, Ray rabiscou uma série de crônicas musicais que podem não ter acompanhado as altíssimas vendagens de seus conterrâneos daquele momento mas, ao menos, garantiram uma sólida reputação através de gerações de futuros seguidores. Edgar Wright sempre foi fã declarado dos Kinks. Em Last Night In Soho, ele ilustra todo o fascínio da jovem interiorana Ellie logo após a sua chegada a Londres para cursar a tão sonhada faculdade de moda na capital. Esta não é a primeira vez que o diretor e roteirista recorre ao som dos irmãos Davies – em 2007, ele já havia pegado outras duas faixas do mesmo álbum na trilha sonora de Chumbo Grosso. O disco em questão é o aclamado The Kinks Are The Village Green Conservation Society, de 1968, composto por pequenas operetas pop transbordando de sátira e fina ironia em suas letras. O sentido dado por Ray nesta música cabe como uma luva para contar a história da fascinada Eloise no momento em que ela se afasta das raízes familiares na Cornuália para ser absorvida de corpo, alma, sonhos e inspiração pela cultura sempre viva e pulsante da Swinging London.

“Puppet On A String” (Sandie Shaw)

Obra escolhida pelo Reino Unido para representa-lo no festival Eurovision de 1967, foi a responsável pela coroação da carreira ascendente de uma mais populares cantoras do pop britânico dos anos 1960. Sandie Shaw, contudo, sempre odiou a canção que teve de defender por questões contratuais – e nunca foi pelo cafonice extrema do arranjo de bandinha germânica das oktoberfests da vida. Os versos machistas – que acabariam por vencer aquela edição – são uma explícita glorificação da submissão aceita de forma pacata e até alegre pela mulher em um relacionamento abusivo com um cara que insiste em manipulá-la feito uma marionete, sem qualquer pudor. Não por acaso Wright encaixou a música com perfeição na narrativa de Last Night In Soho. Na voz da própria Anya Taylor-Joy, sua personagem (batizada com o mesmo apelido da cantora, por sinal) utiliza a música para tentar alavancar a carreira no meio musical sob a tutela implacável de seu amante/empresário/cafetão Jack – inclusive fazendo a performance de uma boneca-gigante movida por cordas. Sandie ainda tem uma segunda canção, “(There’s) Always Something There To Remind Me”, incluída nessa trilha do filme.

“Eloise” (Barry Ryan)

Depois que Brian Wilson abriu a porteira da barroquice instrumental em Pet Sounds, ficou bem fácil explorar todos os limites nos arranjos de música pop. Dois anos depois, em 1968, Barry Ryan emplacou este épico de cinco minutos e meio com direito a versos melodramáticos, fortes pontuações a cargo de um naipe de metais, arranjo para cordas, modulação de uma estrofe para a seguinte, interlúdio com diminuição da intensidade para depois levar ao clímax com nova explosão, uso de treze acordes na harmonia inteira e uma performance vocal com direito a agudos e melismas dignos de levar multidões à loucura em arenas. A composição operística, assinada pelo seu irmão gêmeo Paul, é considerada uma das principais influências de um pré-adolescente Freddie Mercury para tentar a sorte na carreira musical. Em Last Night In Soho, ela aparece já no final, tocada pela jukebox quando a protagonista desce as escadas para adentrar em um pub subterrâneo e se encontrar com o misterioso homem que parece persegui-la pelas ruas (e que interage com a letra e a gravação original de Ryan). É o momento da deixa para Wright fazer a conexão com o batismo da personagem e explicar um pouco de sua conturbada história vivida ao chegar na grande cidade. Ah, o clipe feito para o lançamento da faixa naquela época, é digno de nota, com direito ao cantor contracenando com sua musa tanto sob as luzes da vida noturna londrina quanto em uma praia deserta, com direito a coadjuvância de um par de cavalos e outro de cavalos, ambos brancos. Mais grandioso e exagerado (e kitsch) impossível.

“You’re My World” (Cilla Black)

Queridinha dos mods e de Morrissey, Cilla tem seus dois grandes hits de 1964  incluídos na trilha sonora de Last In Night In Soho. “Anyone Who Had A Heart”, clássico da dupla de compositores Hal David e Burt Bacharach, está como fundo de uma conversa elucidativa entre Ellie e a senhora que aluga a ela um quarto em Londres. Já “You’re My World” (versão em inglês de um sucesso composto originalmente na língua italiana) aparece duas vezes no filme. Uma logo no início, na voz estilosa de Cilla e com poderoso arranjo orquestral, quando a jovem estudante aparece pela primeira vez imersa nos anos 1960 que ela tanto idolatra. Mais para o final, já na voz de Taylor-Joy, a letra se encaixa na ilustração sonora da trama de uma outra maneira: por meio da assustadora relação entre os versos que fazem a paixão se confundir com obsessão (e que, não por acaso, guardam semelhança em demasia com o que Sting escreveu em “Every Breath I Take”).

“Downtown” (Petula Clark)

Pérola indiscutível do pop orquestral britânico dos anos 1960, “Downtown” é uma grande celebração de uma intensa vida jovem, que pulsa em lugares badalados e que nunca fecham, sempre cheios de gente, com muita música ao vivo, filmes exibidos nos cinemas, o colorido do neon nos letreiros comerciais e o som que vem dos carros no congestionamento. Gravada em 1964 por Petula Clark, a faixa rapidamente chegou ao primeiro lugar das paradas dos Estados Unidos e até hoje volta e meia aparece em trilhas sonoras de filmes e seriados. Depois de incluída em SeinfeldGarota, Interrompida e Lost, é a vez de ser citada em Last Night In Soho. São duas as ocasiões e ambas na voz de Taylor-Joy: primeiro, a capella, quando Sandie aparece em uma audição para uma vaga de cantora. Depois, bem perto do encerramento, num remix com base mais eletrônica.

“Last Night In Soho” (Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich)

Não, não é a escalação de cinco jogadores da defesa retranqueira de um time que joga feito ferrolho para evitar tomar um gol sequer do Flamengo hoje em dia. Por incrível que pareça, Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich este é o nome de uma banda britânica ativa entre 1966 e 1970, quando lançou cinco álbuns. Esta faixa de sucesso gravada durante o auge, em 1968, celebra sem meias palavras a vida noturna e a badalação jovem que sempre estiveram presente nos dias e noites do Soho londrino. Os versos pegam direto na veia beat do quinteto, que não faria feio se incluída na trilha de clássicos do cinema psicodélico americano como Easy Rider e The Trip. Falam de um outsider que cai na tentação de trocar momentos quentes ao lado da namorada pela companhia de amigos em uma noitada. Escalada estrategicamente para a hora dos créditos do filme que lhe empresta o título.

Music

Charme Chulo

Quarteto encerra hiato de sete anos sem lançar disco e propõe uma guinada sonora rumo ao pop com as dez faixas de O Negócio é o Seguinte

Texto escrito e organizado por Antonio Carlos Florenzano

Foto: Isabella Mariana/Divulgação

O negócio é o seguinte: acabou hoje a longa espera de sete anos por um novo disco do Charme Chulo. Nesta terça-feira, dia 14 de setembro (na verdade, o dia habitual de lançamentos fonográficos é sempre uma sexta-feira, mas reza a lenda que a banda não quis ficar vinculada ao 17 e à sua maldição recente na História do Brasil!) chegam às plataformas as dez faixas que compõem o quarto álbum da banda curitibana curiosamente batizado… O Negócio é o Seguinte. O novo trabalho indica uma grande guinada rumo ao pop, ao contrário do anterior, o duplo Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014), no qual o apontamento para uma sonoridade bem difusa e multifacetada como uma espécie de grito primal para exorcizar todos os perrengues e dificuldades que quase puseram um ponto final na trajetória do quarteto nos anos anteriores.

Em O Negócio é o Seguinte (independente), a linha condutora suaviza tudo – sem descaracterizar, porém, a precisa fusão entre o pós-punk e o rock caipira que norteia a banda desde a sua fundação, em 2003 – e injeta um esmero maior na hora de burilar os arranjos vocais, as bases instrumentais e as linhas melódicas. Também pode ser vista como um resultado da maior maturidade autoral da dupla de compositores – os fundadores, primos e vocalistas Igor Filus e Leandro Delmonico (também responsável pelas guitarras, violões e violas) – durante todo este hiato. Neste longo período, vale ressaltar, Igor, Leandro, o baixista Hudson Antunes e o baterista Douglas Vicente passaram a se dedicar também a outras atividades extramusicais (mesmo porque sobreviver apenas de rock no mercado musical brasileiro é uma tarefa hercúlea e quase impossível), viu os filhos nascerem e crescerem, aproveitaram o tempo para restartar a banda.

Afinal, em quase vinte anos de trajetória muita coisa mudou. Não apenas os integrantes, as suas vidas, mas também o mercado musical. Daqueles garotos que, como muitos outros, amavam o Morrissey e o Trio Parada Dura (mas não necessariamente ao mesmo tempo) e no fim da adolescência resolveram montar uma banda, muita coisa se transformou e hoje, na casa dos quarenta anos (ou próximo dela), eles fazem uma revisão do passado sem deixar de continuar olhando e seguindo em frente. Os mesmos, porém diferentes. E a principal diferença é que desta vez quem assumiu a frente nas composições assinadas pela dupla foi Delmonico, que compôs a maior parte das letras, melodias e bases harmônicas. Igor, agora, ficou mais restrito à condição de “intérprete”, embora todas as decisões sobre a finalização de versos, tons e arranjos sejam tomadas em dupla. Leandro, mais próximo do pop e estudioso autodidata da estrutura de canções populares, é o comandante desta transição e chega, pela primeira vez, a assumir os vocais principais em uma faixa.

É exatamente destas mudanças que trata O Negócio é o Seguinte. Dez músicas novas que mantém o pezinho ali no pós-punk e a alma encharcada na caipirice mas arem o leque da diversidade sonora apontando para novos caminhos que, ao contrário da louca e desvairada profusão do disco anterior, aqui há uma espinha dorsal mais pop, formada por uma abençoada conjunção de melodias grudentas e maior aproximação com a música popular brasileira, indo do tecnobrega paraense à carioquíssima bossa nova. Já nas letras, a ironia rock’n’roll permanece bastante equilibrada naquele blend bem charme chulo com a veia sacana a la Dalton Trevisan. Os alvos da vez agora são a alta sociedade curitibana, o gabinete bolsominion do ódio, a depressão espalhada pelo mundo, a vaidade das redes sociais, o começo da banda que nunca mais voltará.

A pedido do Mondo Bacana, Leandro e Igor dissecam todas as novas músicas abaixo e ainda comentam detalhes e curiosidades sobre as gravações e os conceitos por trás do título e da capa do novo álbum, que pode ser escutado logo abaixo.

FAIXA A FAIXA

NOME DO DISCO

Leandro: “O batismo segue algo muito recorrente na banda: criamos os títulos antes das músicas e dos álbuns. Foi assim com Nova Onda Caipira (2009) e Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014). “O negócio é o seguinte” era uma expressão muito utilizada pelo meu pai. Eu a achava engraçada e pretensiosa. Como o disco é bem pop, fizemos um trocadilho com a coisa do business, o negócio. Algo do tipo “está aí o disco pra você ouvir”. Mas pode ser também uma falsa expectativa , já que o ‘negócio’ nem pode ser grande coisa (risos)… São expressões brasileiras que adoramos, né?”

A CAPA

Leandro: “A ideia partiu do Carlos Bauer, designer do disco e de uma das camisetas da campanha de crowdfundingfeita para ele. É uma miniatura de um bar. Tem poucos centímetros. Essas miniaturas são utilizadas em ferrorama, são coisa de colecionador.”

BASTIDORES DA GRAVAÇÃO 

Leandro: “A pré-produção e as gravações ocorreram entre dezembro de 2020 e março de 2021 no estúdio Arnica, em Curitiba. A escolha partiu do produtor, Rodrigo Lemos (que já tocou em bandas curitibanas como Poléxia, Lemoskine e A Banda Mais Bonita da Cidade), que já trabalha há um certo tempo com o estúdio. Ele já havia contribuído com parte da produção de Crucificados Pelo Sistema Bruto (2014), mas em O Negócio é o Seguinte ele assina sozinho a produção do álbum inteiro, tendo uma participação fundamental na evolução da sonoridade. A maioria das músicas teve pouco tempo de amadurecimento, pois foram compostas poucos meses antes de entrarmos em estúdio. Portanto, tivemos que ajustar várias coisas com o Lemos.”

NEM A SAUDADE

Leandro: “Esta sempre esteve entre as mais cotadas para o posto de single de disco. Foi a música que mais chamou a atenção do Lemos no início do processo. Ele cortou a introdução (que virou o solo de saxofone) e deu mais urgência para a canção. Nos incomodava o fato dela ser muito curta e objetiva, mas com o tempo nos conformamos com isso. O refrão é realmente o grande recado dela.”

Igor: “Como evolução musical, considero a melhor composição feita pela banda. Sertanejo clássico com indie rock, nada mais Charme Chulo. Muitas histórias, muita saudade, dos amigos e amigas que fizemos na longa estrada da banda, já com quase 20 anos.”

Leandro: “Uma das nossas buscas foi equilibrar o clima saudoso daquele sertanejo clássico presente em canções singelas como ‘A Majestade, o Sabiá’ ou ‘Tocando em Frente’ com uma base roqueira. É quase, parafraseando o D2, a nossa ‘à procura do rock sertanejo perfeito’ (risos). A letra, enxuta e objetiva, versa sobre voltar ao passado e não se identificar mais com aquilo.”

TUDO QUÍMICA

Leandro: “Única composição majoritária do Igor no disco. Não passou por muitas mudanças durante o processo de pré-produção, mas ganhou em sofisticação com os arranjos do Lemos. Uma das canções que mais cresceram em estúdio. O final ficou bem grandioso com a repetição do verso “não, não me leve a mal…”

Igor: “Leandro, mentor do álbum, deu a pinta com a melodia e letra da introdução e eu uni ao um velho riff, da melodia do refrão. Bingo! A letra foi a única coisa que praticamente teve minha iniciativa no disco (fui muito mais um interprete do que letrista desta vez!) e novamente inspirada em uma conversa com o amigo Leonardo Scholz (vocalista do grupo Leis do Avesso) sobre como as pessoas hoje em dia só são tristes se querem, dada a quantidade de remédios, tratamentos, terapias e diagnósticos que existem. Então todas as músicas são felizes, coloridas, agradáveis. Essa coisa de dark, de romantismo, do desajuste, é absolutamente ultrapassado e ingênuo.”

Leandro: “A grande composição do Igor no disco, o que explica a pegada pós-punk, tão presente no começo da banda. Certamente estará entre as músicas de trabalho, principalmente por agradar aos fãs mais antigos.  Destaco o trabalho do Rodrigo Lemos na produção, que soube potencializar todo esse sentimento. Um belo dia cheguei pro Igor e mostrei à introdução que eu tinha bolado… ‘Não, não me leve a mal, só vem sem pressão’… Ele pegou aquilo e transformou nesse pequeno monstro!”

FEIO FAVORITO

Leandro: “Quem ouve essa faixa não imagina o trabalho que tivemos para arredondá-la. Quase utilizamos três tempos diferentes no registro, mas conseguimos encontrar um equilibro no final. Passou por mudança de tom na voz e ganhou alguns reforços percussivos também. Gostamos muito da letra e da proposta da música e sempre a consideramos um dos carros chefes do disco. No entanto, achei-a um tanto quanto ousada para ser música de trabalho.”

Igor: “Imagem forte, humor ácido, musicalidade perigosa, referências ousadas, brincando sem medo na linha tênue do gosto duvidoso. E tudo isso é apenas Charme Chulo. Estamos em casa: entre e sinta-se à vontade!”

Leandro: “A música mais complexa do disco, que deu mais trabalho, certamente. Buscamos misturar nossa caipirice ao pop e ao ragga. O riff de guitarra busca imitar um acordeon e foi o primeiro instrumental que compus para o disco. No entanto, sua origem era mais country rock. Com a temática da letra – um pequeno manifesto sobre os dilemas de quem sofre com o massacre vaidoso das redes sociais – buscamos um ar mais dançante e divertido.”

VOCÊ NUNCA IRÁ DANÇAR COMIGO

Leandro: “Do jeito que veio ficou. Precisamos ajustar o tom para adequar o jogo de vozes mas ela sempre foi bastante objetiva, lembrando coisas do Sistema Bruto. O grande charme foi a adição da sanfona, que deu um balanço todo especial pro som.”

Igor: “Mais uma letra esplêndida do parceiro Delmonico, também entre as melhores já feitas, de tirar o fôlego. Cavalo chucro em grande estilo! Entra fritando o pinhão! Explosão de refrão! Cozinha de Douglas e Hudson estonteante. Bem brasileira, bem atual para o nosso som, saboreando até um forrozão, mas sertanejo até a medula. E sabe o que é engraçado? O sanfoneiro do rolê, Diego Kovalski, vem gravar com a gente e ainda diz: ‘como vocês conseguem fazer esse sertanejo durão, dá pra ver que vocês são do rock. Obaaaaa!!! Deu tudo certo!”

Leandro: “Foi a primeira música deste álbum. Hoje percebemos que ela tem um pouco do clima ácido do nosso último disco Crucificados Pelo Sistema Bruto. Trata, com bastante ironia, do exibicionismo das redes sociais. Por se tratar de um modão dançante, achei que uma história de amor não correspondido poderia cair bem.”

RABO DE FOGUETE

Leandro: “Sempre botei muita fé nela como música de trabalho. Nesse ponto, Lemos foi fundamental. Ele conseguiu adicionar elementos do tecnobrega à faixa, fazendo com que ela ganhasse aquela pegada típica do Pará. O take do Igor de voz foi muito emocionante, daquelas músicas que a gente grava quase que de primeira. As guitarras funcionaram e chegue a cogitar um feat com algum cantor do Pará, mas achamos melhor esperar…”

Igor: “Na verdade eu sou o ‘amigo’ da letra, mas a emoção na hora de cantar é toda minha: “É cada bucha, rapaz!” A vida dá umas viradas, às vezes no meio do processo. A arte é o dia a dia e é pura profecia. Certeira desde o dia em que a ouvi pela primeira vez, no dia em que faleceu Moraes Moreira.”

Leandro: “Esta faixa acabou se tornando um símbolo da nossa evolução musical. Ela flerta bastante com o novo pop produzido no Brasil. O Charme Chulo sempre se apropriou da brasilidade pela música caipira, no entanto, resolvemos flertar um pouco com o clima dançante do norte e nordeste do país, fomos beber na pegada de artistas como Jaloo e Duda Beat. A letra, bastante influenciada pelo mestre Dalton Trevisan, acabou combinado bastante com o instrumental.”

QUANDO NÃO DEPENDE DA GENTE

Leandro: “Se depender da audição dos fãs apoiadores, que tiveram acesso antecipado ao disco, esta é a maior surpresa do álbum. Uma faixa lenta e existencial para dividir o disco ao meio, que acabou ganhando em sofisticação nos arranjos. Várias pessoas a destacaram na primeira audição. Ficou bem tocante mesmo.”

Igor:  “Respiro do disco, sem ser menor. Ponto alto é a mixagem de vozes inusitada para o padrão do Charme Chulo, onde as duas vozes, estão no mesmo volume, cantadas em uníssono, vislumbrando novos caminhos. Ao melhor estilo do produtor do disco, parceiro de profunda sensibilidade, conhecimento e admiração pela banda e profissionalismo, Rodrigo Lemos.”

Leandro: “Compor pensando no conceito do disco é algo imprescindível pra gente. Precisávamos de uma balada para dividir o lado A e o lado B do álbum. Esta música surpreendeu bastante, pois conseguimos levar a viola caipira para um lado bem sofisticado. Nos influenciamos por Kings of Convenience. Acho que é a primeira vez que o Charme Chulo chega perto de um clima mais bossa nova.”

BALANÇO QUALQUER

Leandro: “Surgiu de um riff teimoso que fiz há um bom tempo e se tornou um dos singles do disco.  Colocamos toda a influência do lado pop nela. Foster The People, Blur e um toque caipira na letra. No estúdio, o grande trabalho foi ajustar o groove da faixa. Lemos abusou dos efeitos eletrônicos.

Igor: “A vitória dos sabores e efeitos eletrônicos precisos do disco, com formato de canção rock sessentista, deixando o pop mais puro falar alto. Possivelmente a quarta música de trabalho.”

Leandro: “Uma das minhas letras favoritas. A canção fala sobre os dilemas da vida adulta, sobre aceitar que não dá mais pra exagerar nas coisas. O verso ‘Nego dinheiro e advogado para ser feliz’ diz muito sobre o clima da classe média alta curitibana, onde tudo se resolve com um bom advogado (risos). O riff é bastante influenciado por bandas como Phoenix e Two Door Cinema Club.  Acho que uma das minhas maiores influencias no Charme Chulo é o lado dançante. Meus instrumentais acabam puxando bastante pra isso.”

EU NÃO SEI AMAR

Leandro: “Quase morri para gravar esta viola! Foi a primeira canção que gravei no estúdio. Gosto muito do instrumental (riff e solo). É uma música que acaba surpreendendo a galera também, por ser grudenta e caipira. Minha grande intenção é usá-la para dar um dinamismo ao vivo: o famoso momento em que o vocalista sai do palco.”

Igor: “A viola volta com tudo, na primeira vez em que Delmonico aparece em vocal principal franco e desafetado, abrindo o peito na malemolência gauderio-caipiro-paraguaio da música, de letra quase pueril. Agrega de maneira emocionante, trazendo um outro colorido de vozes para o repertório e ordem do álbum.”

Leandro: “Outra música que surgiu a partir de um conceito. Eu andava com vontade de compor uma música que privilegiasse o instrumental, podendo utilizar ela nos shows para dar um ‘descanso’ pro Igor. No entanto, a canção acabou ganhando uma letra singela e um refrão que não sai da camisa. Tenho muito orgulho do instrumental de viola e continuo achando que será uma ótima música para tocar nos shows. A solução foi assumir os vocais. Outro marco, pois é a primeira faixa que canto inteira no Charme Chulo.”

PERDIDOS NA BAGACEIRA

Leandro: “O grande sentido desta música é a letra. Quanto ao instrumental, destaco a utilização de um banjo no solo e o fato da gente dividir o vocal novamente, como em outras faixas. Eu alterei a ordem dela no disco. Ela entraria um pouco antes, mas achei que ajuda no desfecho, com um recado político e tal.”

Igor: “Outra letra primorosa de Leandro, escancarando com categoria a situação esbagaçada do Estado que não é nação, maturidade no falso lado B do curto álbum, com uma musicalidade mais clássica, a agradar os fãs mais antigos.”

Leandro: “Precisávamos falar sobre o momento político do Brasil, mesmo que isso não combinasse tanto com o clima do disco. Nesse ponto acabei sendo mais passional. Aliás, cheguei a brigar com a família. Como nossa base musical veio do punk rock também, impossível não meter a boca nesse clima de ódio.  Obviamente fazemos isso de um jeito Charme Chulo. O que sinto hoje é que realmente estamos perdidos numa bagaceira e que iremos demorar pra recuperar um clima maduro no Brasil.”

MAIS ALÉM

Leandro: “Acho que conseguimos bolar uma versão razoável de disco pra ela. É complicado competir com a gravação original e os vocais do Tuyo. Precisávamos de um arranjo novo, que combinasse com a banda. Eu e Lemos ficamos algumas horas no estúdio criando uma pegada de baixo e bateria, que remete a Arcade Fire e Beach Boys. Ela acabou conversando bastante com outras faixas mais dançantes e eletrônicas do disco. Fecha bem.”

Igor: “Perfeita como fechamento, a nova versão foi bolada dentro da esteira da produção do álbum, para tentar aproveitar essa importante canção da banda, a fim de que pudesse ser tocada ao vivo, na quase impossível tarefa de resguardar a versão single de 2018, com participação especial do Tuyo.”

Leandro: “A dúvida sobre regravar ou não esta música durou até o início das gravações. A versão com o Tuyo, gravada ao vivo em 2018, é muito marcante. Mas não tem como competir com o poderio vocal das meninas, ainda mais ao vivo. Nossa ideia foi trazer a música para um universo mais indie. Criei o arranjo novo com o Rodrigo Lemos no estúdio. As pessoas que já puderam ouvir gostaram bastante do resultado final. Acho que ela não poderia ficar de fora e fecha muito bem o disco.”