Music

Rick Wakeman – ao vivo

Ícone do rock progressivo traz a Curitiba sua turnê de despedida com o repertório montado para emocionar os seus fãs

Texto por Daniela Farah

Fotos: Abonico Smith

De todas as promessas de turnê derradeira de um artista, a Final Solo Tour de Rick Wakeman é, com certeza, uma das únicas com as qualificações para cumpri-las. O show, que passou por Curitiba no dia 15 de abril, na Ópera de Arame, é uma homenagem muito sensível e delicada para os fãs. E é tão bonito quando essa relação entre artista e fã atinge esse nível de respeito.

O conforto que a vida digital proporciona pode se tornar um impedimento para que os fãs saiam de casa e encontrem o artista tête-à-tête. E ainda assim, Rick conseguiu praticamente encher a casa em plena segunda-feira chuvosa na cidade. Aliás, essa foi a parte fácil, o difícil mesmo foi fazer as pessoas irem embora depois das luzes se acenderem.

De outro ponto de vista, há muitas turnês finais que se tornam extremamente lucrativas e é visível os olhos dos artistas brilharem em dólar enquanto fazem estripulias no palco. Mas não para Wakeman. O gênio compositor dos teclados montou um concerto belíssimo, para quem é fã ver. Ele repassou grande parte de suas obras e deu o melhor de si no palco, ainda que visivelmente debilitado pela idade.

Uma das frases mais impactantes ditas pelo músico foi a que ele dividiu o palco com diversas pessoas, incluindo orquestras e coros, mas que dessa vez estaria sozinho. E ele fez isso em um palco limpo, sem qualquer uma das grandes afetações que ele tanto gostava quando era mais novo.

Rick é um conversador nato e entre as poucas coisas que conhece sobre o Brasil estão os craquesde futebol Pelé e Rivelino. E no palco da Ópera de Arame ele se dividiu entre um piano e dois sintetizadores, enquanto compartilhava algumas poucas histórias. As primeiras foram o fato de que Henrique VIII teve seis esposas mas ele, apenas quatro. Uma brincadeirinha leve para anunciar que tocaria “Catherine Howard”, de seu álbum solo The Six Wives Of Henry VIII, lançado em 1973.

“Eu toquei em muitos discos, para muitas pessoas. Alguns eram muito bons, outros eram terríveis, provavelmente por causa de mim. Tem uma pessoa que eu adorei tocar, que foi o David Bowie. Aqui vão duas peças que eu gravei com ele: uma é ‘Space Oddity’ e a outra é ‘Life on Mars?’”, disse Wakeman, já na metade do repertório.

As marcas autobiográficas do show vão desde as histórias ao set list, que é constituído basicamente por um resumo de sua obra. Assim, ele incluiu sua carreira como pianista de estúdio, aqui foi representada pelos trabalhos com o Bowie, mas ele também tem em sua lista de preferidos nomes como Elton John, Lou Reed, Cat Stevens, entre outros. Na sequência da dobradinha de Bowie veio o álbum de 1975, The Myths And Legends Of King Arthur And The Knights Of The Round Table, representado pelo medley de “Arthur”, “Guinevere”, “The Last Battle”, “Merlin The Magician”.

E quanto ao Yes? Seria uma tarefa um tanto árdua escolher uma ou outra música entre suas idas e vindas com uma das bandas mais famosas do rock progressivo. Wakeman não escolheu, portanto. Eis que faltava um traço de seu grandiosismo no show e isso foi representado justamente na hora do Yes.

“Desta vez eu queria fazer algo diferente”, declarou ao microfonou no momento reservado ao grupo britânico. “Em vez de tocar uma peça do Yes, vai ser cerca de 30. E o que fiz foi pegar os temas e melodias e colocá-los em uma longa peça musical, chamado “Yessonata’. É longo, leva cerca de quatro horas… (risos) Então veja quantas peças do Yes você consegue identificar”. E os fãs responderam cantando, aplaudindo ou gritando ou mesmo fechando os olhos e jogando a cabeça para trás para entrar em delírio cada vez que reconheciam uma melodia.

Para finalizar, ele fez sua própria versão de “Help!” e “Eleanor Rigby”:“eu faço um pouco diferente do que eles (John Lennon e Paul McCartney) fizeram.”, disse um divertido e até atrevido Rick. “Eleanor Rigby”, então, veio como um mamute de peso absurdo.

O concerto poderia muito ter acabado aqui e o público já estaria em êxtase. O pianista até agradeceu e saiu do palco. Mas como encerrar a última turnê sem tocar Journey To The Centre Of The Earth? O álbum de 1974 foi um marco tanto em sua carreira, quanto na história da música – que, aliás, muitas vezes se confundem.

Mas Rick Wakeman fez esse show para os fãs, e essa é sua última turnê. Portanto, ele voltou ao palco, ovacionado, claro! “Em 1974, quando eu era bem pequeno… (risos) eu escrevi uma peça que se chama Journey To The Centre Of The Earth. Eu gravei com uma grande orquestra, um grande coro, uma grande banda. Mas eu a escrevi no piano e assim é como eu criei”, disse se sentando-se ao instrumento de cauda.

Rick agradeceu, foi novamente ovacionado e, enfim, retirou-se do palco. Já o público demorou mais um tempo e se dividiu entre os que precisaram absorver o processo do que acabara de acontecer e entre os que formaram uma longa fila pedindo para que alguém da produção carregasse um disco ou um pôster para o músico autografar ou mesmo aguardando no portão que levaria à entrada para o camarim. 

Set list: “Jane Syemour”, “Catherine Howard”, “Space Oddity/Life On Mars?”, “Arthur/Guinevere/The Last Battle/Merlin The Magician”. “Yessonata” e “Help!/Eleanor Rigby”. Bis: “The Journey/Recollection”.

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Placebo – ao vivo

Em noite de aplausos não fáceis e ausência de vários hits, dupla solidifica em SP a aura de integridade em três décadas de carreira

Brian Molko

Texto por Fabio Soares (com colaboração de Abonico Smith)

Fotos: Ricardo Matsuka/Mercury/Divulgação

Vinte e dois anos de idade possuía Brian Molko ao fundar o Placebo em 1994. Houve um preço a se pagar por capitanear este mastodonte alternativo por tanto tempo: abuso de álcool e drogas, exposição de sua bissexualidade, oposição às redes sociais e o recente processo movido por Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana, a quem o vocalista chamou de “fascista” numa apresentação em Turim.

À parte das polêmicas, o Placebo 2024 segue sua trajetória com seu núcleo duro reduzido a Molko e seu fiel escudeiro (e conhecido de infância) Stefan Olsdal. De volta ao Brasil após dez anos, trouxe na bagagem a turnê de Never Let Me Go, álbum concebido durante a pandemia mas que foi finalizado somente em 2022.

“Todos os álbuns do Placebo são lapidados ao máximo e este não seria diferente”, afirmou Molko em recente entrevista. Sendo assim, quem se dirigiu ao Espaço Unimed (que já foi “das Américas”) no último domingo, 17 de março, redondamente enganou-se se esperava ouvir uma enxurrada de hits. Ela não veio. E o que se viu foi uma onda de aplausos não fáceis.

Como já esperado e praticado ao longo da atual turnê, uma mensagem em inglês nos telões laterais do palco pediu para que o público desligasse seus aparelhos celulares durante a apresentação. Aliado a este fato, um vídeo com a voz de Brian Molko repetiu o texto exibido. Por fim, logo antes do início, uma mensagem sonora em português reforçou a importância do público assistir a uma apresentação musical sem a tela de um aparelhinho manual à sua frente.

Funcionou? Sim! Nos primeiros acordes de “Forever Chemicals”, canção que também abre o mais recente álbum de estúdio, quase ninguém ousou sacar de seu telemóvel para filmar o início do show. A dupla Molko-Olsdal surgiu acompanhada por quatro músicos de apoio e a primeira faixa foi saudada com entusiasmo pela audiência, que não chegou a lotar a casa. “Beautiful James”, talvez o único hit radiofônico (não aqui no Brasil, claro!) do último disco, fez o público entoar a plenos pulmões o verso “Everybody lies/ One hundred times a day/ The silence in your hard eyes/ Is far too rare to give away”. 

Na sequência, Stefan fez às vezes de maestro, conduzindo o público a uma peculiar batida de palmas que antecedeu a indefectível introdução de “Scene Of The Crime”, estupenda faixa de Loud Like Love, grande álbum de 2013. A visceral interpretação de Brian à canção seria o mote de toda a apresentação. Antes da quarta faixa, “Hugz”, também de Never Let Me Go, o momento descontração da noite: o vocalista informou a todos sobre o aniversário do baterista e em bom português soltou a famosa frase “uma salva de palmas para ele”.

A ausência de celulares na plateia deu à belíssima “Happy Birthday In The Sky” o tom de dramaticidade e depressão que a letra sugere. Já em “Bionic”, resgatada lá do homônimo álbum de estreia de 1996, apareceu o primeiro momento catártico por parte da plateia ao entoar o refrão “Harder! Faster! Forever after!”, sobre anos 1990 que não voltam mais. E está tudo bem em não voltarem também. 

A execução da dobradinha “Twin Demons” e “Surrounded By Spies” promoveu o único momento “debandada” de alguns presentes, rumo aos banheiros ou aos bares do local. Dissonância esta que foi quebrada com os incidentais acordes de “Soulmates”, b-side de single e faixa integrante da compilação dupla A Place For Us To Dream, lançada em 2016. Apostaria um braço que não há um único fã da banda sobre a face deste planeta que não se arrepia ao menos uma vez ao ouvir o verso “Dry your eyes/ Soulmate dry your eyes/ Cause soulmates never die”.

Stefan Olsdal

A cama eletrônica de “Sad White Reggae”, aliada ao piano de Stefan Olsdal, confirma a tese de que Brian Molko é um compositor fora do comum. Fato este que se seguiu em “Try Better Next Time”, talvez a melhor faixa lapidada para o último trabalho. Olsdal permaneceu ao piano para o mais emocionante momento da noite. “Too Many Friends” (outra de Loud Like Love) arrancou lágrimas de pessoas à minha frente e ao meu lado. E não negarei: arrancou lágrimas minhas também!

Mas cadê as guitarras pesadas? Cadê o típico rock placebense por aqui? Ele viria com “For What It’s Worth” (de Battle for the Sun, de 2009) e a espetacular “Slave To The  Wage” (de Vlack Market Music, de 2000). Momento retrô para uma geração que tinha a finada MTV como norte. Curiosidade: a última ainda conta com um sample do Pavement!

Na reta final, “The Bitter End” (de Sleeping With Ghosts, de 2003) causou catarse nas primeiras filas em frente ao palco. Momento em que um mané sacou de seu celular e tentou filmá-la na íntegra. Como resposta, tomou um dedo médio em riste de Molko em sua direção. Bem feito! Então, a maravilhosa “Infra-Red” (de Meds, de 2006) fechou a primeira parte da apresentação. 

Para o bis, nada de obviedades escaladas para somente agradar aos fãs. O habitual retorno com a cover de “Shout”, do Tears For Fears, ficou de fora por aqui. “Taste In Men” (mais uma de Black Market Music), a lentíssima “Fix Yourself” (do mais recente disco) e a hipnótica versão de “Running Up The Hill (A Deal With God)” (gravada para o EP Covers, de 2003; a original, de Kate Bush, foi ressuscitada pela série Stranger Things em sua quarta temporada e teve jogada à estratosfera sua popularidade) deram números finais a uma noite que, por si só, já havia se tornado histórica. Sem celulares, sem mais de duas dezenas de hits (esqueça “Pure Morning”, “Every You, Every Me”, “You Don’t Care About Us”, “Meds”, “Come Home”, “”Bruise Pristine”, “Bright Lights”, “Loud Like Love”, “Nancy Boy”, “Special Needs”, “Special K”, “36 Degrees”, “This Picture”, “English Summer Rain”, “Battle For The Sun”, “Ashtray Heart”, “The Never-Ending Why”, “Because I Want You”, “Black-Eyed”, “Teenage Angst”, “Jesus Son”) e quase toda a última obra de estúdio recriada na íntegra. Isto reforçou a certeza de que Brian Molko é o peculiar anti-herói de uma geração que cresceu trazendo a música como melhor amiga mas que hoje pena com problemas psicológicos e a pressão das redes sociais.

Foi uma boa apresentação? Foi e pacas! Afinal, a competência de uma história ininterrupta de trinta anos deve (e sempre deverá ser) exaltada em um showzaço como este.

Set list: “Forever Chemicals”, “Beautiful James”, “Scene Of The Crime”, “Hugz”, “Happy Birthday In The Sky”, “Bionic”, “Twin Demons”, “Surrounded By Spies”, “Soulmates”, “Sad White Reggae”, “Try Better Next Time”, “Too Many Friends”, “Went Missing”, “Exit Wounds”, “For What It’s Worth”, “Slave To The Wage”, “Song To Say Goodbye”, “The Bitter End” e “Infra-Red”. Bis: “Taste In Men”, “Fix Yourself” e ” Running Up That Hill (A Deal With God)”.

Music

Placebo

Oito motivos para não perder o único show que será feito em março no Brasil durante a nova turnê de Brian Molko e Stefan Olsdal

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Demorou quase uma década mas, enfim, terminou o tempo de espera. Faltam poucos dias para o Placebo voltar a pisar e tocar no Brasil. Brian Molko e Stefan Olsdal – acompanhados por quatro músicos como apoio no palco, inclusive pelo baixista e tecladista Bill Lloyd, que acompanha a banda desde a os primeiros anos de carreira, também já tendo feito as vezes de tour manager e empresário – chegam por aqui em um momento muito especial. Afinal, em 2024 comemoram os trinta anos de uma carreira sólida e consistente, repleta de hits e marcada pela conquista de uma legião mundial de fãs bastante fiéis.

A nova passagem por aqui será um único show, marcado para São Paulo. Portanto, há apenas uma oportunidade para não perder o encontro com o grupo que, embora tenha sonoridade mais pesada e nem tão retrô quanto alguns de seus contemporâneos mais famosos, foi revelado no bojo da explosão do britpop nos meados dos anos 1990.

Por isso, o Mondo Bacana dispara aqui oito motivos pelos quais você precisa estar presente no Espaço Unimed na noite de 17 março vindouro (endereço, horários, ingressos e demais informações oficiais sobre o evento você pode ter clicando aqui).

Dupla dinâmica

Eles se conhecem desde a infância, quando estudavam simultaneamente (mas não interagiam, já que a diferença de idade de ambos é de dois anos) na Escola Internacional de Luxemburgo. O belga Brian Molko (guitarra, violão, teclados e vocais) e o sueco Stefan Olsdal (baixo, guitarra, violão, teclados e backings ao vivo) só passaram a trocar ideias mesmo quando, já bem crescidos e residindo em Londres, encontraram-se em uma estação de metrô. Conversa vai e conversa vem, não se separaram mais. Passaram a compartilhar o gosto em comum pela música, especialmente bandas alternativas norte-americanas como Nirvana, Sonic Youth e Pixies. Fundaram o Placebo em 1994 e já no ano seguinte apresentaram o primeiro single, com a canção “Bruise Pristine”. Ela foi incluída no álbum de estreia, que veio à luz meses depois. “Teenage Angst”, “Come Home”, “36 Degrees” e “Nancy Boy” também ganharam singles e se tornaram outros sucessos iniciais do então trio – revezavam-se nas baquetas o também sueco Robert Schultzberg e o inglês Steve Hewitt, que tornou-se membro fixo de Placebo (1996) até Meds (2006), quando foi “ejetado” por ter a relação com a dupla desgastada em demasia durante as gravações em estúdio.

Desajuste social

Se você não se sente inserido em padrões da sociedade, seja sexual, comportamental ou mesmo referente a questões da saúde mental, as letras escritas por Brian Molko certamente te representam. A cada disco, o vocalista parece ampliar ainda mais o leque de temáticas sobre distúrbios e a incapacidade de sentir uma pessoa “normal” e não sofrer, de alguma maneira, por isso. Talvez seja este, então, o grande segredo de sucesso e longevidade do Placebo. Afinal, a figura sempre andrógina do próprio Molko é a representação visual de seus versos, o que vem facilitando uma identificação muito rápida de novos fãs nestas três décadas de trajetória da banda.

Selected

Boa parte destas letras das canções foi compilada pelo próprio autor delas para o livro Selected, que recentemente teve disponibilizada a sua segunda edição (em capa dura) em comemoração pelos 30 anos de carreira da banda. São 156 páginas que incluem ainda uma foto, prefácio escrito pelo próprio Brian Molko e 18 novas faixas adicionadas à leva original, totalizando 92. Você tinha três opções de modelos para comprar: não  autografado, autografado (à mão) e personalizado para você (sim, com nominho e tudo escrito também à mão por Molko). Entretanto, as duas últimas opções já estão esgotadas. Custa 25 libras e a aquisição é diretamente pelo site oficial do Placebo (clique aqui).

Discos ao vivo

Depois de ficar um bom tempo sem fazer turnês, foi só cair na estrada de volta para trazer uma bela novidade aos fãs. O vinil branco transparente duplo Collapse Into Never: Placebo Live In Europe 2023 é, de fato, o primeiro disco gravado ao vivo por Brian e Stefan, capturando a atmosfera de palco da banda – a única experiência fonográfica anterior foi extraída de um especial Acústico MTV produzido especialmente para a filial europeia da emissora de televisão norte-americana. Traz, de cabo a rabo, a apresentação realizada em um festival espanhol no início do ano passado. Só que este álbum não é a única novidade vinda em dezembro agora. Placebo Live é um box formado por mais outros dois registros ao vivo, além de Collapse Into Never. Editado no formato blu-ray, This Is What You Wanted também veio da atual turnê – desta vez durante a passagem de Molko e Olsdal pela Cidade do México, também ocorrida em 2023. Já o terceiro, o CD Live From The White Room, saiu de faixas do último álbum executadas pela banda no Studio One do complexo de estúdios para audiovisual que fica em Twickenham, subúrbio do sudoeste de Londres (estes vídeos estão sendo utilizados pela banda como clipes oficiais, aliás). Então, quem não se importa com spoilers e gosta de saber com antecedência o que deverá encontrar no momento de assistir ao show aqui no Brasil, então, tem a chance de mergulhar fundo na antecipação e não se deparar com surpresas.

Never Let Me Go

O Placebo é uma banda metódica com relação a discos e turnês. Grava um novo álbum e sempre reserva um bom tempo para viajar divulgando as novidades – e por causa disso boa parte do repertório sempre vem da safra mais recente de canções. Molko e Olsdal não são muito de manter a banda na ativa com concertos sem pensar nos fãs e em dar novidades a eles. Lançado em 2022 e fruto do isolamento social antecedente, Never Let Me Go interrompeu o maior hiato entre uma obra e outra do grupo. Foram nove anos passados desde o título anterior. Reflexos de medos e inseguranças que vieram com a pandemia refletiram numa sonoridade bem mais pesada e pungente do que a apresentada em Loud Like Love (2013). E isso também se reflete na execução ao vivo. Por isso, a presença de oito ou nove faixas novas no set list deve ser celebrada e bem aproveitada. Quatro delas foram lançadas como singles: “Beautiful James”, “Sorrounded By Spies”, “Try Better Next Time” e “Happy Birthday In The Sky”.

Tears For Fears

Pragmatismo também faz parte da personalidade do Placebo. Quem acompanha a banda faz tempo sabe bem que em seus shows sempre aparecem covers bem interessantes – a ponto de dez deles terem sido compilados em um disco de mesmo nome lançado em 2023. A releitura preparada para a atual turnê homenageia outra dupla, o Tears For Fears. Sempre que voltam para o bis, Brian e Stefan entoam um dos hinos do pop britânico dos anos 1980. “Shout” começa com o disparo de uma percussão eletrônica similar à da gravação original de Roland Orzabal e Curt Smith. Em virtude da característica mântrica da canção, que repete várias vezes o curto e poderoso refrão, também faz com que o restante do arranjo também não seja tão diferente assim. A grande novidade fica no timbre peculiar da voz de Molko comandando a letra.

Kate Bush

“Running Up That Hill (A Deal With God)” foi gravada para ser a faixa de abertura do álbum Covers, que pinçava outras releituras extraídas de lados B de singles e DVDs, trilhas sonoras de filmes e alguns-tributos. A faixa, transformada em synthpop intimista, também foi lançada em compacto e também aparece no disco duplo A Place For Us To Dream (2016), com 36 das músicas mais conhecidas e celebradas do repertório do Placebo. Detalhe: tudo isso bem antes da série Stranger Things utilizar a clássica versão original de Kate Bush em sua trilha sonora e fazer a cantora virar febre, capas de revistas e número um das paradas nos EUA pela primeira vez na vida. O que já era cultuado na versão sussurrada por Molko, então, virou uma boa peça para a renovação de público e atrair como fãs uma horda de nerds mais novos espalhada pelos quatro cantos do planeta. Muitos deles que sequer tinham ouvido a banda anteriormente. E, claro, esta cover também está incluída no bis dessa turnê.

Big Special

Não é nada grande, não é nada especial. O antislogan utilizado por esta banda de abertura serve bem para ilustrar o bom humor desta dupla inglesa, escolhida a dedo pelo Placebo para fazer os concertos de abertura das escalas sul-americanas da atual turnê. E as performances são bastante cruas: contam só com o vocalista Joe Hicklin e o baterista Callum Moloney, também responsável pelos backings e pelo disparo das bases pré-gravadas com baixos distorcidos, guitarras e sintetizadores que completam o arranjo das músicas. A sonoridade percorre a crueza a visceralidade do punk com toques de spoken word. PostIndustrial Hometown Blues é o nome do álbum de estreia recém-lançado. No que depender de faixas como “This Here Ain’t Water”, “Shithouse” e “Desperate Breakfast” não tem como não sair impactado pela performance.

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Titãs – ao vivo

Megaturnê com a formação clássica do grupo reunida novamente no mesmo palco chega ao fim junto com o ano de 2023… Ou não?

Texto e fotos por Tanara de Araújo

Não há falta de romance em pensar que não foi algo muito pensado e estudado. Foi. Mas, com igual certeza, a expectativa de sucesso foi muito, muito além dos cálculos. Titãs Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora se propôs a reunir os sete integrantes remanescentes da “maior banda do Brasil” para, como diz o título, um encontro. Datas espalhadas por várias cidades, ingressos esgotados em questão de horas, fãs empolgadíssimos, caixa registradora exultante. Rapidinho se impôs a necessidade de uma ligeira extensão, com o subtítulo devidamente rebatizado para Pra Dizer Adeus. E foi o encerramento dessa segunda etapa que se deu no quintal da banda, a cidade de São Paulo, na noite de 21 de dezembro, num Allianz Park bem recheado. As apresentações (supostamente) derradeiras se deram nos dias 22 e 23 de dezembro.

Celebre ou faça cara feia, o fato é que Titãs Encontro não é uma programação de shows que requenta sucessos de um grupo que já tinha esgotado seu fôlego e deixado integrantes pelo caminho. Não é um caça-níquel barato. Não é uma limonadinha saudosista feita de um limão duvidoso. Desculpe, haters, mas Titãs Encontro é um baita espetáculo. Um projeto de entretenimento que recorre a tudo o que pode para ser quase 100% irrepreensível: infinidade de hits, palco bonito com sistema de luzes/telões de primeira, som ok e, sobretudo, uma banda feliz, extremamente a fim de trabalhar e entregar ao público o que o público quer.

É claro que há muita nostalgia envolvida, tanto emocional quanto cultural. “Diversão”, que tem aberto os showsdesde o início da turnê, resgata aquele período que acreditávamos que “a vida até parece uma festa”; assim como “Bichos Escrotos” evoca o tempo que cantar a plenos pulmões “oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo, vão se foder!” era um ato de profunda rebeldia. Porém, não é só o coração daquele fã desde os 13 anos que batia

mais forte. Titãs Encontro é carregado de saudade de uma época que composições significativas – à base de poesia concreta, dor de cotovelo ou crítica social – namoravam firme com o mainstream. Chegavam a um público massivo, que até hoje é atingido por músicas que, por bem ou por mal, não envelheceram. “Polícia, “Miséria”, “Porrada”, “Homem Primata”, “Lugar Nenhum” e “Nome Aos Bois” (cuja letra ganhou uma atualização que vai da celebração à queixa de parte da plateia) são só alguns exemplos.

São tantos hits, de tantas naturezas, que a apresentação, a certa altura, quebra a seção rock/punk/pop ao meio para encaixar um momento mais leve, num revival de outro triunfo na história da banda, o Acústico MTV Titãs. Em banquinhos nos quais só conseguem sossegar por alguns minutos e Charles Gavin segurar um pouco o braço, eles se reúnem na frente do palco para tocar “Epitáfio” (com participação luxo das luzes de celulares do público), “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus”. Ao final desse set, uma justa e delicada homenagem ao guitarrista Marcelo Frommer, morto em 2001 e substituído nesta turnê pelo icônico Liminha: sua filha Alice Frommer se junta ao grupo para cantar “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”. E se você não se rende ao lencinho nesse instante (embalado por uma foto belíssima de Frommer no telão), você não é humano, meu amigo.

A carga humana, aliás, é o grande segredo do sucesso de Titãs Encontro. São todos sessentões, com famílias, filhos, carreiras paralelas. Têm todo o direito de estarem cansados. Mas não. Não é só dinheiro, é felicidade. Ao longo de praticamente três horas, eles entram no palco, tocam, cantam, dançam e, o mais importante, mantêm um sorriso genuíno no rosto, aquela expressão que não mente sobre alguém que está fazendo verdadeiramente o que gosta, que está onde gosta, com quem gosta. Perde-se a conta de quantas interações, abraços e risinhos felizes eles trocam entre si no decorrer do show, assim como as manifestações de carinho, via gestos ou discursos, direcionadas aos fãs. Essa entrega fica muito evidente, é quase um tapa na cara, na figura de Joaquim Cláudio Corrêa de Mello Júnior, que a gente conhece por Branco Mello. Após passar por uma cirurgia para combater um tumor agressivo na hipofaringe que lhe custou boa parte da voz, o que ele faz? Segue não só fazendo seus tradicionais backings, como cantando do jeito que dá – e ele faz dar – clássicos como “Flores”, “Cabeça Dinossauro” e “32 Dentes”.

É um negócio absolutamente perfeito? Não. Nem sempre se pode ser Deus. O som, ao menos em parte da pista do Allianz Park nessa quinta-feira, pecou no retorno da voz, tornando por vezes difícil distinguir o que eles cantavam. O que salvava era que basicamente todo mundo sabia todas as entradas e todas as letras. O público era legal e participativo? Dava para se dizer que, guardadas as devidas proporções, sim. É claro que os adoradores de shows vistos pela tela do celular sempre marcam presença, assim como, apesar de haver vários jovens e até crianças na plateia, não é mais uma opção para a esmagadora maioria pogar em “Polícia”. Já o acompanhamento das músicas na ponta da língua e do fundo da alma somado à obediência aos comandos de mãos, braços e palmas estava em dia. Parabéns aos acadêmicos da associação!

Foram, enfim, 36 canções, cinco a mais desde a estreia do projeto em maio deste ano, no Rio de Janeiro. Ganharam vez “Será Que é Isso o Que Eu Necessito?”, “Nem Sempre Se Pode Ser Deus”, “Domingo”, “Querem Meu Sangue” e “O Quê”. Incrementos bem-vindos num inventário que podia render pelo menos mais um outro set list inteiro com composições de sucesso e lados B queridos dos fãs (cadê “Corações e Mentes” e “Eu Não Vou Dizer Nada”?).

Se fosse um projeto de longo prazo, a estrutura engessada do repertório, que não costuma abrir brechinhas para surpresas de uma noite para a outra, talvez fosse um ponto sensível. O planejamento detalhado do set list é, com certeza, peça importante para o funcionamento (e triunfo) da turnê como um todo. Por outro lado, não incentiva a ida a mais de um show ou dois – exceto, claro, se você for do tipo obcecado. Seria um problema ótimo para lidar. Infelizmente, porém, segundo garantem os próprios Titãs, Encontro se encerra junto com 2023. Mas é aquilo: não confio em ninguém com 32 dentes.

Set list: “Diversão”, “Lugar Nenhum”, “Desordem”, “Tô Cansado”, “Igreja”, “Homem Primata”, Será Que é Isso o Que Eu Necessito?”, “Nem Sempre Se Pode Ser Deus”, “Estado Violência”, “O Pulso”, “Comida”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, “Nome Aos Bois”, “Eu Não Sei Fazer Música”, “Cabeça Dinossauro”, “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo”, “Pra Dizer Adeus”, “Toda Cor”, “Não Vou Me Adaptar”, “Família”, “Querem Meu Sangue”, “Go Back”, “É Preciso Saber Viver”, “Domingo”, “Flores”, “32 Dentes”, “O Quê”, “Televisão”, “Porrada”, “Polícia”. “AA UU”e “Bichos Escrotos”. Bis: “Miséria”, “Marvin” e “Sonífera Ilha”.

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Paul McCartney – ao vivo

Nem problemas técnicos mancharam a segunda das três apresentações na capital paulista do beatle durante a passagem da Got Back Tour pelo Brasil

Texto por Fabio Soares

Foto: Marcos Hermes/Divulgação

O tempo passou e, sabemos, as últimas vezes estão cada vez mais próximas. Ver Paul McCartney em sua Got Back Tour em pleno 2023 é ter a certeza de que uma hora ou outra chegarão as despedidas, inevitáveis como leis da vida. Aceitar este fato é o máximo (e o melhor) que podemos fazer.

A data de 9 de dezembro amanheceu fria e chuvosa em São Paulo, contrariando o calor senegalês reinante na cidade nos dias anteriores. Evidenciando, talvez, uma apresentação diferente fosse pela forma, set list quase imprevisível (mesmo?) ou simplesmente pela sensação de coração apertado pelas últimas vezes, aquele sábado estava diferente dos demais. O início da performance de Paul, a segunda das três marcadas para capital paulista, provou exatamente isso.

Com 16 minutos de atraso (algo pouco usual em sua trajetória), o beatle adentrou o palco de um Allianz Parque completamente tomado por corações e mentes entregues ao sonho de ver um integrante dos Fab Four, fosse pela primeira ou última vez. Aliás, a audiência de Paul McCartney seja talvez a única do planeta a ostentar três ou quatro ou cinco gerações em um mesmo mesmo espaço. 

“A Hard Day’s Night” abriu os trabalhos com a já tradicional catarse que lhe é peculiar. Entretanto, algo desagradável saltou aos olhos e ouvidos: a péssima qualidade de som apresentada nas canções iniciais. Não importa se a desculpa é que os técnicos de som são da equipe do artista. A verdade é que assistir a grandes concertos no Brasil é um teste de paciência (e cardíaco) a ouvidos mais exigentes. Aliás, nem tão exigentes assim, porque exigir um som bem equalizado diante um ingresso que custou quase o mesmo que um salário mínimo é o mínimo que se pode reinvindicar – sobretudo durante a execução de “Maybe I’m Amazed”, lá pelo meio do set, quando os vocais de Paul permaneceram quase inaudíveis. Um verdadeiro crime para uma das mais lindas pérolas de seu repertório.

Após a abertura, a trinca fornada por “Junior’s Farm”, “Letting Go” e “She’s a Woman mostrou um Paul econômico nos gestos (mais que natural!) mas não menos empolgado. Na primeira, o naipe de metais posicionado no pé de uma das arquibancadas laterais foi uma grande sacada da produção, dando uma espécie de “alargamento” do palco em comunhão com a massa. Visualmente bonito, aborrecidamente na audição por conta dos problemas técnicos.

A banda do artista permanece como um pilar a ser respeitado. Admirável sustentáculo que permite ao artista errar, desafinar e voltar ao eixo quase que de forma imperceptível, algo que foi notado nas execuções de “My Valentine” e “Nineteen Hundred and Eighty-Five”. É no talento do trio formado pelos guitarristas Rusty Anderson e Brian Ray e do baterista Abe Laboriel Jr que Macca se apoia. Um trio de zagueiros que deixa o astro do time livre para criar como em “Something”. quando McCartney sacou seu ukulele para os versos iniciais e completou o serviço ao piano. Antes dela, disse em português: “esta vai para meu ‘mano’ George”. Aliás, dizer gírias e expressões locais é uma marca desta turnê brasileira. Foi assim em Brasília e Belo Horizonte também. Certamente será em Curitiba e Rio de Janeiro, as próximas escalas no país.

Relembrar os ex-companheiros não foi algo apenas reservado a “Something”. Em “I’ve Got a Feeling”, a tecnologia permitiu um dueto com um John Lennon projetado nos telões, em imagens retiradas do documentário Get Back, de Peter Jackson. John também foi saudado na inesperada cover de “Give Peace a Chance”. No mais, a pirotecnia ainda se fez presente em “Live And Let Die”, com o público completamente entregue e envolto num momento de brilho de raios laser e fogos de artifício, numa espécie de batismo a novos fãs (a quarta e a quinta geração presentes e já citadas neste texto).

Fosse nos momentos de catarse coletiva (“Helter Skelter”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e na indefectível “Hey Jude”) ou nos mais introspectivos, as duas horas e quarenta de espetáculo voaram, Deixaram novamente extasiada uma plateia completamente entregue ante um espetáculo que jamais perderá sua beleza e ápice, mesmo com problemas técnicos de som.

No fim, a inexatidão de uma despedida marcou presença. Mesmo aos 81 anos, o responsável por grande parte da cultura pop que conhecemos tem ainda muita lenha a queimar. E que bom seria se esta fogueira fosse eterna. Mas quer saber? De certa maneira, ela é sim.

Set list: “A Hard Day’s Night”, “Junior’s Farm”, “Letting Go”, “She’s a Woman”, “Got To Get You Into My Life”, “Come On To Me”, “Let Me Roll It”, “Getting Better”, “Let’em In”, “My Valentine”, “Nineteen Hundred and Eighty-Five”, “Maybe I’m Amazed”, “I’ve Just Seen a Face”, “In Spite Of All The Danger”, “Love Me Do”, “Dance Tonight”, “Blackbird”, “Here Today”, “Give Peace a Chance”, “New”, “Lady Madonna”, “Jet”, “Being For The Benefit Of Mr. Kite!”, “Something”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Band On The Run”, “Get Back”, “Let It Be”, “Live And Let Die” e “Hey Jude”. Bis: “I’ve Got a Felling”, “I Saw Her Standing There”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)”, “Helter Skelter”, “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”.