Início do novo capítulo da franquia proporciona uma intensa experiência cinematográfica aos fãs dos filmes de ação
Texto por Carolina Genez
Foto: Paramount/Divulgação
Ethan Hunt (Tom Cruise) e sua turma entram em mais uma perigosa aventura em que precisam localizar uma poderosa arma que ameaça a humanidade e impedir que ela caia nas mãos erradas. A equipe entra, então, em uma corrida contra o tempo ao redor do mundo enquanto enfrenta a própria IMF, que quer prender Hunt e um inimigo misterioso do passado dele.
Missão: Impossível é uma das poucas franquias cinematográficas que conseguem melhorar sua qualidade, tanto de narrativa quanto de aspectos técnicos, conforme o tempo passa. O novo filme tem roteiro e direção assinados por Christopher McQuarrie, que também foi responsável pelas direções dos últimas dois títulos e também fez parte do roteiro de Missão: Impossível – Protocolo Fantasma e Top Gun: Maverick. Dessa maneira, o cineasta não só já tem uma conexão com a saga, permitindo algumas conexões passadas como a personagem de Vanessa Kirby, como também já entende como funciona e como melhor aproveitar toda a dedicação que Tom Cruise tem com a obra.
Em Acerto de Contas Parte 1 somos jogados para uma narrativa atual, com uma das principais temáticas sendo a inteligência artificial. Aqui há uma arma tecnológica que detém muito poder e funciona quase que de maneira invisível, estando em todo lugar e ao mesmo tempo em lugar nenhum e constantemente prevendo ações dos personagens. É a tecnologia online deixando de ser confiável, um cenário interessante dentro dos longas de Missão: Impossível, visto as diversas bugigangas que os personagens usam desde o primeiro, como a própria forma de comunicação durante as tais missões. Essa sensação é passada até pelos planos inclinados utilizados por McQuarrie, que remetem a confusão e paranoia.
O roteiro traz uma narrativa muito maior do que a vista nos últimos filmes, visto que a Inteligência Artificial, nomeada de Entidade, também é valiosa para todas as nações do mundo – ao mesmo tempo que é poderosa, esse controle traz consigo muitos inimigos poderosos. Com riscos maiores, portanto, a história acaba sendo maior e assim dividida em dois lançamentos (o outro chegará em 2024). Nesta primeira parte, acompanhamos basicamente uma caçada com diversas reviravoltas em busca de duas chaves que servirão para controlar a arma. A história é interessante e instigante. Consegue prender a atenção com facilidade muito por conta do envolvimento dos atores e das cenas de ação.
Não resta dúvida de que as cenas de ação fazem este MI7AC1 digno ser visto dentro das salas de cinema. Depois de escalar um prédio e se pendurar em um avião a cinco mil pés de altura, Tom Cruise se arrisca novamente em cenas de tirar o fôlego que merecem ser vistas na maior e melhor tela possível. A dedicação de Cruise em estar na tela sem utilizar dublês é um dos fatores que faz Missão: Impossível ser tão bom, aumentando o realismo das cenas e nos fazendo acreditar ainda mais naquele perigo que os personagens vivem. Além das cenas de acrobacias do ator, as de perseguição são muito bem conduzidas, conseguindo manter o espectador na ponta de sua cadeira. Por sua vez, as de luta apresentam boas coreografias e também prendem por completo a atenção.
Se aqui o perigo é maior do que o dos outros filmes da franquia, também temos um vilão mais pessoal, garantindo assim relances sobre o passado de Ethan e sua vida antes da IMF (e que provavelmente serão melhor explorados no próximo Acerto de Contas). E a solidão, a perda e dor presentes dentro do ofício de ser um espião acabam ganhando mais destaques no roteiro.
As atuações também impressionam, principalmente as de Tom Cruise, Rebecca Ferguson e Hayley Atwell. Tom reprisa mais uma vez o personagem Ethan Hunt, o qual parece conhecer cada vez mais, trazendo ainda mais intimidade ao protagonista. Ao contrário de outros personagens de Cruise, Hunt é mais sério e quer acima de tudo fazer o que é certo, algo debatido até mesmo dentro deste novo filme. Ferguson reprisa seu papel como Ilsa, nome inspirado no clássico Casablanca. Traz uma personagem misteriosa, argilosa e inteligente, mas que conquista os espectadores com facilidade. E Atwell interpreta a controversa nova personagem Grace, que funciona quase como uma divertida anti-heroína, trabalhando pensando em seu próprio interesse. Atwell e Cruise formam uma dupla interessante cheia de química e carisma.
Assim como o título anterior estrelado por Tom Cruise, Top Gun: Maverick, este Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é mais um acerto recente do gênero ação. Novamente o público fica propenso a aceitar mergulhar em uma intensa experiência cinematográfica.
Homem-Morcego volta às telas interpretado por Robert Pattinson e persegue Pinguim e Charada ainda em seu início de carreira mascarada
Textos por Andrizy Bento e Leonardo Andreiko
Fotos: Warner/Divulgação
Lendária criação dos quadrinistas Bob Kane e Bill Finger para a editora DC Comics no longínquo ano de 1939, Batman é daqueles personagens que sobrevivem ao teste do tempo, constituindo seu próprio multiverso – ou, melhor, o seu batverso. Não à toa, já passou por reboots em sua mídia de origem, os quadrinhos, sendo reimaginado por roteiristas e desenhistas em outros universos e linhas temporais alternativas; além de já ter ganhado inúmeras releituras e adaptações para formatos distintos, como filmes, séries, jogos e animações.
No que diz respeito às adaptações live action, podemos citar uma lista respeitável de atores que já vestiram o manto do morcego, alguns mais bem sucedidos do que outros: Adam West, Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney, Christian Bale, Ben Affleck e Robert Pattinson – este, o atual, que está no filme Batman (The Batman, EUA, 2022 – Warner) que chega oficialmente aos cinemas na próxima quinta-feira, dia 3 de março, mas já tem sessões pagas de pré-estreia nesta terça de carnaval. E apesar do descrédito dos detratores e do receio dos mais céticos, o ator britânico é um ótimo Batman. Aliás, está melhor como Batman do que como Bruce Wayne… Mas Pattinson na pele do Homem-Morcego está longe de ser o único destaque do longa de Matt Reeves.
O diretor se pronunciou diversas vezes em entrevistas, não apenas sobre quais histórias estreladas pelo herói serviram de base para composição de seu filme, como também sobre quais seriam suas grandes influências no território cinematográfico. Reeves é um grande fã de Dennis O’Neil, um dos roteiristas fundamentais de Batman nos quadrinhos, especialmente quando ele estava à frente da fase “detetive” do herói. Além disso, o trabalho deste é marcado pelo caráter mais sombrio conferido ao personagem e por tratar de temáticas mais realistas, cotidianas e urbanas em suas tramas. Além da era O’Neil, as clássicas histórias Ano Um, Terra Um e O Longo Dia das Bruxas (com especial destaque para a última) também serviram de referência para Reeves compor seu Batman, bem como os filmes French Connection, Taxi Driver e longas noir em geral produzidos na década de 1970 – não podendo ser esquecidos os trabalhos mais antigos de David Fincher. Para completar, Reeves é um excelente realizador e soube equilibrar elementos narrativos e referências visuais de cinema e quadrinhos, jamais se distanciando brutalmente de nenhuma das duas linguagens, dosando-as com impressionante destreza na tela. O resultado é um feliz encontro de um filme policial no melhor estilo noir com os melhores anos do Morcego nos quadrinhos.
Batman é um longo conto do Morcego de aproximadamente três horas de duração. Muito mais um filme sobre o herói encapuzado do que sobre o homem por trás da máscara, Bruce Wayne, o longa dispensa o caráter introdutório, trazendo o vigilante noturno já atuante em Gotham City desde as sequências iniciais, mas ainda em começo de carreira. Não, não temos a já saturada cena da execução dos pais de Bruce na saída do teatro ou do cinema (já exaustivamente utilizada em outras adaptações) e nem o herdeiro de Thomas e Martha Wayne desenvolvendo seu uniforme e seus famosos bat-apetrechos. O roteiro parte do princípio de que o espectador disposto a conferir o filme já sabe o básico da essência do Cavaleiro das Trevas, conhecendo de antemão alguns dos traços de sua personalidade e elementos mais característicos de sua mitologia.
Com uma atmosfera realista, soturna, repleta de embates violentos que abrem mão de coreografias pomposas e modesto no que diz respeito a pirotecnias, Batman traz uma proposta bem diferente dos filmes de super-heróis da atualidade, não se preocupando em inserir momentos de humor e leveza em sua narrativa ou abusar de cores vibrantes e um visual estilizado para fisgar um público mais abrangente. Não que o longa-metragem seja conduzido com mão pesada ou projete-se como altamente denso, complexo e maduro tal qual Coringa de Todd Phillips. Trata-se de um ótimo entretenimento, com argumento interessante e assertivo ao harmonizar o drama e a ação. Confesso, ainda, que em meio a tantos longas de super-heróis que soam por demais episódicos, passando a impressão de serem grandes teasers para um filme-evento posterior, é muito bom ver uma produção do gênero que se fecha em si mesma e que, por mais que tenha sequências futuramente, ainda poderá ser vista como um filme independente da cronologia na qual está inserido. Temos uma trama com início, meio e fim. Como eram os filmes antigamente.
Dentre as cenas e aspectos marcantes ofertados pelo novo longa do Homem-Morcego, temos a sequência inicial, na qual Charada mira em seu primeiro alvo; a perseguição automobilística envolvendo Batman e Pinguim; o fato de o bom-mocismo de Thomas Wayne ser questionado, mostrando o personagem como um sujeito passível de falhas irreparáveis; e a evolução e o amadurecimento de Bruce como o misterioso herói mascarado, que começa a compreender as linhas borradas entre a vingança e a justiça. Reeves é perspicaz ao trabalhar o conceito de fumaça e espelhos nessa história de Batman. Visualmente, além de conferir uma aura soturna funcional à trama e ao estilo do personagem, a ideia de optar por cenas bastante sombreadas e imagens, muitas vezes, turvas e nevoentas ajudam a atenuar a violência – uma decisão inteligente no que concerne a manter a classificação indicativa no PG-13 (equivalente ao 14 anos no Brasil).
Todo o elenco está muito bem, composto por nomes que emprestam suas carismáticas estampas a personagens emblemáticos dos quadrinhos e apresentam uma química explosiva na tela. Além de Pattinson, Zoë Kravitz é uma das melhores em cena, conferindo a sagacidade e a sensualidade exata à sua Selina Kyle. Colin Farrell (irreconhecível na foto acima!) e Paul Dano surgem se divertindo além da conta nos papéis de Pinguim e Charada, respectivamente. Para completar, temos Jeffrey Wright cumprindo direitinho o dever de casa na pele do incorruptível Jim Gordon. Andy Serkis como o mordomo e tutor de Bruce, Alfred Pennyworth, e John Turturro, interpretando Carmine Falcone, completam o elenco estelar.
Infelizmente, a produção não é desprovida de deméritos. Ótima ideia a de investir em uma trama detetivesca que remete às origens do personagem nos quadrinhos como um grande investigador. O problema é que nem a resolução da charada chega a surpreender e nem Bruce Wayne/Batman se mostra assim tão dotado do brilhantismo e intelecto que se espera daquele que em sua mídia original foi considerado um dos maiores detetives do mundo.
A caracterização de Pattinson como Bruce Wayne também é bastante discutível. Primeiro porque o visual o aproxima mais de Terry McGinnis (o Batman do futuro) do que do Wayne clássico. E, pelo menos neste filme, não vemos Robert incorporar aquela figura charmosa, arrogante, sedutora e orgulhosamente bilionária tão típica de Bruce quando não está trajando seu uniforme e combatendo o crime pelas ruas de Gotham. Na verdade, em Batman, Bruce se mostra bem desinteressado de relações pessoais e eventos sociais, mantendo uma postura mais arredia e reservada, nem mesmo contribuindo como filantropo em sua decadente cidade natal. Mais melancólico do que de costume, o famoso órfão de Gotham alçado ao patamar de celebridade devido à herança e sangue, é uma lacuna não preenchida neste filme. Entendo que, com um ator no auge dos 35 anos, a ideia era que Pattinson passasse a impressão de um pobre garoto rico, imaturo e aborrecido e que jamais pudesse passar pela cabeça de alguém que ele seria capaz de se converter em Batman. Ainda que por vias tortas, Batman acerta nesse quesito.
No geral, o filme se distancia bastante da concepção de Christopher Nolan com seu O Cavaleiro das Trevas. O problema é que o que aproxima as produções é justamente um de seus fatores negativos: o excesso de explicações e didatismos. Por vezes, vemos os personagens narrando aquilo que já estamos vendo acontecer na tela. Outra característica incômoda é a forma como o protagonista se movimenta, especialmente em cenas de crime – sempre de modo muito lento e solene. Ok, pode ser que o peso do traje contribua para isso, o que seria mais um exemplo de que Reeves erra tentando acertar (!!!). Além disso, a direção de fotografia abusa de close-ups e planos detalhe, o que torna algumas cenas um tanto cansativas.
A produção, entretanto, é composta de mais acertos do que erros. A quebra de expectativa ao finalizar uma cena exuberante de voo do Homem-Morcego com um pequeno acidente só nos faz ter mais simpatia tanto pelo personagem quanto por seu realizador. Para os fãs de filmes de ação, as emblemáticas sequências de perseguições em alta velocidade, explosões e lutas violentas estão todas lá, intercaladas por diálogos objetivos e afiados, excelentes dinâmicas entre os atores e momentos dramáticos que passam bem distante de qualquer pieguice. A despeito de suas quase três horas, o longa jamais perde o ritmo e é exemplar em manter o interesse do espectador. Para completar, a trilha sonora combina Nirvana com o tema musical do herói que nos faz lembrar de imediato da popular série animada do Batman, produzida no início dos anos 1990 e exibida por aqui na TV aberta. Outro enorme acerto em uma lista de mais prós do que contras.
Batman é, sim, um grande filme. Talvez não seja o melhor do Cavaleiro das Trevas, mas merece um lugar de destaque na lista das adaptações cinematográficas de quadrinhos de super-heróis. (AB)
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É seguro dizer que estamos falando de um dos filmes mais aguardados dos últimos anos. Batman (The Batman, EUA, 2022 – Warner) foi anunciado por Ben Affleck quando ele ainda assumia o manto do Homem-Morcego e sofreu muitas reviravoltas até parar nas mãos de Matt Reeves (diretor dos capítulos 2 e 3 da nova saga de O Planeta dos Macacos). Seu herói, não mais Affleck, seria Robert Pattinson, popularmente conhecido como o vampiro Edward, de Crepúsculo, mas com maior e maior reconhecimento com o passar dos anos.
Reeves, além de dirigir o longa, escreveu seu roteiro com Peter Craig. Nele, o vigilante mascarado investiga uma série de assassinatos brutais cometidos pelo Charada (Paul Dano), que também se esconde por trás de uma máscara e deixa mensagens crípticas para o protagonista em cada cena do crime. Esse Batman, então, é mais detetive que lutador – o mistério é parte essencial de sua trama. Mais do que um mero filme de super-herói como os mais de trinta que vimos nas últimas décadas, Batman é um bom thriller.
Como tal, ele se estabelece na tênue linha entre tensão e medo. A angústia crescente dos momentos que podem acontecer, não dos que acontecem. Ao mostrar o Charada (foto acima) em ação antes de explicá-lo à audiência, ocupando as sombras como nosso herói, Matt Reeves constrói um suspense atemorizante, manipulando nossas expectativas. Se Batman emerge à tela nas sombras e as habita, seu antagonista faz o mesmo. Não há descanso, portanto, em um filme que se passa majoritariamente na noite de Gotham.
Parte central da mitologia do Homem-Morcego, a cidade é um grande tema de debate nas inúmeras adaptações dos quadrinhos à tela. Com o controle criativo de praxe da DC nos últimos anos, o diretor articula uma Gotham que não peca pelo realismo nova-iorquino como a que Christopher Nolan construiu, mas também não deixa de fundar sua ação, horror e mistérios sobre uma selva de pedra escura, suja e perigosamente verossímil. As luzes transformam a jornada num noir, alçando as composições arrojadas e envolventes de Reeves. Em mais um ótimo trabalho, o diretor de fotografia Greig Fraser (do novo Duna) brilha com dinamismo e inventividade. Seu uso de lampejos, chiaroscuro e, principalmente, do absoluto “sangrar” da tela em vermelho fazem desta uma abordagem requintada do personagem mascarado. Há um charme mórbido em todas as ambientações da cidade, muito disso causado pelo belo trabalho conjunto de direção e fotografia.
Inclusive, o diretor, que vem demonstrando sua sobriedade e controle nos últimos O Planeta dos Macacos, não comete o terrível erro esterilizante que assola os filmes de super-herói das últimas décadas. Sem enquadramentos que gritam aos quatro ventos “isso aqui é tela verde!”, Reeves faz da linguagem audiovisual sua maior aliada na construção simbológica da história. O espectador lembra constantemente o peso alegórico das personagens nas posturas, silhuetas e interações.
Contudo, longe de uma abordagem mais contida e meramente reflexiva das tramas do vigilante, aqui a ação também tem peso. Quem luta respira, sente a porrada e se machuca. Parte desse êxito se dá pelo controle do diretor da câmera, que não se move de cá pra lá sem nexo, entrecortando takes tremidos como se fossem atirados num liquidificador. A outra parte vem da incrível corporalidade de Pattinson e Zoë Kravitz (foto acima), que parecem habitar os corpos de suas personagens há muitos e muitos anos.
No caso do Homem-Morcego, se essa é uma versão mais garota, enraivecida e dotada de um moralismo ainda ancorado na decadente figura de seu pai “cidadão de bem”, não poderia ser diferente a caracterização de um Bruce Wayne claramente perturbado, de poucas aparições e palavras. A atuação de Pattinson é estelar, capaz de construir com o olhar angústia tamanha em seus silêncios como Bruce, temores tais em seus silêncios enquanto Batman – ou, melhor, Vingança.
Enquanto isso, Kravitz propõe uma Selina Kyle diferente das que já vimos em tela – e seu arco distancia-se de uma egoísta ladra rumo a uma interpretação mais compreensiva e bondosa com a futura Mulher-Gato. A atriz é a âncora emocional da relação entre Batman e a anti-heroína. Sendo assim, carrega com primazia a intensidade dramática dessas cenas e sequências.
Muito bem pode ser tido de todo o elenco coadjuvante, mas cabe ainda estender aplausos ao trabalho aterrorizante de Paul Dano. Seu vilão opera pelo medo e, mesmo com a veia terrorista, afasta-se muito do caos pelo caos que consagrou o eterno Coringa de Heath Ledger. Sua aura justiceira e obsessão pela verdade por trás da propaganda, que o tornam uma figura com seguidores (para manter a trama mais vaga possível), são, talvez, as dimensões mais “reais” de todo esse conflito.
Matt Reeves é sutil em localizar a trama em uma série de discussões bastante atuais sobre os perigos da era da informação. Tematicamente, Batman trata (entre outras coisas, é claro) da transformação das redes sociais e fóruns em armas psicológicas de terror, do “culto” à violência enquanto meio para um fim supostamente puro e, ainda nesse campo da moral, as implicações de vingança e justiça que pautam a maneira com que Bruce Wayne vê sua atividade como o Batman com o passar da trama.
Muito poderia ser dito desses e outros conflitos que se traduzem do universo fílmico para o universo real, ilustrando a potência do cinema, bem como de toda arte em geral, em tecer comentários sociais que se fazem eficientes dentro de um discurso maior. O filme, para muito além da adaptação, é um thriller com muita solidez, tensão e suspense. Sem esquecer a ação, a montagem de William Hoy e Tyler Nelson estabelece um ritmo engajante e convidativo nas quase três horas de duração do longa-metragem. Se é verdade que há muita coisa acontecendo em Batman, definir um tempo de tela tão extenso confere o certo respiro a cada uma das partes da complexa e intrincada narrativa.
Resta afirmar que essa versão do Homem-Morcego me parece uma das mais concretas e monumentais da personagem. O mesmo pode ser dito da interpretação bastante distinta de Wayne sem sua máscara. Com uma densa e crua atmosfera, Matt Reeves é capaz de conferir a intensidade temática dos conflitos de terror e máfia sem desvincular Batman da verve criativa do cinema. (LA)
Live action inspirado na clássica animação 101 Dálmatas conta a trajetória da vilã com embates fashionistas e estética punk rock
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Disney/Divulgação
Duas Emmas travam um embate fashionista retrô com fundo de vingança e estética punk rock na mais nova versão da vilã Cruella (EUA, 2021 – Disney). Ao contrário do que possa parecer, não há plumas no filme adaptado do clássico 101 Dálmatas, escrito pela britânica Dodie Smith em 1961, exibido nos cinemas abertos mundo pandêmico afora e agora chega à plataforma de streaming Disney+.
O tecido que envolve a silhueta da trama mescla poliéster e algodão. É sustentável e as peles são sintéticas. Pode-se dizer que Craig Gillespie acertou a mão com sua câmera ágil para costurar a origem de Cruella. A protagonista surge como a garotinha Estella (Tipper Seifert-Cleveland), dona de uma personalidade fragmentada – rebelde e genial – refletida no tom de seus cabelos bicolores. Sua metade preta traz à tona a raiva, o ódio, o desejo de vingança. Sua metade branca revela uma menina inteligente, criativa e, por que não, doce. Essa dualidade pode até significar uma resposta ao debate filosófico entre Rousseau-Hobbes-Locke sobre a natureza humana. Afinal, o ser humano já vem ao mundo egoísta; nasce bom e somos corrompidos pela sociedade; ou chegamos aqui como uma folha em branco, a tal tábula rasa? E a genética, qual sua parcela de “culpa”?
O roteiro evoca esse dilema moral/científico da protagonista – lembrando por vezes Coringa – durante toda a trama, destacando ora o lado “estelar” da vilã, ora o lado cruel. Na infância, a desajustada Estella/Cruella, que sonha em ser estilista de moda, é expulsa da escola. E não foi por conta do seu Converse All Star, não. Estella aprendeu desde cedo a revidar ofensas, a não deixar quieto e levar desaforo pra casa.
A mãe da garota decide, então, ir a Londres para tentar uma vida melhor e proporcionar um futuro digno para a filha. Antes, porém, é preciso acertar as contas com a Baronesa (Emma Thompson), a estilista mais arrogante e conceituada da paróquia (chega a ser mais arrogante que a Miranda de O Diabo Veste Prada). Durante a parada, no meio do caminho, Estella é “atropelada” por uma tragédia.
“Acidentes” mudam a vida, diz a anti-heroína. Da noite para o dia, a garota se vê órfã. Sozinha diante da fonte do Regent’s Park com seu único amigo: um cachorro. Aqui já temos uma diferença na construção da personagem. A vilã assume uma postura, digamos, mais politicamente correta do que aquela interpretada por Glenn Close nos anos 1990, que adorava desfilar com seus casacos de pele de dálmata.
A história, então, segue seu momento Oliver Twist, quando Estella passa a conviver com dois guris, batedores de carteira, Jasper e Horace. Joel Fry e Paul Walter Hauser entregam boas interpretações, apesar de algumas piadinhas sem graça bem ao estilo inglês (culpa do roteiro). O longa, aliás, é sustentado pela ótima escolha dos coadjuvantes, como John McCrea que interpreta o dono de brechó cuja androginia se inspira em David Bowie.
Estella e seus amigos vivem de furtos e conseguem sobreviver por conta própria. Mas num salto de dez anos, somos apresentados à protagonista em sua fase adulta. O cabelo bicolor se esconde sob uma peruca ruiva. A nossa anti-heroína usa seu dom para criar modelitos usados nos mais diversos delitos. Quando consegue emprego na boutique mais chique de Londres, sua vida se transforma: vira empregada da todo-poderosa esnobe Baronesa e, aos poucos, à medida que as reviravoltas acontecem, a persona Cruella de Vil vai se manifestando.
Por isso, nada melhor que a estética punk dos anos 1970 para narrar a origem dessa personagem às novas gerações que, se não conheciam Blondie ou Stooges, agora conhecem. Essa é uma das razões, aliás, pelas quais os remakes são feitos: adaptar clássicos à contemporaneidade.
A trilha retrô, assinada pelo premiado Nicholas Britell é repleta de canções das décadas de 1960 e 1970, incluindo Supertramp, Bee Gees, Doors, Nina Simone e, claro, os punks por natureza Clash. A inserção sonora acaba dando a impressão de que as sequências se transformam em videoclipes. Se para os ouvidos parece uma overdose, para os olhos o filme é um deleite. O tom noir (o cartaz de Cruella até lembra Sin City) glamouroso é fascinante especialmente para quem se interessa por moda: o figurino excêntrico, com seus vestidos de cetins e lamês; a maquiagem carregada sobretudo nos batons cor de carne, e os penteados extravagantes são, de fato, impecáveis. É uma organza total!
Emma Stone está de parabéns ao incorporar sua personagem estilosa que referencia Vivienne Westwood (a estilista do punk!). A atriz não precisa botar um ovo na boca para inventar seu sotaque britânico e consegue a proeza de pilotar uma motocicleta com salto 12. Genuinamente inglesa, Emma Thompson também brinda o espectador com uma antagonista que há muito tempo estava nos seus planos interpretar. As duas Emmas deverão ainda se reencontrar num futuro não muito distante. Bem ao estilo Marvel, o final dos créditos sugere uma nova adaptação de 101 Dálmatas em formato live action. Mais um spin off à vista!