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Espiral: O Legado de Jogos Mortais

Sequência com Chirs Rock encabeçando o elenco falha em reviver toda a tensão da atmosfera da cultuada saga de James Wan

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Paris Filmes/Divulgação

Reza a lenda que um dia Chris Rock adentrou o escritório de executivos da Lionsgate para apresentar o pitching de uma ambiciosa e gráfica continuação para a saga Jogos Mortais que deixou os engravatados sem escolha ao não ser dizer sim. Menos interessante que o boato, a realidade é que o comediante comentou a respeito da ideia de um novo capítulo para a história para um executivo em um casamento no Rio de Janeiro. 

A franquia Jogos Mortais ficou conhecida pelo body horror, as armadilhas engenhosas e os plot twists de tirar o fôlego. O primeiro e melhor filme da saga de James Wan apresentou o conceito dos jogos perturbadores de Jigsaw para o mundo em 2004. Mais de uma década depois, Espiral: O Legado de Jogos Mortais (Spiral: From The Book Of Saw, EUA/Canadá, 2021 – Paris Filmes) falha em reviver a atmosfera tensa e sangrenta dos filmes originais. 

O novo capítulo dos jogos mortais muda de perspectiva e coloca o espectador o tempo todo acompanhando as investigações dos casos e das pistas deixadas pelo novo assassino Jigsaw. Enquanto nos longas anteriores, o foco maior eram os jogos, as engenhocas e a vida dos personagens que estão aprisionados. O filme inaugural do universo Jogos Mortais fez tanto sucesso pois soube balancear as cenas de investigação com o assustador banheiro em que as vítimas do Jigsaw estavam presas. 

O filme bebe da fonte neo-noir de produções como Seven, de David Fincher. Aliás, toda a atmosfera parece de um filme policial dos anos 1990 e é por isso que foge tanto ao tom da série original. O personagem de Chris Rock, Zeke Banks, é um policial perturbado pelo passado que passa a investigar os crimes que se assemelham aos assassinatos de John Kramer.  O detetive mal humorado deixa claro desde as primeiras cenas que trabalha sozinho, por isso o óbvio acontece e ele ganha um parceiro, o novato William Schenk (Max Minghella). 

Samuel L. Jackson também está no elenco, mas tem seu talento completamente desperdiçado. Ele interpreta um ex-policial e também pai de Zeke. Chris Rock é comediante e com Spiral queria mostrar uma nova faceta artística, mais séria. Não convenceu. As pequenas adições de humor nos diálogos também não funcionaram. Era uma piada? Ele estava apenas sendo um idiota? Fica a dúvida. Rock já se provou um ótimo roteirista de comédia, mas como ator em um papel sério deixou a desejar. O único tom da atuação é cansativo e escolher a rota do detetive cínico, sarcástico e sem espírito de equipe não é inovador. 

Spiral tem cortes de câmera rápidos, closes no rosto dos personagens e um jogo de iluminação irritante que faz todo mundo parecer suado. O primor técnico da franquia Jogos Mortais nunca esteve na filmagem ou na edição. Os efeitos práticos e especiais davam vida ao filme deixando os objetos usados nas armadilhas extremamente reais. 

Quando finalmente o momento da grande revelação chega, as expectativas não são correspondidas. O grande plot twist já consagrado nos filmes anteriores é fraco e muito previsível. Os flashbacks de explicação tentam melhorar a situação, mas a anestesia da decepção é forte. 

Trazer uma saga de seis filmes de volta à vida obviamente não é fácil, mas retirar ou enfraquecer todos os principais elementos que a caracterizam é algo absurdo. Espiral é pensado para ser uma sequência direta do filme 6, mas não parece se passar nem no mesmo século. A repaginação completa do universo seria perdoada se fosse uma refilmagem ou um reboot. Mas não, é filha direta das produções de James Wan. Fãs dos filmes originais ficarão frustrados. Curiosos não verão graça nenhuma. Esta aqui é uma sequência de decisões erradas e não faz jus ao seu boato de origem. 

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Cruella

Live action inspirado na clássica animação 101 Dálmatas conta a trajetória da vilã com embates fashionistas e estética punk rock

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Disney/Divulgação

Duas Emmas travam um embate fashionista retrô com fundo de vingança e estética punk rock na mais nova versão da vilã Cruella (EUA, 2021 – Disney). Ao contrário do que possa parecer, não há plumas no filme adaptado do clássico 101 Dálmatas, escrito pela britânica Dodie Smith em 1961, exibido nos cinemas abertos mundo pandêmico afora e agora chega à plataforma de streaming Disney+. 

O tecido que envolve a silhueta da trama mescla poliéster e algodão. É sustentável e as peles são sintéticas. Pode-se dizer que Craig Gillespie acertou a mão com sua câmera ágil para costurar a origem de Cruella. A protagonista surge como a garotinha Estella (Tipper Seifert-Cleveland), dona de uma personalidade fragmentada – rebelde e genial – refletida no tom de seus cabelos bicolores. Sua metade preta traz à tona a raiva, o ódio, o desejo de vingança. Sua metade branca revela uma menina inteligente, criativa e, por que não, doce. Essa dualidade pode até significar uma resposta ao debate filosófico entre Rousseau-Hobbes-Locke sobre a natureza humana. Afinal, o ser humano já vem ao mundo egoísta; nasce bom e somos corrompidos pela sociedade; ou chegamos aqui como uma folha em branco, a tal tábula rasa? E a genética, qual sua parcela de “culpa”?

O roteiro evoca esse dilema moral/científico da protagonista –  lembrando por vezes Coringa – durante toda a trama, destacando ora o lado “estelar” da vilã, ora o lado cruel. Na infância, a desajustada Estella/Cruella, que sonha em ser estilista de moda, é expulsa da escola. E não foi por conta do seu Converse All Star, não. Estella aprendeu desde cedo a revidar ofensas, a não deixar quieto e levar desaforo pra casa. 

A mãe da garota decide, então, ir a Londres para tentar uma vida melhor e proporcionar um futuro digno para a filha. Antes, porém, é preciso acertar as contas com a Baronesa (Emma Thompson), a estilista mais arrogante e conceituada da paróquia (chega a ser mais arrogante que a Miranda de O Diabo Veste Prada). Durante a parada, no meio do caminho, Estella é “atropelada” por uma tragédia. 

“Acidentes” mudam a vida, diz a anti-heroína. Da noite para o dia, a garota se vê órfã. Sozinha diante da fonte do Regent’s Park com seu único amigo: um cachorro. Aqui já temos uma diferença na construção da personagem. A vilã assume uma postura, digamos, mais politicamente correta do que aquela interpretada por Glenn Close nos anos 1990, que adorava desfilar com seus casacos de pele de dálmata. 

A história, então, segue seu momento Oliver Twist, quando Estella passa a conviver com dois guris, batedores de carteira, Jasper e Horace. Joel Fry e Paul Walter Hauser entregam boas interpretações, apesar de algumas piadinhas sem graça bem ao estilo inglês (culpa do roteiro). O longa, aliás, é sustentado pela ótima escolha dos coadjuvantes, como John McCrea que interpreta o dono de brechó cuja androginia se inspira em David Bowie. 

Estella e seus amigos vivem de furtos e conseguem sobreviver por conta própria. Mas num salto de dez anos, somos apresentados à protagonista em sua fase adulta. O cabelo bicolor se esconde sob uma peruca ruiva. A nossa anti-heroína usa seu dom para criar modelitos usados nos mais diversos delitos. Quando consegue emprego na boutique mais chique de Londres, sua vida se transforma: vira empregada da todo-poderosa esnobe Baronesa e, aos poucos, à medida que as reviravoltas acontecem, a persona Cruella de Vil vai se manifestando.

Por isso, nada melhor que a estética punk dos anos 1970 para narrar a origem dessa personagem às novas gerações que, se não conheciam Blondie ou Stooges, agora conhecem. Essa é uma das razões, aliás, pelas quais os remakes são feitos: adaptar clássicos à contemporaneidade.

A trilha retrô, assinada pelo premiado Nicholas Britell é repleta de canções das décadas de 1960 e 1970, incluindo Supertramp, Bee Gees, Doors, Nina Simone e, claro, os punks por natureza Clash. A inserção sonora acaba dando a impressão de que as sequências se transformam em videoclipes. Se para os ouvidos parece uma overdose, para os olhos o filme é um deleite. O tom noir (o cartaz de Cruella até lembra Sin City) glamouroso é fascinante especialmente para quem se interessa por moda: o figurino excêntrico, com seus vestidos de cetins e lamês; a maquiagem carregada sobretudo nos batons cor de carne, e os penteados extravagantes são, de fato, impecáveis. É uma organza total!

Emma Stone está de parabéns ao incorporar sua personagem estilosa que referencia Vivienne Westwood (a estilista do punk!). A atriz não precisa botar um ovo na boca para inventar seu sotaque britânico e consegue a proeza de pilotar uma motocicleta com salto 12. Genuinamente inglesa, Emma Thompson também brinda o espectador com uma antagonista que há muito tempo estava nos seus planos interpretar. As duas Emmas deverão ainda se reencontrar num futuro não muito distante. Bem ao estilo Marvel, o final dos créditos sugere uma nova adaptação de 101 Dálmatas em formato live action. Mais um spin off à vista!

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O Grito

Novo remake americano de conhecida franquia nipônica de horror fica na superficialidade e nada traz de inovador ou assustador

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Texto por Maria Cecilia Zarpelon

Foto: Sony Pictures/Divulgação

O mais novo remake da franquia nipônica Ju-On (2002), O Grito (The Grudge, EUA/Canadá, 2020 – Sony Pictures), não só falha na tentativa de inovar a velha história da casa mal-assombrada e do fantasma vingativo, como apenas evidencia que a ultrapassada maldição do grito está fadada ao fracasso. O enredo da nova produção, dirigida por Nicolas Pesce, já é a segunda versão americana da obra original de Takashi Shimizu. Como os iniciados na franquia bem sabem, o grito é uma maldição que surge quando alguém é assassinado em um momento de ódio extremo. A entidade passa a atormentar a vida de qualquer um que colocar os pés no local do crime. Ao que tudo indica, isso nunca tem fim, assim como os filmes que habita. Baseado no script de Shimizu, o roteiro do novo longa ainda é sobre uma casa japonesa amaldiçoada – o que muda são as vítimas e o lugar. Desta vez, a trama é levada para uma pequena cidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

Este filme acompanha a vida da policial Muldoon (Andrea Riseborough), viúva e mãe solteira, que está determinada a solucionar o caso de um cadáver encontrado na floresta. A investigação é a linha norteadora da película. Assim como o remake de 2004, o novo filme dispõe de histórias cruzadas por meio de múltiplas linhas de tempo para apresentar os destinos de vários personagens, entre eles, um casal de corretores de imóveis (John Cho e Betty Gilpin) que enfrentam uma difícil escolha na gravidez, um casal de idosos (Lin Shaye e Frankie Faison) que procuram a ajuda de uma assistente de suicídio assistido (Jacki Weaver), o detetive Goodman (Demian Bichir) e seu antigo parceiro Wilson (William Sadler).

Apostando nos clichês de todo filme de terror, Pesce parece não conseguir fazer o longa se destacar em quase nenhum quesito. Além dos excessivos e costumeiros jumpscares, que acabam sendo fracos e previsíveis, a película se baseia no pretexto mais básico e óbvio de qualquer franquia de horror (como os famosos “você nunca irá escapar” e “a maldição nunca te deixará em paz”). É decepcionante o fato não ser construída uma atmosfera de tensão, ficando tudo preso na segurança de entidades que aparecem desfocadas atrás das pessoas e que desaparecem e reaparecem à medida que um personagem apaga e acende as luzes. Estes clichês se tornaram clichês por um simples motivo: eles funcionam. Entretanto, no caso da franquia de O Grito, eles já foram exaustivamente usados. Talvez fosse a hora de tentar algo novo.

Mesmo que por vezes se apoie no óbvio, este novo longa tem suas passagens favoráveis. Para aqueles que são familiarizados com a franquia de remakes do J-Horror, nesta nova versão ainda existem os famigerados sustos no chuveiro, na pia e na banheira, trazendo um sentimento de nostalgia ao espectador, ao recordar cenas do auge do filme original. As histórias são todas permeadas pela dor e pela perda, numa válida tentativa do diretor de fazer com que a audiência se sinta próxima e acredite em uma realidade muito plausível, mostrando como as pessoas são frágeis e vulneráveis, e que a maldição não perdoa ninguém. Mesmo que o desenvolvimento dos personagens deixe a desejar e acabe sendo um tanto superficial, Pesce investe no sofrimento de cada um. Não apenas o causado pela maldição, mas também aquele que qualquer pessoa poderia ter – o que muitas vezes não é abordado em outras produções do gênero.

Para além da falta de criatividade e originalidade de sustos, o filme não se diferencia daqueles que vieram antes, muito menos justifica sua própria criação. Para os amantes do terror, infelizmente essa é só mais uma maçante e saturada história sobre a já esgotada casa mal-assombrada e que desperdiça um elenco talentoso e não traz nada de novo ou assustador para a realidade atual. O Grito, mesmo que tenha seus momentos arrepiantes, prova ser apenas mais um remake de uma história batida, que continua amaldiçoado por um conceito fatalmente clichê.