Music

Rick Wakeman – ao vivo

Ícone do rock progressivo traz a Curitiba sua turnê de despedida com o repertório montado para emocionar os seus fãs

Texto por Daniela Farah

Fotos: Abonico Smith

De todas as promessas de turnê derradeira de um artista, a Final Solo Tour de Rick Wakeman é, com certeza, uma das únicas com as qualificações para cumpri-las. O show, que passou por Curitiba no dia 15 de abril, na Ópera de Arame, é uma homenagem muito sensível e delicada para os fãs. E é tão bonito quando essa relação entre artista e fã atinge esse nível de respeito.

O conforto que a vida digital proporciona pode se tornar um impedimento para que os fãs saiam de casa e encontrem o artista tête-à-tête. E ainda assim, Rick conseguiu praticamente encher a casa em plena segunda-feira chuvosa na cidade. Aliás, essa foi a parte fácil, o difícil mesmo foi fazer as pessoas irem embora depois das luzes se acenderem.

De outro ponto de vista, há muitas turnês finais que se tornam extremamente lucrativas e é visível os olhos dos artistas brilharem em dólar enquanto fazem estripulias no palco. Mas não para Wakeman. O gênio compositor dos teclados montou um concerto belíssimo, para quem é fã ver. Ele repassou grande parte de suas obras e deu o melhor de si no palco, ainda que visivelmente debilitado pela idade.

Uma das frases mais impactantes ditas pelo músico foi a que ele dividiu o palco com diversas pessoas, incluindo orquestras e coros, mas que dessa vez estaria sozinho. E ele fez isso em um palco limpo, sem qualquer uma das grandes afetações que ele tanto gostava quando era mais novo.

Rick é um conversador nato e entre as poucas coisas que conhece sobre o Brasil estão os craquesde futebol Pelé e Rivelino. E no palco da Ópera de Arame ele se dividiu entre um piano e dois sintetizadores, enquanto compartilhava algumas poucas histórias. As primeiras foram o fato de que Henrique VIII teve seis esposas mas ele, apenas quatro. Uma brincadeirinha leve para anunciar que tocaria “Catherine Howard”, de seu álbum solo The Six Wives Of Henry VIII, lançado em 1973.

“Eu toquei em muitos discos, para muitas pessoas. Alguns eram muito bons, outros eram terríveis, provavelmente por causa de mim. Tem uma pessoa que eu adorei tocar, que foi o David Bowie. Aqui vão duas peças que eu gravei com ele: uma é ‘Space Oddity’ e a outra é ‘Life on Mars?’”, disse Wakeman, já na metade do repertório.

As marcas autobiográficas do show vão desde as histórias ao set list, que é constituído basicamente por um resumo de sua obra. Assim, ele incluiu sua carreira como pianista de estúdio, aqui foi representada pelos trabalhos com o Bowie, mas ele também tem em sua lista de preferidos nomes como Elton John, Lou Reed, Cat Stevens, entre outros. Na sequência da dobradinha de Bowie veio o álbum de 1975, The Myths And Legends Of King Arthur And The Knights Of The Round Table, representado pelo medley de “Arthur”, “Guinevere”, “The Last Battle”, “Merlin The Magician”.

E quanto ao Yes? Seria uma tarefa um tanto árdua escolher uma ou outra música entre suas idas e vindas com uma das bandas mais famosas do rock progressivo. Wakeman não escolheu, portanto. Eis que faltava um traço de seu grandiosismo no show e isso foi representado justamente na hora do Yes.

“Desta vez eu queria fazer algo diferente”, declarou ao microfonou no momento reservado ao grupo britânico. “Em vez de tocar uma peça do Yes, vai ser cerca de 30. E o que fiz foi pegar os temas e melodias e colocá-los em uma longa peça musical, chamado “Yessonata’. É longo, leva cerca de quatro horas… (risos) Então veja quantas peças do Yes você consegue identificar”. E os fãs responderam cantando, aplaudindo ou gritando ou mesmo fechando os olhos e jogando a cabeça para trás para entrar em delírio cada vez que reconheciam uma melodia.

Para finalizar, ele fez sua própria versão de “Help!” e “Eleanor Rigby”:“eu faço um pouco diferente do que eles (John Lennon e Paul McCartney) fizeram.”, disse um divertido e até atrevido Rick. “Eleanor Rigby”, então, veio como um mamute de peso absurdo.

O concerto poderia muito ter acabado aqui e o público já estaria em êxtase. O pianista até agradeceu e saiu do palco. Mas como encerrar a última turnê sem tocar Journey To The Centre Of The Earth? O álbum de 1974 foi um marco tanto em sua carreira, quanto na história da música – que, aliás, muitas vezes se confundem.

Mas Rick Wakeman fez esse show para os fãs, e essa é sua última turnê. Portanto, ele voltou ao palco, ovacionado, claro! “Em 1974, quando eu era bem pequeno… (risos) eu escrevi uma peça que se chama Journey To The Centre Of The Earth. Eu gravei com uma grande orquestra, um grande coro, uma grande banda. Mas eu a escrevi no piano e assim é como eu criei”, disse se sentando-se ao instrumento de cauda.

Rick agradeceu, foi novamente ovacionado e, enfim, retirou-se do palco. Já o público demorou mais um tempo e se dividiu entre os que precisaram absorver o processo do que acabara de acontecer e entre os que formaram uma longa fila pedindo para que alguém da produção carregasse um disco ou um pôster para o músico autografar ou mesmo aguardando no portão que levaria à entrada para o camarim. 

Set list: “Jane Syemour”, “Catherine Howard”, “Space Oddity/Life On Mars?”, “Arthur/Guinevere/The Last Battle/Merlin The Magician”. “Yessonata” e “Help!/Eleanor Rigby”. Bis: “The Journey/Recollection”.

Movies

Uma Vida – A História de Nicholas Winton

Produção da BBC conta como um jovem britânico salvou 669 crianças da morte e do sofrimento na invasão nazista de Praga em 1938

Texto por Abonico Smith

Foto: Diamond Films/Divulgação

Depois de ganhar alguns anos atrás, o Oscar dando um show de interpretação como o idoso com a doença de Alzheimer em Meu Pai, seria nada anormal se esperar ver o ator voltar logo às telas em outra história carregada de drama, sofrimento e relações com o passado. E é exatamente o que acontece com Uma Vida – A História de Nicholas Winton (One Life, Reino Unido, 2023 – Diamond Films).

Hopkins interpreta também octogenário corretor da bolsa de valores do interior inglês que entrou para a História por um grande feito humanitário em 1938: conseguiu tirar 669 crianças checas de Praga um pouco antes da ocupação das tropas nazistas de Hitler na cidade, dando a elas lares adotivos temporários (e que em muitos casos viriam a se tornar definitivos) oferecidos por famílias da região em torno da cidade de Hampstead. Anthony, no final dos anos 1980, acaba por se pegar confrontado com o que fizera meio século antes e que, de uma maneira ou outra, acaba por lhe atormentar o espírito pela incapacidade de tornar ainda maior em números a sua façanha.

Enquanto Winton se depara com as memórias e os documentos que comprovam suas atitudes, o espectador enfrenta um didático vai-vem temporal, cheio de flashbacks que fazem o filme focar nas ações do jovem corretor para justificar o trocadilho do título original – afinal, a tal vida do nome pode se referir tanto ao ápice da vida do então jovem solteiro e bastante intrépido Nicky (com muita ajuda de sua mãe, por sinal) como a de cada criança que fora levada de trem de Praga a Londres por meio de artimanhas diplomáticas.

Como a produção conjuga a grife da BBC, é tudo mostrado com excesso de sentimentalismo em diálogos, ângulos de câmera e intervenções da trilha sonora. O diretor James Hawes, que tem no currículo dos últimos dez anos um monte de séries para a TV (Black Mirror, inclusive), junta-se aos dois roteiristas (Barbara, filha de Nicky, recebe um terceiro crédito pelo fato da história ser adaptada de um livro que lançara sobre o caso de seu pai) sem muita  ousadia na forma. Tudo bem aos moldes das produções tradicionais da British Broadcasting Corporation voltadas a pessoas ordinariamente comuns mas com algum fato bem interessante no decorrer de sua vida. Sem riscos, mas também sem falhas. Pragmatismo ao extremo.

Hopkins brilha ao encarnar um homem cheio de ambições passadas mas extremamente bonachão e queito nos tempos atuais da narrativa, contudo ele não é o único a se destacar na atuação. Helena Bonham Carter, mais discreta do que nunca na caracterização de um personagem recente, também conquista o espectador nos poucos minutos de tela como a impetuosa coadjuvante Sra. Winton, sempre disposta a ajudar seu jovem filho. A sueca Lena Olin (esposa de Nicky, mãe da então grávida Barbara) e o músico-ator sulafricano Johnny Flynn (o quase trintão Nicky durante os flashbacks) também encabeçam o elenco de primeira desta obra, que por mais que se refira a algo que ocorreu quase um século atrás, torna-se ainda mais atraente por traçar paralelos com as crianças de hoje em dia que estão sofrendo quase o mesmo horror em outro massacrante conflito não muito distante dali de Praga.

Music

Placebo

Oito motivos para não perder o único show que será feito em março no Brasil durante a nova turnê de Brian Molko e Stefan Olsdal

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Demorou quase uma década mas, enfim, terminou o tempo de espera. Faltam poucos dias para o Placebo voltar a pisar e tocar no Brasil. Brian Molko e Stefan Olsdal – acompanhados por quatro músicos como apoio no palco, inclusive pelo baixista e tecladista Bill Lloyd, que acompanha a banda desde a os primeiros anos de carreira, também já tendo feito as vezes de tour manager e empresário – chegam por aqui em um momento muito especial. Afinal, em 2024 comemoram os trinta anos de uma carreira sólida e consistente, repleta de hits e marcada pela conquista de uma legião mundial de fãs bastante fiéis.

A nova passagem por aqui será um único show, marcado para São Paulo. Portanto, há apenas uma oportunidade para não perder o encontro com o grupo que, embora tenha sonoridade mais pesada e nem tão retrô quanto alguns de seus contemporâneos mais famosos, foi revelado no bojo da explosão do britpop nos meados dos anos 1990.

Por isso, o Mondo Bacana dispara aqui oito motivos pelos quais você precisa estar presente no Espaço Unimed na noite de 17 março vindouro (endereço, horários, ingressos e demais informações oficiais sobre o evento você pode ter clicando aqui).

Dupla dinâmica

Eles se conhecem desde a infância, quando estudavam simultaneamente (mas não interagiam, já que a diferença de idade de ambos é de dois anos) na Escola Internacional de Luxemburgo. O belga Brian Molko (guitarra, violão, teclados e vocais) e o sueco Stefan Olsdal (baixo, guitarra, violão, teclados e backings ao vivo) só passaram a trocar ideias mesmo quando, já bem crescidos e residindo em Londres, encontraram-se em uma estação de metrô. Conversa vai e conversa vem, não se separaram mais. Passaram a compartilhar o gosto em comum pela música, especialmente bandas alternativas norte-americanas como Nirvana, Sonic Youth e Pixies. Fundaram o Placebo em 1994 e já no ano seguinte apresentaram o primeiro single, com a canção “Bruise Pristine”. Ela foi incluída no álbum de estreia, que veio à luz meses depois. “Teenage Angst”, “Come Home”, “36 Degrees” e “Nancy Boy” também ganharam singles e se tornaram outros sucessos iniciais do então trio – revezavam-se nas baquetas o também sueco Robert Schultzberg e o inglês Steve Hewitt, que tornou-se membro fixo de Placebo (1996) até Meds (2006), quando foi “ejetado” por ter a relação com a dupla desgastada em demasia durante as gravações em estúdio.

Desajuste social

Se você não se sente inserido em padrões da sociedade, seja sexual, comportamental ou mesmo referente a questões da saúde mental, as letras escritas por Brian Molko certamente te representam. A cada disco, o vocalista parece ampliar ainda mais o leque de temáticas sobre distúrbios e a incapacidade de sentir uma pessoa “normal” e não sofrer, de alguma maneira, por isso. Talvez seja este, então, o grande segredo de sucesso e longevidade do Placebo. Afinal, a figura sempre andrógina do próprio Molko é a representação visual de seus versos, o que vem facilitando uma identificação muito rápida de novos fãs nestas três décadas de trajetória da banda.

Selected

Boa parte destas letras das canções foi compilada pelo próprio autor delas para o livro Selected, que recentemente teve disponibilizada a sua segunda edição (em capa dura) em comemoração pelos 30 anos de carreira da banda. São 156 páginas que incluem ainda uma foto, prefácio escrito pelo próprio Brian Molko e 18 novas faixas adicionadas à leva original, totalizando 92. Você tinha três opções de modelos para comprar: não  autografado, autografado (à mão) e personalizado para você (sim, com nominho e tudo escrito também à mão por Molko). Entretanto, as duas últimas opções já estão esgotadas. Custa 25 libras e a aquisição é diretamente pelo site oficial do Placebo (clique aqui).

Discos ao vivo

Depois de ficar um bom tempo sem fazer turnês, foi só cair na estrada de volta para trazer uma bela novidade aos fãs. O vinil branco transparente duplo Collapse Into Never: Placebo Live In Europe 2023 é, de fato, o primeiro disco gravado ao vivo por Brian e Stefan, capturando a atmosfera de palco da banda – a única experiência fonográfica anterior foi extraída de um especial Acústico MTV produzido especialmente para a filial europeia da emissora de televisão norte-americana. Traz, de cabo a rabo, a apresentação realizada em um festival espanhol no início do ano passado. Só que este álbum não é a única novidade vinda em dezembro agora. Placebo Live é um box formado por mais outros dois registros ao vivo, além de Collapse Into Never. Editado no formato blu-ray, This Is What You Wanted também veio da atual turnê – desta vez durante a passagem de Molko e Olsdal pela Cidade do México, também ocorrida em 2023. Já o terceiro, o CD Live From The White Room, saiu de faixas do último álbum executadas pela banda no Studio One do complexo de estúdios para audiovisual que fica em Twickenham, subúrbio do sudoeste de Londres (estes vídeos estão sendo utilizados pela banda como clipes oficiais, aliás). Então, quem não se importa com spoilers e gosta de saber com antecedência o que deverá encontrar no momento de assistir ao show aqui no Brasil, então, tem a chance de mergulhar fundo na antecipação e não se deparar com surpresas.

Never Let Me Go

O Placebo é uma banda metódica com relação a discos e turnês. Grava um novo álbum e sempre reserva um bom tempo para viajar divulgando as novidades – e por causa disso boa parte do repertório sempre vem da safra mais recente de canções. Molko e Olsdal não são muito de manter a banda na ativa com concertos sem pensar nos fãs e em dar novidades a eles. Lançado em 2022 e fruto do isolamento social antecedente, Never Let Me Go interrompeu o maior hiato entre uma obra e outra do grupo. Foram nove anos passados desde o título anterior. Reflexos de medos e inseguranças que vieram com a pandemia refletiram numa sonoridade bem mais pesada e pungente do que a apresentada em Loud Like Love (2013). E isso também se reflete na execução ao vivo. Por isso, a presença de oito ou nove faixas novas no set list deve ser celebrada e bem aproveitada. Quatro delas foram lançadas como singles: “Beautiful James”, “Sorrounded By Spies”, “Try Better Next Time” e “Happy Birthday In The Sky”.

Tears For Fears

Pragmatismo também faz parte da personalidade do Placebo. Quem acompanha a banda faz tempo sabe bem que em seus shows sempre aparecem covers bem interessantes – a ponto de dez deles terem sido compilados em um disco de mesmo nome lançado em 2023. A releitura preparada para a atual turnê homenageia outra dupla, o Tears For Fears. Sempre que voltam para o bis, Brian e Stefan entoam um dos hinos do pop britânico dos anos 1980. “Shout” começa com o disparo de uma percussão eletrônica similar à da gravação original de Roland Orzabal e Curt Smith. Em virtude da característica mântrica da canção, que repete várias vezes o curto e poderoso refrão, também faz com que o restante do arranjo também não seja tão diferente assim. A grande novidade fica no timbre peculiar da voz de Molko comandando a letra.

Kate Bush

“Running Up That Hill (A Deal With God)” foi gravada para ser a faixa de abertura do álbum Covers, que pinçava outras releituras extraídas de lados B de singles e DVDs, trilhas sonoras de filmes e alguns-tributos. A faixa, transformada em synthpop intimista, também foi lançada em compacto e também aparece no disco duplo A Place For Us To Dream (2016), com 36 das músicas mais conhecidas e celebradas do repertório do Placebo. Detalhe: tudo isso bem antes da série Stranger Things utilizar a clássica versão original de Kate Bush em sua trilha sonora e fazer a cantora virar febre, capas de revistas e número um das paradas nos EUA pela primeira vez na vida. O que já era cultuado na versão sussurrada por Molko, então, virou uma boa peça para a renovação de público e atrair como fãs uma horda de nerds mais novos espalhada pelos quatro cantos do planeta. Muitos deles que sequer tinham ouvido a banda anteriormente. E, claro, esta cover também está incluída no bis dessa turnê.

Big Special

Não é nada grande, não é nada especial. O antislogan utilizado por esta banda de abertura serve bem para ilustrar o bom humor desta dupla inglesa, escolhida a dedo pelo Placebo para fazer os concertos de abertura das escalas sul-americanas da atual turnê. E as performances são bastante cruas: contam só com o vocalista Joe Hicklin e o baterista Callum Moloney, também responsável pelos backings e pelo disparo das bases pré-gravadas com baixos distorcidos, guitarras e sintetizadores que completam o arranjo das músicas. A sonoridade percorre a crueza a visceralidade do punk com toques de spoken word. PostIndustrial Hometown Blues é o nome do álbum de estreia recém-lançado. No que depender de faixas como “This Here Ain’t Water”, “Shithouse” e “Desperate Breakfast” não tem como não sair impactado pela performance.

Music

Foo Fighters + Garbage + Wet Leg – ao vivo

Com duas bandas de abertura de luxo, banda de Dave Grohl faz show arrebatador em Curitiba com o baterista substituto de Taylor Hawkins

Foo Fighters (Dave Grohl e Josh Freeze)

Texto e foto Wet Leg por Abonico Smith

Fotos Foo Fighters e Garbage: Alessandra Tolc (Photolc)

Cobertura realizada em parceria com o site Rock On Board

Bogotá, 25 de março de 2022. A notícia vinda da Colômbia caía como uma bomba entre os espectadores do festival Estéreo Picnic que aguardavam ansiosamente para ver o show do headliner Foo Fighters. Horas antes, no quarto do hotel, o coração do baterista Taylor Hawkins não resistia a mais uma experiência química depois de tantos abusos. A banda, atônita e sem ter o que fazer, cancelava em cima da hora a apresentação no evento e tudo mais que ainda faria na perna sul-americana da turnê. A data subsequente seria no dia seguinte, no Brasil, em outro evento de grande porte, o Lollapalooza.

Curitiba, 7 de setembro de 2023. Para fazer dois concertos no Brasil, o Foo Fighters faz uma pequena pausa na tour norte-americana, que trouxe a banda de volta aos palcos em maio último. Um deles dentro de um festival, o The Town, em São Paulo. Dois dias antes, porém, o sexteto comandado por Dave Grohl pagou aos fãs daqui uma dívida de gratidão ao realizar na capital paranaense o primeiro show em solo brasileiro após a trágica morte de Hawkins e a confirmação de que a carreira da banda seguiria em frente. E o que se viu foi uma intensa troca de emoções. De um lado, uma plateia de cerca de 45 mil pessoas em êxtase, cantando de cabo a rabo todos os versos. Do outro, um frontman aliviado, agradecendo todo o apoio dado depois do baque. “Espero agora que, de alguma maneira, nós ajudemos vocês a sobreviverem, porque vocês nos ajudaram a fazer isso”, disse.

O responsável pela continuação da engrenagem, segundo o vocalista apontou, é o novo membro Josh Freese. “Ele já tocou em trezentas bandas. Vocês podem não reconhecê-lo mas com certeza conhecem algo de algum trabalho que já tenha feito”, disse. Baterista bastante requisitado tanto para estúdios como palcos, ele já tocou e gravou com gente como Nine Inch Nails, Guns N’Roses, Devo, Queens Of The Stone Age, A Perfect Circle, Weezer, Miley Cyrus, Selena Gomez, Katy Perry, Ricky Martin, Avril Lavigne, Danny Elfman e Sting. Comparado por muita gente na pista com o ator Ryan Gosling (astro de filmes como Barbie e La La Land), o “novato” mostrou ter sido mesmo a melhor escolha para a substituição de Hawkins. Destreza, segurança, habilidade, virtuosismo, diálogo com vários gêneros (hardcorehard rockheavy metalpop, reggae, punknew wave, industrial, indie) fazem parte de seu currículo. A única coisa que não dá para fazer mesmo é ocupar o lugar do falecido integrante à frente do palco.

Taylor era responsável por uma parte bem divertida dos shows do Foo Fighters: a hora dos covers variados e inusitados. Com a desenvoltura de rockstar, largava as baquetas para ocupar por duas ou três canções o microfone de Grohl, que, temporariamente, voltava a relembrar seus tempos de bateria no Nirvana. Agora, esses coversviraram apenas citações introdutórias durante a apresentação de cada um dos seis integrantes – pena que nada na íntegra, por Dave não saber a letra. No Couto Pereira, os fãs tiveram um pequeno aperitivo de Beastie Boys (“Sabotage”), NIN (“March Of The Pigs”), Ramones (“Blitzkrieg Bop”), Devo (“Whip It”) e um até então inédito na turnê Led Zeppelin (“Stairway To Heaven”, em um momento-piada sobre o tempo da gig). Ainda deu para acrescentar os enxertos de riffs de Black Sabbath (“Paranoid”), Jethro Tull (”Aqualung”) e Metallica (“Enter The Sandman”) no arranjo para “No Son Of Mine”, porque o vocalista queria “conhecer a plateia”.

show foi extenso, repertório idem. Em 2h45 de apresentação, a banda tocou 23 canções, pinçando faixas de nove dos dez álbuns da discografia. Teve espaço até para surpresas. Na volta para o bis, foi encaixada a recentíssima “The Teacher” (de But Here We Are, disco lançado no último mês de junho). Um pouco antes rolaram o reggae “Shame Shame” (de Medicine At Midnight, de 2021) e a semiconhecida “Generator” (de There’s Nothing Left To Lose, de 1999, quando o FF ainda dava seus primeiros passos como banda). Volta e meia, inclusive, Grohl exaltava a longa trajetória de 28 anos e celebrava a primeira vinda de muitos a um show do sexteto.

Musicalmente uma apresentação de Dave e sua turma é tiro certeiro. Hit atrás de hit praticamente, com a ajuda de coros em uníssono da plateia. Também ajuda a angariar uma ampla gama de fãs distintos toda a variedade de referências sonoras trazidas pelos seis músicos – valem aqui, aliás, os mesmos gêneros descritos mais acima para Josh. Em questão cênica, Grohl também é irrepreensível. Sabe como poucos comandar uma multidão. Segura sem parar, tanto em gestos quanto em palavras, a plateia durante quase três horas. Não existe quem não saia extasiado do local ao acender de todas as luzes. Banda e audiência.

Um encontro com o FF já valeria por toda a noite, ainda mais em se tratando de uma volta por cima de maneira efusiva e perfeita como já era antes da tragédia colombiana do ano passado. Só que a noite do Dia da Independência no estádio do Coritiba ainda teve de brinde duas grandes bandas como entradas para o prato principal.

Wet Leg (Hester Chambers e Rhian Teasdale)

Às seis e meia, já escurecendo, o Wet Leg abriu os trabalhos. Idealizado e comandado pelas vocalistas, guitarristas e BFF Rhian Teasdale e Hester Chambers, o quinteto formado durante a pandemia é a mais deliciosa surpresa do rock guitarreiro deste último par de anos. Suas letras são exemplo da mais bela despretensão literária, celebrando coisas cotidianas como a nota baixa da escola, um pedaço de merda, uma desilusão amorosa, o tédio ou o prazer de se divertir solitariamente em uma festa. Rhian, especialmente, dialoga muito bem com o universo adolescente. Veste roupas esportivas oversized a la Billie Eilish, Enche sua guitarra toda de adesivos brilhantes, coloridos e com motivos de bichinhos. Tenta se comunicar com a plateia falando ao microfone o máximo que sua visível timidez permite. Já tem 30 anos de idade mas achou um ponto de conexão com a molecada mais nova, que compõe boa parte do fanbase do grupo.

Seu homônimo álbum de estreia, lançado no ano passado pelo cultuado selo independente Domino, foi celebrado como um dos grandes títulos britânicos da temporada passada. Entre os prêmios conquistados neste ano estão dois Grammy (música e disco alternativos) e dois Brit Awards (banda e revelação). O show ainda é curto – são apenas dez canções (sendo seis singles celebrados por fãs, imprensa e até mesmo Barack Obama) e quarenta minutos que voam se você estiver dançando e curtindo sem parar. Mas a festa é garantida, a barulheira também. Já dá para prever um longo e excelente caminho para as meninas e seus companheiros. Em Curitiba, o Wet Leg foi bem recebido apesar do desconhecimento total de boa parte da plateia. Conquistou muita gente nova e ouviu os gritos de “what?” de seu hit maior, “Chaise Longue”, ecoando por todo o estádio.

Garbage (Shirley Manson e Butch Vig)

Como segunda atração da noite, às quinze para as oito, um nome de luxo: o Garbage. De carreira tão extensa quanto o FF, o grupo norte-americano é formado por três amigos superprodutores (os guitarristas Duke Erikson e Steve Marker, mais o baterista Butch Vig) e uma vocalista poderosa e carismática (a escocesa mais californiana que existe, Shirley Manson). No Couto Pereira, equilibrou o set list entre clássicos dos dois primeiros álbuns (o homônimo, de 1995, e Version 2.0, de 1998) e algumas faixas do mais recente (No Gods No Masters, de 2021). Ainda apresentou um convidado mais do que  especial: o baixista Eric Avery, também fundador do Jane’s Addiction. Depois de um começo morno, virou o jogo com “Cities In Dust”, cover de Siouxsie & The Banshees puxada para o lado industrial e lançada para o Record Store Day de 2022 como lado B do single de “Witness To Your Love”). Daí vieram os hits nineties “I Think I’m Paranoid”, “Stupid Girl”, “Vow”, “Push It” e “Only Happy When It Rains”. Esta última ganhou nova introdução, com veia bluesy, levada ao piano por Erikson e cantada com muito mais melancolia por Manson.

É pública e notória a química entre Vig, Marker e Erikson, que já produziram muitos discos de qualidade no Smart Studios, pequeno e aconchegante local de gravação situado em Madison, Wiscosin, e de propriedade dos dois primeiros. Garbage, Nirvana, Smashing Pumpkins, L7, Soul Asylum, Tegan & Sara, Sparklehorse, Fall Out Boy, Death Cab For Cutie e Tad, por exemplo, produziram boas faixas e álbuns clássicos ali. Manson soltando o gogó, performando como diva em estiloso vestido vermelho e sendo muito simpática com a plateia é a cereja do bolo. Contudo, alguma coisa incomoda no Garbage quando o assunto é a banda ao vivo. Chama a atenção nos arranjos muito das bases eletrônicas disparadas. Parece que os três músicos (exceção feita justamente ao extra Avery) estão ali apenas para soltar peso, distorção e presença de palco, preenchendo espaços que são bons aos olhos e à comunicação com a plateia mas que em um todo sonoro ficam aquém do esperado para tamanha magnitude deles nos estúdios. Claro que não compromete em nada o resultado final, mas para quem espera um pouco mais de entrega musical ali no cara a cara esta combinação entre o live e o pré-gravado soa como algo entre o preguiçoso e o relaxado.

Set list Foo Fighters: “All My Life”, “The Pretender”, “Learn To Fly”, “No Son Of Mine”, “Rescued”, “Walk”, “Times Like These”, “Under You”, “La Dee Da”, “Breakout”, “My Hero”, “This Is A Call”, “The Sky Is A Neighborhood”, “Shame Shame”, “Nothing At All”, “These Days”, “Generator”, “The Glass”, ”Monkeywrench”, “Aurora” e “Best Of You”.Bis: “The Teacher” e “Everlong”.

Set List Garbage: “Supervixen”, “The Men Who Ruled The World”, “Wolves”, “Cities In Dust”, “I Think I’m Paranoid”, “Godhead”, “Stupid Girl”, “Vow”, “Only Happy When It Rains” e “Push It”.

Set list Wet Leg: “Being In Love”, “Wet Dream”, Supermarket”, “Convincing”, “Oh No”, “Piece Of Shit”, “Ur Mum”, “Too Late Now”, “Angelica” e “Chaise Longue”.

Music

Nick Drake

Há 75 anos nascia o cantor e compositor de muita timidez e zero reconhecimento em sua curta vida

Texto por Fabricio Muller

Foto: Reprodução

>> Texto publicado pelo Mondo Bacana em novembro de 2014

Paulo Francis, por ter falado da corrupção da Petrobras no começo dos anos 1990, tem sido bastante lembrado ultimamente. Vou falar de outra lembrança que tenho dele: reconheço que me incomodava, naquele tempo, quando Francis batia sem dó na música pop. Ele dizia que isto não era arte, que nada sobreviveria. E eu ficava me questionando se ele não teria mesmo razão.

Hoje, muitos anos depois, este assunto – se a música pop é arte ou não – já não tem o menor sentido para mim. De todo modo, se Paulo Francis fosse vivo, eu teria um argumento muito forte contra a sua teoria: o nome deste argumento é Nicholas Rodney Drake – ou Nick Drake, nome pelo qual este grande cantor folk britânico é conhecido até hoje.

Nick Drake, cujo falecimento ocorreu no dia 25 de novembro de 1974, é o típico artista reconhecido depois da morte, tal como Van Gogh, Kafka ou Bach. Mas, ao contrário destes, ele era um músico pop. Este reconhecimento póstumo tem pouquíssimos exemplos neste gênero – se é que tem algum. Poderíamos pensar no Velvet Underground, mas é covardia. Realmente, a grande banda americana só foi reconhecida depois do término; mas não só ela era patrocinada por Andy Warhol, como Lou Reed e John Cale continuaram vivos e tocando músicas do Velvet Underground muitos anos depois do fim da banda. Já Nick Drake só deixou para a posteridade alguns discos e algumas fotos – várias delas promocionais. Não há sequer uma filmagem dele adulto. Já a única entrevista que ele deu foi de um constrangimento total, para todas as partes envolvidas.

Os três discos que Nick Drake lançou em vida – Five Leaves Left, de 1969; Bryter Layter, de 1970; e Pink Moon, de 1972 (depois ainda seriam lançados alguns títulos póstumos, compilando gravações já lançadas ou algumas inéditas) – não chamaram a atenção de ninguém. Naquele período a concorrência de música pop era pesada – Cat Stevens, Paul Simon, Bob Dylan, Stevie Wonder, Elton John, Paul McCartney, John Lennon – e Nick, um cantor de uma timidez absurda, que odiava se apresentar ao vivo, dar entrevistas, promover seu trabalho, simplesmente não conseguiu achar seu espaço. É verdade que há quem diga que a gravadora Island deveria ter trabalhado mais para promovê-lo, mas ninguém duvida que o próprio Drake também não ajudava. O que importa é que, depois da morte do cantor em 1974, sua fama e sucesso não param de crescer. Isto – é o que eu diria a Paulo Francis – é a prova de que a música pop pode, sim, ser eterna. Arte com A maiúsculo, aquelas coisas.

Nascido na antiga Birmânia (o país, situado no sudeste asiático, hoje se chama Myanmar) em 19 de junho de 1948, Nick Drake cresceu numa família de classe média alta. Era um estudante quieto, mas relativamente popular – muito distante do verdadeiro eremita em que se transformou nos últimos anos da sua vida. Viajou com amigos para França e, como tantos outros nos anos 1960, teve diversas experiências com drogas – se ele usava em grandes ou pequenas quantidades é motivo de dúvida até hoje. Estudou literatura em Cambridge e desistiu do curso para se dedicar à música.

Ainda muito jovem conseguiu um contrato com a Island para gravar, durante vários meses e com uma excelente equipe de músicos, o trabalho de estreia Five Leaves Left. Apesar da baixa vendagem do álbum, lançou mais outro disco com uma equipe contratada pela gravadora. Como Bryter Layter (o meu preferido) também vendeu muito pouco e o cantor foi ficando cada vez mais recluso (além de praticamente não conseguir se apresentar ao vivo), foi uma verdadeira surpresa quando Nick Drake dirigiu-se até a Island e gravou em apenas duas sessões o seu terceiro álbum, Pink Moon (desta vez, só ele e seu violão em quase todas as faixas). Este disco, que é o favorito de Jake Bugg, também não vendeu quase nada.

Consciente de seu fracasso como artista e com problemas emocionais cada vez mais sérios, Nick voltou a morar na casa de seus pais, onde faleceu devido a uma dose excessiva de comprimidos para dormir – não se sabe com certeza até hoje se foi suicídio ou uma superdosagem acidental.

O estilo de Drake é calmo, às vezes triste – e às vezes se nota uma ponta de ironia. Normalmente se percebe que ele tinha um grande prazer em cantar. Sua técnica no violão era primorosa: muitos até hoje não entendem a afinação que utilizava. Sua voz com freqüência era sussurrada, mas a dicção quase sempre bem clara. De todo modo, uma voz que era um complemento perfeito para suas melodias belíssimas e sua interpretação atingia profundidades inauditas.

DEZ FAIXAS CLÁSSICAS

“Day Is Done”

Tudo é perfeito aqui. A sensação de que tudo já foi cumprido. A instrumentação de câmara. A interpretação ao mesmo tempo arrebatadora e contida. A melodia inacreditavelmente linda.

“Hazey Jane II”

E você achava que o Belle & Sebastian não era original porque “imitava” Smiths ou Velvet Underground? Na verdade, a obra inteira da banda escocesa é derivada desta canção de Nick Drake. Desculpem aí…

“Poor Boy”

Até bossa nova o cara colocava nas músicas dele. Um monstro.

“The Thoughs Of Mary Jane”

Olha, não posso acreditar que uma música tão doce e sensível seja uma homenagem à marijuana. Não combina, gente!

“Way To Blue”

Os Beatles já tinham feito música pop de excelente qualidade com quarteto (ou coisa que o valha) de cordas em “Eleanor Rigby”. Com uma formação semelhante, Nick Drake chega num patamar também semelhante de qualidade. É de arrepiar.

“At The Time Of A City Clock”

Melodia e arranjo intrincados. Uma canção cheia de possibilidades.

“I Was Made To Love Magic”

Canção póstuma, com Nick Drake deliciosamente irônico… e doce.

“Saturday Sun”

Uma valsa que certamente inspirou as belíssimas valsas do fã Elliott Smith.

“Sunday”

O que é esta flauta? O que é esta flauta???

“Fly”

E estas cordas ao fundo, com voz e violão à frente?