Music

Rick Wakeman – ao vivo

Ícone do rock progressivo traz a Curitiba sua turnê de despedida com o repertório montado para emocionar os seus fãs

Texto por Daniela Farah

Fotos: Abonico Smith

De todas as promessas de turnê derradeira de um artista, a Final Solo Tour de Rick Wakeman é, com certeza, uma das únicas com as qualificações para cumpri-las. O show, que passou por Curitiba no dia 15 de abril, na Ópera de Arame, é uma homenagem muito sensível e delicada para os fãs. E é tão bonito quando essa relação entre artista e fã atinge esse nível de respeito.

O conforto que a vida digital proporciona pode se tornar um impedimento para que os fãs saiam de casa e encontrem o artista tête-à-tête. E ainda assim, Rick conseguiu praticamente encher a casa em plena segunda-feira chuvosa na cidade. Aliás, essa foi a parte fácil, o difícil mesmo foi fazer as pessoas irem embora depois das luzes se acenderem.

De outro ponto de vista, há muitas turnês finais que se tornam extremamente lucrativas e é visível os olhos dos artistas brilharem em dólar enquanto fazem estripulias no palco. Mas não para Wakeman. O gênio compositor dos teclados montou um concerto belíssimo, para quem é fã ver. Ele repassou grande parte de suas obras e deu o melhor de si no palco, ainda que visivelmente debilitado pela idade.

Uma das frases mais impactantes ditas pelo músico foi a que ele dividiu o palco com diversas pessoas, incluindo orquestras e coros, mas que dessa vez estaria sozinho. E ele fez isso em um palco limpo, sem qualquer uma das grandes afetações que ele tanto gostava quando era mais novo.

Rick é um conversador nato e entre as poucas coisas que conhece sobre o Brasil estão os craquesde futebol Pelé e Rivelino. E no palco da Ópera de Arame ele se dividiu entre um piano e dois sintetizadores, enquanto compartilhava algumas poucas histórias. As primeiras foram o fato de que Henrique VIII teve seis esposas mas ele, apenas quatro. Uma brincadeirinha leve para anunciar que tocaria “Catherine Howard”, de seu álbum solo The Six Wives Of Henry VIII, lançado em 1973.

“Eu toquei em muitos discos, para muitas pessoas. Alguns eram muito bons, outros eram terríveis, provavelmente por causa de mim. Tem uma pessoa que eu adorei tocar, que foi o David Bowie. Aqui vão duas peças que eu gravei com ele: uma é ‘Space Oddity’ e a outra é ‘Life on Mars?’”, disse Wakeman, já na metade do repertório.

As marcas autobiográficas do show vão desde as histórias ao set list, que é constituído basicamente por um resumo de sua obra. Assim, ele incluiu sua carreira como pianista de estúdio, aqui foi representada pelos trabalhos com o Bowie, mas ele também tem em sua lista de preferidos nomes como Elton John, Lou Reed, Cat Stevens, entre outros. Na sequência da dobradinha de Bowie veio o álbum de 1975, The Myths And Legends Of King Arthur And The Knights Of The Round Table, representado pelo medley de “Arthur”, “Guinevere”, “The Last Battle”, “Merlin The Magician”.

E quanto ao Yes? Seria uma tarefa um tanto árdua escolher uma ou outra música entre suas idas e vindas com uma das bandas mais famosas do rock progressivo. Wakeman não escolheu, portanto. Eis que faltava um traço de seu grandiosismo no show e isso foi representado justamente na hora do Yes.

“Desta vez eu queria fazer algo diferente”, declarou ao microfonou no momento reservado ao grupo britânico. “Em vez de tocar uma peça do Yes, vai ser cerca de 30. E o que fiz foi pegar os temas e melodias e colocá-los em uma longa peça musical, chamado “Yessonata’. É longo, leva cerca de quatro horas… (risos) Então veja quantas peças do Yes você consegue identificar”. E os fãs responderam cantando, aplaudindo ou gritando ou mesmo fechando os olhos e jogando a cabeça para trás para entrar em delírio cada vez que reconheciam uma melodia.

Para finalizar, ele fez sua própria versão de “Help!” e “Eleanor Rigby”:“eu faço um pouco diferente do que eles (John Lennon e Paul McCartney) fizeram.”, disse um divertido e até atrevido Rick. “Eleanor Rigby”, então, veio como um mamute de peso absurdo.

O concerto poderia muito ter acabado aqui e o público já estaria em êxtase. O pianista até agradeceu e saiu do palco. Mas como encerrar a última turnê sem tocar Journey To The Centre Of The Earth? O álbum de 1974 foi um marco tanto em sua carreira, quanto na história da música – que, aliás, muitas vezes se confundem.

Mas Rick Wakeman fez esse show para os fãs, e essa é sua última turnê. Portanto, ele voltou ao palco, ovacionado, claro! “Em 1974, quando eu era bem pequeno… (risos) eu escrevi uma peça que se chama Journey To The Centre Of The Earth. Eu gravei com uma grande orquestra, um grande coro, uma grande banda. Mas eu a escrevi no piano e assim é como eu criei”, disse se sentando-se ao instrumento de cauda.

Rick agradeceu, foi novamente ovacionado e, enfim, retirou-se do palco. Já o público demorou mais um tempo e se dividiu entre os que precisaram absorver o processo do que acabara de acontecer e entre os que formaram uma longa fila pedindo para que alguém da produção carregasse um disco ou um pôster para o músico autografar ou mesmo aguardando no portão que levaria à entrada para o camarim. 

Set list: “Jane Syemour”, “Catherine Howard”, “Space Oddity/Life On Mars?”, “Arthur/Guinevere/The Last Battle/Merlin The Magician”. “Yessonata” e “Help!/Eleanor Rigby”. Bis: “The Journey/Recollection”.

Music

Rick Wakeman

Oito motivos para não perder a passagem por aqui da turnê que promete ser o adeus do artista e cria uma peça sinfônica com 30 músicas do Yes

Texto por Daniela Farah

Foto: Divulgação

Ícone do rock progressivo, o tecladista Rick Wakeman está no Brasil para fazer quatro shows de sua derradeira turnê. A despedida do artista dos palcos, que recebe o nome de The Final Solo Tour, já passou, neste mês de abril, por Porto Alegre (dia 11) e São Paulo (dia 12). Brasília (14) e Curitiba (15 – para mais informações sobre local, horário e ingressos, clique aqui), serve como uma grande retrospectiva de mais de meio século carreira, muitos destes anos intrinsecamente ligados ao Yes. Por sinal, uma ligação tão importante para seu nome, que ele preparou uma novidade aos fãs da longeva banda: a criação de uma peça sinfônica que junta trechos de mais de 30 faixas gravadas pela banda.

O Mondo Bacana preparou oito motivos pelos quais você não pode perder, de jeito nenhum, a passagem deste grande mestre das teclas pretas e brancas e verbete indispensável para qualquer enciclopédia sobre a história do rock’n’roll.

Virtuosismo

Para um músico ter seu sucesso reconhecido em seu trabalho é preciso fazer algo que impacte várias pessoas. Rick Wakeman cumpriu os checklists possíveis aqui. Em primeiro lugar, fez parte de uma grande banda. Mas o que realmente o colocou no topo de tudo foi seu virtuosismo. Qualquer coisa que cite o nome dele, seja biografia, matéria ou entrevista, tem ao lado do nome a sua genialidade como tecladista e compositor. O talento virou quase uma marca registrada, misturada com sua identidade. Não a toa que cinco de seus álbuns foram top 10 no Reino Unido. Como não existem muitos músicos assim na História, a oportunidade de conferir de perto o virtuosismo de Wakeman é com certeza algo sedutor.

Turnê final

Essa é a sua última tour. Claro que muitos músicos falam isso apenas para vender ingressos, mas neste caso é a pura verdade. Rick prometeu há muito tempo que pararia quando completasse 77 anos. Idade esta que ele completa em seu aniversário no próximo mês, dia 18 de maio. Portanto, é agora ou nunca.

Show biográfico

A proposta do concerto é muito diferente do que temos por aqui. Ele mistura piano com uma conversa com o público, quase como se pudéssemos entrar um pouquinho na cabeça de Wakeman. De uma gentileza tamanha um artista com essa genialidade dividir isso com a gente. Até a escolha do set list é pensada de tal forma, como um resumo de canções dispostas ao longo dos 53 anos de carreira.

“Yessonata”

Como gênio criativo que é, Rick Wakeman decidiu não simplesmente tocar as músicas do Yes, mas ainda criar uma peça sinfônica chamada “Yessonata”, mesclando um total de 30 canções memoráveis do grupo. Incrível a habilidade de transformar o antigo em algo inédito, tocar o coração dos fãs, ao mesmo tempo em que impulsiona uma lufada de ar fresco. Chris Welch disse na biografia Close to the Edge: The Story of Yes que “o Yes se destacou como uma das bandas mais comprometidas na história do rock pela intensidade em criar músicas originais. Com tal exemplo, podemos compreender o porquê.

Yes

Este é um dos nomes que entra no hall de qualquer devoto do rock progressivo. A ideia da banda era ultrapassar todos os limites que a tecnologia da época impunham para gravar as ideias mais criativas saídas das mentes de seus integrantes, que estavam em busca da música perfeita. Entre suas idas e vindas para o Yes, Wakeman participou de álbuns importantes como Fragile (1971), Tales From Topographic Oceans (1973), Tormato (1978), entre outros. Mas essa história, o que é melhor, ele conta melhor no seu último concerto!

David Bowie + Beatles

Se você é daqueles que não diz sim para o Yes mas ainda assim quer ver Rick Wakeman e seu virtuosismo, não se preocupe. O artista traz covers em sua atual turnê, homenageando nomes que estão em sua coleção de preferidos. Um deles é David Bowie. Wakeman apresenta na turnê a fusão de “Space Oddity” e “Life on Mars?”. Bowie era seu amigo. Para ele, gravou algumas participações em estúdios. Tocou mellotron em “Space Oddity” e piano em “Wild Eyed Boy From Freecloud” e “Memory Of A Free Festival”. Rick também cola “Help!” com “Eleanor Rigby”, dos Beatles. Não tem como não dar uma pontinha de curiosidade em todo mundo que ainda não ouviu.

Obras polêmicas

Quando Rick Wakeman resolveu usar sua criatividade para seus discos solo, a comunidade prog dividiu opiniões. Do pomposo ao brilhante, do ridículo ao genial. Não há meio termo aqui, ou você ama ou odeia. A questão é que é simplesmente impossível ignorar um compositor que criou obras tão marcantes como a trilha sonora de Lisztomania (estrelado por Roger Daltrey, vocalista do Who), Six Wives Of Henry VII e Journey To The Center Of The Earth, entre outros clássicos.

Journey To The Centre Of The Earth

Em 2024, o terceiro disco solo do tecladista completa meio século de gravação e lançamento. Journey To The Centre Of The Earth foi inspirado no livro clássico de Júlio Verne, que, aliás, é um dos preferidos do músico. Wakeman o tinha lido várias vezes quando decidiu transformá-lo em peça musical. Não só isso: criou um espetáculo inteiro, bem extravagante, com direito a dinossauros (!!!). O ano era 1974 e o que mais ele ouviu nos bastidores foi que nada disso daria certo. Mas, seguindo um conselho do amigo Bowie, ouviu seu coração e resolveu tornar tudo isso em realidade. Ainda bem! O disco foi um sucesso, alcançou o topo de vendas da época e se tornou uma grande influência do rock progressivo em todos os tempos.

Music

História do Rock: T.Rex

Há meio século, Marc Bolan atiçava a libido das adolescentes britânicas com o glam rock e via seu grupo ser considerado o “sucessor” dos Beatles

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução

Sábado, 18 de março de 1972. Arena Wembley, Londres. Sessão dupla de concertos (um à tarde e outro à noite) para um total de público de 16 mil pessoas. Quase todas elas adolescentes, a maioria feminina. Da plateia vem um frenesi descontrolado, com muitos gritos histéricos e devoção extrema ao frontman da banda, um jovem de roupas supercoloridas e brilhantes, longos cabelos encaracolados e aquela androginia no visual. Muitas das garotas, inclusive, repetem o visual purpurinado espalhado pelo ídolo através de fotografias em jornais e revistas mais as costumeiras aparições em programas musicais na televisão. Marc Bolan é o novo Deus da música pop jovem e sua banda, T. Rex, coleciona, consecutivamente, desde o ano anterior, três números um e mais um número dois na parada britânica de singles. A imprensa nacional, como sempre ávida por incensar boas novidades da ilha e cunhar novos termos já arrumou uma nova expressão para suceder a beatlemania de outrora. A onda de êxtase coletivo agora chama-se T.Rextasy.

O ano de 1971 fora bastante produtivo para Bolan e seu reformulado grupo, agora na formação de quarteto e carregando um novo batismo. Apesar da ainda pouca idade, o guitarrista e vocalista não era necessariamente um novato no circuito musical londrino. Nascido em 30 de setembro de 1947, ele assinou seu primeiro contrato fonográfico aos 18 anos. Lançou dois compactos sem qualquer repercussão até juntar-se ao grupo mod John’s Children em 1967, com o qual ficou apenas quatro meses, até a sua dissolução.  Na sequência, formou um novo projeto chamado Tyrannosaurus Rex. Acompanhado apenas pelo percussionista Steve Pelegrin Took, ele tocava violão sentado no chão, andava sempre com uma capa preta tal qual um antigo mago e cantava letras formadas com temas como bruxaria e outros temas místicos. Pudera: Bolan, entrando nos seus vinte anos de idade, estava imerso até a medula na contracultura hippie que dominava as artes da então chamada Swinging London. Com um certo burburinho no circuito musical e o grande incentivo do então iniciante DJ John Peel, desde sempre ávido por descobrir e impulsionar no rádio nomes desconhecidos do underground, a dupla lançou quatro álbuns e algunssingles até 1970, quando Peregrin deixou a formação por conta de seguidos problemas de bastidores provocados pelo consumo excessivo de álcool e drogas. Paralelamente, ele chegou a lançar um livro de poesia que alcançou a marca de 40 mil exemplares vendidos, marca considerada expressiva para o gênero.

Com a saída de Peregrin, Bolan aproveitou para reformular por completo o direcionamento conceitual do projeto. Encurtou o nome para T.Rex, comprou uma guitarra Gibson Les Paul e uma outra Fender Stratocaster e comandou a eletrificação da sonoridade e a formação de um quarteto (com a entrada em definitivo de um baixista e baterista, ao lado de um novo percussionista), jogando-se, assim, ao encontro de seus sonhos de adolescência. É que ele nunca escondera seu fascínio pelos pioneiros do rock’n’roll desde a entrada na puberdade. Amava Elvis Presley Chuck Berry, Little Richard, Gene Vincent e, em especial, Eddie Cochran. Largou o colégio aos 14 anos e desde então dedilhava seu primeiro violão com esmero, perseguindo o sonho juvenil de ser tão famoso quanto eles na área musical. Como a mãe trabalhava de feirante no East End londrino, em alguns dias da semana ia junto com ela para visitar lojas de alfaiataria da região. Seu interesse, mesmo moleque, era vestir-se com ternos tão impecáveis quanto de cortes diferenciados. Um gosto relativamente esquisito e incomum para um moleque daquela idade, convenhamos.

Ao lado do produtor musical Tony Visconti (e do recém-chegado Mickey Finn, que veio para comandar um alucinado conjunto de congas, bongôs, apitos, maracas e pandeirosmais os backing vocals afinadíssimos dos músicos/comediantes Flo & Eddie, ex-integrantes dos grupos Turtles e do Mothers Of Invention de Frank Zappa, sempre presentes nas gravações de estúdio), Bolan começou a reformulação sonora ainda em 1970, com o single “Ride a White Swan”. Mesmo ainda insistindo em temáticas do paganismo comuns ao Tyrannosaurus Rex (neste letra há palavras como “druida”, “feitiços” e Beltane – nome de uma tradicional festa de regiões da Irlanda, Escócia e também Ilha de Man, geralmente celebrada na entrada do mês de maio), saíam de cena as lisérgicas e longas viagens sonoras para mísseis certeiros de três minutos de duração, com direito a letras curtas, repetindo versos ou algumas palavras e frases. A estrutura das novas composições também tornou-se algo bastante rudimentar: eram estrofes e refrões intercalados. Nada de pontes ou terceira parte – no máximo, ao vivo, havia um pequeno espaço para solos de guitarra ou percussões, mas sempre repetindo uma mesma sequência anterior de acordes. Quanto aos vocais, um pequeno truque de Visconti: Marc gravava-os sempre em dobro, com o produtor se esmerando para deixá-los distanciados por um pequeno delay de um milissegundo. Adicionados à instrumentação rock’n’roll, as vozes de Bolan traziam um eco de extrema força magnética, algo quase imperceptível.

Entretanto, foi só em 1971 que o T.Rex decolou rumo ao sucesso e à fama. Steve Currie e Bill Legend (respectivamente baixo e bateria) foram adicionados à formação. A estilista Chelita Secunda, esposa de Tony Secunda, manager do Bolan na época, foi peça primordial na transformação do vocalista em sex symbol. Veio dela a ideia de que Marc adotasse a androginia em seu visual, com o uso de cores fortes e muito brilho nas roupas, acessórios femininos como espalhafatosos boás e discretos slingbacks mais uma forte maquiagem com direito a lápis preto, blush, batom mais estrelas e lágrimas feitas com muita purpurina colada logo abaixo dos olhos. Foi com a banda cheia, o novo visual e a nova receita sonora que a banda emplacou naquele ano. A aparição desta maneira no popular programa Top Of The Pops, da BBC, logo no início do ano, cantando o novo single “Hot Love” transformou a banda em nova febre da garotada. As meninas, especialmente, formaram a maioria do fã clube. Pudera, também. A nova fórmula de Bolan incluía versos para lá de libidinosos, tal qual seus heróis pioneiros do rock, com versos de alto teor sexual, chegando a usar gírias corriqueiras dos jovens, Como no single seguinte, que seria o responsável por detonar o tal T.Rextasy.

Na verdade, a trajetória do T.Rex coincide com um período muito especial para o cotidiano da sexualidade na Grã-Bretanha. Para se ter uma ideia, somente em 1968 a homossexualidade foi descriminalizada por lá. Então, o período da contracultura foi uma movimentação primordial para a sociedade andar por novos caminhos e maneiras para viver e sobretudo se adaptar a isso. Sobretudo os adolescentes, que estão na fase dos hormônios todos em ebulição e um mundo inteiro de descobertas pela frente. O que leva ao principal caso midiático da cobertura da imprensa britânica em 1971: o julgamento dos editores da revista Oz, febre entre os teenagers, considerada extremamente obscena pelos setores mais conservadores por causa de alguns desenhos e fotografias utilizadas em colagens. O tribunal – o mais longo de toda a história da justiça de lá – levou cinco longas semanas até decidir pela condenação de seus editores, levados à prisão sob a alegação de “fornecer conteúdo sexual a menores de idade e perverter a moral pública”. Os cabeças da publicação cumpriram um tempo de pena na cadeia e o golpe foi duro, a ponto da revista ver sua popularidade cair até deixar de circular em 1973.

Ao lado da Oz, o T.Rex foi o grande responsável pela liberação do tesão adolescente no biênio 1971/1972. Os shows da banda eram um festival de hormônios à flor de pele. Meninas gritando histericamente como não se via desde os primeiros anos dos Beatles. No palco, um frontman que não apenas sensualizava com a guitarra como fizera Jimi Hendrix (inclusive chegando a tocá-la com um pandeiro), o que somava ruídos e microfonias à costumeira distorção do pedal. Marc Bolan incorporava um dândi afetadíssimo, era um puro teatro de Pantomima, rebolava sem parar na hora do acentuado batuque de tambores promovido por Finn, Currie e Legend e dava sem parar gritos estridentes e selvagens. Sabia, como ninguém, levar a plateia adolescente em sua mão do início ao fim dos shows – como se pode ver na íntegra dos dois concertos promovidos pelo quarteto naquele fatídico sábado 18 de março de 1972, devidamente documentados em filmes dirigidos por Ringo Starr.

“Get It On (Bang a Gong)” foi a canção responsável pelo estouro sem volta do T.Rextasy. Com versos que comparavam a libido de uma garota a uma possante máquina automotiva, o single era um boogie dançante que “pegava emprestado” um riff de Chuck Berry (do hit “Little Queenie”, porém com a devida desaceleração) e trazia um refrão acachapante, daquele de demolir qualquer paredão à frente com a força de um coro em uníssono cantando junto como é chegar a um orgasmo. Novo número um das paradas britânicas em julho de 1971, o compacto foi incluído no vindouro álbum Electric Warrior, lançado em setembro e logo içado ao mais alto posto das paradas de sua categoria. O long-play incluía ainda dois clássicos. “Jeepster” – que também trazia versos de teor altamente sexual e já fazia referência automobilística já em seu título –saiu em compacto em novembro, chegando ao número dois dos charts. “Cosmic Dancer”, por sua vez, era uma balada que falava sobre a obsessão que Marc tinha por dançar rock desde os mais tenros anos da infância. Não ganhou edição separada em sete polegadas mas nunca faltava no repertório dos shows – era sempre um dos dois ou três elementos reservados para o interlúdio de calmaria estrategicamente promovido no meio do set, quando os acompanhantes saíam do palco e Marc voltava a sentar-se ao chão para dedilhar um violão.

Sem tempo para deixar a poeira assentar, Bolan, Visconti e banda entravam em estúdio para gravar as faixas de um novo álbum do T.Rex. “Telegram Sam” e “Metal Guru” anteciparam o disco The Slider no formato de compactos. A primeira canção transformou-se em mais um hino glam cantado de cabo a rabo pela molecada. A segunda, uma balada com apurado arranjo de cordas escrito por Visconti, questionava a cegueira da religiosidade com citações discretas sobre rock’n’roll, drogas, mais automóveis (neste caso, a poluição) e o boom da industrialização exercido no período pós-guerra. Ambos deram à carreira meteórica do grupo outros números um.

The Slider chegou às lojas em julho de 1972 mas o furacão T.Rex continuava sem controle. Ringo, voltou a se aproveitar de sua carreira paralela como produtor e diretor de cinema e lançou um filme centrado em Marc Bolan e suas composições. Lançado nos cinemas em dezembro, Born To Boogie intercalava esquetes nonsense com números musicais (em alguns deles, o quarteto tocava no famoso estúdio dos Beatles junto com o baterista dos Fab Four e Elton John ao piano). Mais singles com músicas não lançadas em álbum vinham para saciar a sede do extenso fã-clube juvenil. Em setembro, foi a vez de outra balada, “Children Of The Revolution”, composta para entrar em Born To Boogie e que também fazia referência às quatro rodas na letra, ganhar versão definitiva em estúdio – em compacto que alcançou a segunda posição nos mais vendidos da ilha. “Solid Gold Easy Action” foi lançada em dezembro e repetiu a performance de vendagem do disquinho anterior. Para o primeiro semestre de 1973, foram guardadas “20th Century Boy” e “The Groover”, mais dois hits certeiros (números três e quatro da parada, respectivamente).

Entretanto, tudo o que é intenso e meteórico também acaba sendo fugaz. A fórmula bem-sucedida do grupo fez com que outros músicos passassem a adotar o visual cheio de glitter e glamour iniciado por Marc Bolan, mas em contrapartida propusessem outras sonoridades. Algo diferente, por isso mesmo, mais atrativo tanto para crítica quanto para o público. Nomes como Slade, Roxy Music, Sweet, Gary Glitter vieram para explorar o filão junto ao público mais jovem e dividir o espaço com o T.Rex. A principal “ameaça” ao império de Bolan partiu justamente de um “fogo amigo”. Foi justamente um colega próximo, a quem inclusive Marc apresentou o produtor Tony Visconti, quem veio para destroná-lo. Em processo de reinvenção musical e conceitual desde 1971, David Bowie mergulhou na persona do alienígena Ziggy Stardust para chacoalhar de vez as estruturas do showbiz britânico – e logo em seguida mundial – e também se firmar como popstar camaleônico, incensado pela mídia e carregador de um séquito sem fim de fãs.

Só que não foram apenas a forte concorrência e o tiro certeiro de Bowie como Ziggy Stardust que foram determinantes para a queda do T.Rex. A exploração foi tanta e tão rápida que a fonte secou. Depois de meados de 1973, Bolan nunca mais conseguiu emplacar um compacto sequer entre os dez mais vendidos, quanto mais voltar a fazer álbuns tão poderosos como Electric Warrior e The Slider. Contribuiu também para isso uma boa dose de autoindulgência do músico, que, isolado dentro de seu próprio castelo de excessos etílicos e químicos, tornou inviável não só a química com os demais integrantes (com exceção da esposa, a cantora Gloria Jones, incorporada aos teclados a partir daquele ano e que já havia feito relativo sucesso solo com a canção “Tainted Love’, posteriormente regravada e tornada hit por Marc Almond e seu Soft Cell) como também a comunicação direta com executivos de gravadora e promotores de concertos e turnês nos Estados Unidos, fato que impediu o desenvolvimento da carreira internacional da banda. Pouco a pouco, nesta ordem, Legend, Finn e Currie não tardariam a abandonar o barco, sendo imediatamente substituídos por outros músicos.

O ocaso do T.Rex, contudo, parecia que não iria durar muito. Em 1976, Marc Bolan – que nunca escondeu ser apaixonado por programas musicais na TV – foi convidado a estrelar um deles, chamado Supersonic, dando novas interpretações para algumas de suas músicas mais conhecidas. Logo depois ganhou o seu próprio show, produzido em Manchester para a ITV pela mesma Granada Television que anos depois iria popularizar o nome de Tony Wilson) no qual poderia ser o apresentador e escalar qualquer convidado para tocar ao vivo por lá. Entre os convocados dos seis programas estavam bandas iniciantes como Generation X e Jam – o que mostra uma sintonia fina de Bolan com o underground e o irromper do movimento punk. Outra banda do gênero, o Damned, inclusive, fora convidada pelo guitarrista para ser a atração de abertura de parte de sua nova turnê britânica. Quem também participou do programa derradeiro foi o amigo David Bowie. O sucesso foi tanto que uma segunda temporada já estava nos planos para o ano seguinte.

Contudo, quando as portas pareciam propensas a se abrirem de novo graças à forte conexão com eis que veio o golpe final do destino e sem direito a final feliz. Depois de voltarem de uma noitada etílica em Mayfair, em Londres, Bolan e Jones sofreram um grave acidente de carro na madrugada de 16 de setembro de 1977, exatas duas semanas antes do trigésimo aniversário dele. Ela perdeu o controle da direção e o carro onde estavam chocou-se violentamente contra uma árvore. Gloria ficou bastante machucada e Marc bateu a cabeça contra o painel frontal, morrendo instantaneamente. Ele estava no banco do passageiro porque sempre se negou a aprender a dirigir pelo fato de não querer morrer jovem e da mesma maneira que alguns dos seus grandes ídolos. Justo ele, que fizera muito sucesso com letras sobre diversão, sexo e carros (tal qual seus heróis lá do início do rock’n’roll), perdia a vida em um acidente automobilístico. Como James Dean e Eddie Cochran.

Music

Ozzy Osbourne – ao vivo

Sem trazer qualquer novidade, turnê de despedida resgata clássicos do Black Sabbath e passeia pela carreira solo do ídolo

ozzy2018cwb01

Texto e foto por Abonico R. Smith

Ozzy versão Geração X: o cara doido à frente do Black Sabbath (uma banda que gostava de fazer músicas densas, sombrias, desaceleradas e com riffs marcantes de guitarra e letras sobre historinhas de terror). Mas tão doido acabou justamente expulso do Black Sabbath pelo descontrole total na relação com as drogas

Ozzy versão Geração Y: o cara que, depois de sair do Sabbath, começou fazendo bons discos solo, embora já pegando carona em elementos incorporados pela New Wave Of British Heavy Metal, como andamentos mais acelerados e destreza em solos de guitarra (cortesia de Randy Rhoads incialmente e logo depois de Zakk Wylde) mas acabou se repetindo e, pior do que isso, tornando-se uma caricatura de seu próprio passado. Só que tudo começou arrancando a dentadas as cabeças de pombos e morcegos que passavam, desavisadamente, à sua frente.

Ozzy versão Millennials: o mais engraçado dos coadjuvantes do reality show da tevê que flagrava o dia a dia de sua família. O pai bonachão e meio sem noção das coisas cotidianas, já com algumas sequelas motoras e cerebrais provocadas por anos e mais anos abusando das drogas.

Estas diferentes facetas estiveram presentes na Pedreira Paulo Leminski na noite de 16 de maio último, quando Ozzy Osbourne trouxe à capital paranaense o show de sua atual turnê – que ainda passou por outras três cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte e Rio de janeiro). Para um público de porte médio ao local – não passava de um terço dos que foram ver Ozzy com seus companheiros de Sabbath (Tony Iommi e Geezer Butler) menos de dois anos atrás – o que menos interessava era saber que ali, naquele palco, estavam juntos os três Ozzies em um só. O que importava era a dita última oportunidade de estar diante de uma lenda do rock – não importando o estado em que ela esteja hoje – que diz estar fazendo último giro mundial da carreira.

Com músicos de apoio que contava com os mesmos baterista e tecladista utilizados pelo Sabbath (respectivamente Tommy Clufetos e Adam Wakeman, filho de seu velho amigo e também ex-músico Rick Wakeman) e o retorno de Wylde, Ozzy deu um pequeno passeio pelos momentos altos de sua carreira solo, dando destaque maior ao trabalho de estreia (Blizzard Of Ozz, 1980) e aquele disco que vendeu mais (No More Tears, 1991) justamente por ser o ano em que o Nirvana ganhou megapopularidade, encabeçando a lista de diversas novas bandas alternativas americanas da época iniciaram toda uma nova geração de fãs de rock no culto à banda e a Ozzy (fato que o levaria ao reality show da MTV uma década depois). De resto, pegou uma ou outra faixa de cada disco – chegando até emendar quatro delas em um medley. De quebra, deu uma ligeira pincelada no repertório sabbathiano – inclusive cantando os mesmos clássicos “War Pigs” e “Paranoid” que já havia cantado em dezembro de 2016 naquele mesmo local.

O ídolo, apesar de estar com um gogó bom para tudo aquilo que ele fez, tem dificuldades de mandar os tons graves das músicas da antiga banda e por isso desafina nessas horas. Ainda faz uso de um teleprompter para ver as letras das músicas que não consegue mais decorar – o que explica seu olhar constante para baixo e mais a usual atitude meio parada atrás do pedestal do microfone ao centro do palco, para que possa ler os versos. Ozzy também não tem uma performance lá muito variada, repetindo sempre as mesmas poses, como o polichinelo e os braços levantados para cima. Então seu show acaba se sustentando na destreza dos músicos (incluindo um solo de bateria que durou por uns longos vinte minutos), pirotecnias visuais dos telões de led, um punhado de canções históricas acompanhada em uníssono pelos fãs e, claro, o inegável carisma.

Claro que uma apresentação de Ozzy Osbourne, hoje, esbarra no problema de ser uma mera repetição de fórmulas exaustivamente apresentadas em shows de rock realizados em grandes arenas mundo afora e há várias décadas. Mas quem disse que o seu público quer alguma novidade? Não importa a idade, o tudo o que o espectador deseja quando vai vê-lo é se encontrar com o seu Ozzy preferido e guardado na memória afetiva do coração. O resto não interessa mesmo. Essas pessoas desejam apenas que alguém mostre a elas coisas da vida que elas não conseguem observar. E Osbourne sempre foi esse cara.

Set List: “Bark At The Moon”, “Mr. Crowley”, “I Don’t Know”, “Fairies Wear Boots”, “Suicide Solution”, “No More Tears”, “Road To Nowhere”, “War Pigs”, “Miracle Man/Crazy Babies/Desire/Perry Mason”, “Flying High Again”, “Shot In The Dark”, “Crazy Train”. Bis: “Mama, I’m Coming Home” e “Paranoid”.