Music

História do Rock: T.Rex

Há meio século, Marc Bolan atiçava a libido das adolescentes britânicas com o glam rock e via seu grupo ser considerado o “sucessor” dos Beatles

Texto por Abonico Smith

Fotos: Reprodução

Sábado, 18 de março de 1972. Arena Wembley, Londres. Sessão dupla de concertos (um à tarde e outro à noite) para um total de público de 16 mil pessoas. Quase todas elas adolescentes, a maioria feminina. Da plateia vem um frenesi descontrolado, com muitos gritos histéricos e devoção extrema ao frontman da banda, um jovem de roupas supercoloridas e brilhantes, longos cabelos encaracolados e aquela androginia no visual. Muitas das garotas, inclusive, repetem o visual purpurinado espalhado pelo ídolo através de fotografias em jornais e revistas mais as costumeiras aparições em programas musicais na televisão. Marc Bolan é o novo Deus da música pop jovem e sua banda, T. Rex, coleciona, consecutivamente, desde o ano anterior, três números um e mais um número dois na parada britânica de singles. A imprensa nacional, como sempre ávida por incensar boas novidades da ilha e cunhar novos termos já arrumou uma nova expressão para suceder a beatlemania de outrora. A onda de êxtase coletivo agora chama-se T.Rextasy.

O ano de 1971 fora bastante produtivo para Bolan e seu reformulado grupo, agora na formação de quarteto e carregando um novo batismo. Apesar da ainda pouca idade, o guitarrista e vocalista não era necessariamente um novato no circuito musical londrino. Nascido em 30 de setembro de 1947, ele assinou seu primeiro contrato fonográfico aos 18 anos. Lançou dois compactos sem qualquer repercussão até juntar-se ao grupo mod John’s Children em 1967, com o qual ficou apenas quatro meses, até a sua dissolução.  Na sequência, formou um novo projeto chamado Tyrannosaurus Rex. Acompanhado apenas pelo percussionista Steve Pelegrin Took, ele tocava violão sentado no chão, andava sempre com uma capa preta tal qual um antigo mago e cantava letras formadas com temas como bruxaria e outros temas místicos. Pudera: Bolan, entrando nos seus vinte anos de idade, estava imerso até a medula na contracultura hippie que dominava as artes da então chamada Swinging London. Com um certo burburinho no circuito musical e o grande incentivo do então iniciante DJ John Peel, desde sempre ávido por descobrir e impulsionar no rádio nomes desconhecidos do underground, a dupla lançou quatro álbuns e algunssingles até 1970, quando Peregrin deixou a formação por conta de seguidos problemas de bastidores provocados pelo consumo excessivo de álcool e drogas. Paralelamente, ele chegou a lançar um livro de poesia que alcançou a marca de 40 mil exemplares vendidos, marca considerada expressiva para o gênero.

Com a saída de Peregrin, Bolan aproveitou para reformular por completo o direcionamento conceitual do projeto. Encurtou o nome para T.Rex, comprou uma guitarra Gibson Les Paul e uma outra Fender Stratocaster e comandou a eletrificação da sonoridade e a formação de um quarteto (com a entrada em definitivo de um baixista e baterista, ao lado de um novo percussionista), jogando-se, assim, ao encontro de seus sonhos de adolescência. É que ele nunca escondera seu fascínio pelos pioneiros do rock’n’roll desde a entrada na puberdade. Amava Elvis Presley Chuck Berry, Little Richard, Gene Vincent e, em especial, Eddie Cochran. Largou o colégio aos 14 anos e desde então dedilhava seu primeiro violão com esmero, perseguindo o sonho juvenil de ser tão famoso quanto eles na área musical. Como a mãe trabalhava de feirante no East End londrino, em alguns dias da semana ia junto com ela para visitar lojas de alfaiataria da região. Seu interesse, mesmo moleque, era vestir-se com ternos tão impecáveis quanto de cortes diferenciados. Um gosto relativamente esquisito e incomum para um moleque daquela idade, convenhamos.

Ao lado do produtor musical Tony Visconti (e do recém-chegado Mickey Finn, que veio para comandar um alucinado conjunto de congas, bongôs, apitos, maracas e pandeirosmais os backing vocals afinadíssimos dos músicos/comediantes Flo & Eddie, ex-integrantes dos grupos Turtles e do Mothers Of Invention de Frank Zappa, sempre presentes nas gravações de estúdio), Bolan começou a reformulação sonora ainda em 1970, com o single “Ride a White Swan”. Mesmo ainda insistindo em temáticas do paganismo comuns ao Tyrannosaurus Rex (neste letra há palavras como “druida”, “feitiços” e Beltane – nome de uma tradicional festa de regiões da Irlanda, Escócia e também Ilha de Man, geralmente celebrada na entrada do mês de maio), saíam de cena as lisérgicas e longas viagens sonoras para mísseis certeiros de três minutos de duração, com direito a letras curtas, repetindo versos ou algumas palavras e frases. A estrutura das novas composições também tornou-se algo bastante rudimentar: eram estrofes e refrões intercalados. Nada de pontes ou terceira parte – no máximo, ao vivo, havia um pequeno espaço para solos de guitarra ou percussões, mas sempre repetindo uma mesma sequência anterior de acordes. Quanto aos vocais, um pequeno truque de Visconti: Marc gravava-os sempre em dobro, com o produtor se esmerando para deixá-los distanciados por um pequeno delay de um milissegundo. Adicionados à instrumentação rock’n’roll, as vozes de Bolan traziam um eco de extrema força magnética, algo quase imperceptível.

Entretanto, foi só em 1971 que o T.Rex decolou rumo ao sucesso e à fama. Steve Currie e Bill Legend (respectivamente baixo e bateria) foram adicionados à formação. A estilista Chelita Secunda, esposa de Tony Secunda, manager do Bolan na época, foi peça primordial na transformação do vocalista em sex symbol. Veio dela a ideia de que Marc adotasse a androginia em seu visual, com o uso de cores fortes e muito brilho nas roupas, acessórios femininos como espalhafatosos boás e discretos slingbacks mais uma forte maquiagem com direito a lápis preto, blush, batom mais estrelas e lágrimas feitas com muita purpurina colada logo abaixo dos olhos. Foi com a banda cheia, o novo visual e a nova receita sonora que a banda emplacou naquele ano. A aparição desta maneira no popular programa Top Of The Pops, da BBC, logo no início do ano, cantando o novo single “Hot Love” transformou a banda em nova febre da garotada. As meninas, especialmente, formaram a maioria do fã clube. Pudera, também. A nova fórmula de Bolan incluía versos para lá de libidinosos, tal qual seus heróis pioneiros do rock, com versos de alto teor sexual, chegando a usar gírias corriqueiras dos jovens, Como no single seguinte, que seria o responsável por detonar o tal T.Rextasy.

Na verdade, a trajetória do T.Rex coincide com um período muito especial para o cotidiano da sexualidade na Grã-Bretanha. Para se ter uma ideia, somente em 1968 a homossexualidade foi descriminalizada por lá. Então, o período da contracultura foi uma movimentação primordial para a sociedade andar por novos caminhos e maneiras para viver e sobretudo se adaptar a isso. Sobretudo os adolescentes, que estão na fase dos hormônios todos em ebulição e um mundo inteiro de descobertas pela frente. O que leva ao principal caso midiático da cobertura da imprensa britânica em 1971: o julgamento dos editores da revista Oz, febre entre os teenagers, considerada extremamente obscena pelos setores mais conservadores por causa de alguns desenhos e fotografias utilizadas em colagens. O tribunal – o mais longo de toda a história da justiça de lá – levou cinco longas semanas até decidir pela condenação de seus editores, levados à prisão sob a alegação de “fornecer conteúdo sexual a menores de idade e perverter a moral pública”. Os cabeças da publicação cumpriram um tempo de pena na cadeia e o golpe foi duro, a ponto da revista ver sua popularidade cair até deixar de circular em 1973.

Ao lado da Oz, o T.Rex foi o grande responsável pela liberação do tesão adolescente no biênio 1971/1972. Os shows da banda eram um festival de hormônios à flor de pele. Meninas gritando histericamente como não se via desde os primeiros anos dos Beatles. No palco, um frontman que não apenas sensualizava com a guitarra como fizera Jimi Hendrix (inclusive chegando a tocá-la com um pandeiro), o que somava ruídos e microfonias à costumeira distorção do pedal. Marc Bolan incorporava um dândi afetadíssimo, era um puro teatro de Pantomima, rebolava sem parar na hora do acentuado batuque de tambores promovido por Finn, Currie e Legend e dava sem parar gritos estridentes e selvagens. Sabia, como ninguém, levar a plateia adolescente em sua mão do início ao fim dos shows – como se pode ver na íntegra dos dois concertos promovidos pelo quarteto naquele fatídico sábado 18 de março de 1972, devidamente documentados em filmes dirigidos por Ringo Starr.

“Get It On (Bang a Gong)” foi a canção responsável pelo estouro sem volta do T.Rextasy. Com versos que comparavam a libido de uma garota a uma possante máquina automotiva, o single era um boogie dançante que “pegava emprestado” um riff de Chuck Berry (do hit “Little Queenie”, porém com a devida desaceleração) e trazia um refrão acachapante, daquele de demolir qualquer paredão à frente com a força de um coro em uníssono cantando junto como é chegar a um orgasmo. Novo número um das paradas britânicas em julho de 1971, o compacto foi incluído no vindouro álbum Electric Warrior, lançado em setembro e logo içado ao mais alto posto das paradas de sua categoria. O long-play incluía ainda dois clássicos. “Jeepster” – que também trazia versos de teor altamente sexual e já fazia referência automobilística já em seu título –saiu em compacto em novembro, chegando ao número dois dos charts. “Cosmic Dancer”, por sua vez, era uma balada que falava sobre a obsessão que Marc tinha por dançar rock desde os mais tenros anos da infância. Não ganhou edição separada em sete polegadas mas nunca faltava no repertório dos shows – era sempre um dos dois ou três elementos reservados para o interlúdio de calmaria estrategicamente promovido no meio do set, quando os acompanhantes saíam do palco e Marc voltava a sentar-se ao chão para dedilhar um violão.

Sem tempo para deixar a poeira assentar, Bolan, Visconti e banda entravam em estúdio para gravar as faixas de um novo álbum do T.Rex. “Telegram Sam” e “Metal Guru” anteciparam o disco The Slider no formato de compactos. A primeira canção transformou-se em mais um hino glam cantado de cabo a rabo pela molecada. A segunda, uma balada com apurado arranjo de cordas escrito por Visconti, questionava a cegueira da religiosidade com citações discretas sobre rock’n’roll, drogas, mais automóveis (neste caso, a poluição) e o boom da industrialização exercido no período pós-guerra. Ambos deram à carreira meteórica do grupo outros números um.

The Slider chegou às lojas em julho de 1972 mas o furacão T.Rex continuava sem controle. Ringo, voltou a se aproveitar de sua carreira paralela como produtor e diretor de cinema e lançou um filme centrado em Marc Bolan e suas composições. Lançado nos cinemas em dezembro, Born To Boogie intercalava esquetes nonsense com números musicais (em alguns deles, o quarteto tocava no famoso estúdio dos Beatles junto com o baterista dos Fab Four e Elton John ao piano). Mais singles com músicas não lançadas em álbum vinham para saciar a sede do extenso fã-clube juvenil. Em setembro, foi a vez de outra balada, “Children Of The Revolution”, composta para entrar em Born To Boogie e que também fazia referência às quatro rodas na letra, ganhar versão definitiva em estúdio – em compacto que alcançou a segunda posição nos mais vendidos da ilha. “Solid Gold Easy Action” foi lançada em dezembro e repetiu a performance de vendagem do disquinho anterior. Para o primeiro semestre de 1973, foram guardadas “20th Century Boy” e “The Groover”, mais dois hits certeiros (números três e quatro da parada, respectivamente).

Entretanto, tudo o que é intenso e meteórico também acaba sendo fugaz. A fórmula bem-sucedida do grupo fez com que outros músicos passassem a adotar o visual cheio de glitter e glamour iniciado por Marc Bolan, mas em contrapartida propusessem outras sonoridades. Algo diferente, por isso mesmo, mais atrativo tanto para crítica quanto para o público. Nomes como Slade, Roxy Music, Sweet, Gary Glitter vieram para explorar o filão junto ao público mais jovem e dividir o espaço com o T.Rex. A principal “ameaça” ao império de Bolan partiu justamente de um “fogo amigo”. Foi justamente um colega próximo, a quem inclusive Marc apresentou o produtor Tony Visconti, quem veio para destroná-lo. Em processo de reinvenção musical e conceitual desde 1971, David Bowie mergulhou na persona do alienígena Ziggy Stardust para chacoalhar de vez as estruturas do showbiz britânico – e logo em seguida mundial – e também se firmar como popstar camaleônico, incensado pela mídia e carregador de um séquito sem fim de fãs.

Só que não foram apenas a forte concorrência e o tiro certeiro de Bowie como Ziggy Stardust que foram determinantes para a queda do T.Rex. A exploração foi tanta e tão rápida que a fonte secou. Depois de meados de 1973, Bolan nunca mais conseguiu emplacar um compacto sequer entre os dez mais vendidos, quanto mais voltar a fazer álbuns tão poderosos como Electric Warrior e The Slider. Contribuiu também para isso uma boa dose de autoindulgência do músico, que, isolado dentro de seu próprio castelo de excessos etílicos e químicos, tornou inviável não só a química com os demais integrantes (com exceção da esposa, a cantora Gloria Jones, incorporada aos teclados a partir daquele ano e que já havia feito relativo sucesso solo com a canção “Tainted Love’, posteriormente regravada e tornada hit por Marc Almond e seu Soft Cell) como também a comunicação direta com executivos de gravadora e promotores de concertos e turnês nos Estados Unidos, fato que impediu o desenvolvimento da carreira internacional da banda. Pouco a pouco, nesta ordem, Legend, Finn e Currie não tardariam a abandonar o barco, sendo imediatamente substituídos por outros músicos.

O ocaso do T.Rex, contudo, parecia que não iria durar muito. Em 1976, Marc Bolan – que nunca escondeu ser apaixonado por programas musicais na TV – foi convidado a estrelar um deles, chamado Supersonic, dando novas interpretações para algumas de suas músicas mais conhecidas. Logo depois ganhou o seu próprio show, produzido em Manchester para a ITV pela mesma Granada Television que anos depois iria popularizar o nome de Tony Wilson) no qual poderia ser o apresentador e escalar qualquer convidado para tocar ao vivo por lá. Entre os convocados dos seis programas estavam bandas iniciantes como Generation X e Jam – o que mostra uma sintonia fina de Bolan com o underground e o irromper do movimento punk. Outra banda do gênero, o Damned, inclusive, fora convidada pelo guitarrista para ser a atração de abertura de parte de sua nova turnê britânica. Quem também participou do programa derradeiro foi o amigo David Bowie. O sucesso foi tanto que uma segunda temporada já estava nos planos para o ano seguinte.

Contudo, quando as portas pareciam propensas a se abrirem de novo graças à forte conexão com eis que veio o golpe final do destino e sem direito a final feliz. Depois de voltarem de uma noitada etílica em Mayfair, em Londres, Bolan e Jones sofreram um grave acidente de carro na madrugada de 16 de setembro de 1977, exatas duas semanas antes do trigésimo aniversário dele. Ela perdeu o controle da direção e o carro onde estavam chocou-se violentamente contra uma árvore. Gloria ficou bastante machucada e Marc bateu a cabeça contra o painel frontal, morrendo instantaneamente. Ele estava no banco do passageiro porque sempre se negou a aprender a dirigir pelo fato de não querer morrer jovem e da mesma maneira que alguns dos seus grandes ídolos. Justo ele, que fizera muito sucesso com letras sobre diversão, sexo e carros (tal qual seus heróis lá do início do rock’n’roll), perdia a vida em um acidente automobilístico. Como James Dean e Eddie Cochran.

Music

História do Rock: Buddy Holly + Ritchie Valens + Big Bopper – Parte 1

Desastre aéreo que matou três astros promissores da música jovem deixou o 3 de fevereiro de 1959 marcado como “o dia em que a música morreu”

buddyholly1958

Buddy Holly

Texto por Abonico R. Smith

Fotos: Reprodução

Naquele começo do ano de 1959 o rock’n’roll estava bombando entre o público adolescente norte-americano. Depois de devidamente incorporado pela indústria musical, com direito a boas bilheterias nos cinemas que exibiam os filmes com o tema e a criação de programas transmitidos em rede nacional pela televisão para toda a classe média/alta branca que então dominava sócio, política e economicamente o país, o gênero musical – que unia referências da música dos negros descendentes de escravos e dos brancos colonizadores – já havia conquistado um grande espaço mercadológico que inexistia até alguns anos atrás.

Para dar conta de vender ainda mais discos, muitos dos artistas que tinham suas músicas tocadas pelas rádios e se apresentavam na TV se juntavam em turnês pelo país. Nestas caravanas, um show único costumava reunir até quatro ou cinco deste emergentes artistas, que apresentavam sua respectiva performance, de tempo reduzido, para a plateia de cada cidade de pequeno ou médio porte.

Era o que fazia Buddy Holly na Winter Dance Party. Ele era o principal nome da escalação da turnê, que ainda compreendia os artistas Ritchie Valens, Big Bopper, Frankie Sardo e Dion & The Belmonts. Os Crickets, tradicional banda de apoio de Holly, também prestava serviços musicais acompanhando Valens, Bopper e Sardo. O pontapé inicial ocorreu em 23 de janeiro, na cidade de Milwaukee, no estado de Wisconsin.

winterdancepartytour1959

O cronograma a seguir seria apertadíssimo: 24 datas marcadas até 15 de fevereiro, exigindo dos músicos pique para subir ao palco todas as noites, intercalando breves momentos de descanso durante o deslocamento por terra, através de um ônibus. Para completar, a agência responsável pela tour não foi muito complacente com os astros, marcando um zigue-zague por grandes distâncias durante o período de um rigoroso inverno do centro-norte dos Estados Unidos. Sem qualquer day off  para descanso. Para completar, era normal que um ônibus quebrasse no meio do caminho e toda a tripulação tivesse de esperar até a chegada de um outro veículo. Houve um caso de emergência que, na falta de uma opção melhor, a viagem precisou ser completada em um ônibus escolar.

Na metade do calendário, as consequências deste calendário puxado e perverso já se abatia durante alguns dos músicos. Big Bopper pegou um resfriado. Buddy Holly se impacientava com o pouco tempo de sono e descanso para o corpo que o traslado pelas estradas proporcionava a ele. Algumas datas já estavam na iminência de ser canceladas. No dia 2 fevereiro, após deslocar-se por 560 quilômetros logo após o fim do show na noite anterior, a Winter Dance Party chegava à cidade de Clear Lake, no estado de Iowa. No dia seguinte, era preciso dirigir por mais 597 quilômetros até chegar a Moorhead, em Minnesota. No outro subsequente, mais 523 até Sioux City, em Iowa novamente.

Até que Holly, do alto de seus já experientes 22 anos de idade, tomou uma decisão: alugou em Clear Lake um jatinho para levá-lo, na manhã seguinte, até a cidade de Fargo, próxima a Moorhead. Assim seria possível descansar um pouco mais até voltar a cantar de novo, como headliner da turnê. O ônibus da Winter Dance Party parou no aeroporto de Mason City para ele poder trocar de veículo. O jatinho tinha apenas quatro assentos e havia mais duas vagas, além de Buddy e do piloto. O guitarrista dos Crickets, Waylon Jennings, solidário com o gripado Big Bopper, cedeu a ele seu lugar na aeronave para que também pudesse ter mais tempo para descansar e se recuperar para o show. Outro fator que contou a favor deste era seus quase dois metros de altura, algo que atrapalhava a acomodação durante as longas e fatigantes viagens por terra. Por fim, o baixista Tommy Allsup decidiu no cara ou coroa com Ritchie Valens a segunda carona. A moeda deu a vitória ao jovem vocalista, que aos 17 anos encarava sua primeira turnê pelo país.

thedaymusicdied

Para pilotar o Beechcraft Bonanza, estava escalado o jovem Roger Peterson, de apenas 21 anos de idade e ainda com pouca experiência na carreira. Era uma gélida manhã de terça, 3 de fevereiro, quando o jatinho decolou da pista e fez uma curva de 180 graus para a esquerda, indo para o noroeste e em direção a Fargo. Apesar das moderadas rajadas de vento e da neve, a decolagem foi tranquila. Contudo, o sinal de rádio foi logo perdido e a aeronave não chegou ao destino planejado. Por vota das nove e meia os destroços do avião foram localizados em um milharal a cerca de seis quilômetros e meio do local de partida. Pela alta velocidade com a qual se chocou ao solo, a fuselagem transformou-se em um emaranhado de metal, madeira e tecidos apoiado em uma cerca de arame farpado. Fragmentos do avião, bagagens pessoais e os corpos dos quatro ocupantes estavam espalhados pelo campo.

A primeira canção que abordou o trágico acidente que matou Buddy Holly, Ritchie Valens e Big Bopper foi escrita por Tommy Dee, cantor norte-americano de country, em 1959. O autor gravou-a em dueto com Carol Kay e o compacto superou a marca de um milhão de cópias vendidas no mesmo ano. Em 1960, o astro do rockabilly Eddie Cochran regravou-a mas não teve tempo de lançá-la: morreu em um acidente, quando estava em um táxi dirigindo-se a um aeroporto britânico ao de uma turnê do outro lado do oceano. A faixa permaneceu inédita até 1966, quando foi incluída em uma coletânea de raridades e gravações desconhecidas.

Em 1971, Don McLean compôs o folk “American Pie” e a colocou como faixa-título e abertura do segundo álbum de sua carreira. A balada com base no violão possui uma letra forte e relacionada ao desastre aéreo que marcou a primeira geração do rock’n’roll com a perda da inocência da juventude. Lançada no mês de novembro, a canção logo tornou-se um hit radiofônico e ocupou o topo das paradas norte-americanas por quatro semanas consecutivas. Foi também a responsável por popularizar a expressão “o dia em que a música morreu” como a maior referência à data de 3 de fevereiro de 1959. Em março de 2000, Madonna lançou uma regravação da mesma, incluída tanto na trilha sonora da comédia romântica Sobrou Pra Você, estrela por ela e o ator Rupert Everett, quanto em seu álbum de carreira Music. Resultado: mais uma coleção de número um nas paradas de singles do mundo inteiro, sobretudo as da Grã-Bretanha e da Europa.

>> Continua na parte 2 – para ler clique aqui