Andy Rourke, baixista da icônica banda que consolidou o termo indie rock em terras britânicas, morre aos 59 anos de idade
Da esq. à dir.: Morrissey, Johnny Marr, Mike Joyce e Andy Rourke
Texto por Abonico Smith
Foto: Divulgação/Rough Trade
Na manhã desta sexta-feira 19 de maio foi anunciado o falecimento do músico e DJ inglês Andy Rourke, mais conhecido pelo trabalho como baixista do grupo Smiths nos anos 1980. Ele tinha 59 anos e enfrentou uma longa batalha contra um câncer no pâncreas.
Quem divulgou a notícia foi o ex-companheiro de banda, o guitarrista Johnny Marr. Ele o definiu como uma alma boa e gentil, além de instrumentista talentoso. Ao lado de Johnny, o vocalista Morrissey e o baterista Mike Joyce, Rouke integrou o quarteto que revolucionou o rock britânico entre 1982 e 1987. Em 1996, também já enfrentando o vício em heroína, Andy, em conjunto com Mike, processou a dupla de compositores Morrissey e Marr, em busca de ganhos a mais nos direitos autorais sobre a obra composta e gravada pela banda. Um acordo judicial foi feito para ação ser encerrada. A amizade com Marr foi refeita. Entretanto, o frontman nunca mais o desculpou pela atitude.
Aobra-primados Smiths é o álbum The Queen Is Dead, de 1986. Entre os hits deixados pela banda estão as faixas “The Boy With The Thorn In His Side”, “Bigmouth Strikes Again”, “Ask”, “Panic”, “There Is a Light That Never Goes Out”, “Shoplifters Of The World Unite”, “Hand In Glove” e “How Soon Is Now”. A marca registrada impressa por Rourke nos arranjos da banda eram as linhas de baixo extremamente dançantes, que junto com as batidas de Joyce, formavam uma textura rítmica irresístivel para as combinações da literatura rebuscada em forma de versos dramáticos desenhada por Morrissey e os dedilhados com um pezinho no floreio psicodélico nas seis cordas de Marr.
Após o término da banda, Andy participou da gravação de algumas canções da carreira solo inicial de Morrissey. Também tocou com Pretenders, Badly Drawn Boy, Ian Brown e Moondog One (que incluía músicos que passaram por Smiths e Oasis). Em 2007 formou o supergrupo de baixistas Freebass, ao lado de Peter Hook (New Order) e Gary Mounfield (Stone Roses). Logo depois mudou-se para Nova York, onde passou a trabalhar como DJ de rádio e pistas de nightclubs. Foi, inclusive como DJ, que veio ao Brasil em novembro de 2008, que veio ao Brasil (mais especificamente a cidade de Curitiba), onde lançou a coletânea Hang The DJ (refrão da letra de “Panic” que batizou uma tradicional festa que era realizada no histórico e hoje extinto clube noturno Vox). Seis anos depois, retornou à capital paranaense para estrelar outra noite na pista de dança do Vox. E também foi em Nova York, ao lado de Ole Koretsky (com quem discotecava em dupla nas noites, sob a alcunha de Jetlag) e Dolores O´Riorden (vocalista dos Cranberries, também já falecida), que ele criou a banda D.A.R.K., que lançou um álbum chamado em 2016.
Grande parte dos fãs do Oasis já perdeu as esperanças em vê-lo reunido novamente em cima de um palco. Afinal, já são mais de dez anos de separação dos irmãos Gallagher, que seguem suas carreiras solo (cada um no seu canto) lançando discos interessantes e fazendo shows que relembram o legado da ex-banda.
Na verdade, Liam até que relutou por algum tempo a tocar músicas do Oasis enquanto estava no Beady Eye. Mas agora parece que ele decidiu chutar o balde. Tanto que a apresentação da noite de 16 de novembro pode ser considerada a maior celebração ao ex-grupo que um fã poderia ter desde a separação. Desde a introdução do show com “Fuckin’ In The Bushes” (como o Oasis costumava fazer) ao início da apresentação com a dobradinha “Morning Glory” e “Rock’n’Roll Star”, o que tínhamos ali no Qualistage (o antigo Metropolitan) era uma espécie de melhor banda cover de Oasis do mundo. Ao todo, foram dez canções da icônica banda, com destaque para os dois primeiros álbuns. Definitely Maybe (1994) e (What’s the Story) Morning Glory? (1995) ganharam cada um quatro citações esta noite.
No meio de um repertório baseado em tantos sucessos consagrados como “Stand By Me”, “Supersonic” e “Some Might Say”, Liam desviava ocasionalmente para seu material solo. De forma acertada, já que nenhuma das escolhidas pareceu soar fora de contexto. “The River”, do bom Why Me? Why Not (álbum de 2019), deu um gás no lado mais roqueiro do cantor. “Once”, do mesmo disco, foi cantada por boa parte da plateia. De seu novo trabalho, C’mon You Know, lançado este ano, o destaque ficou para a ótima “Everything’s Eletric” (co-escrita com Dave Grohl), que traz sonoridade nostálgica, e a já bem popular faixa-título.
Do Oasis, vale salientar como as canções de Definitely Maybe continuam soando frescas nos dias de hoje. Tanto que um dos melhores momentos do show ficou na execução de “Slide Away”, que elevou a energia da casa ao ápice, num dos pontos altos da noite. Em “Wonderwall”, o maior sucesso do grupo, já de … Morning Glory?, uma dedicatória de Liam Gallagher para o maior ídolo do Flamengo. “Quero dedicar essa música para o melhor jogador de futebol do Brasil, que eu vi jogar: Zico!”. A paixão de Liam com o futebol é algo que fica explícito no palco, com as iniciais do Manchester City, seu time de coração, gravadas na bateria, e também na plateia, com fãs exibindo a bandeira do time inglês.
O ponto baixo da noite ficou para alguns problemas técnicos num dos PAs que chegou a ser “mutado” em vários momentos, principalmente na parte inicial, prejudicando canções como “Stand By Me” e “Everything’s Eletric”.
O bis inlcuiu mais duas do Oasis: “Live Forever” (outra do já citado álbum de estreia) e “Champagne Supernova”. Este último clássico marcou um final consagrador. Deu o toque final perfeito a um show que ficará marcado na memória dos fãs como a noite mais Oasis que um fã do grupo poderia ter em muitos anos.Set list: “Morning Glory”, “Rock’n’Roll Star”, “Wall Of Glass”, “Everything’s Electric”, “Stand By Me”, “Roll It Over”, “Slide Away”, “C’mon You Know”, “More Power”, “Diamond In The Dark”, “The River”, “Once”, “Some Might Say” e “Wonderwall”. Bis: “Live Forever” e “Champagne Supernova”.
Oito motivos para não perder o show da banda animada de maior sucesso do mundo em sua volta ao Brasil
Texto por Abonico Smith
Fotos: Divulgação
Tudo começou como um despretensioso projeto paralelo para se divertir e desopilar das obrigações à frente do Blur e da posição de porta-estandarte do britpop. Afinal, criar uma banda virtual não demandaria assumir a frente de um palco ou colocar a cara em fotos, entrevistas e videoclipes. Franca ingenuidade. O Gorillaz não só não demorou para tornar-se a primeira e mais importante ocupação de Damon Albarn como também já contabiliza uma discografia com onze títulos (entre trabalhos de carreira mais compilações com remixes, raridades e singles) lançados em 21 anos. E um Grammy, entre várias indicações para esta e outras premiações importantes da indústria fonográfica mundial. Mais seis turnês.
A mais recente, batizada Song Machine Tour e iniciada no ano passado, começou de forma virtual, sendo transmitida em três oportunidades para diferentes continentes em cada uma delas. Agora, depois de dois anos sem grandes show sinternacionais por conta da pandemia da covid-19, é a chance de ver tudo ao vivo e in loco aqui no Brasil. Albarn, suas criaturas animadas e seus asseclas instrumentistas (sim, há todo um aparato de superbanda montado para tocar e cantar ao vivo, enquanto as personagens aparecem em um telão), passarão novamente pelo Brasil, onde já estiveram para fazer um show em 2018. O mês será maio, com três datas marcadas. O grupo britânico será um dos headliners do festival MITA (acrônimo para a expressão Music Is The Answer), que será realizado nos dias 14 e 15 em São Paulo e 21 e 22 no Rio de Janeiro (o Gorillaz encerra a programação em 15 e 21 – clique aqui para saber sobre local, ingressos, atrações e demais informações). No meio disso, o combo, agora como figura solitária da programação paralela chamada MITA Day, passará por Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, no dia 18 (cliqueaqui para as demais informações sobre este concerto; os ingressos também podem ser comprados pessoalmente na Bilheteria 1 do estádio Couto Pereira, de terça a sábado exceto em dias de jogos de futebol, das 10h à 17h).
Para celebrar o retorno do Gorillaz a terras brasileiras, o Mondo Bacana enumera oito motivos para você nem pensar em perder qualquer um destes três concertos – sem contar o fato de que o show na capital paranaense serve de encomenda para quem não tem mais paciência nem físico para aguentar um dia inteiro de pé durante um festival com um monte de atração se apresentando antes.
Banda de cartoon
OK, vamos descontar os chipmunks de Alvin e os Esquilos, criados em 1958 para a literatura infantil e transformados em desenho animado televisivo para as crianças em 1961. Os bichinhos cantavam num agudo infernal, produzido pela rotação aceleradíssima da gravação dos vocalistas originais recrutados para o projeto. Não havia banda, porém. Nenhum instrumento: apenas cantores. Então tudo começou mesmo lá no finalzinho dos anos 1960, quando o mainstream já começou a assimilar os elementos musicais da contracultura e levou as bandas de rock para dentro dos roteiros de desenhos animados para as crianças. Então, na manhã de sábado, começaram a desfilar vários grupos formados por jovens que, com suas guitarras, contrabaixos e baterias (às vezes, uns teclados e pandeiros também) adicionavam melodias grudentas e letras doces às narrativas de suas histórias. O exemplo de maior sucesso nas paradas foi a canção “Sugar, Sugar”, feita para a animação Archies (1968). Os estúdios Hanna-Barbera exploraram essa fórmula à exaustão em Banana Splits (1968), Gatolândia (1969), Josie e as Gatinhas (1970, 1972), Bambam e Pedrita (1971), As Aventuras de Charlie Chan (1972), Butch Cassidy and The Sundance Kids (1974) e Tutubarão (1976). Até artistas de carne e osso foram transformados em cartoon, como os irmãos Jackson 5 (1971) e os atores/personagens da sitcomFamília Dó-Ré-Mi (1974). Em 1985, a Hasbro, empresa de brinquedos concorrente da Mattel (que fazia bastante sucesso com as animações de He-Man e She-Ra para vender produtos dos personagens para as crianças), produziu por três temporadas a série Jem e as Hologramas, que serviu mesmo para vender bonecos às meninas na pré-adolescência. Só que aí veio a última década do século 20 e a televisão deixou de ser a mídia preferida de crianças e teenagers…
Dupla dinâmica
… Até vir o Gorillaz, quarteto que começou a ser criado em 1998 pelo músico Damon Albarn e o ilustrador Jamie Hewlett, que, desde o ano anterior, passaram a dividir um apartamento em Londres. Eles já se conheciam desde 1990, quando, ainda antes de lançar seu primeiro álbum, o Blur foi entrevistado por Hewlett para o fanzine Deadline. O encontro entre os dois foi proporcionado pelo guitarrista Graham Coxon, um grande fã de quadrinhos e admirador do trabalho que Jamie fazia na série de HQ Tank Girl, que vinha como um dos grandes atrativos da publicação, editada pelo cartunista. Inicialmente um não ia lá muito com a cara do outro, sobretudo porque a disputa entre eles envolvia a mesma garota. Quando apararam as arestas, chegaram à conclusão de que a melhor maneira de se acertarem definitivamente seria somar o que ambos sabiam fazer de melhor e fazer com que as duas mídias se comunicassem e se complementassem. Claro que o fato de se tratar do mundo da animação permitiu fazer com que a criatividade de ambos voasse longe e não tivesse limites.
Vida louca vida
Que bandas de rock sempre apresentaram as mais loucas histórias nas biografias de seus integrantes isso não é novidade. Só que Hewlett e Albarn capricharam na diversidade que forma o segredo do sucesso do Gorillaz. O fundador e líder do quarteto é o baixista Murdoc Niccals, satanista de carteirinha (atente para a data de seu nascimento: 6.6.66), que fez um contrato com o demo para conseguir fama por meio da música, tendo sido obrigado a colocar Faust como seu nome do meio e ganho um contrabaixo de presente batizado como El Diablo. Fora dos palcos e estúdios, só se mete em confusão com drogas, prisões, acidentes e incidentes provocados por ele mesmo, chegando até a curtir um período de afastamento da banda, sendo temporariamente substituído por Ace, personagem do desenho animado das Meninas Superpoderosas. Foi Murdoc, inclusive, o responsável pelo acidente de carro que colocou o vocalista Stuart 2-D Pot em coma, fazendo-o perder seu olho esquerdo. Logo depois, o mesmo Murdoc fez um cavalo-de-pau de 360 graus que fez o passageiro 2-D enfiar a cabeça no vidro frontal e perder a visão direita. O garoto, por sua vez, era acostumado a bater a cabeça desde criança. Seu cabelo azul é resultado disso, uma queda de uma árvore durante a infância (?!?!). Já o visual do rapaz, inspirado meio que no próprio Albarn, meio que em dois amigos em comum dos criadores (um deles, o vocalista do Menswear, outro grupo de destaque durante o levante britpop em meados dos anos 1990), reproduz aquele estereótipo do “vocalista bonitinho e aparentemente não muito inteligente de uma banda popular de rock”. A guitarrista Noodle não veio sob encomenda mas chegou literalmente pelo correio. Com onze anos de idade no início da banda, ela foi despachada pelo serviço secreto japonês como forma de se livrar de uma experiência mal sucedida com crianças criadas para dominar igualmente armas, idiomas e instrumentos. No caso de Noodle (o apelido veio da única palavra em inglês que ela soube dizer à banda ao sair da caixa), as tentativas não deram muito certo, a não ser pela guitarra. Completa a formação o baterista Russell Hobbs, bolado para ser uma representação da faceta hip hop do Gorillaz, uma simbologia da parte rítmica casada à poesia. Criado no Brooklyn e mandado a Londres pelos pais para não se meter mais em encrenca pelas ruas de Nova York, o jovem incorpora o espírito de um grande amigo de adolescência, também rapper, morto a tiros. O melhor desta diversidade toda é que os personagens vão tendo suas narrativas e histórias desenvolvidas a cada álbum, tendo como suporte as faixas e os videoclipes. Portanto, ao contrário de todas as bandas de cartoon antecessoras, o tempo passa para os integrantes do Gorillaz e eles vão sendo transformados aos poucos.
Filme na Netflix
O que nos leva àquele que talvez seja, há anos, o mais aguardado produto com a marca Gorillaz: um longa-metragem. Sabe-se que o projeto está em desenvolvimento e que o filme será lançado diretamente por streaming, via Netflix. Entretanto, apenas este detalhe foi confirmado pela dupla criadora da banda. Nada mais foi dito ainda a respeito da história, como ela será e quem mais estará envolvido no projeto.
Braços dados com o hip hop
Uma das propostas de Damon Albarn ao montar o projeto paralelo foi se aproximar de suas paixões na adolescência (como o Clash ou as bandas two-tone, por exemplo) distanciar o máximo possível da sonoridade traçada pelo Blur naquele auge da banda nos meados dos anos 1990. Faz sentido, afinal, nos anos anteriores ele foi catapultado ao estrelato como um dos cânones do britpop, que resgatou a sonoridade clássica sixtie do rock britânico e a levou de volta às paradas mundiais. Portanto, sobrou para o Gorillaz um terreno fértil apontando para outros caminhos da música pop. Mais groove. Menos destaque para guitarras e violões. Mais diálogo com outros gêneros, como a world music e o hip hop. Aliás, a fusão com o hip hop foi o principal acerto da nova sonoridade. Era um começo de anos 2000 e o rock ainda flertava timidamente com programações eletrônicas, sintetizadores e sobretudo o canto falado e ritmado criado pelos pretos nova-iorquinos. Então, mesmo enfrentando uma forte concorrência com o potente novo rock retrô e regressivo daquele início de década (Strokes, White Stripes, Franz Ferdinand, Killers, Libertines, Interpol, Yeah Yeah Yeahs), foi justamente a adição do rap como um forte elemento que fez o Gorillaz apontar para o futuro e dialogar com uma geração mais nova de fãs por todo esse tempo. Não só isso: provou que o rock poderia abraçar o hip hop justamente quando o gênero passou a ter extrema importância mercadológica, vendendo cada vez mais milhões e milhões no novo século, chegando a encabeçar escalações diárias dos mais tradicionais festivais de rock e música pop.
Clint Eastwood
Já em seu álbum de estreia, epônimo, de 2001, o maior cartão de visitas do projeto era um casamento perfeito com o hip hop. No som e no discurso. “Clint Eastwood” não foi o primeiro single do disco, mas foi aquela faixa responsável pelo breakthrough da banda nas rádios e programações da MTV ao redor do mundo. Em cima de uma harmonia por demais simplória, Albarn e o rapper norte-americano Del The Funky Homosapien (e primo de Ice Cube, também ator e ex-NWA), comanda a história do finado amigo de Russell cujo espírito volta à terra para se apossar do corpo do baterista e promover uma grande ode ao mundo dos mortos-vivos. Aliás, a temática zumbi sempre foi uma das grandes paixões da dupla criadora. E é justamente ela que domina a história do videoclipe, que já começa com uma citação do filme Despertar dos Mortos, um dos vários clássicos assinados pelo cultuado diretor George Romero. Na trama, um monte de gorila desperta das catacumbas para perseguir os vivos, sobretudo Murdoc, 2-D e Noodle (já que Russell dá início ao levante protagonizando a atividade paranormal). Duas décadas depois, a faixa ainda é poderosa demais para não deixar ninguém parado, sem dançar, nem calado, sem cantarolar ao menos o refrão. E o que o famoso ator e diretor hollywoodiano – mais ligado a produções de dramas e faroestes – tem a ver com a história para dar título à música? Com a história nada. Entretanto, no início do arranjo, um fraseado instrumental criado inadvertidamente por Damon no estúdio durante os rascunhos para a canção lembra vagamente o principal tema musical do western spaghetti O Bom, O Mau e O Feio (1966), dirigido pelo italiano Sergio Leone e com Eastwod como um dos protagonistas.
Feel Good Inc.
Grande destaque do segundo álbum, Demon Days (2005), tendo inclusive recebido um Grammy (melhor colaboração pop com vocais) e outras duas indicações (gravação do ano, melhor videoclipe) ao prêmio máximo do mercado fonográfico mundial. Aqui, Albarn se junta ao trio de rap De La Soul para detonar uma grande dinamite sonora capaz de explodir qualquer pista de dança ou multidões em gigantes arenas. A letra, a começar pelo nome jocoso e sarcástico, faz uma critica severa à obrigação de demonstrar bem-estar e felicidade extremada (sobretudo nas redes sociais) que tem tomado de assalto a população mundial desde a internet virou vício diário. O clipe, com fortemente inspirado pelo trabalho do japonês Hayao Miyazaki e seu estúdio Ghibli, trata da imbecilização promovida pela cultura de massa e questiona a falta de liberdade intelectual vinda a partir dela. Aliás, a risada malévola do DJ Maseo arrepia a cada audição – ainda mais quando o De La Soul é convocado por Albarn para participar ao vivo da música, em turnês e apresentações especiais.
Um milhão de amigos
Desde o início a proposta do Gorillaz foi ter um monte de convidados especiais em suas faixas. A cada disco, na ficha técnica, fazendo participações ou assinando remixes, desfila um panteão de grandes representantes da música em todas as vertentes. Olha a lista de “alguns” destes nomes: Dan The Automator, Kid Coala, Miho Hatori (Cibo Matto), Del The Funky Homosapien, Ibrahim Ferrer (Buena Vista Social Club), Dave Rowntree e Graham Coxon (Blur), Tina Weymouth e Chris Frantz (Talking Heads e Tom Tom Club), Soulchild, Phi Life Cypher, Danger Mouse, Simon Tong (Verve), Demon Strings, Neneh Cherry, De La Soul, U Brown, Ike Turner, MF Doom, Roots Manuva, Martina Topley-Bird (Tricky), Shaun Ryder (Happy Mondays e Black Grape), Dennis Hopper (ator e diretor de Easy Rider – Sem Destino), Spacemonkeyz, Snoop Dogg, Mos Def, Bobby Womack, Gruff Rhys (Super Furry Animals), Little Dragon, Mark E. Smith (Fall), Lou Reed (Velvet Underground), Paul Simonon (Clash), Mick Jones (Clash, Big Audio Dynamite), Jean-Michel Jarre, Grace Jones, Pauline Black (Selecter), Terry Hall (Specials), Bees, Einar Orn (Sugarcubes), Hot Chip, Metronomy, Soulwax, Danny Brown, Mavis Staples (Staples Singers), Pusha T, Little Simz, Kali Uchis, Benjamin Clementine, Jehnny Beth (Savages), Noel Gallagher (Oasis), Rag’n’Bone Man, Kilo Kish, Carly Simon, George Benson, James Ford (Simian Mobile Disco, Last Shadow Puppets), Beck, Robert Smith (Cure), Schoolboy Q, Prince Paul, St Vincent, Peter Hook (New Order, Joy Division), Slowthai, Slaves, Unknwon Mortal Orchestra, Joan As Police Woman, Tony Allen (Fela Kuti), Leee John, Earl Sixteen, Skepta, Stuart Zender e Simon Katz (Jamiroquai) e Elton John. É pouco?
O consumo musical de hoje em dia é questionado com história costurada por canções dos Beatles em um mundo onde a banda não existiu
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Universal Pictures
Talvez um mundo sem Rolling Stones seja possível. Sem Beatles, porém, jamais. Pelo menos essa é a visão de Yesterday (Reino Unido, 2019 – Universal Pictures), filme dirigido pelo aclamado Danny Boyle, do cult Trainspotting e do oscarizado Quem Quer Ser um Milionário?, que estreia no Brasil com dois meses de delay.
Em resumo, o longa é uma bela homenagem aos Fab Four, com críticas sutis ao showbiz frente ao mundo volátil de hoje e carregando uma mensagem totalmente John Lennon no final. Quem assina o roteiro é Richard Curtis, o neozelandês naturalizado britânico especialista em comédias românticas água com açúcar como Quatro Casamentos e um Funeral e Um Lugar Chamado Nothing Hill. Da dobradinha inglesa, quem se sobressai é o roteirista que imprime sua digital ao filme, abafando a direção de Boyle.
O longa conta a história de Jack Malik (interpretado pelo britânico filho de pais indianos Himesh Patel) que vive em Lowestoft, condado de Suffolk, Inglaterra, com sua vidinha de repositor num supermercado. Em paralelo, ele se apresenta em pubs e festivais, tocando as composições que compõe, às quais ninguém dá muita atenção. Pela decoração do quarto de Malik, dá pra perceber sua paixão por indie rock: há pôsteres da banda escocesa Fratellis; do álbum In Rainbows, dos ingleses do Radiohead; e dos americanos Killers. Além de cantar, Malik é multi-instrumentista (toca piano, violão e guitarra) e guarda uma supercoleção de discos de vinil dentro do armário.
Quem dá suporte à sua carreira são os amigos. Em especial Ellie Appleton (Lily James), parceira desde a infância e que se tornou uma espécie de manager de Malik. Lily é uma garota meiga e romântica, que dá aulas de matemática numa escola e, claro, nutre uma paixão platônica por Malik. Quando, frustrado, o rapaz pensava seriamente em desistir do sonho de se tornar um cantor famoso, o inesperado acontece. Ao voltar para casa pedalando após um show praticamente às moscas, ele é atropelado por um ônibus durante um apagão planetário, como o bug que todos esperavam na virada do milênio. Jack vai parar no hospital e lá já percebe que há algo mais estranho do que ele ter ficado banguela. O rapaz cantarola trecho de uma canção dos Beatles e Ellie sequer reconhece. Ao receber alta, ganha um violão novo de presente e interpreta a canção que batiza o longa, “Yesterday”, que Paul McCartney compôs logo após lembrar-se de uma melodia vinda durante um sonho.
E então o mote do filme começa. Malik reage ao impacto de saber que é o único que se lembra de Beatles, num misto de indignação e nervosismo. Os amigos do protagonista chegam a comparar “Yesterday” com “Fix You”, do Coldplay – um dos momentos hilários do longa. O mundo, então, torna-se estranho, vazio e sem sentido para o rapaz que, por várias vezes, recorre ao Google para descobrir se algo mais desapareceu no fog. Será que o Oasis sequer existiu também?
Malik se vê na obrigação de mostrar ao mundo o que só ele lembra e, de quebra, consegue impulsionar sua carreira ao se apropriar da obra de Paul, John, George e Ringo, despertando, claro, curiosidade e desconfiança por conta de toda essa explosão criativa que surge da cabeça de quem compunha canções banais.
Conforme ele mergulha na memória para buscar cada palavra e cada acorde do repertório beatle, revela-se a trilha sonora do filme, repleta de “lados A” como “I Wanna Hold Your Hand”, “In My Life”, “Help!”, “Eleanor Rigby”, “I Saw Her Standing There”, “All You Need Is Love”, “Let It Be”, “Hey Jude”, “Here Comes The Sun” e “Ob-La Di Ob-La-Da”. Para relembrar a dificílima letra de “Eleanor Rigby”, precisa ir a Liverpool e visitar alguns lugares, por exemplo. E assim várias canções do quarteto vão dando um contorno ao filme, cada qual situada com um propósito definido.
Os “novos hits” passam a chamar atenção e Malik conhece Ed Sheeran, a grande surpresa do longa. O astro pop interpreta ele mesmo, como uma autocaricatura, um clown, e é responsável por arrancar boa parte das risadas do público (algo me diz que Sheeran teve aulas com Hugh Grant!). As obras-primas despertam também os olhares da manager de Sheeran, Debra Hammer (a comediante Kate McKinnon, que dá um show ao personificar a produtora sem escrúpulos). De rapaz desconhecido, Malik vira ídolo pop. Alcança e conhece de perto a fama, primeiro abrindo shows do astro ruivo inglês que compôs “Shape Of You”, cujo refrão surge repetidamente no filme. Numa das cenas, os dois chegam a disputar quem faz a melhor música na hora (adivinhe quem ganha!).
A partir do momento que o protagonista começa a fazer sucesso com os hits dos Beatles – e obviamente desbanca Ed Sheeran – é possível perceber críticas implícitas sobre as mudanças sofridas na indústria do entretenimento nestas últimas décadas. Como a tecnologia transformou o processo de criação (quem é capaz de fazer uma letra como Eleanor Rigby hoje?) e facilitou o consumo de música pop requentada (porque a original Coca-Cola também desapareceu do mundo e só existe Pepsi?); e também como o marketing digital revolucionou a divulgação do trabalho dos artistas. A direção de Boyle, com seus efeitos visuais e ritmo dinâmico, nos faz mergulhar na era dos downloads, aplicativos e redes sociais e refletir sobre essas alterações tão impactantes na indústria cultural. Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band perde o colorido e “Help!” se transforma num hardcore meia boca.
O eixo principal do filme, porém, é o relacionamento entre Malik e Ellie, que fica conturbado depois que o rapaz atinge o estrelato. Mas a tensão entre o casal só vem à tona nos minutos finais. Aliás, Yesterday desanda da metade para o fim (se perde assim como a série Lost) e a expectativa de um desfecho criativo é atropelada por um ônibus biarticulado.
Mesmo assim vale assistir a Yesterday pelo tributo, pelos covers bem executados por Patel, para rir de Ed Sheeran e, sobretudo, refletir sobre o modo como consumimos cultura e amor hoje em dia. Como já diziam os Beatles, bem fresquinho na memória: “in the end the love you take is equal to the love you make”.
Pedreira Paulo Leminski, quarta-feira, 7 de novembro de 2018. Escaladas para o mesmo palco estavam duas bandas de direcionamento conceitual bastante diferentes. Ambas em turnê pelo país com shows solo e dois encontros (este na capital paranaense e no dia seguinte em São Paulo) disfarçados de um minifestival chamado Summer Break.
Primeiro, a vez dos mais novos. Quarteto transformado em sexteto ao vivo, o Foster The People é um dos grandes expoentes dos millenials. Aquela geração, vinda a partir do fim do milênio, que nasceu já com o binarismo digital introduzido de forma natural no dia a dia. Que acostumou-se com a velocidade bem mais acelerada do cotidiano, dos computadores e da comunicação. Que enjoa rápido de muita coisa justamente pela torrente de informações que nos é despejada sem parar. Que resolve tudo a partir de alguns cliques. Que se encaixa perfeitamente na fluidez dos tempos contemporâneos, principalmente na sexualidade e na estética. Que uma hora é algo, na outra já não é. Que uma hora quer, na outra não quer mais. Que não vê limites mais para nada e deseja tudo ao mesmo tempo para ontem porque o hoje já é de outra de forma e o amanhã nem chegará.
Por isso a trupe comandada pelo multi-instrumentista, compositor e produtor Mark Foster é a cara dos millenials e ainda abocanha a geração anterior, a transicional Y. Ou melhor, o FTP faz o som que representa muito bem estas duas turmas. Com três álbuns na bagagem e um punhado de hits radiofônicos (sobretudo os singles extraídos do trabalho de estreia, Torches, lançado em 2011), o FTP mistura bem o repertório de todos. E assim o fez na Pedreira, durante quase uma hora e meia, balançando os esqueletos de boa parte da molecada acostumada a playlists nas plataformas de streaming e que nem sabe muito bem para que ainda serve um disco físico.
Na moldura sonora, muitas batidas eletrônicas e sons sintetizados – os músicos trocavam constantemente de instrumentos e havia hora em que três deles estavam atrás de algum sintetizador. Era disco, soul, funk, psicodelismo, electro, pop, rock, punk. Tudo coexistindo numa boa, flutuando entre as fronteiras derrubadas dos gêneros musicais. Tudo música criada dentro de estúdio, através de pedaços colados por softwares. Estrofes inteiras em falsete misturavam-se a grooves arrasadores e melodias grudentas típicas de alguém outrora acostumado a trabalhar com jingles publicitários na cidade de Los Angeles. Mark, músico competente, segura bem os vocais ao vivo, embora sua performance faça uma ligação com a plateia mais pelo estilo e pelas poses do que por algo mais digno de um entertainer. Suas letras procuram um posicionamento crítico diante da sociedade de hoje, levantando questionamentos sobre, por exemplo, consumo, tecnolgia, agressividade. Mas os versos pouco causam impacto. A forma é muito mais importante do que o conteúdo.
Foster The People
Noel Gallagher é fruto da geração rock’n’roll, os baby boomers que se fizeram e viram seus filhos crescerem com uma outra revolução de costumes e comportamento. A geração que forjou uma identidade através da indústria cultural para poder encontrar um lugar propício de sua voz no mundo. Que não se identificava mais com seus pais e avós porque achava tudo meio arcaico e demodê. Que se engajava em uma ideologia de libertação ou de contestação e por ela lutava erguendo bandeiras e tentando conquistar o mundo. Que se acostumou de forma espontânea com o dia a dia regado pelas maravilhas tecnológicas de novos meios de comunicação (sobretudo a televisão e as transmissões de rádio em frequência modulada). Que viu crescer a tecnologia dos computadores, outrora corpos bastante complexos, pesados, complicados e restritos somente a uma certa nata do meio acadêmico.
A sonoridade de Noel, há uma década em carreira solo disfarçada de banda (tanto que ele sempre assina Noel Gallagher’s High Flying Birds), é orgânica e quase integralmente analógica, mesmo utilizando os hoje inevitáveis recursos digitais de pedais de guitarra e sintetizadores. Tudo humano. Tanto que a banda é extensa. Duas guitarras, baixo, bateria, teclados, duas backing vocals (que ainda fazem as pequenas percussões, entre elas até uma curiosa tesoura!!!), uma cantora “convidada” (para fazer a voz principal de apenas uma música) três no naipe de metais.
Noel cresceu ouvindo canções pop no rádio e na televisão. Fez carreira construindo novas canções pop para tocar sem parar no rádio e na televisão. Músicas com harmonias que podem ser levadas solitariamente ao violão e melodias que fazem uma arena inteira erguer os punhos, encher de ar os pulmões e cantar junto bem forte, o tempo inteiro. Foi assim em seus tempos de Oasis, no qual dividia as atenções com seu irmão mais novo e desafeto Liam Gallagher, então na função de vocalista da banda. Continua sendo assim agora, mesmo que nos dois últimos discos ele venha tentando se libertar da redoma dos hinos classic rock e venha flertando com outros gêneros (disco, soul, funk, psicodelismo, trip hop). Mas sempre com o estilo e a personalidade de quem tem a alma rock’n’roll. De quem é rock e vai ser rock sempre. E para quem o conteúdo importa muito mais do que a forma.
Por isso Noel ainda encanta mais quando o assunto é tocar em um local vasto e amplo para grandes públicos. Na Pedreira, estabeleceu conexão maior com a plateia. Brincou de forma irônica com alguns fãs do gargarejo (como na hora de se negar a cantar alguns clássicos com o título berrado, mandar alguém calar a boca todo instante só com um único gesto e dizer que não vai tocar uma determinada música porque simplesmente ela nunca fora executada ao vivo por ele). Ressuscitou sua antiga banda em alguns momentos (seis para ser bem exato), mas se dividindo entre hits e faixas que nem foram tão hit assim.
As pessoas ligadas a Noel (ele é baby boomer e ídolo da subsequente geração X, formada justamente pelos pais e tios dos millenials) amam uma coisa a ponto de sustentá-la até o fim da vida, mesmo que a evolução da tecnologia e a comunicação as forcem a entrar em contato com novidades e se tocar que o mundo nunca mais voltará àquela ingenuidade de décadas atrás.
No fim da noite o embate geracional acabou ficando no empate. Logo após o encerramento do Foster The People, muitos adolescentes passaram pelo portão de saída da Pedreira felizes e nem sequer tiveram paciência para ficar e assistir ao show seguinte porque simplesmente isso não lhes interessava ou não era de seu conhecimento. Outros, mais velhos, depois do tédio da parte inicial do festival, voltaram para casa com a alma lavada e encharcada por belas canções embaladas no formato mais tradicional da música pop, após o gran finale com uma música dos Beatles que, meio século depois, continua com sua mensagem atualíssima. O mais importante é que cada um celebrou a revolução a seu modo. E sem olhar para trás com raiva.
Set list Foster The People: “Coming Of Age”, “A Beginner’s Guide To Destroying The Moon”, “Loyal Like Sid & Nancy”, “Pay The Man”, “Life On The Nickel”, “Waste”, “Pseudologia Fantastica”, “Harden The Paint”, “Are You What You Want To Be?”, “Houdini”, “Call It What What You Want”, “Nevermind”, “Helena Beat”, “Don’t Stop (Color On The Walls)”, “Lotus Eater/Blitzkrieg Bop”, “Time To Get Closer”, “Pumped Up Kicks” e “Sit Next Tom Me”.
Set list Noel Gallagher: “Fort Knox”, “Holy Mountain”, “Keep On Reaching”, “It’s a Beautiful World”, “In The Heat Of The Moment”, “If I Had a Gun…”, “Dream On”, “Little By Little”, “Whatever”, “The Man Who Built The Moon”, “She Taught Me How To Fly”, “Half The World Away”, “Wonderwall”, “AKA… What a Life!”, “The Right Stuff”, “Go Let It Out”, “Don’t Look Back In Anger” e “All You Need Is Love”.