No particular “duelo” com Lauryn Hill, texana vence por goleada ao se apresentar neste fim de ano em SP
Texto e foto por Fábio Soares
Particularmente para o público paulistano, o ano de 2019 ficará marcado pelas apresentações de dois expoentes femininos do hip hop coligado ao soul e ao r&b. No primeiro semestre, Lauryn Hill decepcionava os fãs com sua tradicional irregularidade em cima do palco, aliada a seu eterno mau humor. Meio ano depois, sua contemporânea Erykah Badu também aterrissou por aqui para um show na cidade. Em comum entre as duas, dois fatores: nenhuma delas trazia novo repertório e ambas se apresentaram no mesmo local, o Espaço das Américas.
Se o show de Hill teve seus ingressos esgotados sete meses antes de sua realização, a venda de tickets para a performance de Badu demorou a engrenar, sendo “turbinada” por uma promoção de 50% de desconto a uma semana da apresentação. Sendo assim, na noite de 21 de novembro, cerca de 80% da totalidade da casa estava ocupado e apresentava um público das mais diferentes faixas etárias. Nos camarotes, famosos como Caetano Veloso, Jorge Benjor e Mano Brown eram vistos enquanto a expectativa só aumentava em meio ao atraso do início do concerto. Às 22h50, a incidental (e demasiadamente longa) “But You Caint Use My Phone” foi executada com a cantora surgindo ao palco com pesado figurino e seu inconfundível chapéu a cobrir seu rosto. “Hello” deu continuidade à lentidão da faixa de abertura. Para completar a trilogia da modorrice, “Out My Mind, Just In Time” veio mais para confundir que para explicar. Somadas, as três canções “comeram” quinze minutos da apresentação, dando a impressão de que o repeteco do fracasso da apresentação de Lauryn Hill se materializaria.
Foi somente com “I Want You” faixa do álbum Worldwide Underground (de 2003) que o freio de mão deixou de ser puxado e a engrenagem começou a girar. Com o apoio de um competentíssimo trio de backing vocals e outro trio na percussão, a execução do medley de “On & On”/ “…& On” finalmente ofereceu o consagrador r&b de seu repertório à plateia. A primeira do clássico álbum Baduizm (1997), com seu indefectível refrão “my cypher keeps moving like a rollin’ stone”, e a segunda, como um complemento à sua faixa irmã, lançada três anos depois no seminal álbum Mama’s Gun. O ponto alto da primeira parte foi a trinca de ases formada por “Appletree” (com desacelerado andamento no início para depois explodir em sua execução original), “No Love” (com Erykah baixando o tom de sua voz e deixando de lado descartáveis agudos potencializados por efeitos no microfone) e a sempre MARAVILHOSA “Next Lifetime”. A obra-prima de Badu continua a emocionar audiências mundo afora, mesmo após 22 anos de seu lançamento.
Nem a descartável “Danger” (do irregular Worldwide Underground) deixou a peteca cair devido a mais um momento de brilho dos backing vocals. O proposital efeito contraluz da iluminação, evidenciou ainda mais o talento do trio que escudou a cantora com maestria em “The Healer”, modificada com muito mais peso em relação à sua original versão. Era o epílogo da primeira parte que já passava de uma hora e meia de duração.
Mas o melhor estava por vir. “Didn’t Cha Know” iniciou um “bis” totalmente aberto a improvisos da banda. A mais conhecida faixa de Mama’s Gun foi cantada em uníssono pelo público presente. A cantora interagiu de vez com a plateia nós vinte minutos finais: contou de sua experiência como doula, lembrou os 22 anos de lançamento de Baduizm, ofereceu o microfone à primeira fila da pista premium durante “Tyrone”. Enfim, sentiu-se como no Texas.
Para o fim, improvisou no teclado Hammond um prelúdio qualquer de um medley para ninguém botar defeito: “Bag Lady” (predileta deste que vos escreve e que fez sete mil corações dispararem no recinto), “Honey”, transformando o ambiente num gigantesco baile black (saudades do Chic Show!) e a surpreendente e bem-vinda citação a “Windows Seat” deram números finais a uma apresentação que, se não foi impecável em sua totalidade, ficará na memória do público como a passagem de uma gigante do r&b sua plenitude. Afinal, quem precisa de repertório novo com dois álbuns como Baduizm e Mama’s Gun no currículo? Ah, já ia esquecendo: no meu particular embate entre os shows Badu versus Hill, a texana goleou inapelavelmente a mal-humorada de New Jersey. Por quanto? Uns 8 a 2…
Set List: “Intro/But You Caint Use My Phone”, “Hello”, “Out Of Mind, Just In Time”, “I Want You/Don’t Stop The Music”, “On & On/ …& On”, “Love Of My Life (An Ode To Hip Hop)”, “Appletree”, “No Love”, “Net Lifetime”, “Time’s a Wastin”, “Otherside Of The Game”, “Annie (Don’t Wear No Panties)”, “Danger”, “The Healer”. Bis: “Didn’t Cha Know”, “Tyrone” e “Bag Lady/Honey/Window Seat”.