Elenco de ícones da geração Z protagoniza dilemas que podem parecer clichês mas passam longe da resolução à moda antiga
Texto por Frederico Di Lullo
Foto: H2O Filmes/Divulgação
Escrito e dirigido pelo cineasta Matheus Souza, este é, sem sombra de dúvidas, um filme jovem, ambientado no intenso clima das redes sociais. E esse clima se evidencia durante toda a história: seja pela narrativa recheada com elementos dignos de um melodrama juvenil, pela trilha sonora ambientada no dream pop que nos invadiu depois de 2010 ou até pelos diálogos entre amigos (ou amigxs?) que afrontam os principais personagens. São dilemas que, para nós podem até parecer morais, mas para a nova geração é apenas uma singela escolha. Simples assim. Direto assim.
A Última Festa (Brasil, 2023 – H2O Films) é ambientado na história de quatro jovens em sua festa de formatura, numa uma história que tem de tudo: amizades sinceras e não tanto, traições, nudes, brigas, crises existenciais, challenges e hashtags. Mas não apenas isso.
Dividido em quatro atos que decorrem simetricamente com o andar do roteiro, o longa-metragem apresenta alguns dos atores da nova geração nacional, como a badalada Marina Moschen; Christian Malheiros, que soube brilhar em produções de streaming com Sintonia e 7 Prisioneiros; mais Thalita Meneghim, Giulia Gayoso e Victor Meyniel. São jovens que se afiançam como novos talentos também na televisão, além de serem verdadeiros influenciadores da juventude. Afinal de contas, somando todos os seguidores destes nomes apenas no Instagram, chegamos ao número estimado de oito milhões de seguidores. Nada mal, né?
Rodado em Portugal ao longo de cinco semanas (e antes da pandemia), o filme é um retrato fiel da juventude que não entendemos (e também não conhecemos). São dilemas (e dogmas) que podem parecer clichês, mas que também são resolvidos de uma nova maneira, passando longe da moda antiquada.
Tudo na produção parece altamente instagramável, aparentando que o filme também poderia ser exibido em formato reels. O ritmo é frenético, embora a história, principalmente no começo, pareça que não vai levar a lugar algum. E tudo isso é possível graças a um cuidado que abarca boas atuações, diálogos intimistas e uma ótima direção de câmera. O filme tem tudo para agradar quem procura um drama contemporâneo e, principalmente, a tão digital geração Z.
Em resumo, é certeza que você não vai arrastar o dedo pra cima na procura de um próximo vídeo. Talvez você até descubra quem você seja.
Oito motivos para não perder a passagem da nova turnê do crooner canadense pelo Brasil
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Divulgação
Se existe uma palavra que define tanto a vida quanto a carreira de Michael Bublé é perseverança. Hoje famoso mundialmente, o canadense de Burnaby sofreu no início para provar que não era apenas um rostinho bonito com uma voz afinada. Tanto é que chegou a ouvir do empresário de uma major: “por que eu investiria em você se já existe Frank Sinatra?”. Oras, simplesmente porque o Frank Sinatra já morreu. Assim respondeu o cantor, que segue uma linhagem praticamente em extinção: a de crooner.
Além de Sinatra – que foi a grande inspiração de Bublé – podemos elencar vários intérpretes de canções de diferentes gêneros, do jazz ao pop clássico. Nat King Cole, Bobby Darin, Paul Anka, Bing Crosby, Tony Bennett e Harry Connick Jr são apenas alguns nomes da lista dos melhores crooners de todos os tempos. Gostem ou não, Bublé já figura ao lado desses monstros sagrados e é considerado o guardião dos clássicos americanos. Para provar seu talento, insistiu, insistiu até ser contratado por uma grande gravadora e virar um hitmaker.
Desde seu álbum homônimo de estreia, lançado em 2003, ele coleciona prêmios tanto na vida profissional como na pessoal. Uma dessas conquistas foi ver o filho se recuperar de um câncer no fígado, diagnosticado há cerca de cinco anos. Para se dedicar a ele, na época, Bublé deu uma pausa na carreira e se mudou com a família para Vancouver. Hoje, o garoto está com 8 anos e se recuperando bem. Por isso, quem sobe aos palcos hoje é muito mais que um artista ou um sex symbol, mas um pai vencedor, que carrega no DNA a herança dos crooners do mundo do entretenimento e que nunca deixou as adversidades da vida abalarem seu bom-humor.
O Mondo Bacana te dá oito motivos para não perder a apresentação desse astro – cafona para uns, encantador para outros – na turnê An Evening With Michael Bublé, que passa pelo Brasil em quatro datas. As três primeiras serão no Rio de Janeiro (Jeneusse Arena, dia 3) e em São Paulo (5 e 6, Allianz Parque – Arena Palmeiras; a segunda noite está com ingressos esgotados). A última, em Curitiba (8, estádio do Athletico Paranaense). Mais informações sobre os concertos e como comprar as entradas você pode ter clicando aqui).
Artista premiado
Bublé vendeu mais de 60 milhões de álbuns em todo o mundo ao longo de sua carreira. Teve muitos singles no topo das paradas. Realizou sete especiais da NBC. Ganhou quatro Grammy Awards e vários Juno Awards como intérprete e compositor.
Artista certificado
Bublé é um dos grandes nomes da música internacional, tanto que conquistou o certificado de multiplatina e seu álbum mais recente, Love (de 2018), alcançou o primeiro lugar na Billboard Top 200. O astro ostenta ainda a impressionante marca de 12 bilhões de streams globais, sendo 217 milhões deles somente no Brasil. Seu primeiro disco homônimo já foi um sucesso na sua terra natal, tendo alcançado o Top 10.
Álbuns de sucesso
Nos Estados Unidos, ele conseguiu sucesso comercial com o álbum It ‘s Time (2005), que trouxe o hit “Home”. Seu terceiro trabalho, Call Me Irresponsible (2007) chegou ao topo da Billboard, assim como o posterior Crazy Love (2009). Até 2019, ele havia vendido 60 milhões de álbuns ao redor do mundo.
Disco de Natal
Assim como as inesquecíveis canções natalinas que se tornaram um clássico na voz de Sinatra, Bublé seguiu a linha do ídolo e lançou em 2011 o álbum Christmas, que vendeu nada menos que seis milhões de cópias em apenas dois meses e foi relançado recentemente. Christmas se tornou um marco e transformou seu intérprete em uma referência nas festas de fim de ano. Na época, Bublé afirmou que receava que a obra o transformasse somente no “Cara do Natal”, tamanho o sucesso do trabalho. Mas o tempo provou que o canadense era muito mais que isso.
Clássicos
Aliás, isso não faltará no set list da atual turnê. Se você é como eu e não consegue conter a ansiedade e ama xeretar o repertório dos últimos shows, sabe que vêm por aí muitos clássicos. Como a onipresente “Feeling Good, Sway” e algumas canções românticas que ficaram famosas na voz de Elvis. Ou seja, será difícil não se emocionar na plateia.
Primeira vez
O cantor já esteve excursionando por terra brasilis, mas esta é a primeiríssima vez que Bublé se apresenta na capital paranaense. E em um estádio da Copa do mundo. O cantor gosta muito de se apresentar por aqui e curte muito o nosso futebol, mesmo sendo casado com uma atriz argentina.
An Evening With Michael Bublé
Suspensa em 2020 por conta da pandemia, a turnê já era uma das mais bem sucedidas turnês internacionais do ano. Só nos EUA ela foi vista em 82 cidades por mais de meio milhão de pessoas e 27 datas extra tiveram de ser agendadas para atender ao público.
Ginga canadense
Não poderíamos ficar de fora aqui o jeito Bublé de ser, que reúne versatilidade, carisma e bom humor em cima do palco. Aliás, na esteira de sua participação no programa de TV Dancing With The Stars, podemos esperar ainda novos passos de dança, como o artista adiantou nas suas redes sociais.
Oito motivos para lembrar sempre o rapper californiano que estourou no mundo todo em 1995 com o hit “Gangsta’s Paradise”
Texto por Abonico Smith
Foto: Reprodução
Já era tarde da noite do dia 28 de setembro no Brasil quando chegou a notícia da morte do rapper Coolio. Postada por seu empresário em redes sociais, a nota não dizia a causa mortis mas contava que o artista fora achado desacordado em Los Angeles, no banheiro da casa de um amigo, que chamou, sem muito sucesso, os paramédicos.
Coolio tinha 59 anos de idade e deixa seis filhos. Ele continuava na ativa, fazendo shows e gravando esporadicamente. Sua discografia tem três álbuns, sendo o período de maior sucesso os meados dos anos 1990, quando estourou nas rádios e MTVs do planeta todo com o hit “Gangsta’s Paradise”. Contemporâneo de grandes e populares nomes do hip hop – como Dr Dre, Ice Cube, 2pac Shakur, Notorious BIG, MC Hammer e vanilla Ice – foi justamente com este com quem fizera sua última apresentação ao vivo, uma semana antes. Seu pseudônimo, segundo reza a lenda, veio de uma tentativa mal sucedida de cantar em um evento uma música gravada pelo cantor romântico espanhol Julio Iglesias. Daí veio o apelido, dado por amigos, de Coolio Iglesias.
O Mondo Bacana homenageia este grande rapper – que também foi ator bissexto – com oito bons motivos para lembrar-se sempre dele.
Cria de Compton
Quem conhece a história do grupo de hip hop NWA sabe muito bem a barra pesada que é viver nesse bairro negro de Los Angeles. Algumas das letras de suas canções e a história contada na cinebiografia mostram toda a dor e sofrimento do dia a dia na pobreza aliada a uma grande violência interna, muito disso alimentado por intervenções da polícia. Coolio também veio de lá. Nascido Artis Leon Ivey Jr, ele é contemporâneo do pessoal do NWA. Mas antes de se estabilizar na carreira artística trabalhou como segurança do aeroporto de LA e ainda alistou-se como bombeiro voluntário para combater as queimadas que assolam a região regularmente quando chegam as altas temperaturas. Ralou bastante para ganhar grana até ver a fama chegar por meio da música.
Tommy Boy
Uma das marcas de excelência no hip hop norte-americano dos anos 1980 e 1990 é da gravadora Tommy Boy Records. Selo fundado em 1981 por um judeu nova-iorquino de nome Tom Silverman, a iniciativa formou anos depois uma parceria com a major Warner e fez decolar a carreira de um monte de gente bacana e importante de seu elenco. Só para citar alguns nomes: Stetsasonic, Force MDs, Afrika Bambaataa, Queen Latifah, De La Soul, Digital Underground, Naughty By Nature, House Of Pain e Coolio. Este assinou contrato em 1994, dando início à carreira solo após alguns anos participando do grupo WC & The Maad Circle. Por lá gravou e lançou três álbuns, justamente sua fase de maior popularidade e sucesso comercial.
Stevie Wonder
Songs in the Key of Life, de 1976, é uma das obras mais aclamadas do cantor e compositor revelado pelo icônico selo Tamla-Motown. Décimo oitavo álbum de estúdio da carreira, esse disco representou uma fase bastante prolífica de Stevie. Ele jorrava tanta criatividade na época que não parava de compor para o disco. Tanto que gravou (e chegou a tocar quase todos os instrumentos no estúdio) 21 faixas, que foram todas lançadas de um modo nada usual: 17 entraram num vinil duplo e as restantes ficaram para umcompacto de 7 polegadas que vinha acompanhando o álbum. A terceira faixa do lado B do primeiro disco, Pastime Paradise, é a grande responsável pelo estouro da carreira de Coolio. Uma das primeiras músicas a usar um sintetizador Yamaxa GX-1 soando como toda uma orquestra de cordas, a canção faz reflexões sobre materialismo e egocentrismo, falando em um tal de “paraíso de passatempo”. Sampleada com a voz e a letra reescrita por Coolio, virou “Gangsta’s Paradise”. Incialmente Wonder não havia visto a ideia dos novas versos com bons olhos, mas depois de pedir para reescrever alguns trechos mais pesados e tirar os palavrões, deu a liberação para o lançamento da faixa. E até cantou com Coolio e LV (que faz os vocais dos trechos mais melódicos da letra) numa apresentação ao vivo durante a cerimônia do Billboard Awards.
Gangsta’s Paradise
Single lançado no primeiro dia de agosto de 1995 para ser o chamariz do filme Mentes Perigosas, que chegou às telas dez dias depois. Os versos escritos por Coolio, LV e o produtor Doug Rasheed fazem menção ao duro cotidiano de um jovem na periferia negra de Los Angeles, sem muita perspectiva de longevidade na vida e cercado de violência por todos os lados. O que, certamente, quase vinte anos depois, traz uma evolução de sentidos e significados para o que Stevie Wonder cantava em “Pastime Paradise”. Mantendo a dramaticidade das cordas e mantendo a dinâmica crescente do coro gospel também registrado na faixa original, a gravação caiu como uma luva para ser a música-tema do filme. Não à toa foi o single mais vendido daquele ano nos EUA, conquistando depois muitos prêmios, inclusive o Grammy. Na Europa, liderou a parada de diversos países. No videoclipe, dirigido por Antoine Fuqua (que começou assinando clipes e depois passou para longas-metragens e episódios de seriados), Pfeiffer faz participação especial.
Mentes Perigosas
Drama protagonizado por Michelle Pfeiffer e produzido pela mesma dupla responsável por blockbusters como Flashdance, Um Tira da Pesada e Top Gun: Ases Indomáveis, que mostra a difícil relação entre uma professora branca e seus alunos adolescentes em uma escola situada no subúrbio latino e afro-americano da Califórnia. Os garotos, todos de classe média baixa, envolvidos com gangues e o tráfico e consumo de drogas, aos poucos vão sendo conquistados pela doçura e habilidade da mestra em usar poesia, música, Bob Dylan e muito afeto, muito carinho. Assim ela vai trazendo-os para seu lado pouco a pouco. O principal problema é um aluno chamado Emilio Ramirez, cuja vida corre sérios riscos. Entretanto, é justamente em torno do que vai acontecendo com ele que vai se desenrolando boa parte da trama e das reviravoltas.
Fantastic Voyage
Um ano antes do estrelato obtido com “Gangsta’s Paradise”, Coolio lançou seu primeiro álbum, batizado It Takes a Thief. O single de maior sucesso deste disco foi o terceiro, “Fantastic Voyage”. O clipe – que traz uma ponta de B-Real, do Cypress Hill – traz uma história surreal: gira em torno de uma viagem do vocalista e sua trupe a bordo de um Impala conversível de 1965 que era uma bicicleta azul e depois volta a sê-la.
C U When U Get There
Último grande hit de Coolio durante seu tempo na Tommy Boy. A faixa, de 1997, foi construída em cima de uma melodia-base do alemão Johann Pachelbel, compositor barroco que viveu no século 17. Seu “Canon em Ré Maior” foi criado originalmente para três violinos, baixo contínuo e uma giga (dança barroca popular na Inglaterra e na França). Coolio, através de seu canto falado de versos emocionantes colocado em uma batida eletrônica lenta e entremeados por um refrão intenso com direito a coro gospel.
Kurt Cobain
Como muitos rappers norte-americanos, Coolio era louco pelo líder do Nirvana. Ao ver o clipe de “Heart-Shaped Box”, ele botou na cabeça de querer fazer, um dia, uma colaboração com Kurt. Contudo, não houve muito tempo para alimentar o sonho, com a morte do ídolo em abril de 1994. Para o site da revista Spin, em uma entrevista realizada em 2014, Coolio comentou sobre o peso que as drogas fazem na pessoa deprimida e o péssimo hábito de família e sociedade não dares a mínima para isso no momento que estas pessoas mais precisam de ajuda. E ainda se colocou no lugar do Kurt justamente por ter, em um passado não muito distante, mergulhado no uso de cocaína.
Mastodonte do synth pop perde Andrew Fletcher, seu mais discreto integrante e a fonte de segurança nos bastidores durante quatro décadas
Wilder, Gore, Fletcher e Gahan em 1987
Texto por Fabio Soares
Foto: Mute Records/Divulgação
Quando o baixista Andrew John Leonard Fletcher chamou o tecladista e compositor Vince Clarke para o pontapé inicial de um projeto musical em 1977, ambos não sabiam bulhufas o que viria a seguir. Eram tímidos jovens proletários em um buraco esquecido na Inglaterra, com inteligência acima da média e que tinham somente a música como companheira. Em todos os momentos. Tristes em sua maioria. O par de cérebros absolutamente centrados formou o No Romance In China e, logo em seguida, o Composition Of Sound, com a entrada do guitarrista Martín Gore. Era a época dos sintetizadores portáteis, logo adotados por todos eles. Instrumentos fabricados num país que nada tinha de tropical mas que possuíam uma eficiência abençoada por Deus e produziam, assim, um som bonito por natureza.
Mas nenhuma genialidade sintetizadora suficientemente seria capaz de chamar a atenção do público do que as figuras de dois nerds que não sabiam chutar uma bola. Era necessário apelo. Visual, visceral e sexual. Foi, então, que Vince chamou Dave Gahan para um teste. E foi nessa época também que o movimento de rotação da Terra passou a girar ao contrário. O mastodonte sonoro nascido em 1981 em Basildon, cidade-satélite de Londres, atenderia pela alcunha de Depeche Mode e passaria como um trator por quem cruzasse seu caminho.
Se os integrantes do Kraftwerk foram os Beatles da porra toda no cenário eletrônico, os meninos depecheiros foram os Rolling Stones da parada. E tamanha semelhança com a banda de Mick Jagger & Keith Richards fez com que o Depeche Mode tivesse até um clone de Charlie Watts pra chamar de seu: Andrew Fletcher.
No triênio 1994/1995/1996, a banda não acabou por um triz. O multi-homem Alan Wilder, um dos gênios de sua geração e o quarto elemento do grupo desde a saída de Clarke em 1982, picou a mula também. Dave Gahan se afundou em heroína. Martín Gore atravessava péssimo momento conjugal. Era necessário que alguém chamasse a responsa pro barraco não desabar. Andy chamou a responsa e evitou um naufrágio. Ele foi muitas vezes alvo de piadas sobre sua incapacidade técnica à frente de um instrumento. Quem viu um concerto do grupo tinha a impressão de que sua performance não passava de um caô dos diabos! Dancinhas inverossímeis com os indicadores apontados para lugar algum. A aura blasé permeando toda a apresentação. O semblante assemelhado ao de um funcionário de cartório às quatro e meia da tarde de uma sexta-feira.
Era fake? Se era, foda-se! Todo fã de Depeche Mode sabe que foi a matadora discrição de Fletcher o fator preponderante para que a banda não acabasse antes da hora. Seu tino para gerenciar os bastidores foi tão importante quanto a performance de Dave Gahan como frontman. Não era virtuoso. Não era carismático. Não era falador. Era o mediador de conflitos perfeito. No momento certo. Na hora certa.
Recebi a notícia de sua morte no meio da Baía de Guanabara, a bordo de uma das barcas que fazem a travessia Niterói-Rio de Janeiro. Olhei para o lado e o sol, que durante todo o dia reinou soberano sobre solo fluminense, iria se por cercado de uma pancada de nuvens, na retaguarda, que é o verdadeiro lugar de um observador. E é dessa maneira que o gigantesco Andrew Fletcher me olhava enquanto rascunhava essas malfadadas linhas regadas a muita emoção e três gin tônicas na cabeça. Era a maneira pela qual ele queria ser lembrado: uma liderança paquidérmica, permeada por gestos diminutos e coberta pela magnânima atmosfera da razão.
Um general a serviço de nós! O máximo símbolo da expressão “menos é mais”. Você foi astro-rei sem ofuscar ninguém, Andy. E poucos na História exerceram este papel com tamanha maestria…
>> O falecimento do tecladista e fundador do Depeche Mode, Andrew fletcher, aos 60 anos de idade, foi comunicada pela própria banda em suas redes sociais na tarde desta última quinta-feira, 26 de maio de 2022. O motivo da morte não foi informado mas veículos internacionais como a Rolling Stone e o Pitchfork conversaram com fontes próximas ao trio que apenas confirmaram ter sido uma causa natural.
>> Clique aqui para ler a parte 1 da cobertura feita em 2018 pelo Mondo Bacana dos últimos shows da Global Spirit Tour, a última turnê do Depeche Mode
>> Clique aqui para ler a parte 2 da cobertura feita em 2018 pelo Mondo Bacana dos últimos shows da Global Spirit Tour, a última turnê do Depeche Mode
>> Clique aqui para ler a parte 3 da cobertura feita em 2018 pelo Mondo Bacana dos últimos shows da Global Spirit Tour, a última turnê do Depeche Mode
Um final de semana com grandes shows mais organização e estrutura invejáveis ao sul da ilha da capital catarinense
Bala Desejo
Texto: Luciano Vitor
Fotos: Frederico Di Lullo
Nos últimos dois anos, todo o país ficou órfão de todos os tipos de eventos culturais possíveis. Por causa da pandemia da covid-19, shows, peças de teatro, saraus, cinemas e outros programas artísticos foram proibidos. Com a retomada gradual dos eventos por todo país, os concertos foram retornando ao cenário em Santa Catarina. Um dos mais aguardados, O Arvo Festival, após cinco edições, trouxe de volta um calendário de com 26 atrações reunidas entre os dias 15 e 16 de abril. Puderam apreciar grandes shows e encontros em uma estrutura invejável e enxuta em Florianópolis.
Antes de qualquer menção aos shows, algumas linhas são necessárias para descrever o local, limpeza, organização, presteza, tratamento humano e principalmente o respeito à natureza. O local, o Sítio das Águias, fica no bairro do Campeche, sul da ilha da capital catarinense. O bairro é conhecido não apenas pela extensa comunidade de músicos, surfistas e pessoas que buscam uma qualidade de vida melhor que nos bairros mais centrais de Florianópolis. Não à toa, Campeche é local das melhores praias e pistas de skate da cidade.
Com essas referências, o local mesclou respeito a natureza, organização e muito artesanato presente. Com uma área respeitável de estacionamento (um pouco salgado, mas terceirizado, nada módicos R$ 40), o acesso aos shows era bastante fácil, logo ao lado do estacionamento. Utilizando materiais recicláveis em sua estrutura, bituqueiras artesanais espalhadas por todo o local. Nenhum estande vendia latas ou garrafas de bebidas alcoólicas: eram chopes outros tipos de bebidas e todas em copos retornáveis, também com opção de compra do próprio copo.
A organização do festival era tanta, que até espectador que não tinha como adquirir comida dentro do local e levou sua própria marmita, teve sua condição avaliada pela produção e, em questão de minutos, teve um voucher disponibilizado para se alimentar. O público trans e especial teve ingressos gratuitos disponibilizados antes dos concertos através das redes sociais, transformando o evento em uma verdadeira democracia de acessibilidade e acolhimento. Poucas vezes em mais de vinte anos de cobertura cultural, vi engrenagens humanas funcionarem tão bem e tão rapidamente para deixarem tudo dentro dos conformes. Dito isso, vamos a um resumo do que foram os dois dias.
O que chama a atenção, não apenas no Arvo mas em outros eventos de médio a grande porte, é a conexão do público mais jovem com veteranos da música brasileira. Dois deles eu não consegui ver, infelizmente. Uma foi Dona Onete, a “diva do carimbó chamegado”, que aterrissou direto de Belém, com sua malemolência, carisma e talento. O outro, o Bixiga 70, uma verdadeira instituição, veio com uma série de elogiados trabalhos com sua mistura de afrobeat, música latina e brasileira. Tocou faixas de álbuns como Ocupai, Quebra Cabeça e o homônimo Bixiga 70, que estão entre os mais representativos da música instrumental e são alvo da cobiça dos colecionadores de vinis.
Di Melo e Aláfia
Misturando rap, pop e tecnobrega, Potyguara Bardo trouxe seu disco Simulacre, para os palcos catarinenses. A múltipla artista de Natal detonou uma mistura de ritmos tipicamente brasileiros, letras escrachadas e uma estrutura minimalista, com mais guitarrista e DJ. Com figurinos roxos e fluorescentes, o trio atraiu basicamente, todos que ainda chegavam no local por volta das 18h do primeiro dia. Com pegada, histórias e conversas, a cantora cativou o público. Mostrou carisma, intimidade e deu muitas risadas. É um nome para ficar de olho na nova safra da música brasileira. Me lembrou muito o escracho de uma das bandas mais controversas da década de 1990, o Textículos de Mary, de Recife.
O aumento de músicos no palco, principalmente pela presença da sanfona, já chamava a atenção logo depois. Exatamente às 19h, a paulistana Mariana Aydar, pisou no palco. Com um figurino verde-amarelo, dentro de um vestido tubo, a cantora conquistou de cara o público. Com um set list calcado em Veia Nordestina, disco de 2019, o show foi ganho nos primeiros minutos. Com triângulo nas mãos, a cantora dominou a turba, trazendo de pleno abril um verdadeiro São João. Mas qual o problema se o carnaval deste ano foi realizado nesse mesmo abril? O repertório é conhecido do público, porém (e sempre existe o porém) a cantora ao abraçar um repertório mais popular corre o risco de encontrar a vala comum do dial das FMs atuais. É ruim? Depende do público que Mariana quer atingir. É o nicho onde tão bem trafega Seu Jorge, onde o mesmo consegue manter-se entre o cult e o popular? Ou onde se misturam Luan Santana e Anitta nas FMs? O limite é ínfimo e Mariana Aydar, que além de cantora é produtora e compositora, sabe bem onde quer chegar.
Uma preparação que estressa quem não conhece um artista é o início do show que leva mais tempo do que a plateia deseja. Mas quando são vistas nove pessoas no palco entende-se o porquê da demora. Foi assim no concerto seguinte. Daí veio uma mistura de Carnavais passados, música cubana, música indie, sopros de metais e o que tinha mais pela frente: Novos Baianos, Clube da Esquina e uma profusão de sons e ritmos em uma ebulição louca. Daí você se dá conta do porquê do nome da banda, porque a loucura é tanta e porque o show é catártico. Esta é uma banda pronta, que traz das suas referências uma atualização para os novos anos 2020. Ao beberem em fontes que envolvem Azymuth, Caetano Veloso, Chico Buarque, jazz brasileiro, Marcos Valle, esse pessoal consegue transmutar uma sonoridade para o século 21, tornando-se outra banda e, ao mesmo tempo, soar como algo inteiramente novo.
Julio Sechin, do Rio de Janeiro, é diretor de vídeoclipes de várias bandas e artistas. Tanto envolvimento trouxe naturalmente Julio para a ribalta. Ele faz pop, rap e funk para não iniciados. E encantou desde o primeiro momento no palco, com muita simpatia já se apresentando no sábado. Malemolência carioca à toda prova. E uma rara oportunidade de ver uma vertente atual que já fizera muito sucesso na década de 1990.
Depois veio Jean Tassy, de Brasília. Utilizando as bases do hip hop old school, ele consegue com um belíssimo background, trazendo suas letras para a atualidade. O problema é que as batidas soam muito repetitivas. Mesmo as letras sendo bem escritas, com conteúdo, esbarram no lugar-comum. Também notei a falta que uma backing vocal feminina fez ao show do rapper. Isso faria uma enorme diferença…
Quando a Aláfia subiu ao palco, passando um pouco das 20h, as estruturas mudaram! O caldeirão musical envolto em três belíssimos trabalhos lançados colocou fogo no parquinho. A mistura de afrobeat, soul, jazz e hip hop, tudo com muita negritude, não apenas eleva a sonoridade da big band paulistana. Transmuta o som a outro nível. Não foi apenas um show: foi O SHOW. Uma porrada que chegava como uma avalanche de cores, ritmos e aquela funkeada de primeira! O set list se dividu em três partes, tendo deixado a cereja do bolo para o meio. Com alguns ensaios ainda em São Paulo, Di Melo adentrou ao palco, colocando todo mundo para dançar ao som de “Kilariô” e “A Vida Em Seus Métodos Diz Calma”. Findando a participação especial do pernambucano mais manezinho que a cidade conhece, o som da Aláfia continuou reverberando no sul da cidade, trazendo não apenas os caminhos abertos, axé e muita luz no palco. Enquanto isso, um pé torcido me tirava do jogo bem mais cedo do que eu queria…
Agora que venha o próximo Arvo, já prometido para o mês de outubro!