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Coração de Neon

Filme independente acerta ao fugir da Curitiba para turistas e levar às grandes telas a vida e as ruas periféricas do Boqueirão

Texto por Abonico Smith

Foto: IHC/Divulgação

Estreia nesta quinta-feira nos cinemas de Curitiba e outras capitais brasileiras mais uma produção feita por profissionais da área que são e vivem na capital paranaense. Coração de Neon (Brasil, 2023 – International House of Cinema), entretanto, corre o risco de ser o mais curitibano de todos os filmes que, recentemente, estão colocando a cidade no mapa nacional.

Misturando elementos de drama, comédia e ação, o filme foi rodado em 2019. Correu alguns festivais, ganhando inclusive prêmios em alguns destinados a produções iniciantes, e ganhou diversas matérias em televisões, sites e rádios locais a respeito do fato. A expectativa em torno de sua estreia chega ao fim no dia de hoje, quando muita gente da cidade – especialmente quem mora ou já morou no Boqueirão – pode se ver, enfim, representado na grande telas das salas de projeção.

Mondo Bacana dá oito motivos para você não perder a oportunidade de assistir à obra. Que não fala só de e para quem está na capital paranaense. Consegue transpassar a localização geográfica e contar uma história universal, mas sem abrir mão de pinceladas bem curitibanas. O que ainda é raro de se ver no cinema independente nacional.

Novo polo de cinema

Curitiba , claro ainda está distante do volume de produções de outras cidades brasileiras fora do eixo Rio-São Paulo, como Porto Alegre, Recife ou Brasília, claro. Mas já se começa a perceber uma movimentação mais frequente de produções feitas para cinema, streaming e internet por aqui. Realizadores como Aly Muritiba, Paulo Biscaia Filho, Gil Baroni, Ana Johann, Heloisa Passos, Willy e Werner Schumann volta e meia aparecem com alguma (boa) novidade. Muritiba, inclusive, chegou a quase disputar o Oscar por duas vezes. Agora é a vez do trabalho de estreia em longa-metragem de Lucas Estevan Soares chegar às salas de projeção. Para uma grande cidade que possui boas opçòes de graduação e pós em cinema, é fundamental que se crie um mercado constante de trabalho para profissionais da área

Faz-tudo

Lucas Estevan Soares é quase onipresente na ficha técnica de Coração de Neón. Ele não é apenas o diretor do filme. Assina também produção executiva, roteiro, montagem e trilha sonora, cantando e compondo várias das músicas feitas para esta produção. Não bastasse se virar feito o Multi-Homem dos Impossíveis do desenho animado de Hanna-Barbera, ele ainda é o protagonista da história. Rapaz de versatilidade e talentos distintos.

Cinema de guerrilha

Não foi só Lucas a função de coringa neste filme. Por trás das câmeras, houve um trabalho hercúleo de apenas doze pessoas envolvidas no set de filmagem, o que exigiu acúmulo de funções técnicas. Isso fez com que Lucas cunhasse para a obra o status de “cinema de guerrilha”. Orçamento baixo (R$ 1,6 milhão, segundo o autor), bem verdade, mas diante das condições econômicas do país nos últimos quatro anos (leia-se o período em que houve desgoverno em Brasília e um intencional corte de apoio às artes) foi feito o possível para conseguir a verba necessária para a produção e a pós-produção. Sem falar no fato de que nenhuma grana de captação de qualquer lei de incentivo foi usada aqui. Mas o que poderia se tornar um grande empecilho, na verdade, tornou-se trunfo para Coração de Neonbrilhar na tela imbuído num total espírito punk. Do it yourself no talo, concebido com o que se tinha na mão, muitas vezes recorrendo ao uso da criatividade para driblar a adversidade.

Muito além do olhar do turista

Qual é a imagem que a capital paranaense transmite a quem não vive nela? Curitiba é encarada além de suas fronteiras como uma cidade exemplar, que contrasta com muitas outras regiões e localidades do país. Certo? Não. Jardim Botânico, Ópera de Arame e outros pontos turísticos podem ser muito belos aos olhos de quem vem de fora e anda pelo ônibus verde double decker, mas a cidade não é só isso. Vai bem além e, por isso, mostra-se uma decisão acertadíssima de Soares mostrar o que está na periferia. Para começar, a história se passa toda no bairro do Boqueirão, onde tudo também foi filmado e de onde vieram as origens familiares de Lucas Estevan Soares – muito do que se vê vem de parte da história da própria vida dele. Neste long estão as casas simples de famílias de classe média da região, a torcida organizada e para lá de fanática pelo futebol amador, as furiosas brigas desses torcedores em estações-tubo e terminais de ônibus, as mensagens de amor transmitidas por chamativos carros coloridos, o garoto sonhador que gosta de rock e tem cabelos compridos, o pai empreendedor, a guria casada que leva uma pacata vida de dona de casa, o vendedor de algodão doce que caminha tranquilamente pela rua do bairro e ainda o carro dos sonhos (de comer, claro).

Trilha sonora

Se o filme fala sobre o Boqueirão, claro que não poderia faltar rap nele. E dos bons. O canto falado dos MCs não estampa somente a frente de algumas das camisetas mais bacanas do figurino utilizado por Dinho, o coadjuvante que ancora as ações do protagonista Fernando. Tem também duas faixas incluídas na trilha sonora que dão peso e um charme todo especial a momentos-chaves da trama. Uma delas vem embalada pelas vozes dos irmãos gêmeos PA & PH. A outra é trazida pela libertação feminina cantada em versos e rimas pela brasiliense Belladona. A cantora pode não ser de Curitiba, mas sua canção “Coração de Neon” não apenas se encaixou como uma luva na narrativa como também acabou dando nome ao filme. Ela inclusive veio ao Boqueirão para rodar o videoclipe para a música sob a direção de Soares (que também participa das imagens como ator e ainda empresta o carro carinhosamente chamado de Boquelove em várias cenas). Como já disse Karol Conká – que, por sinal, também veio do Boqueirão, é do gueto ao luxo, do luxo ao gueto.

Violência contra a mulher

Arte é entretenimento mas também pode cumprir uma função bem maior quando possível. Deve servir para questionar e transformar o mundo ao redor. Coração de Neon acerta em cheio ao incluir como cerne de sua trama um dos eventos infelizmente ainda muito corriqueiros na sociedade brasileira: a violência contra a mulher. A cada dia o noticiário da vida real conta a história de muitos feminicídios. Na ficção curitibana, o companheiro ultraviolento, armado e sem o mínimo de equilíbrio emocional no trato com outras pessoas (especialmente se forem do gênero feminino) está presente levando a tensão necessária para várias sequências mostradas em tela. Lógico que a trama gira ao redor de seus atos, que ainda são engrossados por um coro de machismo e misoginia que corrobora com a triste situação. 

Elenco com caras novas

Este não é apenas o filme de estreia de Lucas Estevan Soares. Quase todo o elenco também faz sua primeira participação cinematográfica. São atores vindos do palco curitibano, que sempre foi muito feliz em revelar grandes nomes para a dramaturgia nacional. Se na última década a cidade exportou para as produções de TV, cinema e teatro do eixo Rio-São Paulo, a renovação de bons nomes vem sendo feita para que uma nova geração de qualidade não deixe passar em branco a condição de celeiro que a capital paranaense sempre teve. Tanto que todo ano um grande festival movimenta intensamente os palcos daqui por duas semanas cheias. No caso de Coração de Neon, deve-se prestar atenção aos nomes de Ana de Ferro (que interpreta Andressa, a jovem agredida pelo companheiro com quem divide a casa), Wenry Bueno (o guarda noturno que rivaliza com o trio de personagens centrais da história) e Wawa Black (Dinho, o amigo de fé e irmão camarada de Fernando). Mesmo atuando em poucas cenas, Paulo Matos (Lau, o pai de Fernando e criador do carro que leva as mensagens de amor pelas ruas do Boqueirão) também se destaca.

Iconografia curitibana

Quando se fala em Curitiba é impossível não pensar no Oil Man visto só de sunga pelas ruas mesmo no frio extremo do inverno. Ou no super-herói Gralha. Ou então na capivara, bicho comum nas redondezas do Parque Barigui que se tornou o animal-símbolo da cidade. Agora esta galeria iconográfica ganhou mais um integrante: o antigo corcel azul customizado por Lau e Fernando, carinhosamente chamado por este último como Boquelove. Tanto que Lucas agora leva o automóvel para onde pode, sempre no intuito de chamar a atenção para o filme em eventos pela cidade.

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Não se Preocupe, Querida

Thriller psicológico com Florence Pugh e Harry Styles e sobre o american way life nos anos 1950 naufraga com roteiro raso e final insatisfatório

Texto por Carolina Genez

Foto: Warner/Divulgação

Tudo se passa nos anos 1950, quando acompanhamos  Alice Chambers (Florence Pugh), uma dona de casa que vive em uma comunidade experimental cercada por um deserto. Enquanto os homens da vizinhança saem para trabalhar no misterioso Projeto Vitória, também responsável pela região, as mulheres conversam, limpam a casa e cozinham vivendo uma vida previsível. Os dias passam até que Alice passa a se questionar sobre o local onde mora e com o que o marido Jack (Harry Styles) trabalha.

A história de Não se Preocupe, Querida (Don’t Worry Darling, EUA, 2022 – Warner) começa interessante, mostrando como é a vida de Alice. Imersa em um verdadeiro American Way of Life, faz café e se despede de Jack, arruma a casa, depois vai até a cidade fazer uma aula de balé e, por fim, volta para preparar o jantar e receber o marido. Apesar de pacata, essa vidinha a faz feliz: o marido a trata bem, ela tem amigas com quem conversa e fofoca constantemente, mora numa bonita e organizada residência enquanto Jack está na concorrência para uma nova promoção em seu trabalho. 

As coisas, porém, começam a desandar quando uma antiga amiga de Alice, Margaret (KIKI Layne) vai ao deserto, onde os moradores são constantemente alertados a não entrar. Lá ela também tece questionamento sobre a comunidade experimental e principalmente sobre o chefe do marido, Frank (Chris Pine). A partir dos alertas de Margaret, Alice observa mais aquela comunidade e vai percebendo que as coisas não são o que parecem.

A parte de terror da trama é muito bem executada, deixando o espectador sentir todo o nervosismo passado por Alice, já que ela não só indaga a comunidade como também passa a ser taxada como lunática pelos moradores. As cenas de tensão são muito bem dirigidas e planejadas de fato sufocando os espectadores. Parte disso acontece muito por conta da trilha sonora, que além de contar com músicas da época faz com que os sons incidentais transmitam aquela sensação estranha quando colocados no contexto certo. Aqui ainda há a composição de John Powell, que remete a sons de respiração justamente ajudando a aumentar o sufoco vivido por Alice.

O filme tinha muito potencial. Sua ambientação é maravilhosa e imersiva, de fato jogando os espectadores para 1950 com os figurinos e penteados da época e também mostrando um subúrbio colorido e alegre, similar a um conto de fadas, ao estilo das propagandas de revista do american way of life. Parte disso acontece graças à maravilhosa fotografia de Matthew Libatique ,que se aproveita das paisagens para criar bonitos planos e ainda dos aspectos coloridos dos cenários. Tudo isso para a sensação de vida perfeita.

Porém, Não se Preocupe, Querida não consegue atingir seu propósito como um todo. O roteiro é um dos grandes vilões, entregando uma narrativa que acaba decepcionado com resoluções nada satisfatórias e explorando o mínimo boa parte dos personagens. Apesar do público conseguir se conectar com Alice, até por seguir e ir descobrindo a trama junto com ela, todos os outros são muito mal aproveitados, já que não são exploradas as motivações deles, soando caricatos e desinteressantes. 

Em relação às atuações, o elenco pode não impressionar mas ainda assim consegue convencer o público com performances medianas. Uma das grandes perdas é o não aproveitamento de Chris Pine: seu personagem parece ser interessante, mas acaba sendo mal utilizado, servindo apenas para sorrisos falsos e ameaças passivo agressivas. Gemma Chan também não agrega muito. Já Harry Styles, um dos grandes chamativos de público do filme, é ok. 

A maravilha fica por conta de Florence Pugh, que vem de uma sequência de impecáveis performances com Midsommar e Adoráveis Mulheres. Em Não se Preocupe, Querida não é diferente. Novamente mostrando ser uma das grandes promessas de Hollywood, a atriz entrega uma humana e muito realista com sua dona de casa que passa por diversas sensações de horror e pânico e que vai ganhando confiança conforme o filme se desenvolve. Na pele de Alice, consegue passar com perfeição toda sua angústia e agonia, de maneira que se torna extremamente fácil do lado de cá da tela torcer por ela. Pugh tem presença marcante e puxa a atenção em qualquer cena que participe. Comunica-se com o espectador apenas com olhares e expressões corporais. Talvez sua performance a leve a algumas indicações ou prêmios da temporada.

O roteiro se prolonga em aspectos desnecessários, complicando mais ainda a narrativa. Pior é quando chega a autossabotagem lá pelo meio, quando uma reviravolta fraca e previsível não condiz com os primeiros 40 minutos. Até há a tentativa de trazer críticas sobre o machismo e a própria vida que as mulheres do filme vivem, porém estas são colocadas de forma rasa e acabam se perdendo no meio das muitas informações presentes. Aí tudo chega ao final de forma aberta, anticlimática.

Dirigido por Olivia Wilde, esse foi um dos títulos mais aguardados e também polêmicos de 2022 (por conta de diversas tretas e brigas nos bastidores). As expectativas estavam altas pela promessa de thriller psicológico com um mistério conduzido pelo estranhamento. Entretanto, apesar de ambicioso e de parecer original à primeira vista, não consegue suprir as expectativas conquistadas em seu desenrolar. Talvez por isso mesmo venha agora, com sua chegada às telas, uma enorme desilusão. 

>> Leia aqui a resenha de Meu Policial, o outro filme protagonizado por Harry Styles em 2022

>> Leia aqui oito motivos para não perder um dos concertos da turnê de Harry Styles, que passa pelo Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba) neste início de dezembro

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A Mulher Rei

Viola Davis deixa o drama de lado e protagoniza um vibrante épico sobre um grupo de guerreiras amazonas africanas

Texto por Carolina Genez

Foto: Sony Pictures/Divulgação

A Mulher Rei (The Woman King, EUA/Canadá, 2022 – Sony Pictures) se passa em 1823 e conta a história das agojie, um grupo de guerreiras de apenas mulheres que protegia o reino africano de Daomé. As agojie são lideradas pela general Nanisca (Viola Davis), que busca, em um dia, ser promovida ao cargo de Mulher Rei. Daomé, porém, está ameaçado por outros reinos como o império dos Oyó e pelos colonizadores brancos que buscam comprar os prisioneiros desses reinos africanos para escravizá-los. Assim, Nanisca, Amenza (Sheila Atim) e Izogie (Lashana Lynch) treinam novas recrutas como Nawi (Thuso Mbedu), uma garota rebelde, para enfrentar os inimigos e garantir a liberdade de seu povo.

Este épico é dirigido por Gina Prince-Bythewood e produzido e protagonizado pela própria Viola. O filme traz uma história baseada em fatos reais das agojie, também conhecidas como as “Amazonas de Dahomey”, e do período enfrentado pelos reinos africanos em que muitos eram vendidos à colonizadores europeus e americanos. O grupo das guerreiras, muito habilidoso e forte, ficou conhecido por toda a África por ter surgido devido às baixas da população masculina, provocadas pelas constantes guerras no território. A trama mostra um pouco sobre a cultura africana e principalmente os rituais e tradições que envolvem as agojie, vistas como muito poderosas e quase mágicas, verdadeiras Valquírias. As agojie inclusive chegaram até a servir de inspiração para as Dora Milaje, grupo fictício de guerreiras dos quadrinhos de Pantera Negra que tem como dever proteger o rei de Wakanda.

Apesar da inspiração em acontecimentos reais, a diretora teve muita liberdade de modificar alguns aspectos da verdadeira história para que ela ficasse mais compreensível e fizesse mais sentido cinematograficamente. Claro que todas essas alterações não excluíram a grandiosidade das agojie e nem retira a seriedade do período vivido pelos povos africanos. Inclusive a escravização de africanos por africanos é um dos temas centrais deste filme e uma das grandes batalhas de Nanisca, que desde o começo tenta convencer o rei a comercializar produtos como óleo ao invés de vender os prisioneiros de Daomé aos colonizadores. O longa, aliás, não suaviza qualquer aspecto desse “comércio”, expondo que Daomé também participava desse processo – o próprio rei dizia que nessa venda ele conseguia sustentar o reino – e ainda mostrando detalhadamente como funcionava esse sistema. Por sinal, entre os séculos 16 e 19 mais de 1,5 milhão de pessoas foram levadas da região de Daomé para serem escravizadas nas Américas (incluindo o Brasil).

O público é contextualizado por meio de diálogos da situação vivida pelos habitantes de Daomé, principalmente as mulheres do reino, e outros povos africanos. Essa introdução é feita através da personagem Nawi, que, após se recusar novamente a se casar com um homem rico e muito mais velho que ela, é entregue ao palácio do rei por seu pai como uma espécie de oferenda, para virar uma das esposas do rei. Porém, dentro do palácio, ela recebe conselhos de Izogie, uma agojie que também teve vida similar à de Nawi, sendo “vendida” por sua mãe, e acaba se tornando uma recruta para entrar no grupo das guerreiras. Juntamente com a personagem de Nawi, o público conhece mais sobre o grupo das “Amazonas de Dahomey” e sobre o treinamento das guerreiras, vendo de perto que, mesmo não tendo a obrigação de se casar, o grupo ainda precisou abrir mão de diversos quesitos de suas vidas.

A obra é um imersivo épico, que transporta os espectadores para dentro da narrativa com perfeição. Parte disso acontece graças à impecável ambientação, que recria diversos aspectos da cultura africana como os figurinos e penteados  extremamente detalhados. Outro aspecto importante é o conjunto de trilha sonora e sonorização do longa, que criam um ambiente real dentro da sala do cinema e ainda conseguem manter a tensão constante do início até o fim do filme. Vale ressaltar ainda os movimentos de câmera que ainda transformam a audiência em um dos personagens, principalmente nas cenas de batalha.

Sobre as cenas de ação, a diretora afirmou ao jornal britânico The Guardian que foi muito inspirada pelos filmes Coração Valente Gladiador, que também trazem grandes batalhas. Por isso, as lutas de A Mulher Rei são muito bem coreografadas e conseguem deixar qualquer um na ponta do assento com seu dinamismo e valorizando as diferentes técnicas desenvolvidas pelas guerreiras. Esse resultado também se dá por conta da dedicação das atrizes, que passaram por um treinamento pesado para viver as personagens.

Outro destaque é como o roteiro consegue fazer com que desde o início o público se importe com as personagens, quase que fazendo você parte da família das agojie. Espectadores conseguem se conectar de uma maneira muito especial com as protagonista, se tornando íntimos daquelas mulheres. Isso é tão bem executado que, mesmo nas batalhas em que o grupo sai como vencedor, permanece uma sensação de perda por causa das guerreiras que morreram em luta. 

Parte desta sensação, claro, é aflorada pela química maravilhosa entre as atrizes e as brilhantes performances das personagens principais, em especial Thuso Mbedu e Viola Davis. Mbedu é uma das grandes surpresas desse filme, trazendo uma convincente e realista atuação de uma jovem que constantemente foi obrigada a seguir normas da sociedade, das quais ela discorda. Isso é visto tanto quando ela vive fora quanto dentro do palácio, sempre questionando as regras das agojie. Corajosa e impulsiva, sua Nawi consegue com facilidade a empatia e a torcida do público pelo enorme realismo da personagem que, mesmo com muitas qualidades, também tem defeitos como a teimosia. 

Já Viola Davis impressiona como sempre, novamente comprovando ser uma das grandes atrizes atuais. Dessa vez ela deixa o drama de lado e se aventura em um épico de ação encarnando uma verdadeira líder. Nanisca é uma personagem forte e que já sofrera muito em sua vida, algo que Viola interpreta com perfeição ao passar sua dor para além das telas. A personagem de Davis ainda é o completo oposto da de Mbedu, o que cria situações e momentos muito interessantes ao longo da trama.

Ainda vale destacar Sheila Atim. Servindo como braço-direito de Nanisca e grande amiga da líder, sua Amenza consegue trazer momentos divertidos e dramáticos à narrativa. Lashana Lynch, como Izogie, também facilmente capta a afeição, já que se torna uma espécie de irmã mais velha de Nawi. 

Com um final emocionante e marcante, A Mulher Rei se consagra como um dos grandes filmes de ação do ano, podendo até mesmo ter resultado muito positivo nas premiações do ano que vem tanto por aspectos técnicos (sonorização, desendo de produção, figurinos) quanto pelas atuações. Entretanto, há também aspectos negativos em A Mulher Rei. Como a contratação de atores ingleses para viver colonizadores portugueses e disparar aquela pronúncia que incomoda aqueles falantes da língua. Além disso, ainda existe a quebra a continuidade do filme com um subplot envolvendo Nawi e Malik (Jordan Bolger), que é amigo de Santos Ferreira (Hero Fiennes Tiffin), o principal colonizador da obra, Isso nada agrega à narrativa e ainda estranha ao olhar do espectador mais crítico.