Oito motivos para não perder a nova edição do evento que colocou Florianópolis no mapa dos grandes festivais nacionais de música
Texto por Luciano Vitor
Fotos: Divulgação
Com atrações inéditas e artistas que não pisavam em Florianópolis há muitos anos, o Festival Saravá promete lotar a Life Club Floripa neste próximo sábado, dia 18 de junho.
Desde janeiro, com a retomada dos shows por todo o Brasil, o caçula dos festivais já mirava o crescimento para se tornar referência no sul do país. Se em janeiro, foram dois dias com importantes atrações comemorando cinco anos de festival, o mês de junho traz um line up de peso, onde artistas poderão se encontrar para promover doze horas ininterruptas de música. Alceu Valença (acima) é o headliner desta edição.
O Mondo Bacana cita oito motivos para não perder este festival que traz uma escalação com grandes nomes do rock e do pop nacional.
Alceu Valença
Um dos mais emblemáticos nomes da música popular brasileira e que sempre promoveu um bom diálogo com o rock. Não conta mais com seu fiel escudeiro, o guitarrista Paulo Rafael, falecido em agosto do ano passado e um dos maiores representantes do psicodelismo pernambucano dos anos 1970. Entretanto, Alceu continua sem deixar a plateia parada um único instante sequer em seu show com banda. Pelo pique, pelo repertório com vários clássicos, pelos músicos de apoio sempre afiados. Detalhe: ele não pisa em Floripa faz um bom tempo!
Cordel do Fogo Encantado
O último concerto do grupo pernambucano na capital catarinense ocorreu em 2008. Portanto, já faz longos catorze anos de intervalo. Agora a formação vem para “lançar” na cidade seu último álbum, Viagem ao Coração do Sol, de 2018. Mas o show é da turnê Água do Tempo, que relembra toda a trajetória do quinteto.
Ana Frango Elétrico
Musicista e produtora carioca de mão cheia e com uma escola absurda no cenário independente atual. Prestes a lançar seu segundo álbum, Frango Elétrico (acima) lançou o disco de estreia em vinil pelo prestigiado selo-revista Noise e foi indicada ao Premio Grammy Latino em 2019. Sua mistura de influências, ritmos e estilos a credencia como um dos grandes nomes para marcar a música pop brasileira desta década.
MC Tha
O lado feminino desta edição do Saravá também traz a paulistana que, em 2019, lançou seu elogiado disco Rito de Passá. Agora ela volta à ilha com sua mistura de batidas de funk, rap, umbanda e pop. Além de conquistar o público, jogou a devida luz aos cultos afros.
Rodrigo Alarcon
Outro representante da nova música paulista. Com um direcionamento voltado para a música popular brasileira, o jovem cantor tem ganho as redes com suas letras trabalhadas. Além da poesia, apresenta a segurança de um veterano.
Jesus Lumma
A cota para quem é prata da casa desta vez fica a cargo do carismático e talentoso Lumma. Com pouco tempo de estrada, já emplacou música em novela da Rede Globo, e possui uma bela voz. Canções como “Final Feliz”, “Eu Tenho Um Coração” e “Bicho Solto” fazem parte de algumas das canções de seu set list.
Transporte facilitado
Além das diversas atrações, o festival vai fazer a sua parte para que todos possam ir e voltar do evento com transporte saindo da UFSC, de onde vans irão levar boa parte do público (e trazer o mesmo de volta para lá). Vouchers custam R$ 40 e que podem ser adquiridos no mesmo site dos ingressos (clique aqui).
Ingressos
O Festival Saravá é 0800 para o público trans. E agora, há poucos dias do evento, restam poucos ingressos disponíveis!
Damon Albarn e sua orquestra mezzo live action mezzo virtual trazem o futuro a uma Curitiba que parece fazer questão de sempre olhar para trás
Texto por Abonico Smith
Fotos: iaskara
No auge do sucesso com o Blur, lá pela segunda metade dos anos 1990, Damon Albarn se encontrava enfastiado com a sonoridade regressiva das guitarras do britpop. Por isso decidiu se permitir e inventar algo completamente diferente do que já andava fazendo à frente do quarteto. Calcado nos seus outros gostos musicais da adolescência (rap, trip hop, dub, ska e demais grooves de raiz preta), uniu-se a Jamie Hewlett, cartunista de origem undergound, e montou o Gorillaz. Som com imagem, música com desenho animado. Os instrumentistas não seriam de carne e osso, mas sim quatro seres fictícios que estrelariam os videoclipes, capas e encartes dos discos. No estúdio, para dar forma às canções, passou a chamar um turbilhão de amigos para gravar vozes, batidas e bases harmônicas. Mal poderia saber que não só estaria prevendo o futuro da música pop no século 21 como também daria à luz quem logo viria a se transformar em seu principal projeto musical com o subsequente arrefecimento do mesmo Blur.
Desde 2001, o Gorillaz já conta com onze álbuns (sete de material original e três coletâneas com singles, remixes e raridades) e intensa atividade de concertos, dando giros ao redor do planeta. Neste último mês de maio, na fase de pontapé inicial da aguardada turnê mundial pós-pandemia, Damon trouxe sua orquestra mezzo virtual mezzo live action para o Brasil. Foram dois shows como headliner do Mita Festival (em São Paulo e no Rio de Janeiro) e, no meio destes, uma apresentação “solo” em Curitiba, no sideshow denominado Mita Day e em uma Pedreira Paulo Leminski congelante na noite do último dia 18 de maio.
Receber na capital paranaense um grande nome do rock que não esteja de alguma forma ligado ao binômio hard rock/heavy metal já pode ser considerada uma bênção para esta cidade que não aguenta mais receber sempre os (quase) mesmos artistas em concertos massivos. Só que alguém poderia ter ao menos dado um toque no colocador de som para tentar fazer o esquenta (na linguagem metafórica, bem verdade, já que o sentido literal se fazia impossível naquele frio abissal que congelava orelhas e cabeças de quem não vestia capuz ou gorro). No mínimo a pessoa não fazia nem ideia de quem faz parte de grande parte dos fãs da banda. Foi Black Sabbath para lá, Guns N’Roses para cá e AC/DC em imperdoável dose tripla. Alguém bem que poderia ter lembrado à pessoa que as passagens de Metallica e Kiss por estas terras se deram dias antes. Quando muito rolou uma obviedade como “Song 2”… do Blur! A situação só melhorou quando a equipe do Gorillaz assumiu a sonorização para colocar a playlist do próprio artista. Antes tarde do que nunca…
Quando o telão passou a mostrar a vinheta The Static Channel, o prelúdio imagético que já anuncia uma novidade que vem em breve por aí, a noção de que o futuro da música havia chegado de fato à Pedreira era real. A partir de então, por quase duas horas, o que se viu foi um belíssimo concerto que não se baseava somente em algo sonoro. Aquilo que a MTV já revelara nos anos 1980, o Gorillaz confirma como sua essência: a condição do sensível é cada vez mais visual e harmonias e melodias precisam, mais do que nunca, ter os olhos como complemento dos ouvidos. Inclusive na performance cênica. Tudo milimetricamente ensaiadinho e cronometrado, para coincidir performance ao vivo dos músicos de carne e osso com o disparo de telões e bases sonoras pré-gravadas. No fundo e nas laterais do palco, as criaturas animadas Murdoc, 2-D, Noodle e Russel desfilavam em trechos dos videoclipes originais e ainda recebiam convidados especiais virtuais como Elton John e Robert Smith. Tudo ali, sequenciado ao vivo, na frente dos olhos de umas milhares de pessoas, sem a facilidade do suporte do videotape.
O futuro previsto pelo Gorillaz também está na embalagem musical. É rock mas não é aquele rock congelado com guitarras em primeiro plano. Elas existem, por vezes são bem pesadas e distorcidas, mas dialogam bastante com as batidas dançantes, inclusive cedendo espaço para outros instrumentos virem à frente. É rap também, inclusive com a presença de rappers invadindo o palco no final do set como convidados especiais em uma ou duas músicas cada – como o famoso DJ de reggae e toaster britânico Sweetie Irie (que participou da versão remix acelerada de “Clint Eastwood”) e as lendas do hip hop americano dos anos 1990 Bootie Brown e Posdnous. Brown, um dos fundadores do grupo Pharcyde, comandou mais dois clássicos, “Stylo” e “Dirty Harry”. Pos, uma das vozes marcantes do trio De La Soul, fez “Superfast Jellyfish” e “Feel Good Inc” (que não perdeu em nada mesmo ficando sem a risada malévola do outro integrante, Maseo, que também participou da gravação original). É pop (“Strange Timez” e “On Melancholy Hill” são duas pérolas ainda escondidas no repertório), é eletrônico (“Tranz”, “Aries” e “Andromeda” transformam a arena em uma gigantesca pista de dança), é jazz (“O Green World”), é bossa nova (“El Mañana”), é gospel (os quatro backings dão um suporte poderoso em vários momentos do espetáculo até uma delas, Michelle Ndegwa voar solo ao soltar o vozeirão em “Kids With Guns”), é electro (“Stylo” e “Dirty Harry” remetem ao comecinho dos anos 1980, quando Afrika Bambaataa apresentou o rap aos sintetizadores), é punk (“M1A1”, “Momentary Bliss”). Na sonoridade, Damon comanda uma mistura de tudo e mais um pouco, sem pesar a mão para qualquer direção. E está tudo bem assim, casando perfeitamente, deste modo, com a vibe do público millennial.
Com a ajuda de músicos tarimbados para transpor com fidelidade as gravações para o palco (com o destaque para o baixista Seye Adelekan, o tecladista Mike Smith, o guitarrista Jeff Wooton e o percussionista Remi Kabaka Jr, que também participa das sessões de criação nos estúdios) e um figurino megacaprichado (com todos os músicos se encaixando na paleta de cores que flutua entre o rosa e o preto), Damon Albarn se mostra visivelmente confortável para assumir de vez a condição mista de entertainer e ídolo pop à qual quase chegou se o Blur não tivesse ficado no meio do caminho lá pelo 19-2000. De qualquer forma, não há quem possa acusá-lo de comodismo ou fazer algo sem esmero e qualidade. Seja no Blur, no Gorillaz ou em outros projetos bissextos como a carreira solo, os flertes com a sonoridade africana e oriental, as trilhas sonoras ou os grupos Rocket Juice & The Moon e The Good, The Bad & The Queen. Mas, enquanto Damon sempre olha para a frente, a mesma Curitiba que lhe acolheu sob baixíssima temperatura (no início do show ele chegou a brincar, dizendo ao público que estar ali na Pedreira lembrava a experiência de tocar no verão britânico) faz questão de reproduzir mecanicamente o que esta fácil e estabelecido e olhar para trás mesmo sendo arrastada para o futuro, tal qual o anjo do quadro Angelus Novus, de Paul Klee.
Set List: (The Static Channel), “M1A1”, “Strange Timez”, “Last Living Soul”, “Tranz”, “Aries”, “Tomorrow Comes Today”, “Every Planet We Reach Is Dead”, “Rhinestone Eyes”, “19-2000”, “Saturnz Barz”, (Interstitital), “Glitter Freeze”, “Cracker Island”, “O Green World”, “Pirate Jet”, “On Melancholy Hill”, “El Mañana”, “Kids With Guns”, (Elevator Going Up) ”Andromeda”, “Superfast Jellyfish”, “Feel Good Inc”, “Dirty Harry”, “Momentary Bliss”, “Plastic Beach”. Bis: “The Pink Phantom”, “Stylo”, “Clint Eastwood” e “Clint Eastwood (Ed Case/Sweetie Irie Re-Fix”).
Um final de semana com grandes shows mais organização e estrutura invejáveis ao sul da ilha da capital catarinense
Texto: Luciano Vitor
Fotos: Frederico Di Lullo
Nos últimos dois anos, todo o país ficou órfão de todos os tipos de eventos culturais possíveis. Por causa da pandemia da covid-19, shows, peças de teatro, saraus, cinemas e outros programas artísticos foram proibidos. Com a retomada gradual dos eventos por todo país, os concertos foram retornando ao cenário em Santa Catarina. Um dos mais aguardados, O Arvo Festival, após cinco edições, trouxe de volta um calendário de com 26 atrações reunidas entre os dias 15 e 16 de abril. Puderam apreciar grandes shows e encontros em uma estrutura invejável e enxuta em Florianópolis.
Antes de qualquer menção aos shows, algumas linhas são necessárias para descrever o local, limpeza, organização, presteza, tratamento humano e principalmente o respeito à natureza. O local, o Sítio das Águias, fica no bairro do Campeche, sul da ilha da capital catarinense. O bairro é conhecido não apenas pela extensa comunidade de músicos, surfistas e pessoas que buscam uma qualidade de vida melhor que nos bairros mais centrais de Florianópolis. Não à toa, Campeche é local das melhores praias e pistas de skate da cidade.
Com essas referências, o local mesclou respeito a natureza, organização e muito artesanato presente. Com uma área respeitável de estacionamento (um pouco salgado, mas terceirizado, nada módicos R$ 40), o acesso aos shows era bastante fácil, logo ao lado do estacionamento. Utilizando materiais recicláveis em sua estrutura, bituqueiras artesanais espalhadas por todo o local. Nenhum estande vendia latas ou garrafas de bebidas alcoólicas: eram chopes outros tipos de bebidas e todas em copos retornáveis, também com opção de compra do próprio copo.
A organização do festival era tanta, que até espectador que não tinha como adquirir comida dentro do local e levou sua própria marmita, teve sua condição avaliada pela produção e, em questão de minutos, teve um voucher disponibilizado para se alimentar. O público trans e especial teve ingressos gratuitos disponibilizados antes dos concertos através das redes sociais, transformando o evento em uma verdadeira democracia de acessibilidade e acolhimento. Poucas vezes em mais de vinte anos de cobertura cultural, vi engrenagens humanas funcionarem tão bem e tão rapidamente para deixarem tudo dentro dos conformes. Dito isso, vamos a um resumo do que foram os dois dias.
O que chama a atenção, não apenas no Arvo mas em outros eventos de médio a grande porte, é a conexão do público mais jovem com veteranos da música brasileira. Dois deles eu não consegui ver, infelizmente. Uma foi Dona Onete, a “diva do carimbó chamegado”, que aterrissou direto de Belém, com sua malemolência, carisma e talento. O outro, o Bixiga 70, uma verdadeira instituição, veio com uma série de elogiados trabalhos com sua mistura de afrobeat, música latina e brasileira. Tocou faixas de álbuns como Ocupai, Quebra Cabeça e o homônimo Bixiga 70, que estão entre os mais representativos da música instrumental e são alvo da cobiça dos colecionadores de vinis.
Misturando rap, pop e tecnobrega, Potyguara Bardo trouxe seu disco Simulacre, para os palcos catarinenses. A múltipla artista de Natal detonou uma mistura de ritmos tipicamente brasileiros, letras escrachadas e uma estrutura minimalista, com mais guitarrista e DJ. Com figurinos roxos e fluorescentes, o trio atraiu basicamente, todos que ainda chegavam no local por volta das 18h do primeiro dia. Com pegada, histórias e conversas, a cantora cativou o público. Mostrou carisma, intimidade e deu muitas risadas. É um nome para ficar de olho na nova safra da música brasileira. Me lembrou muito o escracho de uma das bandas mais controversas da década de 1990, o Textículos de Mary, de Recife.
O aumento de músicos no palco, principalmente pela presença da sanfona, já chamava a atenção logo depois. Exatamente às 19h, a paulistana Mariana Aydar, pisou no palco. Com um figurino verde-amarelo, dentro de um vestido tubo, a cantora conquistou de cara o público. Com um set list calcado em Veia Nordestina, disco de 2019, o show foi ganho nos primeiros minutos. Com triângulo nas mãos, a cantora dominou a turba, trazendo de pleno abril um verdadeiro São João. Mas qual o problema se o carnaval deste ano foi realizado nesse mesmo abril? O repertório é conhecido do público, porém (e sempre existe o porém) a cantora ao abraçar um repertório mais popular corre o risco de encontrar a vala comum do dial das FMs atuais. É ruim? Depende do público que Mariana quer atingir. É o nicho onde tão bem trafega Seu Jorge, onde o mesmo consegue manter-se entre o cult e o popular? Ou onde se misturam Luan Santana e Anitta nas FMs? O limite é ínfimo e Mariana Aydar, que além de cantora é produtora e compositora, sabe bem onde quer chegar.
Uma preparação que estressa quem não conhece um artista é o início do show que leva mais tempo do que a plateia deseja. Mas quando são vistas nove pessoas no palco entende-se o porquê da demora. Foi assim no concerto seguinte. Daí veio uma mistura de Carnavais passados, música cubana, música indie, sopros de metais e o que tinha mais pela frente: Novos Baianos, Clube da Esquina e uma profusão de sons e ritmos em uma ebulição louca. Daí você se dá conta do porquê do nome da banda, porque a loucura é tanta e porque o show é catártico. Esta é uma banda pronta, que traz das suas referências uma atualização para os novos anos 2020. Ao beberem em fontes que envolvem Azymuth, Caetano Veloso, Chico Buarque, jazz brasileiro, Marcos Valle, esse pessoal consegue transmutar uma sonoridade para o século 21, tornando-se outra banda e, ao mesmo tempo, soar como algo inteiramente novo.
Julio Sechin, do Rio de Janeiro, é diretor de vídeoclipes de várias bandas e artistas. Tanto envolvimento trouxe naturalmente Julio para a ribalta. Ele faz pop, rap e funk para não iniciados. E encantou desde o primeiro momento no palco, com muita simpatia já se apresentando no sábado. Malemolência carioca à toda prova. E uma rara oportunidade de ver uma vertente atual que já fizera muito sucesso na década de 1990.
Depois veio Jean Tassy, de Brasília. Utilizando as bases do hip hop old school, ele consegue com um belíssimo background, trazendo suas letras para a atualidade. O problema é que as batidas soam muito repetitivas. Mesmo as letras sendo bem escritas, com conteúdo, esbarram no lugar-comum. Também notei a falta que uma backing vocal feminina fez ao show do rapper. Isso faria uma enorme diferença…
Quando a Aláfia subiu ao palco, passando um pouco das 20h, as estruturas mudaram! O caldeirão musical envolto em três belíssimos trabalhos lançados colocou fogo no parquinho. A mistura de afrobeat, soul, jazz e hip hop, tudo com muita negritude, não apenas eleva a sonoridade da big band paulistana. Transmuta o som a outro nível. Não foi apenas um show: foi O SHOW. Uma porrada que chegava como uma avalanche de cores, ritmos e aquela funkeada de primeira! O set list se dividu em três partes, tendo deixado a cereja do bolo para o meio. Com alguns ensaios ainda em São Paulo, Di Melo adentrou ao palco, colocando todo mundo para dançar ao som de “Kilariô” e “A Vida Em Seus Métodos Diz Calma”. Findando a participação especial do pernambucano mais manezinho que a cidade conhece, o som da Aláfia continuou reverberando no sul da cidade, trazendo não apenas os caminhos abertos, axé e muita luz no palco. Enquanto isso, um pé torcido me tirava do jogo bem mais cedo do que eu queria…
Agora que venha o próximo Arvo, já prometido para o mês de outubro!
Oito motivos para você não deixar de assistir à série documental da Globoplay sobre a participante mais polêmica do BBB21
Texto por Abonico Smith
Foto: Globoplay/Divulgação
Foram necessários apenas dois meses para separar a saída de Karol Conká do Big Brother Brasil 21 e a estreia de A Vida depois do Tombo, série documental em quatro episódios que acaba de estrear nas opções de streaming da Globoplay. O foco aqui é justamente mostrar o que o título já adianta: como ficou a vida – pessoal e profissional – da rapper curitibana depois de sua passagem polêmica pelo reality show mais visto e comentado dos últimos anos na televisão brasileira.
Lá dentro da casa sitiada nos estúdios do Projac, no Rio de Janeiro, ela aprontou quase que diariamente por quatro semanas. Tretou diretamente com alguns participantes, chegando a demonstrar seguidas vezes um comportamento agressivo em toda a sua verborragia, o que assustou, irritou e desagradou quase toda a audiência. Não por acaso, a cantora conquistou a maior porcentagem de votos em toda a história do programa, não só no Brasil como também no mundo. Karol obteve quase todos os votos computados, deixando para seus então dois concorrentes na ocasião a divisão de menos de 1% da escolha para a eliminação daquela rodada – vale lembrar ainda que era apenas o quarto paredão da edição deste ano. Na manhã seguinte, ao ser entrevistada por Ana Maria Braga em seu programa matinal, ela não perdeu a chance de dar uma alfinetada com seu habitual deboche, dizendo que se sentia uma Carminha ou Nazaré Tedesco lá da casa, fazendo referência a duas supervilãs de novela que até hoje, anos depois, o público ama odiar.
Desde as inacreditáveis atitudes e declarações que Karol disparou na vigésima primeira edição do BBB que a artista vem sendo alvo de uma gigantesca campanha de cancelamento. Nas redes, nas ruas, no dia a dia. De artista com respaldo suficiente para garantir sua entrada no programa no grupo dos famosos (denominado Camarote) a alvo constante de xingamentos, racismo e até mesmo ameaças de violência à família foram pouco mais de dois meses. É justamente isto o que A Vida Depois do Tombo procura mostrar: como a rapper fodona, dona de língua superafiada vem lidando com a fama e a carreira depois de ter caído em desgraça durante a experiência televisiva recente e, sobretudo, suas reações ao se deparar com uma pequena retrospectiva das barbaridades que protagonizara.
Abaixo, o Mondo Bacana elenca oito motivos para você não deixar de assistir ao documentário seriado. Tenha sido espectador(a) assíduo do BBB ou não. Seja fã de rap ou não. Seja alguém que ama a cultura pop ou não.
Extrema rapidez de realização
Da eliminação de Karol (última semana de fevereiro) à disponibilização do documentário (últimos dias de abril) passaram-se apenas dois meses. E além do prazo bastante curto, pode-se dizer que a produção foi extremamente ágil. Afinal, já a partir do segundo dia da rapper fora da casa as câmeras já a seguiam captando tudo o que acontecia ao redor dela, ainda no calor de todas as quentes reações de rejeição quanto a ela. Do reencontro com o conforto da família ainda no hotel no Rio de Janeiro à viagem rumo à casa em São Paulo e a volta gradativa à normalidade do cotidiano com cachorro, comida caseira e o trabalho de criar e gravar canções em estúdio. Então tudo ali se passa antes mesmo do fim desta temporada do BBB. Tudo em 25 dias consecutivos. E mais: antes mesmo de Karol ter voltado à casa na noite da final, para cantar justamente a música “Dilúvio”, com parte da letra sobre esta terrível experiência. Mais up to date com os fatos impossível!
Cancelamento que passou dos limites
Karol cometeu erros execráveis lá dentro da casa, tanto que foi eliminada com a maior porcentagem de toda a história em todas as franquias do Big Brother no mundo. Só que toda a reação de cancelamento a ela foi desproporcional, como mostra o documentário. Para começar, antes da votação maciça, ela foi “homenageada” com diversas paródias (sem um pingo de graça, aliás) com vídeos superproduzidos e upados no YouTube. Na noite do paredão, foram registradas comemorações com o estouro de fogos e muitos gritos com xingamentos para ela. Nos dias subsequentes à saída, vem o pior: o sofrimento com contínuas ameaças à família, sobretudo ao filho adolescente, na escola e na internet. Agora ficam as perguntas. Será que o ódio dado a ela não passou de todos os limites também? O que ela fez justificaria o que recebeu, tal qual a expressão “olho por olho, dente por dente”? E mais: isso aconteceria da mesma forma se não fosse ela mulher e preta?
Black Mirror mode on
A Vida Depois do Tombo é uma série documental feita já para o streaming. Então o seu público-alvo é aquele que está justamente acostumado com o maior chamariz destas plataformas: as séries. Para mostrar as reflexões de Karol acerca de seus erros mais recentes foi armado todo um circo tecnológico em um estúdio. Ela fica no meio, sentada em uma cadeira, com meia dúzia de telões gigantescos mandando mensagens escritas a ela, da forma mais direta e objetiva possível. Quando não são revividas imagens-chave de seu comportamento inadequado no BBB, aquilo ali fica piscando intermitentemente com os letreiros direcionados a ela. Passa uma sensação de pequenez a quem está no centro das atenções e recebendo um bombardeio de adrenalina. Os (bem) mais velhos podem se lembrar de um programa que a TV Record exibiu entre 1968 e 1971, chamado Quem Tem Medo da Verdade? e que submetia importantes artistas brasileiros daquela época a uma espécie de tribunal inquisidor baseado em polêmicas sensacionalistas. Já os mais jovens… bem, estes vão poder disparar “mas isso aí é bem Black Mirror, hein?”.
Flagrante durante o dilúvio
Um dos grandes acertos do documentário é justamente dar uma de BBB fora do Projac e dentro da casa da cantora. Durante uma reunião, com a câmera afastada da mesa, a assessora de imprensa de Karol é flagrada dando instruções a ela sobre como proceder durante a (temida) entrevista no Domingão do Faustão. “Fala que você surtou lá dentro”, orienta a profissional de comunicação, sem qualquer pudor. Quem também está nesta reunião é o produtor que comanda as redes e a equipe ao redor da rapper. Ele ganha uma bronca por ter se precipitado em algumas decisões durante o dilúvio do cancelamento descomunal e dispensado gente sem o o conhecimento e o consentimento da “patroa”. Não resta a menor dúvida de que todos ali não se deram conta de que estavam sendo filmados…
Carreira no rap curitibano
Nem só de BBB vive A Vida Depois do Tombo. Outro belo acerto do documentário é deixar o passado recente de lado e mergulhar em toda a trajetória profissional de Karol e mostrar como a jovem Karoline se encontrou com o mundo do ritmo-e-poesia e decidiu focar todas as suas energias nele. Através de depoimentos do ex-marido e pai de seu filho, o rapper e produtor Cadelis, é desvendada a sua breve ascensão no hip hop de Curitiba, uma cidade outrora brindada em outras grandes cidades do país pelas suas guitarras barulhentas. Depois de um breve período de afastamento dos palcos por causa da maternidade, Karol voltou com tudo para lançar (em 2013) um primeiro álbum acachapante, adicionando doces melodias e elementos de música brasileira às batidas quebradas e ao canto falado. Daí em diante o estouro foi meteórico, chegando a fazer turnês pelo exterior e se apresentando na cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro (2016).
Trajetória pessoal x obra profissional
Se existe um gênero musical bastante transparente na história da música pop ele é o rap. Quase sempre a vida pessoal dos artistas influencia diretamente a criação das letras e ilustra a trajetória deles em discos, declarações e atitude. Com Karoline dos Santos Oliveira não foi diferente. E o documentário também vai através de rastros da infância e adolescência que moldaram a persona Karol Conká. Um dos momentos mais fortes é sem dúvida quando ela e a mãe passam a limpo a relação com o vício etílico do falecido pai e os problemas de bullying e racismo enfrentados nos tempos de colégio. A soma destes dois elementos praticamente forjaram uma Karol que sempre se obriga a ser forte emocionalmente e, sobretudo, defender-se com a língua, fazendo da fala e do discurso suas armas mais afiadas – a ponto de ferir gente e gerar um alto índice de rejeição nacional, como bem foi demonstrado em sua passagem pelo BBB.
Tretas em série
Batuk Freak, o primeiro álbum, foi um grande sucesso. Entretanto, revelou-se uma obra envolta em polêmicas durante e depois da sua concepção e gravação. No documentário, Karol revela ter se mudado para a casa do produtor artístico DJ Nave e sua esposa, a produtora executiva Drica Lara e vivido dias de extrema instabilidade emocional por lá. Depois de uma série de apresentações para a divulgação do disco, rompeu laços com a dupla, chegando às vias judiciais. Na sequência, Karol se aliou ao DJ Zegon, ex-Planet Hemp. Para seu selo gravou alguns singles com um som mais pesado, contundente e rápido. O maior hit da carreira dela, “Tombei”, foi uma destas gravações feitas para o selo eletrônico de Zegon na efêmera gravadora digital Skol Music e criadas ao lado da dupla Tropkillaz (isto é, Zegon e o beatmaker curitibano Laudz). Só que o tão esperado segundo álbum não saiu, ficou emperrado por anos – até Karol se associar ao terceiro produtor, o DJ Hadji, e assinar, enfim com a Sony Music para lançar Ambulante, em 2018, já tirando o pé do acelerador e se voltando mais a atmosferas pop. Pelo documentário, descobre-se que também houve altas tretas nos bastidores entre os dois. Tanto de Zegon, assim como Nave, proibiram o uso de sete de dez gravações no documentário, por também serem registrados como autores (à revelia de Karol, que, furiosa ao saber disso, questiona com um “mas fui eu quem escreveu as músicas”). As três composições restantes e ouvidas em A Vida Depois do Tombo, são parcerias de Karol com outros produtores. E se não bastasse serem destrinchados os desafetos com os ex-parceiros, ainda há uma boa parte dedicada à briga com outra grande rapper brasileira, a brasiliense Flora Matos. Flora se negou a gravar um depoimento. Sobre as confusões envolvendo Karol, Nave e Zegon, os três estão proibidos, por determinação da justiça, de se pronunciar sobre isso.
Operação Passa-Pano?
Assim que foi anunciado o seu lançamento, a série documental foi vista por muita gente como uma tremenda operação “passa-pano” da Globo para minimizar os danos provocados à carreira de Conka e a ela própria. Depois das quase duas horas divididas em quatro episódios, não é mesmo a impressão que ela passa. Com extrema coragem e ousadia, Karol se expõe ainda mais aqui. Muito de sua vida, carreira e suas atitudes acaba sendo escancarado e até explicado, porém não justificado. A tentativa de reconciliação com os concorrentes afetados diretamente por ela no BBB também acaba fracassando de certa forma, embora ela diga estar arrependida do que fizera e conseguir reconhecer os erros pelos quais pede perdão logo em seguida. Em uma entrevista exibida no Fantástico, a diretora Patricia Carvalho, entretanto, é muito incisiva na resposta à pergunta se a rapper iria gostar do que está mostrado na série. “Não, porque esta é a Karol diante do espelho. Durante o documentário a gente ficou em dúvida muitas vezes. Isso é falso ou é verdadeiro? Ela está sentindo isso mesmo ou está me manipulando?”, disparou.
>> Veja abaixo o clipe de “Dilúvio”, a nova música de Karol Conká, gravada logo após a saída do BBB21 e que tem parte da letra que fala sobre sua experiência no programa
Mais recente longa com a grife Pixar traça paralelos entre a realidade e a magia das criaturas fantásticas e os jogos de tabuleiro de de RPG
Texto por Leonardo Andreiko
Foto: Pixar/Disney/Divulgação
A Pixar já é, há anos, um dos nomes mais sólidos do mercado de animação digital. Com orçamentos multimilionários, a produtora é capaz de aliar uma boa narrativa com visuais impressionantes. Com Dois Irmãos (Onward, EUA, 2019 – Disney), mais um sucesso. No entanto, a força de seu roteiro, escrito por Dan Scanlon, Jason Headley e Keith Bunin, jaz num outro ponto forte da produtora. Enquanto acompanha os irmãos Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) em uma missão RPGesca para conseguir rever seu pai, falecido antes do nascimento daquele, por meio de uma magia deixada por ele, a trama apresenta um rico universo ao espectador, cujos paralelos entre nosso mundo e a magia das criaturas fantásticas e aventuras dos jogos de tabuleiro entretêm quem assiste de maneira indiferente à idade.
Ao mesmo tempo que traz uma história formulaica, a adaptação Pixar da jornada do herói, Dois Irmãos desenvolve um subtexto sólido, amparado no lado emocional de seus protagonistas. Não somente por meio de um ótimo diálogo, mas nas pausas e silêncios de Holland e Pratt, que exercem incrível química tanto nos momentos mais dramáticos quanto nos cômicos. Sua dinâmica é responsável pela maior parte do desenvolvimento da trama, e a qualidade dos atores faz jus à responsabilidade.
A capacidade de Scanlon, que também dirige o longa, em compreender a força de seu elenco (que também conta com Octavia Spencer e Julia Louis-Dreyfus) ao mesmo tempo que constrói uma mise-en-scène inventiva, dinâmica e fantástica. Uma das grandes qualidades de Dois Irmãos é que, mesmo com um público-alvo estabelecido com clareza, o filme é dirigido com tamanha propriedade que encanta a todos os espectadores, tanto visual quanto narrativamente.
Como já de costume, este é um filme com o selo de qualidade Pixar, capaz de divertir e emocionar qualquer espectador com a dinâmica que já conhecemos bem. No entanto, ele não se destaca como um dos maiores hits da produtora. Na busca por uma história tão dinâmica, cuja ação é compreendida em grande escala, Scanlon sacrifica algumas batidas emocionais e, com isso, seu potencial discutido anteriormente se tornou apenas isso, um potencial.