festival, Music

War On Drugs + Weyes Blood + Black Country, New Road – ao vivo

De fadinhas e de guitarras: C6 Fest escancara abismos geracionais em sua noite de encerramento

War On Drugs

Texto e foto por Alessandro Andreola

Passados os primeiros momentos de euforia, como acontece no anúncio de qualquer festival, seguiu-se a gritaria. Primeiro, reclamou-se — com razão — do alto preço das entradas. Depois, da estrutura: como acontecia em seus antepassados Free Jazz e Tim Festival, o ingresso do C6 Fest era por palco, não por dia. Acostumada há mais de uma década com o Lollapalooza e congêneres, uma parte do público não perdoou e caiu matando em cima da organização.

O peso desses fatores no baixo comparecimento ao evento ainda precisa ser mensurado, mas o fato é que, em sua última noite em solo paulistano (21 de maio), o C6 Fest teve belos shows para um público reduzido. Isso ficou tão evidente que antes do headliner War On Drugs subir ao palco, a organização liberou o acesso à tenda em que a banda se apresentaria. Não tivesse feito isso, possivelmente teríamos um fiasco de audiência.

A abertura da noite coube à nova roupagem dos ingleses do Black Country, New Road. Convertidos em um sexteto após a repentina saída do vocalista (e principal compositor do grupo) Isaac Wood, a banda precisou se reinventar. Suas primeiras apresentações no Brasil foram reflexo disso: agora revezando os vocais entre os seis integrantes, eles descartaram todo o repertório dos dois primeiros discos e se concentraram apenas em novas composições, reveladas no recente Live At Bush Hall

Se por um lado estiveram muito longe de fazer um mau show, por outro as novas músicas não estão no mesmo patamar das escritas por Wood. Nos álbuns de estúdio, o demissionário cantor exalava uma energia caótica, como um Jarvis Cocker prestes a ter um ataque epiléptico. As canções eram mais declamadas do que propriamente cantadas, criando uma ambientação hipnótica e algo teatral. Isso tudo agora é História: em sua versão 2.0, o Black Country, New Road é um coletivo calminho cujo som não raramente descamba para uma espécie de “folk de fadinha”. Tudo muito bem tocado, mas desprovido do peso e da tensão que caracterizavam o som da banda. Os fãs mais jovens, no entanto, não estavam nem aí e vibraram. Os mais velhos, que claramente estavam ali pelo War On Drugs, toleraram de forma benévola.

Falando em fadinha, a estreia em solo brazuca de Natalie Mering, também conhecida como Weyes Blood, levou à tenda montada no Parque do Ibirapuera um clima “ninfa da floresta”, que mais uma vez dividiu gerações — um público novinho e visivelmente emocionado nas primeiras fileiras contrastava com os resmungos que se ouviam ao fundo, próximo aos bares. Vestindo uma túnica branca, Natalie correu contra o relógio para entregar no escasso tempo de sua apresentação os hits dos seus dois últimos álbuns, os excelentes Titanic Rising (2019) e And In The Darkness, Hearts Aglow (2022). A cantora esbanjou simpatia e levou em troca a calorosa recepção de um público que, em parte, estava lá unicamente para vê-la. Tanto que, ao fim da apresentação, uma verdadeira turba abandonou a tenda, deixando-a para meia dúzia de gatos pingados.

Os que ficaram, porém, era em sua maioria devotados fãs do War On Drugs. A banda da Filadélfia capitaneada por Adam Granduciel é dona daquele que talvez seja o melhor álbum da década passada: Lost In The Dream, de 2014. Desde então, os esparsos fãs brasileiros esperavam ansiosamente a vinda de Graduciel e sua trupe, que não decepcionaram: mesmo sem muita interação com o público, concentraram-se no material dos três últimos discos em um set enxuto, mas feito sob medida para agradar os seus admiradores. Aqui, a fórmula é muito simples — o War On Drugs é um grupo à moda antiga, cujas músicas são longas e os solos idem. O protagonismo está nas guitarras e suas principais referências são Bob Dylan e Bruce Springsteen. Tudo isso em pleno 2023 — logo, não espanta que o grosso de seu público seja formado por quarentões, que se regozijaram com cada acorde, formando até mesmo uma inusitada roda de pogo em frente ao palco. Ao fim, uma longa versão de “Under The Pressure”, que abre o álbum de 2014, lavou a alma dos fãs.

No fim das contas, o C6 Fest se mostrou um festival correto, independente da idade dos frequentadores. A curadoria segue sendo o forte, desde a época do velho Free Jazz. Com shows começando pontualmente e sem grandes filas para comprar bebidas ou nos banheiros, terminando em um horário adequado para um domingo à noite – antes das 23h na tenda —, o evento mostrou respeito aos frequentadores. Para 2024, seria bom rever a questão do alto valor do ingresso. Aliás, uma pauta que serve a todos os grandes festivais realizados no Brasil.

Set list War On Drugs:  “Pain”, “An Ocean In Between The Waves”, “I Don’t Wanna Wait”, “Victim”, “Strangest Thing”, “Harmonia’s Dream”, “Red Eyex”, “Eyes To The Wind”, “I Don’t Live Here Anymore” e “Under The Pressure”.

Set list Weyes Blood: “It’s Not Just Me, It’s Everybody”, “Children Of The Empire”,”Grapevine”, “Andromeda”, “God Turn Me Into a Flower”, “Everyday”, “A Lot’s Gonna Change”, “Something To Believe”, “Twin Flame” e “Movies”.

Set List Black Country, New Road: “Up Song”, “I Won’t Always Love You”, “Across The Pond Friend”, “LaughingSong”, “Horses”, “Nancy Tries To Take The Night”, “Turbines/Pigs”, “Dancers” e “Up Song (Reprise)”.

Music

Kiss – ao vivo

Lenda do rock comandada por Paul Stanley e Gene Simmons se despede do Brasil com show épico na Grande Florianópolis

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Sofia Mayer/G1 SC/Reprodução

No último dia 25 de abril, uma terça-feira, a região da Grande Florianópolis recebeu uma das maiores lendas do rock mundial. O Kiss apresentou-se pela última vez no Brasil, depois de trazer para cá (pela terceira vez) sua turnê de despedida (batizada End Of The Road) e passar (desta vez) por outros quatro pontos do país (Manaus, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo).

Alocado estrategicamente do lado direito do palco montado no Hard Rock Live (na cidade catarinense de São José), cheguei diretamente do trabalho para poder cobrir este que deve ser o último concerto do quarteto pelas terras de Machado de Assis ou, melhor falando, do poeta Cruz e Sousa. Incrivelmente dez minutos antes do horário previsto (21h), os quatro cavaleiros do apocalipse já desciam por enormes plataformas para chegar próximo de nós, meros mortais, entoando a seminal “Detroit Rock City”. A essa altura, meu amigo, a audiência era um verdadeiro delírio musical, com homens e mulheres de todas as idades cantando a plenos pulmões toda a música. E todas as que estariam por vir. A plateia era composta, em maioria, por muitas famílias, onde era nítido o amor geracional pelo rock e pela banda destes quatro senhores. Algo lindo e épico demais.

Diferente da última passagem da banda por este sul do sul do mundo, no ano de 2015, desta vez sim tivemos o espetáculo completo, recheado de trajes extravagantes, maquiagens marcantes, plataformas levadiças, efeitos visuais, pirotecnia, fogo, sangue, luz e demais elementos que tornam o show do grupo algo único, simplesmente o maior espetáculo da terra. Também foi nítido que, desde o início da perfoirmance, o Kiss demonstrou toda a sua energia e paixão pelo rock, coisa pouco vista em vários shows de pessoas que possuem a metade de idade de Paul Stanley, Gene Simmons, Eric Singer e Tommy Thayer.

Sobre as músicas, nenhuma surpresa. O set list cravou só clássicos da banda, que há meio século percorre o mundo tocando “I Was Made For Lovin’ You”, “Calling Dr Love”, “I Love It Loud”, “Deuce”, “Psycho Circus”, “Love Gun”,  “God Of Thunder”, “Black Diamond”, “Do You Love Me” e “Rock And Roll All Nite”, entre outras. Esta última, inclusive, foi a que fechou a noite histórica, com aquela tradicional chuva de confetes, fogo e loucuras que precedem a saída de cena da banda – e, neste caso, o fim da passagem física do Kiss pelo Brasil, iniciada já exatos 40 anos, lá em 1983, no Maracanã. 

Em resumo: se de fato foi a última vez, será épico ter vivenciado ao vivo e em cores um verdadeiro espetáculo de rock’n roll. Deixará saudades em todos os fãs brasileiros e marcará a história catarinense para sempre.

Set List: “Detroit Rock City”, “Shout It Out Loud”, “Deuce”, “War Machine”, “Heaven’s On Fire”, “I Love It Loud”, “Say Yeah”, “Cold Gin”, “Lick It Up”, “Makin’ Love”, “Calling Dr Love”, “Psycho Circus”, “God Of Thunder”, “Love Gun”, “I Was Made For Lovin’ You” e “Black Diamond”. Bis: “Beth”, “Do You Love Me” e “Rock And Roll All Nite”.