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Arvo Festival 2023

Oito motivos para não perder o festival cuja terceira edição irá marcar a volta aos palcos de Rubel e da Nação Zumbi

Rubel

Texto por Frederico Di Lullo

Fotos: Divulgação

Um dos festivais mais aguardados na Ilha da Magia, o Arvo tem sua terceira edição marcada para o próximo dia 28 de outubro, prometendo um dia histórico. Seja pelo seu histórico anteriores ou pelo lineup da atual, haverá todos os ingredientes para um evento inesquecível.

Mondo Bacana apresenta agora oito motivos para você garantir presença no festival em Florianópolis e aproveitar um sábado de muita cultura efervescente. Bora?

Estrutura de primeira

O Arvo se caracteriza por ser proporcionar uma experiência diferenciada para quem vai ao festival. Espera-se para a próxima uma estrutura equalitária às edições anteriores, com um som de primeira e três palcos que irão proporcionar o revezamento de mais de 20 atrações diferentes em mais de 12 horas de show.

O melhor bairro de Floripa

O local escolhido para o Arvo não poderia ser diferente: a Arena Império das Águias, que fica no Campeche, internacionalmente conhecido por ser um bairro que detém uma ampla e efervescente comunidade de músicos, surfistas e famílias que escolhem a tranquilidade de morar à beira-mar. Como se não bastasse, ainda é o melhor pôr-do-sol de Floripa! 

Diversidade musical

É samba, é rock, é manguebit… A diversidade que urge do atual cenário musical nacional estará presente e isso poderá ser traduzido em garantia de sucesso e diversão! Afinal, diferenças musicais e muitos gostos estando ali representados, sendo um espaço plural e diverso.

Rubel 

A turnê As Palavras é a primeira do artista em mais de três anos e vem recebendo elogios em todas as cidades que acolhem a apresentação. E não pense que ela vem de maneira enxuta: serão os 12 pessoas no palco, tocando um set list que equilibra músicas de toda a carreira de Rubel.

Nação Zumbi

ícone do movimento manguebit, a Nação Zumbi, agora com a formação de trio (mais músicos convidados) é uma força revolucionária na música brasileira e finalmente se apresenta novamente em Florianópolis. O show mescla rock, funk, maracatu e psicodelia de forma única. Está sendo aguardadíssimo, afinal, a última passagem pela cidade desta trupe, que retorna agora de um ano de pausa e sem a presença do guitarrista Lucio Maia, foi no já longínquo ano de 2019.

Jorge Aragão

Cantor, compositor e instrumentista, ele personifica o samba em sua forma mais autêntica, com uma carreira brilhante que atravessa décadas. Com certeza, não vão faltar clássicos para todo mundo cantar junto com este tesouro da música brasileira, como “Eu e Você Sempre,” “Malandro”, “Vou Festejar” e “Coisinha do Pai”. Sem dúvidas, será mais um momento histórico para este ano na Ilha da Magia.

Baco Exu do Blues 

Figurinha carimbada na capital catarinense, o baiano de 27 anos é uma atração que merece destaque na programação deste. Com letras perspicazes, o multifacetado artista promete, mais uma vez, balançar todos os presentes com suas composições, numa verdadeira e sincera polifonia sonora.

Ainda há ingressos disponíveis

Já foi anunciado pelo próprio festival que mais de 80% dos ingressos já foram vendidos. Por isso, não é para deixar pra cima da hora. Caso contrário você corre o risco de perder as atrações citadas acima mais outros nomes como Tulipa Ruiz, Rincon Sapiência, Liniker, Anelis Assumpção e Furacão 2000. Para garantir sua presença num dos dias mais legais do ano na Ilha da Magia e saber mais informações sobre as entradas, é só clicar aqui!

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Nosso Sonho – A História de Claudinho & Buchecha

Não há como não se emocionar com a trajetória de sofrimento e perseverança da dupla que levou o funk carioca a outro patamar

Texto por Abonico Smith (com colaboração de Luciano Vitor)

Foto: Manequim Filmes/Divulgação

Na segunda metade dos anos 1980, quando o hip hop se popularizou nos Estados Unidos para muito além dos guetos, seus versos também sofreram um processo de transformação. Passaram das crônicas do dia a dia de seus habitantes – que variavam entre a celebração das festas dos finais de semana ao vício em drogas – para críticas sociais bem mais pesadas em profundas, retratando preconceito racial e os frequentes confrontos violentos com a polícia pelas ruas dos bairros de periferia. Até que o gangsta rap tornou-se praticamente sinônimo desse gênero musical.  Entretanto, uma turma oriunda de Miami e região começou a fazer sucesso ao optar por outra vertente lírica: a temática sexual, muitas vezes de modo bem explícito.

Logo, o miami bass – o nome foi dado por conta dos graves pesados embalados por uma batida eletrônica minimalista extraída de uma Roland TR-808, a mesma utilizada por nomes clássicos do electro como Afrika Bambaataa e Mantronix  – foi o incorporado ao léxico sonoro dos bailes funk realizados nas favelas e morros do Rio de Janeiro por equipes de som como a Furacão 2000 (que também investia em programas de TV). A malícia e a malemolência do jeito carioca de ser encontraram identificação imediata e então o funk caiu no gosto do carioca, a ponto de se tornar uma nova vertente musical acoplando o gentílico ao batismo.

Com o Plano Real e a troca definitiva do formato usado pelo mercado fonográfico (os compact discs substituindo os vinis nas lojas e se multiplicando feito chuchu na serra nos ambulantes com produtos piratas), o funk carioca logo cruzou fronteiras tanto estaduais quanto socioeconômicas, emplacou os primeiros hits nas rádios de todo o país e fabricou seus primeiros ídolos, como Abdullah, Mr Catra e Cidinho & Doca (“Rap das Favelas”). Aos poucos, por causa de linhas melódicas mais adocicadas e letras de cunho romântico, uma turma instaurou o segmento do funk melody. Assim se consagraram MC Marcinho (“Glamurosa”, “Garota Nota 100”) e Claudinho & Buchecha (“Quero Te Encontrar”, “Só Love”). Esta última dupla chegou a ultrapassar a marca do disco triplo de platina (750 mil cópias) com os dois primeiros álbuns e duplo de platina (500 mil) com o seguinte. Tudo isso num espaço de apenas três temporadas, entre os anos de 1996 e 1998. O quarto trabalho, registrado ao vivo e com repertório que pegava o melhor já feito até então, foi lançado no comecinho de 1999 e ganhou o disco de ouro (100 mil).

Onipresentes em quase todos os programas musicais da TV (inclusive os mais famosos, como os de Faustão, Xuxa, Gugu, Hebe e Eliana), os dois amigos do complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, voltariam a experimentar o gostinho de mais um hit nacional, “Fico Assim Sem Você”, composta pelo funkeiro pioneiro Abdullah. A letra citava duplas e dobradinhas impensáveis se rompidas (futebol sem bola, Piu-Piu sem Frajola, circo sem palhaço, beijo sem amasso, Romeu sem Julieta, queijo sem goiabada) para falar sobre solidão e incompletude. Contudo, como uma espécie de premonição (tão involuntária quanto sorrateiramente certeza), havia aqui também um verso como “Buchecha sem Claudinho”. A faixa foi incluída no sexto álbum Vamos Dançar, lançado no primeiro dia de abril e 2002. Pouco mais de três meses depois, ao retornar de uma apresentação na cidade paulista de Lorena, situada no Vale do Paraíba, próxima do sul do estado do Rio de Janeiro, veio a tragédia: o carro de propriedade de Claudinho saiu da estrada naquela madrugada chuvosa de 13 de julho e chocou-se violentamente contra uma árvore. O cantor, que dormia no banco do carona, morreu na hora com o impacto do acidente. A van em que estavam Buchecha e o resto da equipe dos artistas, viajava logo atrás. Encerrava-se desta maneira a trajetória de glória, fama e conquistas de uma das duplas mais queridas da música brasileira dos anos 1990.

Nosso Sonho – A História de Claudinho & Buchecha (Brasil, 2023 – Manequim Filmes) chega nesta semana aos cinemas justamente para contar esta trajetória. Da sólida amizade de infância ao instante fatal, passando pelo sonho adolescente de vencer na vida (fosse como artistas ou, no caso de Buchecha, trabalhando com carteira assinada como office boy) e superar traumas pessoais ligados a problemas de violência familiar e a tênue proximidade com o crime. De um lado o garoto expansivo e descontraído, que se joga nas atividades e inventa soluções criativas para fazer as coisas darem certo (como na já famosa cena do orelhão público servindo como telefone da “firma de agenciamento artístico”). Do outro, um guri mais tímido e racional, mas não menos talentoso e habilidoso com as palavras (a ponto de procurar e achar no dicionário termos nada usuais como abjudicar, só para usar em suas letras). Assim, a vida de Claudio Rodrigues de Mattos e Claucirlei Jovêncio de Sousa é contada em quase duas horas de maneira leve, descontraída e tão certeira quanto as canções gravadas por eles.

A química entre os dois protagonistas é tão impressionantes quanto a dos biografados. Poucas vezes, inclusive, foi visto no cinema nacional uma interpretação tão visceral quanto a de Lucas Penteado na pele de Claudinho. O jeito despachado e de eterno moleque, a língua presa, o sonhar que se permite voar alto e ir atrás para cavar as oportunidades e consegui-las. Mesmo não sendo o foco maior na narrativa, acaba por hipnotizar qualquer espectador. Já o contido Buchecha de Juan Paiva também cativa e conquista um lugar especial para quem assiste ao filme. Dividido entre o temor pela instabilidade da vida de artista e o grande respeito às responsabilidades e obrigações carregados junto com o status social de sua profissão (inclusive na hora de compor versos de pura genialidade como “controlo o calendário sem utilizar as mãos”), o jovem também narra várias cenas e tem sua vida pessoal mais esmiuçada no roteiro. Suas dificuldades são transpassadas na tela diretamente ao coração de todos nós, principalmente na turbulenta relação com o pai, que junta na mesma equação amor, perdão, abusos e sofrimento. Curiosidade: os dois atores trabalharam juntos em Viva a Diferença, a mesma (cultuada e bem-sucedida) temporada de Malhação que revelou a forte união em cena das cinco atrizes que depois viriam a fazer a série As 5ive.

O time de coadjuvantes também brilha. Tal como Lucas, Nando Cunha cresce nas cenas intensas em que faz o Buchechão, muitas delas também envolvendo a paixão pela música. Antonio Pitanga (Seu Américo, o dono do bar frequentado pelo pai de Claucirlei); Tatiana Tiburcio (a mãe, Dona Etelma, que sempre quer imprimir ao adolescente Buchecha uma vida correta e digna); Lellê e Clara Moneke (as namoradas/esposas dos astros, em pequenas grandes pontas); Marcio Vito e Isabela Garcia (Seu Toco e Dona Judite, respetivamente o patrão e a chefe do jovem office boy) abrilhantam o elenco com atuações fidedignas. Se o roteiro não sai muito do trivial, o diretor Eduardo Albergaria aproveita diálogos, interpretações e pequenos trechos musicais (cantados pelos próprios Lucas e Juan, diga-se) para fazer seu filme voar junto com a dupla de funk melody.

Acompanhar todo o corre vivido por Claudinho & Buchecha faz a gente traçar paralelos com a perseverança, a luta, o sonho e o sofrimento de outros artistas que vieram do underground da música brasileira, lendas como Cartola e Lupicínio Rodrigues ou gente contemporânea como Negro Leo e Lê Almeida. O longa sobre a inocência e a descoberta de um novo mundo para quem veio de uma das muitas comunidades regionais sem a assistência do poder público é um dos mais belos e emocionantes enredos cinematográficos nacionais deste ano.

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Floripa Eco Festival 2023

Oito motivos para não perder um dos maiores festivais de Santa Catarina, que abraça de vez o pop contemporâneo em sua terceira edição

Arnaldo Antunes

Texto por Frederico Di Lullo

Fotos: Reprodução

Para o próximo dia 16 de setembro há um encontro marcado na agenda musical da capital de Santa Catarina. O Floripa Eco Festival chega à sua terceira edição, agora trazendo a proposta de ser all day

Com início previsto para às 10 da manhã, o festival promete mais de 14 horas de festival e um line up formado por Natiruts & Iza, Matuê, Filipe Ret, Silva & Criolo, Arnaldo Antunes e Dazaranha. Eles estarão todos se apresentando no palco principal, além de nomes internacionais como o rapper norte-americano Rich The Kid e do cantor australiano Ziggy Alberts, que vêm pela primeira vez ao Brasil. De quebra, a edição contará com um palco com escalação formada apenas por artistas catarinenses: Jade Baraldo, Luana Berti, Olivia Robel, Reis do Nada, Abruna & Alessio, NegaAmanda, Tow In, Nathan Malagoli, Re Significa e Irie, são algumas dessas atrações.

Com ingressos já à venda (mais informações sobre o evento você pode ter clicando aqui), o Mondo Bacana dá oito motivos para você não pensar duas vezes e confirmar presença no Sítio Império das Águas, que fica na praia do Campeche. Afinal, o Festival Floripa Eco 2023 será uma oportunidade única para vivenciar uma experiência rica em cultura, música, esportes e conexão com a natureza.

Arte e sustentabilidade

Ao participar de mais uma edição do Floripa Eco Festival 2023, você estará apoiando uma causa importante: a sustentabilidade. O evento valoriza práticas eco-friendly e incentiva ações conscientes para preservar o meio ambiente.

Lixo zero

O festival adotará medidas de lixo zero, reduzindo o uso de embalagens de uso único e trabalhando pela neutralização de carbono do evento. Também haverá intervenções artísticas neste sentido, além de uma feira de produtos sustentáveis. Afinal de contas, cultura, diversão e sustentabilidade não podem mais andar separadamente.

Público de todo o Sul do Brasil 

O festival sempre reúne pessoas de diferentes cidade e estados (sobretudo os do Sul), proporcionando uma ótima oportunidade para fazer novas amizades e aproveitar a quase primavera num dos bairros mais legais de Floripa: a praia do Campeche.

Arnaldo Antunes

O poeta, músico e eterno Titã volta para a Ilha Magia depois de seis anos para um show solo, que promete emocionar e empolgar todos os presentes. Dono de timbre grave único, Antunes deve apresentar trabalhos vindos de todos os momentos de sua carreira. Como não poderia ser diferente, também, provavelmente irá incluir alguns clássicos do Titãs no set list. Afinal, 2023 foi um ano em que ele se juntou aos velhos amigos de banda para uma turnê extensa de reencontro da formação clássica.

Jade Baraldo

Jade Baraldo

Enquanto boa parte dos presentes estarão esperando pelos shows mais badalados, os mais antenados vão aproveitar para conferir também a presença da artista catarinense Jade Beraldo. Natural de Brusque e detentora de um estilo único e contagiante, a cantora revelada nacionalmente pelo programa de televisão The Voice Brasil promete incendiar o último sábado de inverno na Ilha da Magia com sua voz doce e hipnotizante.

Para toda a família

Com a proposta de ser um evento all day, este Floripa Eco será um evento para todas as idades. Além das atrações musicais, haverá atividades recreativas para crianças e espaços dedicados ao entretenimento familiar. Portanto, bora levar os pequenos para se divertir.

Diversidade musical

É soft rock, é rap, é samba, é funk, é eletrônico, é trap… A diversidade que urge do atual cenário musical nacional estará presente em mais de 25 palcos atrações e 14 horas de festival. Garantia de que muitos gostos estejam representados por ali.

Experiência inesquecível

Este festival, em particular, oferece uma série de experiências únicas, desde assistir a um pôr-do-sol deslumbrante até presenciar atrações inéditas no Brasil. Serão momentos que ficarão, sem qualquer sombra de dúvida, gravados para sempre na memória de todos os presentes.

Music

João Donato

Músico elevou os limites da bossa nova e deixou o legado de uma discografia soberba mas não muito conhecida no Brasil

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Reprodução

Postei nas redes sociais no último dia 17 de julho: quando morre alguém da estatura de João Donato, a gente tem a certeza que a lacuna deixada dificilmente será preenchida. Senão vejamos. Donato, 88 anos, mais de 70 de carreira, ajudou a criar a bossa nova ainda em meados dos anos 1950. Foi um dos expoentes do “lado jazz” da bossa, composto por músicos brasileiros que deram suas próprias versões para o ritmo americano, ajudando a criar uma nova variante, que se casou com as experiências que vieram do lado de Jobim, Gilberto e cia. É correto dizer que a turma de Donato seria uma das responsáveis pelo que se chamou de samba-jazz nos anos 1960. E também é correto dizer que ele encontrou um espaço muito mais interessado e cheio de oportunidades nos Estados Unidos. E foi com Jobim que Donato viria a realizar a sua estreia em disco, Chá Dançante, lançada antes do estouro da bossa nova, em 1956.

João já era pianista profissional desde os 19 anos e liderava o Donato e seu Conjunto quando recebeu a oportunidade. A atuação de Jobim foi como curador do repertório do álbum, que seria lançado pela Odeon. Entre as canções escolhidas estavam No Rancho Fundo” (Lamartine Babo – Ary Barroso), “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro), “Baião” (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira), “Peguei um Ita no Norte” (Dorival Caymmi). Dali em diante, ele iniciaria uma carreira de sucesso e prestígio, que o levaria para uma temporada nos Estados Unidos, tocando em cassinos e boates. Voltaria em 1962, com a bossa nova já estourada mundialmente. Ficou pouco tempo, regressando para a terra do Tio Sam e mantendo sua trajetória lá fora, já tendo na bagagem discos importantes como A Bossa Muito Moderna (1963) e The New Sound of Brasil (1965).

O trabalho mais surpreendente desta fase da carreira de Donato, que, na verdade, antecipa o momento que viveria na primeira metade da década seguinte, é A Bad Donato, lançado em 1970. É um disco surpreendente e impressionante, que mostra como João se tornara fluente no jazz moderno, quase tangente ao funk, com arranjos que também incorporavam psicodelia, trazendo versões diferentes para canções que, àquela altura, já se tornaram clássicos de sua lavra como “A Rã” e “Cadê Jodel?”. Os arranjos ficaram por conta de Eumir Deodato, uma estrela em ascensão na época , que recrutou gente como Bud Shank, Oscar Castro Neves, Dom Um Romão e Paulinho Magalhães para participar do álbum.

João voltaria ao Brasil em 1972 e lançaria os dois discos mais representativos de sua música no Brasil: Quem é Quem (1973) e Lugar Comum (1975). O primeiro é o grande trabalho de jazz samba que ele sempre desejou fazer, devidamente turbinado por suas vivências musicais acumuladas em mais de dez anos nos Estados Unidos. É o primeiro trabalho em que Donato canta, com produção de Marcos Valle e alternando clássicos como “A Rã” (cantada pela primeira vez, com letra de Caetano Veloso), “Cadê Jodel?”, “Me Deixa” (que recebeu letra de Geraldo Carneiro), o instrumental “Amazonas” e até uma composição inédita de Dorival Caymmi, feita especialmente para o disco, “Cala Boca Menino”. Em seguida veio o “disco baiano” de João Donato, Lugar Comum, cuja faixa-título já marcava sua parceria com Gilberto Gil. Outras duas faixas também receberam letra de Gil: “A Bruxa de Mentira” e “Emoriô”, esta última bem em sintonia com o momento pelo qual o baiano atravessava, a transição entre os álbuns Refazenda (1975) e Refavela (1976). Os dois ainda assinariam pelo menos uma canção de muito sucesso, cerca de dez anos depois: “A Paz”, que seria gravada por Zizi Possi e, posteriormente, por Gil em seu álbum Em Concerto, de 1987.

Falando nisso, Donato só regressaria ao disco cerca de vinte anos depois, compondo esporadicamente para outros artistas. Deste período é a nossa canção preferida de sua lavra, “Nasci Para Bailar”, que ganhou interpretação marcante de Nara Leão em 1982. Ele teria um belo álbum instrumental lançado em 1986, Leilíadas, totalmente dedicado à esposa, Leila, mas sua volta efetiva ao mercado fonográfico seria mesmo em 1995, com Coisas Tão Simples, no qual retorna aos clássicos dos anos 1960, gravaria inéditas (como a linda “Gaiolas Abertas”) e reveria canções mais recentes, caso da própria “Nasci Para Bailar”, que ele interpretaria com o filho, Donatinho, ainda bem jovem. Daí pra frente, ele lançaria dezenas de álbuns, entre registros ao vivo, discos de inéditas, colaborações e parcerias. A gente destaca A Blue Donato (2006, com interpretações minimalistas de alguns clássicos perdidos), Água (2011, bela colaboração com a cantora Paula Morelenbaum), Aquarius (2012, em parceria com Joyce Moreno, no qual os dois dividem repertórios), Donato Elétrico (2016, um discaço com canções arranjadas tendo o jazz fusion como linha-mestra) e a trinca mais recente de álbuns: Sintetizamor (2017, em parceria com Donatinho, numa pegada de funk-jazz oitentista), Síntese do Lance (em parceria com Jards Macalé) e o sensacional Serotonina, lançado em 2022, no qual Donato surge atemporal, totalmente sintonizado com novos parceiros, como Anastácia, Céu, Maurício Pereira e Rodrigo Amarante.

João Donato teve uma carreira impressionante e muito influente para a consolidação da música brasileira no exterior. Aqui, como vários outros contemporâneos seus, foi menos conhecido e reconhecido do que deveria. Por essas e outras, é necessário recomendar alguns destaques de sua vastíssima trajetória. Hoje e sempre. Obrigado, João.

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Coolritiba 2023 – ao vivo

Gilberto Gil, Marisa Monte, Mano Brown, Alceu Valença, Fresno, Liniker e outros bons shows

Gilberto Gil

Texto por Leonardo Andreiko e Luca Passos (com colaboração de Otto Browne)

Fotos: Coolritiba/Divulgação

No último dia 20 de maio, em pleno outono curitibano, 23 atrações musicais dividiram quatro palcos distribuídos entre a Pedreira Paulo Leminski e a Ópera de Arame em mais uma edição do festival Coolritiba, que agitou no frio e no calor de um sábado com mais de 12 horas de música. Foram 12 shows principais nos palcos-irmãos da Pedreira, além da música eletrônica ocupando o palco da Ópera e o caminho entre eles.

Com a missão de abrir o dia no Palco A, Tuyo mostrou a que veio com as nuances eletrônicas de seu pop alternativo ancorado nas belíssimas e potentes vozes das irmãs Lio e Lay Soares – Jean Machado completa o trio com a produção eletrônica e as modulações de guitarra e baixo. As baladas melancólicas da banda curitibana arrepiaram quem chegou cedo para curtir o festival e incumbiram a próxima atração, Agnes Nunes, com a difícil missão de manter os ânimos. E assim ela o fez.

Baiana de apenas 21 anos e uma multidão de seguidores nas redes sociais, Agnes trouxe para o meio-dia de Curitiba seu som fortemente influenciado pelo r&b norte-americano, mas com pegada inequivocamente brasileira. Acompanhada por um pianista e um baixista/guitarrista no Palco B, encantou com sua voz, pôs o público para cantar e deu espaço para os instrumentais românticos de sua ainda incipiente discografia.

Liniker

Em seguida, Liniker trouxe seu álbum Indigo Borboleta Anil para os palcos junto de músicos estelares, com quem dividiu o protagonismo a todo momento. Do início ao fim de sua apresentação, mandou hits consagrados no meio indie brasileiro e novas apostas musicais, que a colocam em evidência como uma das maiores artistas em ascensão do país. Com “Intimidade”, “Baby 95” e outras canções, a artista foi mais uma das atrações que preencheu a Pedreira com presença vocal surpreendente. Ela embalou toda a plateia, agora já encorpada, com uma banda que nada deve às melhores do funk e do r&b mundial, sem deixar de incorporar brasilidade e samba para a equação. Bateria, percussão e baixo montaram uma cozinha espetacular, que dividiu o palco com teclados, guitarra e um naipe de sopros digno das big bands. Liniker provou que a veremos, mais cedo do que imaginávamos, protagonizar festivais como headliner.

Depois de uma das mais promissoras novas vozes da música brasileira foi a vez de um de nossos maiores patrimônios tomar o microfone. Encaixado em um horário que não faz jus a sua história, Alceu Valença subiu ao Palco B da Pedreira às 14h30 para levar a um público majoritariamente jovem sua sonoridade profundamente brasileira. Ainda que as interações com a plateia não estivessem com tamanha energia, o bom humor e a irreverência do pernambucano colocaram Curitiba para dançar e cantar “Tropicana”, “La Belle de Jour”, “Anunciação” e “Táxi Lunar”. Sua apresentação, ladeada por novas promessas e tendências fonográficas, foi um instigante ponto de toque para se refletir acerca das distâncias e proximidades entre o passado, o presente e o futuro da MPB.

Fresno

O Fresno, que sucedeu Alceu, ocupa um espaço particular nessa conjuntura temporal. Apresentando uma versão reduzida de sua turnê mais recente, que acompanha o álbum Vou Ter Que Me Virar, os gaúcho-paulistas teceram um set list que conjuga os sucessos emo da primeira metade de seus 24 anos de carreira com a refinada estética construída nos últimos projetos, que agregam elementos do synth pop e demais vertentes eletrônicas a uma gutural e crua herança do hardcore.

O show do grupo ostentou, junto à posterior presença agigantada de Mano Brown, o tom mais político desse festival. Entre os fortes riffs de “FUDEU!!!”, o vocalista Lucas Silveira comemorou a cassação do ex-deputado federal da Lava-Jato com um grito de “Deltan, tu se f*deu!”. Ainda, os versos “E o prеsidente, basicamente/ Quer te exterminar” foram acompanhados da projeção “ex-presidente” no telão, que complementa e cria a atmosfera de toda a apresentação da banda. Em “Eles Odeiam Gente Como Nós”, projetavam-se as silhuetas da pífia demonstração de força do Exército Brasileiro durante o desgoverno militarista de Bolsonaro.

Em seguida, o Lagum, banda de pop rock com uma influência de reggae que acaba de lançar o quarto disco, Depois do Fim, entregou-se nas interpretações de suas músicas, cativando o público forte interação. Além de prometer voltar para outro show na cidade até o fim do ano, os mineiros brindaram os fãs mais assíduos com uma palhinha de uma música vindoura.

Agnes Nunes

Embora o baiano Teto e o cearense Matuê sejam parceiros de muitas composições e constassem juntos na programação (como parte de sua turnê em conjunto), eles não dividiram o palco em nenhum momento. No entanto, ambas as aparições animaram o público com suas potentes presenças de palco e sucessos mais recentes (do primeiro, “Flow Spacial”; do outro, “Conexões da Máfia”), além de seus maiores hits. Fizeram a alegria dos fãs que compareceram em peso no festival.

Se o trap de Matuê o faz um dos artistas em maior evidência do país, o palco de seu show catapulta a experiência àquela dos grandes performers mundiais, com luzes e um telão que ostenta animações psicodélicas que expandem a toada estética iniciada no álbum Máquina do Tempo, de 2020. A última música do set, “777-666”, seu píncaro artístico, entregou a exata atmosfera do artista: os dois acompanhantes, guitarrista e tecladista (que, inclusive, surpreendeu com um solo que parecia saído dos álbuns contemporâneos de jazz), juntaram-se num palco “em chamas”, efetuando solos com seus instrumentos já quase inaudíveis pela batida da música. Deliberadamente tosco, um jeito perfeito de terminar.

Em seguida, L7nnon deu sequência coerente aos artistas anteriores. Um dos nomes mais evidentes do rap nacional, suas músicas, já conhecidas por boa parte do público, cativaram a juventude que o esperava – a despeito de uma possível qualidade da interpretação, que não passou do mais básico. Dificilmente alguém que não o conhecia – justamente uma das qualidades do formato do festival, o contato com o choque entre gêneros e carreiras – foi atraído pelas canções, com a notável exceção de “Ai Preto”, não à toa seu maior sucesso.

Mano Brown

Um dos destaques do festival neste ano foi o veterano Mano Brown, que nos brindou com o que pode ser considerado um concerto duplo. Os primeiros 20 minutos foram dedicados a canções de seu álbum solo lançado em 2016, Boogie Naipe. As composições, executadas com o cantor Lino Kriss, deram boas-vindas calorosas ao som do boogie e do r&b. No telão, uma miscelânea de capas de álbuns clássicos dos gêneros que inspiraram o álbum: um convite a explorar a história musical que claramente encanta Brown desde os primórdios. Curitiba dançou “dois pra cá, um pra lá” contagiada com os ritmos dançantes de músicas como “Gangsta Boogie” e “Mal de Amor”.

Na segunda parte do espetáculo, a plateia foi presenteada com hinos do clássico álbum de 2002 dos Racionais MCs, Nada Como Um Dia Após o Outro Dia, interpretadas no sentido mais puro da palavra: o palco, decorado de forma quase minimalista, foi usado à exaustão para dar forma aos versos. Com as gigantescas presenças de Ice Blue e KL Jay, músicas que já integram o substrato mais profundo da cultura brasileira foram entregues com suas forças sempre vivas: “Vida Loka (Parte I)”, “Eu Sou 157” e “Jesus Chorou” foram algumas pedradas que rolaram em som na noite. Aliás, é necessário um contraste entre a apresentação de Brown, de 53 anos, com os rappers da nova geração: o único que levou dançarinos e intérpretes de libras, Mano, em certo momento, brincou com o fato de ainda estar antenado, mas de um modo meio duvidoso. Talvez seja justamente por esse anacronismo que ainda se pode falar de arte, que os corpos ainda se movimentam no espaço e que as palavras sobrevivem.

Sandy

Dez minutos depois, Sandy entrou no palco ao lado, numa produção grandiosa em seu trabalho de luzes e da própria sonoridade. A cantora, que parece ser incapaz de sair da afinação, evidentemente não parecia afinada à programação: apertada entre Mano Brown e Gilberto Gil, sua presença foi um pouco anódina. Foi um show voltado a fãs da cantora, que interagiram bastante com o público e cantaram seus grandes sucessos, como “Aquela dos 30” e “Me Espera”, em parceria com Tiago Iorc. Ainda assim, a música que mais fez vibrar os curitibanos foi um dos sucessos dela com o irmão, Júnior: “A Lenda”, num soturno exemplo que pode resumir a carreira da cantora.

Em seguida, um dos protagonistas da noite: Gilberto Gil, 80 anos e com sua banda, ofereceu um dos mais destacados espetáculos do Coolritiba, com uma sequência de músicas de seu repertório próximas da sonoridade do forró entrecortadas por interlúdios  quase industriais. Ninguém ficou parado ou calado na plateia: de crianças a senhoras, todos cantavam a plenos pulmões (ok, havia alguns mais comedidos, aqueles cuja vergonha ataca mesmo nessas ocasiões) músicas como “Eu Só Quero Um Xodó”, “Toda Menina Baiana” e “Esotérico”. A movimentação, preenchida pela harmonia com as notas, não foi exclusiva da plateia, já que em cima do palco toda a banda parecia estar em enorme entrosamento, rendendo sobretudo bons solos de guitarra e sanfona, esta nas mãos do ilustre Mestrinho. Vale o destaque à filha mais velha de Gil, Nara Gil, que acompanhou o acordeonista nos vocais.

Alceu Valença

Uma das coisas que mais indicam a qualidade de um show é a interação entre o público e o artista – tanto entre as músicas quanto durante elas. Gil falou de tudo um pouco sobre a capital paranaense: citou os times de futebol, o quentão e o frio. Essa proximidade com a cidade rendeu uma das partes mais bonitas do espetáculo: a homenagem para a filha mais nova de Paulo Leminski e Alice Ruiz, “Estrela”. O concerto de Gil, portanto, foi à altura de seu nome gigantesco, uma pequena janela de paraíso musical.

Para fechar a noite, Marisa Monte vestiu-se de deusa e trouxe a Curitiba um espetáculo não apenas musical como também visual. Seu telão com projeções em 3D criaram uma espacialidade magnânima onde a voz de Marisa pudesse ecoar, acompanhada de uma banda de dar inveja a qualquer artista nacional. Conduzindo os sopros, o trompetista Antônio Neves, que ostenta um dos melhores lançamentos brasileiros do jazz contemporâneo, levou a especial textura que torna sucessos como “Ainda Bem” tão especiais na discografia de Marisa.

A cantora também presenteou as plateias com hits da carreira, como “Vilarejo”, “Beija Eu” e “Velha Infância”. O show ainda contou com a presença do percussionista Pretinho da Serrinha, que dividiu o palco com a estrela para apresentar a colaboração dos dois, em homenagem à Portela, chamada “Elegante Amanhecer”.

Marisa Monte

Assim se encerrou mais uma edição do Coolritiba, que faz aterrissar no Paraná a megaestrutura dos grandes festivais, mas também traz consigo seus problemas. É impossível ignorar as reclamações com os preços abusivos e a falta de transparência em relação à promessa de água e ônibus gratuitos, assim como é impossível ignorar a qualidade do aparelho cultural disposto à cidade, ainda que com a mácula da inacessibilidade.