Music

Liam Gallagher – ao vivo

Vocalista celebra o repertório do Oasis ao cantar, no Rio de Janeiro, mais músicas de sua ex-banda do que da carreira solo

Texto e foto por Bruno Eduardo (Rock On Board)

Grande parte dos fãs do Oasis já perdeu as esperanças em vê-lo reunido novamente em cima de um palco. Afinal, já são mais de dez anos de separação dos irmãos Gallagher, que seguem suas carreiras solo (cada um no seu canto) lançando discos interessantes e fazendo shows que relembram o legado da ex-banda.

Na verdade, Liam até que relutou por algum tempo a tocar músicas do Oasis enquanto estava no Beady Eye. Mas agora parece que ele decidiu chutar o balde. Tanto que a apresentação da noite de 16 de novembro pode ser considerada a maior celebração ao ex-grupo que um fã poderia ter desde a separação. Desde a introdução do show com “Fuckin’ In The Bushes” (como o Oasis costumava fazer) ao início da apresentação com a dobradinha “Morning Glory” e “Rock’n’Roll Star”, o que tínhamos ali no Qualistage (o antigo Metropolitan) era uma espécie de melhor banda cover de Oasis do mundo. Ao todo, foram dez canções da icônica banda, com destaque para os dois primeiros álbuns. Definitely Maybe (1994) e (What’s the Story) Morning Glory? (1995) ganharam cada um quatro citações esta noite.

No meio de um repertório baseado em tantos sucessos consagrados como “Stand By Me”, “Supersonic” e “Some Might Say”, Liam desviava ocasionalmente para seu material solo. De forma acertada, já que nenhuma das escolhidas pareceu soar fora de contexto. “The River”, do bom Why Me? Why Not (álbum de 2019), deu um gás no lado mais roqueiro do cantor. “Once”, do mesmo disco, foi cantada por boa parte da plateia. De seu novo trabalho, C’mon You Know, lançado este ano, o destaque ficou para a ótima “Everything’s Eletric” (co-escrita com Dave Grohl), que traz sonoridade nostálgica, e a já bem popular faixa-título. 

Do Oasis, vale salientar como as canções de Definitely Maybe continuam soando frescas nos dias de hoje. Tanto que um dos melhores momentos do show ficou na execução de “Slide Away”, que elevou a energia da casa ao ápice, num dos pontos altos da noite. Em “Wonderwall”, o maior sucesso do grupo, já de  … Morning Glory?, uma dedicatória de Liam Gallagher para o maior ídolo do Flamengo. “Quero dedicar essa música para o melhor jogador de futebol do Brasil, que eu vi jogar: Zico!”. A paixão de Liam com o futebol é algo que fica explícito no palco, com as iniciais do Manchester City, seu time de coração, gravadas na bateria, e também na plateia, com fãs exibindo a bandeira do time inglês.

O ponto baixo da noite ficou para alguns problemas técnicos num dos PAs que chegou a ser “mutado” em vários momentos, principalmente na parte inicial, prejudicando canções como “Stand By Me” e “Everything’s Eletric”.

O bis inlcuiu mais duas do Oasis: “Live Forever” (outra do já citado álbum de estreia) e “Champagne Supernova”. Este último clássico marcou um final consagrador. Deu o toque final perfeito a um show que ficará marcado na memória dos fãs como a noite mais Oasis que um fã do grupo poderia ter em muitos anos.Set list: “Morning Glory”, “Rock’n’Roll Star”, “Wall Of Glass”, “Everything’s Electric”, “Stand By Me”, “Roll It Over”, “Slide Away”, “C’mon You Know”, “More Power”, “Diamond In The Dark”, “The River”, “Once”,  “Some Might Say” e “Wonderwall”. Bis: “Live Forever” e “Champagne Supernova”.

Movies

Falling – Ainda Há Tempo

Viggo Mortensen estreia na direção com uma tocante história baseada em sua própria experiência com a demência em família

Texto por Abonico Smith

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

Ver um filme pode ser uma experiência catártica, sobretudo se a história for um grande drama. Muitas vezes, por se identificar bastante com quem o protagoniza, sua história, seu sofrimento e seus percalços, espectadores descarregam tudo em lágrimas ou gatilhos interiores acessados. Só que fazer um filme também pode significar a mesma coisa. Viggo Mortensen que o diga com seu Falling – Ainda Há Tempo (Falling, Reino Unido/Canadá/Estados Unidos, 2020 – Califórmia Filmes), no qual assina direção, roteiro mais boa parte da trilha sonora, além de interpretar um dos dois protagonistas.

Boa parte da história começou a ser escrita logo após o funeral de sua mãe. Ela, assim como também o pai de Viggo, passou alguns anos sofrendo de demência. Algumas das histórias sobre a doença e o convívio entre a/o paciente e os familiares que a/o cuidam, ouvidas pelo ator naquele momento, não saíram mais de sua cabeça até sua estreia como diretor se concretizar para ser exibida nas grandes telas.

E Viggo consegue transmitir delicadeza mesmo em tempos difíceis entre uma relação mantida às turras entre pai e filho. Na verdade, o pai Willis nunca mudou o jeito bronco de ser. Fazendeiro do norte do estado de Nova York, satisfaz-se em ser desagradável a todos ao redor somente pelo fato de ser desagradável, de contrariar pedidos e expectativas alheias, desde que seus dois filhos (John e Sarah nasceram). Não aceita as transformações sociais trazidas com o tempo, torce o nariz para a homossexualidade do filho (e também para o seu casamento de anos com o pai de sua enteada), tem rejeição pelo fato de Barack Obama ter sido o primeiro presidente preto eleito pelos Estados Unidos para governar a Casa Branca e não pensa duas vezes antes de provocar confusões com verborragias e atitudes. Ao mesmo tempo, Willis não entende que, por causa do avanço da demência, precisa ser (pacientemente) cuidado pelo primogênito John. Não quer mudar-se para a “progressista” Califórnia por ali ser “uma terra de bichas”. Não aceita a morte da dedicada e pacata Gwen (a mãe dos meninos) ao passo que tem alucinações sexuais com a segunda esposa Jill, aparecendo sempre em sua mente como uma voluptuosa ruiva seminua mesmo em meio de uma nevasca ao ar livre. Por tudo isso, o veterano Lance Henriksen (cujo currículo traz filmaços históricos como Um Dia de Cão O Exterminador do Futuro) entrega uma performance intensa e monstruosa como o indomável octogenário.

O vai e vem do passado, aliás, é um trunfo constante da narrativa e vai ajudando o espectador a montar o quebra-cabeça da conturbada relação entre pai e filho. Desde pequeno, John (Mortensen, que a princípio relutava em atuar em seu próprio filme) é criado por Willis a ser um típico exemplar de macho como ele. O menino – que aparece em distintas fases de sua infância e adolescência – já aprende, bem cedo, que as situações devem ser dribladas com pacifismo, condescendência e, sobretudo, muita, muita paciência. O que poderia se tornar uma armadilha para a trama, porém, revela-se um ganho para Viggo. Não somente esses flashbacks se misturam como lembranças abruptas de uma parte quanto de outra, como também pequenos sinais externos às cenas de ontem e hoje vão sendo delicadamente distribuídos ao espectador para que ele faça a sinapse e descubra de quem é aquele lampejo naquela hora do aqui e agora.

Quando chega ao final, o “novato” diretor também revela outros dois pontos altos de seu filme. Primeiro é a engraçada (se é que durante todo o drama intenso poderia, de fato, haver espaço para algo com um ligeiro toque de humor) participação especial de David Cronenberg. O cultuado cineasta – dono de uma obra marcada pelo horror corporal – aqui é um mero médico que vai realizar o temido (pelo machão Willis, claro) exame de próstata. Por fim, quando começam a subir os créditos, Viggo mostra ao mundo a aposta nas multi-istrumentistas irmãs postiças que formam o Skating Polly, uma fofíssima dupla (trio se contar a participação do irmão de uma delas na bateria e na guitarra) formada por elas em 2009, então aos 9 e 14 anos de idade, e que conta com (já) cinco álbuns de carreira e apadrinhamento de grandes ícones do rock alternativo americano, como Exene Cervenka (vocalista da lendária punk X e primeira esposa de Mortense), Flaming Lips, Babes In Toyland, Band Of Horses, Veruca Salt, Deerhof, Mike Watt e Garbage. A canção “A Little Too Late” não só gruda de imediato na cabeça como é uma incrível força lírica e melódica que anda faltando por aí nas programações das rádios, playlists de internet e escalações de grandes festivais.

Ao realizar todas as etapas de Falling – Ainda Há Tempo, o ator, roteirista, músico e diretor Viggo Mortensen também parece ter exorcizado toda a dor passada durante seus dramas familiares – tanto que dedica o filme a seus dois irmãos mais novos, com quem dividira a turbulência enfrentada duas vezes contra a demência. Por ser um projeto autoral/pessoal em demasia, acaba se tornando uma peça verdadeira de arte e ainda imprime maior veracidade àqueles espectadores que porventura possam vir a se identificar com o sofrimento vivido por John e Sarah desde o nascimento até a meia-idade. Exibido publicamente pela primeira vez no festival de Sundance em 2020, o longa-metragem chega agora aos cinemas brasileiros, com um certo atraso provocado por causa da pandemia da covid-19. Aos mais desavisados, pode até ser algo chocante de se ver e duro de se acompanhar. Entretanto, não deixa de ser uma obra de extrema sensibilidade e que passa bem longe de tender ao tom melodramático.

Music

Smashing Pumpkins

Há 25 anos, o surto de grandiloquência de Mellon Collie And The Infinite Sadness projetava a banda ao estrelato e cobrava um preço alto demais

Texto por Fábio Soares

Foto: Reprodução

Quando Robert Smith concebeu Disintegration ao mundo, em 1989, sabia que não poderia errar. Às vésperas de completar 30 anos de idade, o líder do Cure tinha a plena consciência de que o oitavo álbum da banda não tinha o direito de assumir o papel de peça descartável em sua discografia. Teria de alcançar o patamar de obra de arte, custe o que custasse. E se não o fez, chegou bem próximo a isso. Disintegration é, até hoje, objeto de culto e devoção de dez entre uma dezena de fãs dos ingleses. Sua atmosfera de sonho sublimemente musicou as dúvidas, tristezas e crises emocionais na entrada da terceira década de vida de qualquer indivíduo. A trilha sonora para meus problemas. Mesmo que eu já tenha passado dos 40.

Corta para 1995. William Patrick Corgan, líder dos Smashing Pumpkins, tinha 28 anos de idade quando estava em estúdio para gravar sua obra-prima antes de chegar à terceira dezena da idade. Apesar do relativo sucesso entre o público indieSiamese Dream, o álbum de 1993, foi ofuscado pelo movimento grunge e comeu a poeira que a turma de Seattle havia deixado na estrada. Dois anos mais tarde (e com a morte de Kurt Cobain, um ano antes) pertencia aos Pumpkins a bola da vez. O posto de maior banda do planeta estava vago. O momento era aquele e Corgan sabia muito bem disso.

Para o maior álbum de sua vida, Billy Corgan apostou alto: seria um CD duplo, sem fáceis aplausos ou momentos felizes. Seria um projeto triste com atmosfera de sonho. Melancólico como todas as viradas dos 29 para os 30 são.

Mellon Collie And The Infinite Sadness já nasceu grandioso. Partindo de seu projeto gráfico (na capa, a figura de um semianjo a partir de uma estrela) à concepção de seu luxuoso encarte, o álbum possuía 28 canções condensadas em duas metades conceituais e previamente batizadas. “Dawn To Dusk” (“do amanhecer ao anoitecer”, em português) representava o dia, a luz, a euforia das drogas propriamente dita. Já “Twilight To Starlight” (“do crepúsculo à luz das estrelas”) simbolizava a noite, a escuridão, a depressão após a passagem do efeito psicotrópico.

Sua audição continua não sendo fácil, mesmo após um quarto de século de seu lançamento – o disco chegou às lojas no dia 24 de outubro daquele ano. Mellon Collie… não é conceitual em sua acepção e se há algo neste sentido ao longo de quase 30 faixas é a atmosfera de colagens de imagens que vivenciamos durante um sonho. Se a hipnótica “To Forgive” dá passagem ao quase hardcore de “Fuck You (An Ode To No One)” no primeiro disco, no outro é o inverso que dá as cartas: a desconcertante beleza de “Stumbleine” abre espaço para “X.Y.U.”, um arrasa-quarteirão com sete minutos de duração e ares de heavy metal. Para quem estranhou, tarde demais! Afinal, Mellon Collie… vinha para confundir e não para explicar.

O fator MTV exerceu importante papel para o sucesso da megalomaníaca empreitada. A banda produziu poderosos videoclipes para os três hit singles do álbum: “Bullet With Butterfly Wings”, “1979” e “Tonight, Tonight”. No Video Music Awards de 1996, por causa deste último (cujas imagens prestavam uma grande homenagem ao pai dos efeitos especiais no cinema, o francês Georges Méliès), o quarteto comandado por Corgan passou o rodo na premiação com nada menos que seis troféus, incluindo “Clipe do Ano”. Tudo perfeito, não? Nada poderia dar errado…

Mas deu. A obsessão e perfeccionismo quase doentios de Billy Corgan em lançar “o álbum perfeito da vida, do mundo e do sistema solar” cobrou um preço alto demais à banda. Algumas sessões de gravação de Mellon Collie… atingiram inimagináveis dezoito horas consecutivas. O esgotamento físico e mental era evidente inclusive na turnê de promoção do disco.

Durante a passagem por São Paulo e Rio de Janeiro, na derradeira edição do festival Hollywood Rock, em janeiro de 1996, já era explícito o descompasso entre Corgan e a baixista D’Arcy, o guitarrista James Iha e o baterista Jimmy Chamberlain. E coube ao último ser protagonista do mais triste episódio da carreira da banda. Em julho do mesmo ano, em um quarto de hotel em Nova York e na companhia do baterista, o tecladista Jonathan Melvoin, que viajava contratado como músico de apoio, sofria uma fatal overdose de heroína. Chamberlain ganhou do chefe – que àquela altura já havia comprado dos outros três suas partes dos direitos da banda – a demissão sumária. Então, os Pumpkins foram lançados ao fundo do poço de um ano trágico.

Espera lá… Não era essa a real intenção de Mellon Collie…? As oposições? Tamanho sucesso acompanhado de uma tragédia como esta, não fazia parte do script? Procuro acreditar que tamanha densidade de obras como Mellon Collie… cobram seu preço de qualquer maneira. Para o bem ou para o mal. Não se concebe uma salada emocional como esta, repleta de lirismo e arranjos díspares, sem escapar impunemente. Sua concepção soa como nossas vidas: altos e baixos sem fim, transitando entre o sagrado e o profano. Sua audição merece atenção tão meticulosa que mesmo agora, 25 anos depois, ainda é possível descobrir novos detalhes que passaram até então despercebidos.

Billy Corgan quis nos dar uma obra de arte. Conseguiu. Quis ainda que ela nos marcasse por euforia e dor. Conseguiu também. E o que fica é que Mellon Collie And The Infinite Sadness será nossa válvula de escape a desafogar emoções diversas por muitos anos. Porque assim é a arte, propriamente dita. E porque é ao conjunto de tudo isso que dedicamos a alcunha “vida”. Mesmo que encharcada por melancolia. Mesmo que repleta de infinita tristeza. Mesmo que registrada no CD duplo mais vendido daqueles anos finais do século 20.

Movies

Black Is King

Escrito, produzido e dirigido por Beyoncé, filme refaz a jornada do rei leão Simba com personagens interpretados por mulheres e homens negros

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Disney+/Divulgação

Quando Beyoncé lançou o clipe da música “Formation” em 2016, o programa humorístico SNL fez uma esquete chamada “O dia em que a América descobriu que Beyoncé é negra”. Obviamente a cantora texana nunca escondeu a cor de sua pele, mas para muitos foi um choque o lançamento de uma faixa tão política. Após “Formation”, ela nunca voltou atrás. 

Temas sobre feminismo e negritude tornaram-se uma constante nos trabalhos da popstar. Em 2019, a estrela foi chamada para produzir a trilha sonora do filme live action O Rei Leão. Desse convite nasceu o álbum The Lion King: The Gift, que serviu de inspiração para o longa musical Black is King (EUA, 2020 – Disney), lançado em streaming em julho de 2020 e que no Brasil chegará junto com o canal Disney+ em novembro. A história é uma reimaginação da jornada de Simba, mas, ao invés de animais, os personagens sâo interpretados por mulheres e homens negros.

Black is King mistura música, poesia e falas do filme com Beyoncé como figura etérea. A todo momento junta elementos do catolicismo e de religiões de matriz afro. Os Orixás e o cesto de Moisés conseguem simbolizar a religiosidade antes e depois da diáspora do povo negro. Inclusive, uma das mensagens do longa é a redescoberta dos hábitos, crenças e culturas ancestrais dos povos africanos. 

Beyoncé procurou ao redor do mundo por produtores, instrumentistas, cantores, estilistas, dançarinos, compositores negros para dar vida ao musical. O filme é uma visão negra feita por negros. O único branco que aparece no decorrer de uma hora e meia é o mordomo da música “Mood 4 Eva”, uma reescrita poderosa do mantra Hakuna Matata.

O visual do longa é um prato cheio. Cenários, figurinos e as coreografias são deslumbrantes. A conclamação pela união juntamente de paisagens paradisíacas em “Bigger” ou o minimalismo do funeral em Nile são resultados do que a cantora considera um “trabalho por amor”. O perfeccionismo é visto nos detalhes que saltam aos olhos. 

Black is King atualiza a trajetória de Simba do exílio ao retorno à tribo. As hienas de Scar se transformaram em uma gangue de motociclistas; a floresta em que o jovem leão encontra Timão e Pumba, uma estrada. Essa humanização de Simba, por sinal, ganhou ares políticos sendo trazida às telas em 2020. Lançada em meio aos protestos #BlackLivesMatter, o longa relembra que negros existiam em comunidades com culturas e costumes ricos muito antes da escravidão.

Beyoncé dedica Black is King a seu único filho menino, Sir Carter, e a todos os outros filhos negros do mundo. A obra é uma carta de amor à negritude diaspórica e um lembrete de que homens negros também são vulneráveis e tridimensionais. Assim como Simba.