Grupo abre minitemporada em Curitiba incendiando a plateia com energia intensa e a sua típica mistura de sonoridades e referências latinas
Texto por Lucca Balmant e Diego Scremin
Foto: Lucca Balmant
Diminuir a distância entre os países da América Latina é o que o Francisco El Hombre vem fazendo há dez anos, quando o grupo foi fundado por dois irmãos mexicanos. Mateo (voz e violão) e Sebastian Piracés-Ugarte (voz e bateria) rodaram o mundo até se estabelecerem por aqui, mais precisamente na região de Campinas. Desde então, com a ajuda de outros músicos locais criaram uma ponte para diminuir a carência de troca musical afetada pelo idioma. Afinal, o mercado nacional não costuma absorver muito os artistas hermanos que cantam em espanhol e exploram sonoridades características das fronteiras vizinhas (ou quase).
Sendo assim, a banda mistura, além das línguas, as influências da batucada e de outros ritmos da América Latina, criando uma mistura perfeita entre gêneros e olhares de outros países e a música popular brasileira. Esta proposta marcou a volta do Francisco El Hombre a Curitiba em uma série especial de seis apresentações no espaço da Caixa Cultural, divididas em dois finais de semana (23 a 25 de novembro e de 30 de novembro a 2 de dezembro). O grupo trouxe um repertório selecionado especialmente para sua comemorar a sua trajetória. A maioria era em espanhol e com discursos e vieses políticos, sempre como a intenção de demonstrar a luta antifascista e de apoio às comunidades feministas e LGBTQIA+, com muitos discursos individuais com tentativas muito bem sucedidas de se conectar e energizar o público mesmo em um teatro de pequeno porte.
O que mais chama atenção na primeira dessas seis noites foi realmente a performance do FEH e a intensidade com que a realizam. Desde a primeira música via-se Mateo puxando o público a se levantar dos assentos para os receberem com a devida energia. Desde então, não parava de encorajar danças, correrias e cantos aos gritos. Trazendo essa energia estava também Juliana Strassacapa (voz e percussão), sempre vindo até a frente do palco para conversar com as pessoas e puxar coreografias junto a Mateo em vários momentos do show. O quinteto transformou um pequeno teatro numa grande festa, concretizando a fala do próprio grupo durante o show (“Francisco El Hombre és pura fiesta!”)
Junto à energia de Mateo e Juliana, Sebastian quebrava a bateria acompanhado de ritmos da percussão, além de mostrar sua bela voz enquanto tocava ritmos complexos. Ainda havia no palco Helena Papini e Andrei Martinez Kozyreff, que não ficam nada atrás do resto do grupo. Mostrando toda a sua habilidade nas cordas, Helena trazia linhas calorosas de baixo, vindo até a frente do palco fazer festa enquanto solava e groovava. Andrei, um pouco mais acanhado, não passava despercebido com timbres e riffs marcantes na guitarra, com aquele toque psicodélico de Ave Sangria. Para completar as cordas, o próprio Mateo tocava o violão numa forma mais clássica e com muitos ritmos latinos, surpreendendo por mostrar uma performance tão boa no instrumento enquanto entretinha o público como frontman. De resto, efeitos modulares de synths chamavam a atenção de todos com sonoridades experimentais.
Em um teatro com capacidade para 125 pessoas e com cadeiras marcadas, a energia do FEH era surreal. Ela se espalhava pelo ambiente sem parar, fazendo todos levantarem dos assentos e, numa noite chuvosa e fria de quinta-feira, dançarem e suarem de um lado para o outro, mesmo no menor espaço possível. Este detalhe definitivamente não foi capaz de interromper nem conter a conexão e a pulsação da banda. Para marcar a noite de estreia dessa minitemporada na cidade, foi um show sensacional.
Set list: “Tá Com Dólar, Tá Com Deus”, “Como Una Flor”, “Arrasta”, “Loucura”, “Triste, Louca ou Má”, “Sincero”, “Calor da Rua”, “CHAMA ADRENALINA :: gasolina”, “CHÃO TETO PAREDE :: pegando fogo”, “Batida do Amor”, “Soltasbruxa” e “MATILHA :: cólera ou coleira”.
Formação clássica da banda se reúne em Curitiba para duas horas e meia de som, fúria e resgate nostálgico da juventude do passado de seus fãs
Texto por Filipe Silva
Fotos: Vitor Augusto/Divulgação
“Brasileiro é o caralho”, gritou Arnaldo Antunes, envolto em uma nuvem de barulho produzido pelos Titãs nos últimos instantes de “Lugar Nenhum”, segunda música do show da turnê Titãs Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora em Curitiba. Na imensidão monumental da Pedreira Paulo Leminski lotada, neste último dia 10 de junho, a música pareceu soar ainda mais pesada do que quando foi lançada, em 1987, no álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. O grito, quase ao final de uma música que questiona os conceitos de nacionalidade, fronteiras e patriotismo, ecoou pela pedreira como provocação a uma cidade que, nos últimos anos, transformou-se no centro político de um jeito no mínimo questionável de se considerar amor à pátria. “Nenhuma pátria me pariu”, diz a música. Frase gritada com força por todos os quatro vocalistas da banda.
Dita por um senhor de quase 63 anos de idade, de vida confortável conquistada com próprio trabalho (na banda e em carreira solo), filho da classe média alta paulistana intelectual, pode soar algo patético. Protesto pasteurizado, como disse alguém um dia depois do show. Parece que Arnaldo não está nem aí, como diz a letra da mesma música, assim como Nando Reis, que não deixou escapar oportunidades de chamar os quatro anos de governo Bolsonaro de inferno – foi mais aplaudido do que vaiado por isso, fez o L para as câmeras que exibiam a imagem da banda nos telões do palco e disparou “esse país pirou e tá na hora da gente botar o pé de novo”. Ele meteu o nome de Bolsonaro na lista de patifes e facínoras de “Nome aos Bois”. E, sem querer, instigou parte da plateia ao coro “ei, Bolsonaro, vai tomar no cu”.
Por uma excursão de 24 concertos – a tour se encerrará em Lisboa, Portugal, no dia 3 de novembro – os Titãs voltaram a ser os Titãs que durante um bom tempo foram a maior banda de rock do país. Sem Marcelo Fromer, morto em 2001, Arnaldo, Nando, Charles Gavin, Paulo Miklos, Branco Mello, Tony Bellotto e Sérgio Britto (o produtor Liminha assume no palco a guitarra de Fromer), o grupo visita boa parte da carreira, com foco nos álbuns gravados antes da saída de Antunes, em 1992, mais algumas faixas de sucesso absoluto registradas após a primeira baixa do grupo.
Nove das 31 músicas executadas em quase duas horas e meia de show são de Cabeça Dinossauro (1986), disco que flertou com o punk e o pós-punk de Clash e Gang Of Four e botou a banda no andar de cima do rock nacional. “Estado Violência”, “Igreja”, “Polícia”, “Porrada”, “Homem Primata”, “Bichos Escrotos”, cutucadas em instituições, se não deixam de soar como revolta juvenil de garotos bem criados de 20 e poucos anos na década de 1980, transmitem também certa dose de raiva que passou a fazer sentido. É a tal da “hora de botar o pé de novo” de Nando.
Paulo Miklos e Sérgio Britto
Se em dezembro do ano passado, os Titãs atuais – compostos por Branco, Bellotto e Britto mais Beto Lee (guitarra) e Mario Fabre (bateria) – se arrastaram no palco da mesma Pedreira durante cerca de 50 minutos de apresentação no Prime Rock Brasil Curitiba em uma apresentação constrangedora, a de 10 de junho vingou o fracasso. É como se a volta temporária de Arnaldo, Nando, Miklos e Charles revigorasse o núcleo que ainda insiste em manter o nome na ativa.
O set acústico soou protocolar. É aquela necessidade de agradar aos diversos públicos; há quem prefira baladas, pra acender aa lanternas dos celulares e cantar junto. Mas também pode ser o momento de respiro que senhores, já todos na casa dos 60, precisam pra segurar mais de duas horas na mesma energia de quando tinham 30 anos. O palco é remontado e a banda se posta no formato da gravação do Acústico MTV (1997). Alice Fromer, filha de Marcelo, foi introduzida ao público por Arnaldo. Juntos, cantaram “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”, dos dois primeiros álbuns. O público se emociona, como também se emociona ao ouvir Branco informar, rouco, que está curado de um tumor na garganta, dizer que está feliz ao estar na turnê ao lado de “amigos de uma vida toda” e cantar “Cabeça Dinossauro”, “Tô Cansado”, “32 Dentes”, “Flores” e mais os backing vocals nas outras faixas – ele ainda tocou baixo nas músicas acústicas.
“Diversão”, que abriu a noite, “Comida”, “Miséria” e “Sonífera Ilha”, que fechou, empolgaram. “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” soou com fúria maior do que no álbum homônimo. “Eu Não Sei Fazer Música”, também cantada por Branco, foi a única de Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, disco de 1991 que, deu o trocadilho para o subtítulo da tour (batizada Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora). Não veio nenhuma de Titanomaquia, o disco grunge, de 1993, o primeiro sem Arnaldo. Das mais pesadas, “Lugar Nenhum”, “Cabeça Dinossauro”, “Porrada” e “Bichos Escrotos” estiveram entre as melhores da noite. “Televisão” foi como uma cápsula do tempo, quando os Titãs substituíam o brega por um jeito próprio de fazer new wave.
Na área vip, as atrizes Malu Mader e Ângela Figueiredo (respectivas esposas de Tony e Branco, dançavam) registravam trechos do show com o celular e trocavam ideias com Alice Fromer (que depois de cantar, desceu do palco para ver a performance) e Ana Cristina Martinelli (mãe de Alice e viúva de Fromer). Na Pedreira, homens e mulheres acima dos 40 anos, alguns casais com filhos adolescentes, encontraram o que procuravam: duas horas e meia de um retorno à juventude, entregues com a mesma fúria dos tempos em que o rock brasileiro ainda sustentava a relevância que deixou pelo caminho nas últimas duas décadas. Nostalgia e cultura pop andam de mãos dadas. Os Titãs sabem disso.
Set list: “Diversão”, “Lugar Nenhum”, “Desordem”, “Tô Cansado”, “Igreja”, “Homem Primata”, “Estado Violência”, “O Pulso”, “Comida”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, “Nome Aos Bois”, “Eu Não Sei Fazer Música” e “Cabeça Dinossauro”, “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo”, “Pra Dizer Adeus”, “Toda Cor”, “Não Vou Me Adaptar”, “Família”, “Go Back”, “É Preciso Saber Viver”, “32 Dentes”, “Flores”, “Televisão”, “Porrada”, “Polícia”, “AA UU” e “Bichos Escrotos”. Bis: “Miséria”, “Marvin” e “Sonífera Ilha”.
Oito motivos para não perder um dos shows do cantor, ator e ex-integrante do One Direction durante sua passagem pelo Brasil em dezembro
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Divulgação
Quantos ex-integrantes de boy band você se recorda de terem feito tanto sucesso ao se lançar em carreira solo? Robbie Williams? Ricky Martin? Pois o ex-One Direction Harry Styles entra para esse seleto rol com a diferença de que ele é um sujeito que pelo menos tenta atravessar as fronteiras do óbvio. Por conta disso vem sendo chamado de David Bowie da nova geração. Soa um pouco pretensioso? Será mesmo?
Fato é que os dois primeiros e premiadíssimos álbuns de Styles (o homônimo, de 2017, e Fine Line, de 2019) prestam uma clara homenagem a Bowie, além de Joni Mitchell. E essa inspiração do Camaleão é facilmente detectada em seu visual andrógino carregado de propósito, para romper as barreiras da discriminação. Aliás, essa estética versátil e híbrida ressoa nas suas composições em que ele aproveita para homenagear os ídolos com sua voz de barítono.
Harry flerta com gêneros e décadas diversas (pop, rock, funk, disco), o que, para muitos, pode beirar ao pastiche justamente devido à enxurrada de referências encontradas nas faixas. Por isso, pode-se considerar que Styles é um artista que, sim, já conquistou um espaço entre tantos cômodos de uma mansão, mas ainda segue em busca de sua essência.
Só que uma coisa é certa: ao se aventurar pelo ecletismo, o britânico não tem receio de dar a cara pra bater, dançar fora do ritmo, vestir paetês, usar camisetas kitsch e, ainda, atuar como ativista. Ou seja, se tinha uma única direção até pouco tempo atrás (com o perdão do trocadilho), agora ele aponta para vários horizontes: uma carreira de sucesso na música, no cinema e na moda. O artista é modelo para a garotada da Geração Z ou mesmo um alento para os que nasceram nas décadas passadas, que curtiam bandas como New Kids On The Block, Backstreet Boys e outros conterrâneos de Styles (Take That e Westlife) e podem reviver essa fase da vida em que os hormônios regem os gritos.
Como na maioria das boy bands, há sempre um integrante que se destaca mais. No caso do One Direction, foi Harry Styles. Por isso, o Mondo Bacana lista oito motivos para você conferir a nova turnê desse furacão britânico, que promete trazer muito amor e good vibes para o Brasil, onde ele passa em dezembro (de 6 a 14) e se apresenta em São Paulo (com direito a duas sessões extras), Rio de Janeiro e Curitiba – clique aqui para saber mais sobre locais, datas e ingressos ainda disponíveis).
One Direction
Assim como outros artistas (vide os brasileiros Supercombo e Roberta Sá), Harry Styles é exemplo de que não é preciso ganhar um concurso de televisão para se tornar superstar. No caso do britânico, participar do reality foi o suficiente para o One Direction ganhar a atenção de Simon Cowell. O pequeno Harry, inclusive, já mostrava uma forte inclinação para as artes quando cantava nos karaokês, seu divertimento favorito. Então, em 2010, ele, Liam Payne, Louis Tomlinson, Zayn Malik e o irlandês Niall Horan se juntaram para participar da sétima temporada do The X Factor UK. Mesmo não saindo vitoriosos da competição, o sucesso deles foi estrondoso, com cinco álbuns de estúdio lançados, turnês arrebatadoras, uma avalanche de prêmios e fãs espalhados pelos quatro cantos do mundo, febre comparada à beatlemania. Foram esses fãs, chamados de stylers, que passaram a noite na fila para comprar o ingresso desta turnê de HS, antes mesmo de ele lançar o ótimo álbum Harry’s House. Portanto, pelo menos “What Makes You Beautiful”, do One Direction, deve ser hit presente no set list. Caso contrário, seu séquito irá chiar.
Colecionador de prêmios
Desde que se lançou como artista solo, HS vem acumulando prêmios. Em 2017, seu primeiro single solo, “Sign Of The Times”, já ganhou o título de canção do ano pela Rolling Stone. O álbum de estreia também foi #1 na Billboard 200. O segundo álbum, Fine Line, levou o Grammy de melhor disco de 2019. Duplamente platinado, Fine Line entrou para a História ao liderar as paradas em mais de 20 países, acumulando um total de 5 bilhões de streams em todo o mundo, e recentemente foi nomeado um dos 500 melhores discos de todos os tempos pela Rolling Stone. Com “Watermelon Sugar”, o cantor ganhou o Grammy de Melhor Performance Pop Solo e o Brit Award de 2021 de Melhor Single Britânico. Três meses depois de seu lançamento, o terceiro, Harry ‘s House, já abocanhava o título de melhor álbum do ano pela MTV, consagrando o hit “As It Was” como melhor clipe do ano. Seus videoclipes, aliás, merecem atenção à parte, como no surreal “Adore You”, no qual ele vira “amigo” de um peixe.
Harry’s House
Com melodia que lembra o melhor do synth pop dos anos 1980, o sucesso “As It Was” se transformou rapidamente no hit de 2022, sendo capaz de grudar nos ouvidos como o melhor chiclete Ploc da sua vida. E o disco todo (cuja capa lembra o do rapper brasileiro TETO) traz novamente a parceria com Tyler Johnson e Thomas Hull (aka Kid Harpoon) e revela uma incrível coesão entre as canções, que convidam o ouvinte a dançar, pular, chorar e rir. Nas composições, transparece o misto de emoções que contornaram a vida do artista nos últimos anos, sempre com a figura feminina no spotlight. HS lembra o rompimento de um casamento até o encontro de um novo amor – tanto é que ele considera este álbum como o mais intimista dos três. E se temos de agradecer a alguém, esse alguém se chama Olivia Wilde, a atriz, diretora de cinema e obviamente a musa inspiradora de canções como “Cinema”. O novo trabalho, aliás, deixa evidente a evolução em comparação com os dois anteriores e o rumo a um som mais genuíno. No disco de estreia, por exemplo, é possível perceber influências um tanto explícitas a Beatles em “Sweet Creatures” (que lembra “Blackbird”), ecos de Rolling Stones em “Angel” (que, por sinal, é também o nome de uma música dos roqueiros britânicos) e “Woman”, cuja introdução é Elton John na veia.
Galã de Hollywood
O presidente da New Line Cinema não precisa ter bola de cristal para prever que o futuro de HS é no cinema. Por outro lado, alguns críticos ainda não se convenceram de suas atuações. Aliás, seu mais recente trabalho, My Policeman, acabou de ser lançado na Amazon Prime cercado de polêmicas e acusações de queerbaiting – logo contra um ator que levanta a bandeira da liberdade de gênero. Isso porque Styles faz um policial conservador e enrustido, que vive um romance com o funcionário de um museu. A trama se passa na Inglaterra dos anos 1950, quando ser homossexual era considerado crime e, portanto, era preciso manter as aparências. Este é o terceiro longa de HS, cujo début já aconteceu em 2017 em Dunkirk, dirigido por ninguém menos que Christopher Nolan e indicado ao Oscar. Portanto, Harry se tornou o primeiro artista britânico com um single, um álbum e um filme de estreia em primeiro lugar no mesmo ano. Recentemente, ele também estrelou Não Se Preocupe, Querida, thriller psicológico dirigido por sua atual mulher Olivia Wilde. Além da sua presença cinematográfica, o cantor também já apresentou o tradicional humorístico da TV norte-americana Saturday Night Live.
Covers
Além do repertório próprio, quem acompanha a carreira de Styles sabe que ele é chegado em uma cover, sobretudo para revistar aquelas baladas e canções que de certa forma marcaram a sua vida e evocam memórias afetivas. No festival Coachella deste ano, por exemplo, o britânico convidou a rainha do country pop Shania Twain, que fez enorme sucesso nos anos 1990 com suas baladas melosas. Os dois fizeram dueto nas músicas “Man! I Feel Like a Woman” e “You’re Still The One”. Nesta, inclusive, Styles escorregou um pouquinho e deu uma desafinada, não sendo perdoado pelos youtubers mais críticos. Em show recente na Califórnia, ele cantou “Hopelessly Devoted To You”, composição do australiano John Farrar, que ficou famosa na voz de Olivia Newton-John (falecida em agosto último), no musical Grease. HS também já se aventurou a fazer releituras de outros ícones no palco e em estúdio, como Fleetwood Mac, Lizzo, e Ariana Grande.
O ativista que veste Gucci
Com um sobrenome desses, o artista não poderia deixar de se aventurar no mundo fashion e da cosmética (sim, ele tem uma marca chamada Pleasing). Tanto é que a marca considerada a mais popular do mundo, encontrou em HS uma oportunidade de expandir ainda mais a sua presença – se não no armário, pelo menos no imaginário dos pobres mortais – ao lançar a coleção batizada de HA HA HA e assinada pelo diretor criativo da grife, Alessandro Michele, com o britânico durante a última Semana de Moda Masculina de Milão. Ao todo, são 25 peças inspiradas no estilo vintage, mesclando alfaiataria anos 1970 com estampas descontraídas e coloridas. Inclusive, na sua recente turnê por Nova York, Harry esbanjou glamour nas suas performances, desfilando macacões setentistas com muitas listras. Já dos anos 1980, ele costuma resgatar os paetês. Mas uma peça que ele abandonou (pelo menos por enquanto) foi o seu tênis Adidas x Gucci. Isso por conta da polêmica envolvendo o rapper Ye (aka Kanye West) e suas recentes declarações antissemitas. No final de outubro, HS foi visto usando tênis vermelhos da marca Vans. Os stylers logo perceberam essa troca de figurino e deduziram que essa era uma forma de protesto. Aliás, o cantor tem um histórico de ativismo e, em 2015, quando ainda fazia parte do One Direction, chegou a pedir aos fãs que deixassem de ir ao parque Sea World, que naquele período estava sendo acusado de maltratar animais.
A casa de Harry
Como o terceiro álbum do artista foi concebido durante a pandemia, nada mais plausível do que chamá-lo de Harry´s House. Na verdade, a quarentena serviu para dar um respiro desde que a carreira começou em 2010. Tanto é que, nas letras, há várias alusões a detalhes caseiros como a cozinha, o jardim e até o maple syrup de suas panquecas. Em entrevista à Better Homes & Gardens, a quarta revista mais vendida nos Estados Unidos, ele chegou a fazer um paralelo entre sua residência e sua mente. “Eu acho, às vezes, tomando a terapia como exemplo, que você pode abrir um monte de portas na sua casa que você nem sabia que existia. Você encontra todos esses cômodos que existem para explorar”, disse. Ah, só para constar: a mansão em Los Angeles, onde o astro britânico morou até 2019, foi colocada à venda por quase 8 milhões de dólares, segundo o Hollywood Reporter.
Estrutura especial
Para a Love on Tour, o público pode esperar um palco diferentão, em formato de um círculo, por onde o astro se desloca de uma extremidade a outra com piruetas, fazendo com que todos os setores do estádio possam ter uma boa visão do show. Só não vale arremessar nuggets no cantor, que é vegetariano. Pior que isso de fato aconteceu em uma apresentação em Nova York. E, no melhor estilo Harry Styles, ele tirou de letra.
>> Leia aqui e aqui, respectivamente, para ler as resenhas de Não se Preocupe, Querida e Meu Policial, os dois filmes protagonizados por Harry Styles em 2022
Novo filme argentino com Ricardo Darín no elenco retrata os reflexos sofridos do povo quando planos econômicos impactam a nossa vida
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Warner/Divulgação
Um plano econômico quando é adotado num país não só confisca o dinheiro da poupança, “come” os zeros e altera o nome da moeda ou limita a quantia que você deve sacar do banco. Termina, sim, por confiscar os dias, devorar a saúde do povo, principalmente a dos idosos, mudar o sentido de justiça e limitar nossas forças diante da vida. Quantos traumas e suicídios a ministra Zélia Cardoso de Melo não endossou ao anunciar, há quase três décadas, o fatídico Plano Collor, do presidente caçador de marajás? Quantos aposentados não infartaram em 2001, quando foi instalado o “corralito”, o confisco dos depósitos bancários, fantasma que ainda persegue o povo argentino?
Pois este é o tema do mais recente filme estrelado pelo ator Ricardo Darín, que pela primeira vez atua ao lado do filho Chino Darín. O roteiro de A Odisseia dos Tontos (La Odisea de los Giles, Argentina/Espanha, 2019 – Warner), que estreou nesta quinta-feira no Brasil, é baseado no romance do escritor Eduardo Sacheri e feito em coautoria com o diretor Sebastián Borensztein, do fantástico Um Conto Chinês. Em vez de abordar o assunto de forma pesada, o tom da narrativa procura atenuar os reflexos sofridos pelo povo portenho com um bom humor inteligente presente em diálogos dinâmicos, repletos de ironia e palavrões colocados na medida.
Trata-se de uma comédia dramática leve, ao estilo sessão da tarde, porém sem deixar as críticas políticas de lado, como muitas citações ao peronismo e o anarquismo do russo Mikhail Bakunin. O filme usa aquela máxima de que o povo é sempre tratado como idiota, enganado pelo sistema. Como o próprio nome diz, a odisseia é a saga de moradores da província de Alsina (os “tontos”) que viram o desejo de montar uma cooperativa ir para os ares depois da crise, assim como a vida de pessoas queridas que também se esvaíram após o golpe. Mas o que desperta a grande revolta por parte dos locais é o fato de terem sido enganados pelo advogado Manzi (Andrés Parra), amigo do gerente do banco, que conseguiu informações privilegiadas e trocou, a tempo, os pesos argentinos por dólares.
Darín interpreta Fermin Perlassi, um ex-jogador de futebol que se transforma em Robin Hood e convoca os amigos fiéis a bolar um plano para recuperar o dinheiro do advogado malandro. Como todo bom argentino, faz da solidariedade o antídoto para combater a injustiça (e não a vingança, como no papel do mesmo Darín em Relatos Selvagens).
O filme traz ainda ótimas atuações de atores veteranos. Luís Brandoni, que faz um anarquista dono de uma oficina mecânica, chega a brilhar mais que próprio protagonista. Além de Rita Cortese, que aparece tímida no papel de uma empresária local.
Vale lembrar que o livro que deu origem a este longa-metragem foi escrito pelo mesmo autor da obra que originou O Segredo de Seus Olhos, que conquistou o Oscar de melhor produção em língua não inglesa em 2010. Depois disso, o trabalho de Darín alcançou outro patamar e ultrapassou as fronteiras do então país comandando por Cristina Kirchner, que volta à cena agora política como vice-presidente. Pois Darín, a prata da casa e sinônimo de cinema argentino, acertou na decisão de não se juntar aos americanos, recusando papeis secundários oferecidos por Hollywood. E, ainda, para alegria de seus fãs, inspirou o filho a trilhar a mesma profissão. Com apenas 30 anos de idade e oito de carreira, Chino já acumula um currículo extenso, tendo estrelado um punhado de excelentes filmes, entre eles As Leis da Termodinâmica (disponível na Netflix).
A Odisseia dos Tontos fica aquém de outras comédias estreladas pelo mais famoso ator do cinema argentino. No entanto, mesmo sendo um filme sem grandes pretensões, vale a pena ver o dono dos olhos azuis e cabeleira cada vez mais grisalha atuando nas telonas. A família Darín é sempre um bom convite para ir ao cinema e rir da tragédia. Pelo menos enquanto o fantasma retratado no filme está adormecido…
Certas notícias a gente torce para nunca escrever. A morte de Scott Walker, ocorrida no último dia 25 de março, por exemplo, é uma delas. Certamente quase um desconhecido por aqui, Scott era um desses artistas que expandiu as fronteiras da música popular no século 20. Em alguns momentos, sua carreira esteve em pé de igualdade com Beatles e Rolling Stones em termos de influência e até mesmo popularidade. Sua obra foi responsável por influenciar centenas de outras bandas e cantores e seu estilo de cantar e compor transformou para sempre o rock. Entre seus herdeiros musicais estão David Bowie, Jarvis Cocker, Marc Almond, Richard Hawley, Suede, Radiohead, Blur, Last Shadow Puppets e todo vocalista ou banda pop que resolveu subir num palco cantando as agruras da vida.
Sim, porque Scott se tornou notório a partir de uma combinação improvável de vocais operísticos/barítonos com capacidade de evocar referências literárias/artísticas que lhe permitiam cantar sobre a questão política da Primavera de Praga em pleno 1968, fazer referências a filmes cult como O Sétimo Selo, do diretor sueco Ingmar Bergman – muito antes desta ideia atual de cultsequer existir – e, ao mesmo tempo, forjar um padrão de pop orquestral e belo, versando sobre amor não correspondido, arrependimento, tristeza, solidão. Além disso, suas canções abriam espaço para suicidas, ressentidos, drogados, vagabundos noturnos. Scott Walker tinha a capacidade de colocar pra baixo o mais esfuziante ser e escrevo isso sem tom pejorativo.
Scott era americano, nascido Noel Scott Engel em 9 de janeiro de 1943. Saiu da improvável cidadezinha de Hamilton, Ohio, para fazer fama na Inglaterra, em meados dos anos 1960. Formou com John Maus e Gary Leeds o Walker Brothers. Claro, não eram irmãos, muito menos se chamavam Walker. Fizeram sucesso arrebatador na Inglaterra, especialmente com versões de clássicos como “Make It Easy On Yourself” e “The Sun Ain’t Gonna Shine Anymore”, canções belíssimas e tristíssimas. Seu registro vocal característico misturava influências operísticas e mesmo do teatro japonês – algo impensável para a época. Tal fato virou a cabeça de um iniciante David Jones, que se chamaria David Bowie em seguida, que deve sua marca vocal registra a Scott.
Com o fim dos Walker Brothers em 1968, Scott impôs-se como artista solo. Ele já vinha lançando sua série de álbuns homônimos/numerados, que culminou com Scott 4, em 1969. Deste período vêm pérolas próprias e de outros compositores, como “Montague Terrace (In Blue)”, “Jackie”, “The Girls From The Streets”, “Windows Of The World”, “It’s Raining Today”, “Copenhagen”, “The Seventh Seal” e até a inacreditável “Old Man’s Back Again (Dedicated To The Neo Stalinist Regime)”, que, como o título diz, fala sobre a política da URSS em relação ao mundo em 1969. A preferida pessoal deste que vos escreve, no entanto, é a lindíssima e cortante: “The Lights Of Cincinatti”, com os versos:
“And I can see them shining
Through the willows and the pines,
The lights of Cincinatti
Oh, so many miles behind,
I could build myself a new life
And make it on my own,
But the lights of Cincinnati
Will keep calling me back home.”
Escrever e gravar sobre estes temas, buscando expandir fronteiras musicais não são traços de um popstar, certo? Scott tornou-se um artista recluso, quase uma lenda. Seus álbuns posteriores à quadrilogia Scott são menos inspirados, ainda que tragam momentos impressionantes. Os anos 1970, no entanto, foi mais das crias estéticas de Scott do que dele mesmo. O grande acontecimento para ele foi o retorno dos Walker Brothers originais em 1978, a bordo do disco Nite Flights, que apenas marcou a reunião do trio inicial, enquanto o mundo estava ouvindo disco music e punk rock.
Scott ressurgiria por algumas vezes lançando discos. Em 1984, com Climate Of Hunter e, onze anos depois, com Tilt, trabalhos que já podem ser entendidos sob o ponto de vista “alternativo”, algo que Walker fez na maioria das vezes que lançou álbuns. Mais recentemente, viriam The Drift, em 2006; Bish Bosch, em 2012; e Soused, colaboração com o grupo americano Sunn O))), lançado em 2014. Walker permanecia oculto, nas sombras, local onde sempre pareceu sentir-se mais adequado e confortável. Seu último trabalho foi a trilha sonora do filme Vox Lux, estrelado por Natalie Portman, em cartaz no Brasil.
Não há mais espaço na música pop para gente como Scott Walker. Se um equivalente seu surgisse hoje, seria desencorajado a seguir carreira na música. Referências literárias? Desejos instrumentais e operísticos? Canções fora dos padrões? Poucas visitas em perfis de redes sociais? Scott é reflexo de um tempo em que havia possibilidade da arte menos popular impregnar outros campos – populares – gerando cultura e novas abordagens. Sem ele, a música pop seria incrivelmente mais pobre e mais óbvia. Que seu talento seja reconhecido por mais e mais pessoas.