Noite com expoentes de gerações do indie rock deixa explícita justamente a grande diferença entre elas
Noel Gallagher
Texto por Abonico R. Smith
Fotos de Priscila Oliveira (CWB Live)
Pedreira Paulo Leminski, quarta-feira, 7 de novembro de 2018. Escaladas para o mesmo palco estavam duas bandas de direcionamento conceitual bastante diferentes. Ambas em turnê pelo país com shows solo e dois encontros (este na capital paranaense e no dia seguinte em São Paulo) disfarçados de um minifestival chamado Summer Break.
Primeiro, a vez dos mais novos. Quarteto transformado em sexteto ao vivo, o Foster The People é um dos grandes expoentes dos millenials. Aquela geração, vinda a partir do fim do milênio, que nasceu já com o binarismo digital introduzido de forma natural no dia a dia. Que acostumou-se com a velocidade bem mais acelerada do cotidiano, dos computadores e da comunicação. Que enjoa rápido de muita coisa justamente pela torrente de informações que nos é despejada sem parar. Que resolve tudo a partir de alguns cliques. Que se encaixa perfeitamente na fluidez dos tempos contemporâneos, principalmente na sexualidade e na estética. Que uma hora é algo, na outra já não é. Que uma hora quer, na outra não quer mais. Que não vê limites mais para nada e deseja tudo ao mesmo tempo para ontem porque o hoje já é de outra de forma e o amanhã nem chegará.
Por isso a trupe comandada pelo multi-instrumentista, compositor e produtor Mark Foster é a cara dos millenials e ainda abocanha a geração anterior, a transicional Y. Ou melhor, o FTP faz o som que representa muito bem estas duas turmas. Com três álbuns na bagagem e um punhado de hits radiofônicos (sobretudo os singles extraídos do trabalho de estreia, Torches, lançado em 2011), o FTP mistura bem o repertório de todos. E assim o fez na Pedreira, durante quase uma hora e meia, balançando os esqueletos de boa parte da molecada acostumada a playlists nas plataformas de streaming e que nem sabe muito bem para que ainda serve um disco físico.
Na moldura sonora, muitas batidas eletrônicas e sons sintetizados – os músicos trocavam constantemente de instrumentos e havia hora em que três deles estavam atrás de algum sintetizador. Era disco, soul, funk, psicodelismo, electro, pop, rock, punk. Tudo coexistindo numa boa, flutuando entre as fronteiras derrubadas dos gêneros musicais. Tudo música criada dentro de estúdio, através de pedaços colados por softwares. Estrofes inteiras em falsete misturavam-se a grooves arrasadores e melodias grudentas típicas de alguém outrora acostumado a trabalhar com jingles publicitários na cidade de Los Angeles. Mark, músico competente, segura bem os vocais ao vivo, embora sua performance faça uma ligação com a plateia mais pelo estilo e pelas poses do que por algo mais digno de um entertainer. Suas letras procuram um posicionamento crítico diante da sociedade de hoje, levantando questionamentos sobre, por exemplo, consumo, tecnolgia, agressividade. Mas os versos pouco causam impacto. A forma é muito mais importante do que o conteúdo.
Foster The People
Noel Gallagher é fruto da geração rock’n’roll, os baby boomers que se fizeram e viram seus filhos crescerem com uma outra revolução de costumes e comportamento. A geração que forjou uma identidade através da indústria cultural para poder encontrar um lugar propício de sua voz no mundo. Que não se identificava mais com seus pais e avós porque achava tudo meio arcaico e demodê. Que se engajava em uma ideologia de libertação ou de contestação e por ela lutava erguendo bandeiras e tentando conquistar o mundo. Que se acostumou de forma espontânea com o dia a dia regado pelas maravilhas tecnológicas de novos meios de comunicação (sobretudo a televisão e as transmissões de rádio em frequência modulada). Que viu crescer a tecnologia dos computadores, outrora corpos bastante complexos, pesados, complicados e restritos somente a uma certa nata do meio acadêmico.
A sonoridade de Noel, há uma década em carreira solo disfarçada de banda (tanto que ele sempre assina Noel Gallagher’s High Flying Birds), é orgânica e quase integralmente analógica, mesmo utilizando os hoje inevitáveis recursos digitais de pedais de guitarra e sintetizadores. Tudo humano. Tanto que a banda é extensa. Duas guitarras, baixo, bateria, teclados, duas backing vocals (que ainda fazem as pequenas percussões, entre elas até uma curiosa tesoura!!!), uma cantora “convidada” (para fazer a voz principal de apenas uma música) três no naipe de metais.
Noel cresceu ouvindo canções pop no rádio e na televisão. Fez carreira construindo novas canções pop para tocar sem parar no rádio e na televisão. Músicas com harmonias que podem ser levadas solitariamente ao violão e melodias que fazem uma arena inteira erguer os punhos, encher de ar os pulmões e cantar junto bem forte, o tempo inteiro. Foi assim em seus tempos de Oasis, no qual dividia as atenções com seu irmão mais novo e desafeto Liam Gallagher, então na função de vocalista da banda. Continua sendo assim agora, mesmo que nos dois últimos discos ele venha tentando se libertar da redoma dos hinos classic rock e venha flertando com outros gêneros (disco, soul, funk, psicodelismo, trip hop). Mas sempre com o estilo e a personalidade de quem tem a alma rock’n’roll. De quem é rock e vai ser rock sempre. E para quem o conteúdo importa muito mais do que a forma.
Por isso Noel ainda encanta mais quando o assunto é tocar em um local vasto e amplo para grandes públicos. Na Pedreira, estabeleceu conexão maior com a plateia. Brincou de forma irônica com alguns fãs do gargarejo (como na hora de se negar a cantar alguns clássicos com o título berrado, mandar alguém calar a boca todo instante só com um único gesto e dizer que não vai tocar uma determinada música porque simplesmente ela nunca fora executada ao vivo por ele). Ressuscitou sua antiga banda em alguns momentos (seis para ser bem exato), mas se dividindo entre hits e faixas que nem foram tão hit assim.
As pessoas ligadas a Noel (ele é baby boomer e ídolo da subsequente geração X, formada justamente pelos pais e tios dos millenials) amam uma coisa a ponto de sustentá-la até o fim da vida, mesmo que a evolução da tecnologia e a comunicação as forcem a entrar em contato com novidades e se tocar que o mundo nunca mais voltará àquela ingenuidade de décadas atrás.
No fim da noite o embate geracional acabou ficando no empate. Logo após o encerramento do Foster The People, muitos adolescentes passaram pelo portão de saída da Pedreira felizes e nem sequer tiveram paciência para ficar e assistir ao show seguinte porque simplesmente isso não lhes interessava ou não era de seu conhecimento. Outros, mais velhos, depois do tédio da parte inicial do festival, voltaram para casa com a alma lavada e encharcada por belas canções embaladas no formato mais tradicional da música pop, após o gran finale com uma música dos Beatles que, meio século depois, continua com sua mensagem atualíssima. O mais importante é que cada um celebrou a revolução a seu modo. E sem olhar para trás com raiva.
Set list Foster The People: “Coming Of Age”, “A Beginner’s Guide To Destroying The Moon”, “Loyal Like Sid & Nancy”, “Pay The Man”, “Life On The Nickel”, “Waste”, “Pseudologia Fantastica”, “Harden The Paint”, “Are You What You Want To Be?”, “Houdini”, “Call It What What You Want”, “Nevermind”, “Helena Beat”, “Don’t Stop (Color On The Walls)”, “Lotus Eater/Blitzkrieg Bop”, “Time To Get Closer”, “Pumped Up Kicks” e “Sit Next Tom Me”.
Set list Noel Gallagher: “Fort Knox”, “Holy Mountain”, “Keep On Reaching”, “It’s a Beautiful World”, “In The Heat Of The Moment”, “If I Had a Gun…”, “Dream On”, “Little By Little”, “Whatever”, “The Man Who Built The Moon”, “She Taught Me How To Fly”, “Half The World Away”, “Wonderwall”, “AKA… What a Life!”, “The Right Stuff”, “Go Let It Out”, “Don’t Look Back In Anger” e “All You Need Is Love”.