Music

Madonna – ao vivo

O lado A e o lado B de quem assistiu à espetacular derradeira apresentação de A Celebration Tour na praia de Copacabana

Madonna durante a canção “Like a Prayer”

Textos por Abonico Smith e Rodrigo Browne

Fotos: Reprodução

Transgressão é a melhor única palavra que pode definir os 40 anos de carreira fonográfica de Madonna. Tanto no sentido de ir além quanto no de descumprir determinadas ordens (veladas ou não) do estabilishment. A última noite de 4 de maio, quando a cantora encerrou a turnê A Celebration em uma megaestrutura montada nas areias de Copacabana, no Rio de Janeiro, foi um belo exemplo deste espírito sempre ousado e desafiador da artista.

Tentar não cair no mais do mesmo ao escrever qualquer texto crítico sobre a cantora é uma obrigação. Portanto, não espere aqui meras repetições sobre os simbolismos que lhe caíram neste longevo período de tempo. Muito já se ponderou sobre o empoderamento feminino, as bandeiras da diversidade sexual, a solidez artística que perpassa o terreno musical e se estende para demais expressões artísticas e a penca de hits planetários empilhados disco após disco de 1983 para cá. Não será desta vez, portanto, que isso se dará por aqui.

A artista transgressora, que vai além (e bem além aliás!), ficou estampada no formato da apresentação. Não foi bem um show, muito menos um concerto. Foi um musical. Pop, para as massas, mas um musical no strictu sensu de uma encenação teatral recheada por canções. Falou-se demais, depois da noite de sábado, na transfusão da Broadway para Copacabana, já que, em sete atos, Madonna contou a história de Madonna. Ela passou por canções de várias fases, muitas delas interpretadas parcialmente ou aparecendo discretamente como vinhetas e inserção incidental em remixes introdutórios dos atos ou arranjos de outras canções (se hoje nem os  jovens consumidores de plataformas de streaming nem as emissoras de rádio no tradicional dial têm paciência para esperar uma faixa chegar ao seu final de fato, porquê a popstar não poderia fazer o mesmo ao vivo agora?). Reviveu looks, cabelos e figurinos desde aquela aprendiz de dançarina e cantora nada famosa que chegou em Nova York cheia de sonho, ambição e um punhado de dólares no bolso. Rebateu de forma jocosa as críticas ácidas que recebia durante os anos iniciais da carreira reproduzindo as mesmas nos telões com se fosse uma reportagem-videoclipe. No palco, muitos bailarinos, a protagonista sendo encenada por ela própria e por simulacros do passado que contracenavam com a Madonna de hoje. E nada de músicos. Zero banda. Tudo bastante ensaiado, para que as várias câmeras captassem absolutamente tudo. Para a transmissão comercial da TV, para a transmissão artística dos telões.

Madonna e Pabllo Vittar durante a canção “Music”

Aliás, os maldosos comentários sobre fazer playback ao vivo que volta e meia assombravam a carreira dela nem foram tão massivos desta vez. Não houve necessidade. A base pré-gravada foi muito, muito desmitificada e pouco importou se até a voz dela é pré-gravada em boa parte das músicas (afinal, tente você dançar e se movimentar sem parar por quase duas horas pelo palco com elevações e passarelas e não entoar qualquer frase melódica sem ofegar). Com a potência do som e a megaestrutura montada na praia, as batidas dançantes eletrônicas vieram carregadas de peso impressionante, capaz de incendiar a multidão de quase 2 milhões de pessoas (fora 1,6 mi na areia e na calçada e na rua, havia muita gente nos apartamentos dos prédios transformados em camarotes e ainda outros tantos vendo tudo do oceano, dentro de 380 embarcações alugadas e devidamente autorizadas pela marinha para estarem ali naquele trecho marítimo).

Só que para ser autocelebrada em um musical dos 40 anos de carreira, Madonna precisava ser transgressora ali em Copacabana e quebrar regras ali em do palco também. E assim o fez. Estava no mesmo bairro e na mesma praia em que um certo fracassado ex-presidente, na manhã recente de um domingo, reuniu 30 mil apoiadores (para bom entendedor, meio público pagante reunido pelo Flamengo em dia de jogo importante no Maracanã basta!). Em um sábado à noite, a popstar juntou mais de cinquenta vezes o número de fãs. Então tinha de se esbaldar. Falou palavrões a torto e a direito (para diversão de quem assistia ao espetáculo pela Globo, a tradutora simultânea se equilibrava direto na corda bamba, inventando frases e palavras similares para não perder o sentido do que ela falava ao microfone), fez simulações sexuais quase explícitas ao lado das convidadas especiais Anitta (que participou como jurada dos desfiles e passos de dança do momento ballroom de “Vogue”) e Pabllo Vittar (que rebolou livre, leve e solta ao som de uma diferentona “Music” levada pelas percussões de crianças e adolescentes ritmistas de escolas de samba cariocas), profanou as cruzes de uma capela em “Like a Prayer”, cantou os versos dos surubões de “Erotica” e “Justify My Love”, disse estar estupefata sendo “espremida” por aquela multidão na praia e o “Jesus” que observava tudo lá de cima do morro e ainda, ousadia das ousadias, fez às câmeras o L quando estava vestida por um espartilho com as cores da bandeira brasileira. Resumindo: disparou performances perfeitas para confrontar boa parte de um público Deus-Pátria-Família-Liberdade que estava sintonizado no evento em sua própria casa (sem falar que havia conhecido político/traficante da extrema-direita em plena área vip). Prestes a completar 66 anos de idade e mesmo com uma joelheira especial para amenizar terríveis dores sentidas há anos na perna esquerda, Madonna ainda mostrou ter combustível suficiente para botar fogo no circo do conservadorismo radical que ainda quer fazer do nosso país o seu reino eterno.

Madonna e Anitta durante a canção “Vogue”

De resto, ela ainda revelou aos brasileiros o talento de seus quatro filhos adolescentes. David Banda tocou violão na versão acústica de “Express Yourself” e em “La Isla Bonita” e ainda fez as vezes do soberano púrpura Prince com um solo de guitarra. Mercy James tocou lindamente um piano de cauda na balada “Bad Girl”, canção incluída no repertório dessa turnê por insistência de seus fãs ao redor do mundo. Stella participou do corpo de baile escalado para a quase-country “Don’t Tell Me”. Sua irmã gêmea Estere encantou todo mundo interpretando a DJ e a ousada bailarina mirim com fantásticos passos de dança trazidos do underground gay nova-iorquino dos anos 1970 e 1980 em “Vogue”. Costurando os atos da narrativa do musical, a inclusão do ator Caldwell Tidicue (mais conhecido pela alcunha de Bob The Drag) também revelou-se um acerto e tanto.

Encerrada a turnê em que passou a limpo as diversas Madonnas reunidas de 1983 para cá, ela voltou para casa para descansar desta longa empreitada. Apenas Deus deve saber o que virá daqui para frente em sua trajetória artística. Entretanto, é certo que não deverão ser abandonadas a pátria planetária e multilíngue de fãs, todas as famílias que fogem do modelo bíblico de Adão e Eva e, sobretudo, aquela liberdade, pela qual sempre prezou, de ser e fazer tudo o que quiser. Afinal, bitch, she’s Madonna (AS)

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Vista aérea de Copacabana durante o espetáculo

Quatro de maio de 2024. Sábado de outono no Rio de Janeiro. Dia de celebração de quatro décadas da carreira de uma das cantoras mais icônicas do nosso tempo. Madonna escolheu a Cidade Maravilhosa para o último show da sua Celebration Tour. Tiro certo. Praias, bares, hotéis, restaurantes: tudo estava lotado. O clima não poderia ser melhor: a capital carioca adora fazer uma festa e essa foi a maior festa que Madonna poderia ter na sua vida com quase dois milhões de convidados para comemorar com ela e sua música na maior pista de dança do mundo, a praia de Copacabana, que por algumas horas virou Copamadonna.

A chegada na praia foi um espetáculo à parte. Após passar pelas barreiras policiais que revistavam todo mundo para garantir a segurança, o calçadão revelava vários universos num só. O multiverso de Madonna estabeleceu uma união cósmica com a multidão do réveillon de Copacabana presente numa enorme parada LGBTQIA+. Liberdade, amor, tolerância, respeito e alegria – tudo ao mesmo tempo em um só lugar. Ao longo da praia, a economia popular, com ambulantes de todos os tipos e todos os produtos possíveis, faturava alto com a venda de churrasquinho, bebidas, sorvetes, banquinhos para descanso e, claro, inúmeros acessórios de memorabilia do show (faixas, camisetas, copos, leques, bandeiras). Desde cedo a circulação era intensa, com uma fauna humana variada e divertida que reunia casais felizes vestidos com as cores do arco-íris, famílias com crianças nos ombros, drag queens com seus leques ritmados e vestidas de Madonna, moradores dos vários bairros da cidade e turistas de todas as partes do Brasil e do exterior. Tudo em perfeita harmonia.

Vista aérea de Copacabana durante o espetáculo

O megapalco estava na frente do hotel mais famoso do Brasil: o Copacabana Palace. A rainha do pop se apresentou olhando a praia do Leme e com a maior multidão que um artista já reuniu na orla carioca – superando o público que foi ver os Rolling Stones em 2006. As pessoas ocuparam toda a faixa de areia mais as ruas. Telões ajudavam a visão de quem não conseguiu ficar próximo do palco. O som, longe do ideal, deixou a desejar. Mas ninguém ligou para isso.

O melhor de tudo é que, no final da noite, tudo acabou bem. Para um evento desse porte, o máximo que aconteceu foram algumas ocorrências de furtos de celulares pelos pivetes de sempre que acabam roubando os inocentes (e distraídos) de sempre. Mas a sensação geral do público foi de alegria, de quem foi a um show histórico de um ícone da música mundial. Presente no momento certo e no lugar perfeito. (RB)

Set list: introdução It’s a Celebration, “Nothing Really Matters”, “Everybody”, “Into The Groove”, “Burning Up”, “Open Your Heart”, “Holiday”, interlúdio The Storm, “Live To Tell”, interlúdio The Ritual, “Like a Prayer”, interlúdio Living For Love, “Erotica”, “Justify My Love”, “Hang Up”, “Bad Girl”, interlúdio Ballroom, “Vogue”, “Human Nature”, “Crazy For You”, interlúdio The Beast Within, “Die Another Day”, “Don’t Tell Me”, “This Little Light Of Mine”, “Express Yourself”, “La Isla Bonita”, “Music”, interlúdio Madonna, “Bedtime Story”, “Ray Of Light”, “Rain”, interlúdio “Billie Jean/Like a Virgin”. Bis: “Bitch I’m Madonna”, encerramento Celebration.

Music

Roger Waters

Oito motivos para não perder a passagem pelo Brasil de This Is Not a Drill, aquela que deve ser a última turnê do ex-integrante do Pink Floyd

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Reprodução

Roger Waters, um dos maiores ícones em todos os tempos, está trazendo a turnê This Is Not a Drill para o Brasil neste ano. Serão sete datas em seis cidades: Brasília (24 de outubro), Rio de Janeiro (28), Porto Alegre (1 de novembro), Curitiba (4), Belo Horizonte (8) e São Paulo (11 e 12, sendo a primeira noite com ingressos esgotados). Mais informações sobre os preços, horários, compra de entradas e os locais das apresentações você encontra clicando aqui.

Por isso, se você é fã de sua música e do engajamento político deste senhor que completará 80 anos de idade no próximo mês de setembro, não pode perder essa oportunidade. Talvez seja mesmo a última, como está sendo anunciado o evento.

E aqui estão oito motivos para que você não deixe de assistir a esse espetáculo inesquecível. 

Lenda do rock

Ver uma lenda viva do rock em ação em pleno palco é algo maravilhoso. No caso de Waters, suas performances cativantes, vocais icônicos e presença de palco arrebatadora servem como celebração da música e do legado do Pink Floyd. Prepare-se, então, para uma noite de energia, paixão e música de qualidade impecável. Se o sold out de cada data vier, a venda de ingressos estará quase lá no limite.

Repertório atemporal

A turnê de Roger Waters apresenta um repertório que abrange décadas de sucesso e inclui algumas das músicas mais amadas da história do rock. De clássicos setentistas do Pink Floyd como “Comfortably Numb” e “Wish You Were Here” a faixas de sua carreira solo, como “The Bravery Of Being Out of Range”, a máquina do tempo será acionada em uma jornada que promete ser nostálgica, cativante e, sobretudo, emocionante. 

Visual impactante

Waters é conhecido por suas produções grandiosas e visuais impressionantes. Então você pode esperar um espetáculo audiovisual que combine música, projeções cinematográficas, efeitos especiais e aquela megailuminação incrível. Cada detalhe é cuidadosamente elaborado para criar uma experiência sensorial imersiva que complementa perfeitamente a música comandada por ele ali no palco.

Elementos multimídia 

Ao vivo, Roger Waters também é sinônimo uma combinação habilidosa de música, teatro e arte visual. Os elementos multimídia, como a presença do icônico porco inflável, projeções de vídeo e cenários elaborados, criam um ambiente teatralmente envolvente. Você se sentirá fazendo parte de uma narrativa visual e sonora poderosa que vai se desenrolando diante de seus olhos por toda parte.

Sonoridade apurada

Não é só o lado visual. A sonoridade é estrategicamente planejada. Desde os solos de guitarra arrebatadores até os backing vocals, cada momento executado pelos músicos da banda de apoio é cuidadosamente criado para impactar e emocionar. 

Mensagens de conscientização

Além das canções, o baixista é reconhecido por suas mensagens políticas e sociais em suas performances. Se muitas pútridas pessoas vaiaram e xingaram o músico nas suas últimas apresentações no Brasil por se referir ao ex-presidente como o que ele mesmo representa, hoje vemos a situação política brasileira mais promissora. Em This Is Not a Drill, as projeções visuais fazem um chamado à reflexão e à conscientização sobre questões importantes do nosso tempo, sendo um verdadeiro ato revolucionário, em prol dos direitos humanos e contra a opressão. 

Atmosfera de comunhão

Milhares de pessoas reunidas, compartilhando a paixão pela música e pelas mensagens transmitidas, criam um ambiente de conexão e energia positiva. Por isso, assistir a um show de Roger Waters é entrar em uma atmosfera de comunhão com os fãs e com o próprio artista. Desta vez, muito provavelmente, sem a presença de xiitas pagando ingresso para xingar o próprio ídolo.

Eu te disse, eu te disse!

Lá no começo dos anos 1970 os estúdios Hanna-Barbera lançaram um desenho animado que no Brasil ganhou o título de Carangos e Motocas. Em cada aventura, toda vez que a turma comandada pela motocicleta vilã Chapa tinha um plano mal sucedido contra o mocinh” Willie, um fusca, entrava em cena o mais divertido integrante da trupe dos antagonistas. Representava o bom menino que andava com as más companhias, Confuso, uma motoneta de voz estridente, repreendia o amigos com um irritante “eu te disse, eu te disse!”. A advertência serve como metáfora para a nova vinda do cantor e compositor ao nosso país. Não tem como não imaginar Waters pensando em tudo o que passou por aqui durante os shows da tour anterior Us And Them, que rolaram nos dias que antecederam os dois turnos da eleição presidencial. Deve ser inevitável ver aquele belo sorriso de ironia no rosto, mesmo que cuidadosamente ensaiado para ser mostrado de modo discreto ao vivo.

Music

Titãs – ao vivo

Formação clássica da banda se reúne em Curitiba para duas horas e meia de som, fúria e resgate nostálgico da juventude do passado de seus fãs

Texto por Filipe Silva

Fotos: Vitor Augusto/Divulgação

“Brasileiro é o caralho”, gritou Arnaldo Antunes, envolto em uma nuvem de barulho produzido pelos Titãs nos últimos instantes de “Lugar Nenhum”, segunda música do show da turnê Titãs Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora em Curitiba. Na imensidão monumental da Pedreira Paulo Leminski lotada, neste último dia 10 de junho, a música pareceu soar ainda mais pesada do que quando foi lançada, em 1987, no álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. O grito, quase ao final de uma música que questiona os conceitos de nacionalidade, fronteiras e patriotismo, ecoou pela pedreira como provocação a uma cidade que, nos últimos anos, transformou-se no centro político de um jeito no mínimo questionável de se considerar amor à pátria. “Nenhuma pátria me pariu”, diz a música. Frase gritada com força por todos os quatro vocalistas da banda. 

Dita por um senhor de quase 63 anos de idade, de vida confortável conquistada com próprio trabalho (na banda e em carreira solo), filho da classe média alta paulistana intelectual, pode soar algo patético. Protesto pasteurizado, como disse alguém um dia depois do show. Parece que Arnaldo não está nem aí, como diz a letra da mesma música, assim como Nando Reis, que não deixou escapar oportunidades de chamar os quatro anos de governo Bolsonaro de inferno – foi mais aplaudido do que vaiado por isso, fez o L para as câmeras que exibiam a imagem da banda nos telões do palco e disparou “esse país pirou e tá na hora da gente botar o pé de novo”. Ele meteu o nome de Bolsonaro na lista de patifes e facínoras de “Nome aos Bois”. E, sem querer, instigou parte da plateia ao coro “ei, Bolsonaro, vai tomar no cu”. 

Por uma excursão de 24 concertos – a tour se encerrará em Lisboa, Portugal, no dia 3 de novembro – os Titãs voltaram a ser os Titãs que durante um bom tempo foram a maior banda de rock do país. Sem Marcelo Fromer, morto em 2001, Arnaldo, Nando, Charles Gavin, Paulo Miklos, Branco Mello, Tony Bellotto e Sérgio Britto (o produtor Liminha assume no palco a guitarra de Fromer), o grupo visita boa parte da carreira, com foco nos álbuns gravados antes da saída de Antunes, em 1992, mais algumas faixas de sucesso absoluto registradas após a primeira baixa do grupo. 

Nove das 31 músicas executadas em quase duas horas e meia de show são de Cabeça Dinossauro (1986), disco que flertou com o punk e o pós-punk de Clash e Gang Of Four e botou a banda no andar de cima do rock nacional. “Estado Violência”, “Igreja”, “Polícia”, “Porrada”, “Homem Primata”, “Bichos Escrotos”, cutucadas em instituições, se não deixam de soar como revolta juvenil de garotos bem criados de 20 e poucos anos na década de 1980, transmitem também certa dose de raiva que passou a fazer sentido. É a tal da “hora de botar o pé de novo” de Nando.  

Paulo Miklos e Sérgio Britto

Se em dezembro do ano passado, os Titãs atuais – compostos por Branco, Bellotto e Britto mais Beto Lee (guitarra) e Mario Fabre (bateria) – se arrastaram no palco da mesma Pedreira durante cerca de 50 minutos de apresentação no Prime Rock Brasil Curitiba em uma apresentação constrangedora, a de 10 de junho vingou o fracasso. É como se a volta temporária de Arnaldo, Nando, Miklos e Charles revigorasse o núcleo que ainda insiste em manter o nome na ativa. 

set acústico soou protocolar. É aquela necessidade de agradar aos diversos públicos; há quem prefira baladas, pra acender aa lanternas dos celulares e cantar junto. Mas também pode ser o momento de respiro que senhores, já todos na casa dos 60, precisam pra segurar mais de duas horas na mesma energia de quando tinham 30 anos. O palco é remontado e a banda se posta no formato da gravação do Acústico MTV (1997). Alice Fromer, filha de Marcelo, foi introduzida ao público por Arnaldo. Juntos, cantaram “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”, dos dois primeiros álbuns. O público se emociona, como também se emociona ao ouvir Branco informar, rouco, que está curado de um tumor na garganta, dizer que está feliz ao estar na turnê ao lado de “amigos de uma vida toda” e cantar “Cabeça Dinossauro”, “Tô Cansado”, “32 Dentes”, “Flores” e mais os backing vocals nas outras faixas – ele ainda tocou baixo nas músicas acústicas. 

“Diversão”, que abriu a noite, “Comida”, “Miséria” e “Sonífera Ilha”, que fechou, empolgaram. “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” soou com fúria maior do que no álbum homônimo. “Eu Não Sei Fazer Música”, também cantada por Branco, foi a única de Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, disco de 1991 que, deu o trocadilho para o subtítulo da tour (batizada Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora). Não veio nenhuma de Titanomaquia, o disco grunge, de 1993, o primeiro sem Arnaldo. Das mais pesadas, “Lugar Nenhum”, “Cabeça Dinossauro”, “Porrada” e “Bichos Escrotos” estiveram entre as melhores da noite. “Televisão” foi como uma cápsula do tempo, quando os Titãs substituíam o brega por um jeito próprio de fazer new wave.

Na área vip, as atrizes Malu Mader e Ângela Figueiredo (respectivas esposas de Tony e Branco, dançavam) registravam trechos do show com o celular e trocavam ideias com Alice Fromer (que depois de cantar, desceu do palco para ver a performance) e Ana Cristina Martinelli (mãe de Alice e viúva de Fromer). Na Pedreira, homens e mulheres acima dos 40 anos, alguns casais com filhos adolescentes, encontraram o que procuravam: duas horas e meia de um retorno à juventude, entregues com a mesma fúria dos tempos em que o rock brasileiro ainda sustentava a relevância que deixou pelo caminho nas últimas duas décadas. Nostalgia e cultura pop andam de mãos dadas. Os Titãs sabem disso.

Set list: “Diversão”, “Lugar Nenhum”, “Desordem”, “Tô Cansado”, “Igreja”, “Homem Primata”, “Estado Violência”, “O Pulso”, “Comida”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, “Nome Aos Bois”, “Eu Não Sei Fazer Música” e “Cabeça Dinossauro”, “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo”, “Pra Dizer Adeus”, “Toda Cor”, “Não Vou Me Adaptar”, “Família”, “Go Back”, “É Preciso Saber Viver”, “32 Dentes”, “Flores”, “Televisão”, “Porrada”, “Polícia”, “AA UU” e “Bichos Escrotos”. Bis: “Miséria”, “Marvin” e “Sonífera Ilha”.

Music

NX Zero

Oito motivos para não perder a nova turnê nacional do quinteto, que está voltando à ativa depois de uma pausa de seis anos

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Cesar Ovalle/Divulgação

Grande sucesso no rock brasileiro dos anos 2000, o NX Zero está voltando aos palcos com sua formação original, composta por Di Ferrero (vocais), Gee Rocha (guitarra), Caco Grandino (baixo), Daniel Weksler (bateria) e Fi Ricardo (guitarra). A tour Cedo Ou Tarde começou em maio e até dezembro irá passar pelas cinco regiões do Brasil – mais informações sobre datas e shows você pode ter clicando aqui.

A banda, que acumula mais de 20 anos de estrada contando este recente intervalo das atividades em conjunto, lançou seis álbuns de estúdio, emplacou diversos hits e é um verdadeiro baluarte da geração emo nacional. Anos depois do boom, o NX Zero anunciou uma pausa nas atividades em 2017. Agora vêm os primeiros shows desde então. Músicas como “Razões e Emoções”, “Daqui Pra Frente”, “Pela Última Vez”, “Hoje o Céu Abriu” e a própria “Cedo ou Tarde” – que foram a trilha sonora de adultos, outrora jovens apaixonados e descrentes da vida amorosa – voltam a ser executadas ao vivo pelo quinteto.

“A gente está muito empolgado. Ficamos nos olhando, lembrando, parece que foi ontem que a gente deu uma pausa. Estou sentindo que vai ser um dos momentos mais incríveis das nossas vidas. Depois de várias histórias que cada um viveu nesse tempo, vamos trazer essa bagagem pra essa tour. Não vejo a hora de tocar”, contou Di Ferrero sobre o retorno aos estúdios para ensaiar para este giro nacional.

Por isso, seja pelo gatilho emocional, saudosismo ou apenas por querer participar de tudo, aqui citamos oito motivos para não perder, de jeito nenhum, a tour Cedo ou Tarde.

Reencontro com o seu eu adolescente 

Aquele rapaz ou garota de 15 anos que ficou lá no passado certamente estará orgulhoso de você. A turnê promete trazer um set list repleto de sucessos que marcaram a carreira do NX Zero. Prepare-se para cantar junto e relembrar os hits que embalaram aquela geração.

Energia contagiante

Os shows do quinteto sempre foram conhecidos pela energia intensa e entrega total da banda. Não importa se foi em 2001, 2004, 2007, 2017 ou se será agora em 2023: certamente haverá uma experiência eletrizante, durante a qual você se sentirá parte de algo maior, do seu passado ou até mesmo do presente.

Pura nostalgia

As letras do NX Zero sempre abordaram temas profundos, relevantes e intensos. Por isso, que tal aproveitar o reencontro para refletir sobre a vida, os desafios e as emoções que todos nós enfrentamos àquela época? Será que hoje é aquilo que você esperava?

Impacto cultural (leia-se o emo nunca morreu)

As pessoas podem falar o que quiser, mas é inegável que esta é uma das bandas mais influentes do cenário musical brasileiro. Seja pelo seu passado, pelos sucessos que se cravaram no íntimo de milhões de jovens ou pelo rebuliço que gerou o anúncio da atual turnê, o NX Zero moldou boa parte da sociedade contemporânea deste país. Pelo jeito, o emo nunca morreu: apenas estava adormecido no peito do agora jovens adultos.

Produção de alta qualidade

Espere um espetáculo visualmente impactante, com luzes, cenários e efeitos especiais que tornarão cada concerto uma experiência única. Segundo a organização da turn6e, este show irá explorar a interação com público e a criatividade no uso de led, conteúdo e tecnologia.

Momentos inesquecíveis

Os shows do Nx Zero são conhecidos por proporcionar momentos inesquecíveis aos espectadores, que sempre saem mexidos ao final. Seja cantando em coro, pulando junto com a banda ou se emocionando com uma balada especial, cada momento vivido é para ser guardado na memória para sempre. Pergunte a quem é fã.

Amostra grátis

Quem assistou in loco aos shows do festival Mita dias atrás (ou viu pelo streaming e TV a transmissão do fim de semana no Rio de Janeiro pela dobradinha de canais Bis e Multishow) pode atestar. Um dos headliners da escalação nacional, o grupo mostrou que está bastante afiado e com as baterias recarregadas para percorrer boa parte do território nacional nessas viagens. 

Saia do isolamento virtual

Em tempos de isolamento virtual da humanidade, nada se compara à experiência de assistir a um show ao vivo. A energia da plateia, a interação com os fãs e a entrega dos músicos no palco criam sempre uma atmosfera única e inesquecível. O tempo pode ter passado se você é de uma geração antiga, mas sempre vale a pena se reconectar com seu interior de nem menor idade. Se você já nasceu com um mouse na mão, tente descobrir as maravilhas que vivíamos antes de toda essa tecnologia de comunicação viciar a gente.

Music

Lulu Santos – ao vivo

Show realizado no dia do aniversário de 70 anos do artista mostra erros e acertos e dá início à nova turnê Barítono

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: Reprodução

Lulu Santos nunca foi um cantor na acepção da palavra. Tem afinação, noção e inteligência vocais mas ele sempre foi mais notável por conta de sua impressionante capacidade de compor canções de sucesso do que por cantá-las. Tudo bem, vários artistas são assim. A gente entende, compreende e aceita. Porém, à medida que o tempo passa, determinadas questões tendem a ganhar mais importância e, no caso de Lulu, passam a atrapalhar. A estreia de seu novo showBarítono, via especial no Multishow e Globoplay, exibida no dia 4 de maio, quando ele completou 70 anos de idade, mostrou que Lulu, infelizmente, tem uma capacidade vocal bastante reduzida hoje em dia. Mesmo mudando o tom de algumas canções, mesmo usando backing vocals, a impressão que se tinha era que ele explodiria as veias do pescoço.

Tudo bem, novamente. A gente sabe, a gente entende. Como disseram nas redes sociais, “Lulu tem 70 anos, isso deve ser levado em conta”. Ora, então o que fazemos com outros artistas que, mesmo depois desta idade: seguem nos palcos com capacidade pra lá de razoável?  Nem precisa ir muito longe: o que dizer de Maria Bethânia ou do próprio Caetano Veloso, que, como Lulu, também nunca teve grande capacidade vocal? Ou Guilherme Arantes, o finado Erasmo Carlos… Enfim, o fato é que o próprio Lulu percebeu e admitiu o fato, como revelou à apresentadora Fátima Bernardes em entrevista prévia: “Algumas canções dos meus primeiros dez anos de carreira ficaram muito complicadas para cantar”.

Lulu se saiu bem em momentos como “Aviso Aos Navegantes” e “Um Pro Outro”, cujos arranjos comportaram melhor seu registro atual, gravíssimo. Aliás, as escolhas no set list comprovaram outro dado crucial sobre sua carreira: sua capacidade de escrever sucessos se esgotou no início dos anos 2000. Nos 20 anos seguintes, sua fonte parece ter secado. Tudo bem que o álbum mais recente, Pra Sempre (2019), tem sonoridade respeitável e, pelo menos, duas belas canções: “Orgulho e Preconceito” (que entrou no set list) e a faixa-título, mas nunca poderiam ser comparadas a sucessos de outros tempos. Sendo assim, a mais recente que surge no roteiro deste show é “Já É”, de 2003, que, para compensar o fato, é uma das mais inspiradas criações da carreira do homem e foi hit enorme.

De resto, as canções com Gabriel O Pensador (“Astronauta” e “Cachimbo da Paz”, cantadas pela dupla nessa noite) e “Janela Indiscreta” (num bom resgate de repertório), todas do Acústico MTV, lançado em 2000, são as mais recentes se não for levada em conta também a inédita “Presente”. O forte se concentrou nos anos dourados da década de 1980, quando Lulu, de fato, foi absoluto. Porém, mesmo com canções do calibre de “Casa”, “Condição”, “Satisfação”, “Tempos Modernos”, “Um Certo Alguém”, “A Cura” e várias outras no bolso do colete, a questão do registro vocal puxou a coisa para baixo. Pelo menos para ouvidos mais exigentes. A banda que o acompanha é competente e enxuta, com destaque para o baixista Jorge Ailton – que também ajuda nos backing vocals – e o baterista Sergio Melo, que segura a onda com firmeza e joga para o time, mas não consegue driblar a limitação vocal. Em tempo: se há algo realmente notável na banda, é o próprio Lulu, que segue como um dos grandes guitarristas da história do pop rock nacional em todos os tempos.

No Teatro Multiplan (RJ) com a plateia com vários globais – que iam de integrantes da Central Globo de Jornalismo a pessoas como o chef Felipe Bronze, o cantor Leo Jaime, o genial comentarista carnavalesco Milton Cunha e uma procissão de rostos novos que me pareceram absolutamente desconhecidos –, o clima do show era de uma grande festa da firma, com um convidado especial, que também é da firma (lembrem-se, desde 2012, Lulu Santos é jurado do The Voice – ironia define).

Lulu é artista competente e dono de uma carreira com muito mais acertos do que erros. Torço para que sua turnê Barítono o leve para palcos mais diversos e interessantes.

Set list: “Toda Forma de Amor”, “Um Certo Alguém”, “O Último Româmtico”,  “Janela Indiscreta”, “Adivinha o Quê?”, “Tudo Azul”, “Assaltaram a Gramática”, “Cachimbo da Paz”, “Astronauta”, “De Repente”, “Tempos Modernos”, “Tudo Com Você”, “Esse Brilho em Teu Olhar”, “A Cura”, “Apenas Mais Uma de Amor”, “Um Pro Outro”, “Presente”, “Orgulho e Preconceito”, “Satisfação”,  “Condição”, “Aviso Aos Navegantes”, “Já É”,  “Assim Caminha a Humanidade”, “Lua de Mel”, “Sereia”, “De Repente Califórnia” e “Como Uma Onda”. Bis: “Tudo Bem”, “Certas Coisas”, “Tão Bem”, “Lei da Selva” e “Casa”.