Music

Pitty – ao vivo

Em show de aniversário do álbum de estreia, cantora se emociona com lembranças, se vê madura e poderosa e “ressignifica” o passado

Texto por Marcos Bragatto (Rock em Geral)

Foto de Amanda Respício (Rock em Geral)

Um riff de guitarra bem distorcido quebra o silêncio no palco. Um átimo de segundo depois, o mesmo riff e a mesma distorção que, com as luzes agora acesas, vê-se que vem de uma guitarra atravessada no tronco de uma garota. Não uma qualquer, mas A garota, dona da festa toda e de mais um pouco. Garotas com guitarras costumam seduzir aos borbotões e é assim que dois varões, um de cada lado, juntam-se a ela no meio do palco, ao passo que outro, atrás, espanca os tambores sem dó e assim se faz a mágica do riff no rock’n’roll, condutor principal da tal música. É assim que Pitty, a tal garota com guitarra, comanda o singelo começo de “O Lobo”, a tal música, na noite de 29 de abril, um sábado, em uma Fundição Progresso com gente jorrando pelo ladrão, no Rio de Janeiro.

É o show que marca o aniversário de 20 anos – olhe só, vejam vocês – do álbum de estreia da cantora, Admirável Chip Novo, e o plano é tocar todas as músicas dele e otras cositas mas. É uma turnê revivalista, sim, mas Pitty, dada a rebeldias e não é de hoje, trata logo de desfazer o conceito e dizer que a apresentação é “uma ressignificação, o Chip Novo hoje”. Olhando para o palco, com o cenário criado para essa turnê, dá pra entender. Passarelas laterais com uma outra atrás da bateria, um telão low profile com cortinas sobrepostas ao fundo que recebem efeitos de luz simples, mas bastante eficientes. No começo, a imagem da “garrinchinha de botas e pernas tortas” no telão dá lugar ao mulherão em que ela se converteu que surge já de guitarra em punho, atrás da banda, no alto, detonando em “Teto de Vidro”.

É a abertura do álbum com a tríade matadora que tem ainda “Admirável Chip Novo” e a entrada de bateria, agora conduzida por Jean Dolabella (do Ego Kill Talent e com o Sepultura no currículo), e “Máscara”, coisa de arrasar quarteirão. E é isso que acontece com o povaréu que não se incomoda nem um pouco em participar, em frenético pula-pula e cantando tudo a plenos pulmões. As músicas são intervaladas por trechos de conversas da pequena Pitty (em ligação a cobrar de Salvador para o Rio) para tratar do envio do material que se tornaria esse disco e ainda se impondo ante a interesses da gravadora, que não curtiu, à época, a vontade da cantora de que “Máscara” fosse o primeiro single do disco. O resto é história e é muita história que se passa na cabeça de quase todo mundo ali – há jovens e muitos jovens há 20 anos ou mais, quando Chip Novo saiu.

Assim Pitty se esforça para segurar o choro e suplantar e emoção em várias passagens. Honra seja feita, embora tenha saído dos cafundós de Salvador, foi no Rio, por força da sede da gravadora, que ela deu os primeiros passos na carreira, tocando em tudo o que é canto underground da cidade, muitas vezes para alguns gatos pingados e em condições bem acanhadas, para dizer o mínimo. Diferentemente do trio que a acompanha – além de Jean, tem o ótimo guitarrista Matin Mendonça e o baixista Paulo Kishimoto – ela viveu tudo isso, o que carrega o espetáculo com mais emoção ainda. Pena que, nesse show, não tenha entrado nenhuma citação aos guerreiros da época: o guitarrista Peu, falecido em 2013; o baixista Joe, desafeto depois de questões levadas à justiça trabalhista; e o batera Duda.

show de íntegra do disco segue o desafio de tocar músicas que podem não ser tão conhecidas assim e que não eram executadas com frequência ao vivo nem na época em que foram lançadas. E também de tocar ou não todas elas na ordem em que foram gravadas – porque uma coisa é bolar uma sequência de disco, outra é de como apresentá-las no palco. É claro que Pitty foi na decisão corajosa de manter a ordem do CD, respaldada pelo fato de nada menos que cinco singles terem sido lançados na época, todos com boas execuções radiofônicas, em um tempo em que isso fazia a diferença. E, no fundo, no fundo, ela sabe que fã da Pitty – fã de rock – é quase sempre do tipo que conhece tudo. É o que acontece com a cantoria comendo solta em praticamente todas as músicas, em umas mais, noutras menos. E ainda tinha aqueles esperando justamente as menos tocadas ao longo da carreira.

Como por exemplo “Do Mesmo Lado”, rock enguitarrado dos bons, no qual Pitty canta “escondida” atrás de uma cortina branca e recebe focos de luzes coloridas, de modo que sua silhueta aparece distorcida e borrada, de acordo com os movimentos, em excelente efeito visual. Dá pra lembrar que “Só de Passagem” é uma pedrada nu metal das boas, e aí brilha Dolabella detonando na bateria; e a já citada “O Lobo” vira um rockão daqueles de obediência ao riff. Dentre os hits, vale destacar a lentinha “Equalize”, não pela música em si, mas por evidenciar uma Pitty bem resolvida com a sensualidade que parecia lhe incomodar. Se antes tinha dificuldade até para cantar uma letra mais de relacionamento/romântica, hoje desfila o corpo de modo soberano pelo palco e não só nessa música. E ainda recomenda ao público que “solte a pélvis”. É a tal da – repita-se – menininha convertida em mulherão.

O show é todo fechadinho em 1h40 e bolado para ser mesmo especial. É repartido em três blocos. Se o primeiro tem as 11 músicas do álbum Admirável Chip Novo, o segundo traz um complemento da época, com “Seu Mestre Mandou”, espécie de sobra, que se converte em nervoso hardcore dos tempos do Inkoma, e três covers, com destaque absoluto para “Love Buzz”, da banda holandesa Shocking Blue, eternizada na voz de Kurt Cobain, do Nirvana. No bis, é a hora da representatividade dos outros álbuns da cantora. Aí realçam “Memórias”, esticada com uma jam session em que cada músico é apresentado e sola em seu instrumento e tem Pitty refestelada no solo, e o arremate com “Me Adora”, a canção mais pop/colante dela e talvez a de maior sucesso, para terminar a altíssimo astral.

Em suma: o show é verdadeiro espetáculo planejado para uma ocasião especial e que tem vida própria. O que lhe dá, e antemão, o status de imperdível.

Set list: “Teto de Vidro”, “Admirável Chip Novo”, “Máscara”, “Equalize”, “O Lobo”, “Emboscada”, “Do Mesmo Lado”, “Temporal”, “Só de Passagem”, “I Wanna Be”, “Semana Que Vem”, “Seu Mestre Mandou”, “Sailin’ On”, “Love Buzz” e “Femme Fatale”. Bis: “Setevidas”, “Memórias”, “Na Sua Estante” e “Me Adora”.

Movies

A Baleia

Darren Aronofosky volta a incomodar com um espetacular Brendan Fraser como um professor em desenfreada busca pela não existência

Texto por Taís Zago

Foto: Califórnia Filmes/Divulgação

Samuel D. Hunter escreveu A Baleia tendo sua própria vida e trajetória como inspiração. Nascido em Moscow, Idaho, ele foi compelido a se assumir gay já na adolescência, sofreu com a homofobia provinciana e suas mazelas emocionais refletiram em um ganho rápido de peso durante os anos de universidade. Então, Samuel cria em A Baleia um “e se…” caso ele tivesse continuado o caminho que estava posto diante de si. Darren Aronofsky assistiu à peça em uma de suas muitas apresentações e rapidamente vislumbrou no roteiro material rico para um longa-metragem.

Para os que estão familiarizados com a obra cinematográfica de Aronofsky não é segredo algum que o diretor, roteirista e produtor se expressa, não raramente, usando os extremos dos comportamentos humanos. Ora aborda o vício em drogas em obras como A Vida Não É Um Sonho (2000), ora as profundezas da alma humana como em Cisne Negro (2010). Também não é raro em seu oeuvre uma jornada de modificação corporal baseada na busca de aceitação e fama que acaba por deteriorar lentamente seus personagens, como em O Lutador (2008). O ponto convergente de sua obra é uma visão desiludida do humano, o que não raramente nos arrasta a lugares incômodos e quase insuportáveis dentro de nossas cabeças.

Em A Baleia (The Whale, Estados Unidos, 2022 – Califórnia FIlmes), Aronofsky e Hunter trabalharam juntos para transpor dos palcos para o cinema toda a gama de sentimentos de Charlie, interpretado brilhantemente por Brendan Fraser, um homem solitário que vem seguindo um caminho sem volta de deterioração física, emocional e psicológica desde a perda de seu grande amor e companheiro de vida. Charlie é um excelente professor universitário de ensaios literários, ministra suas aulas via EAD, mas nunca permitiu a seus alunos que o vissem pela câmera. Há muito tempo Charlie não sai de casa, não cuida da saúde, não vê muitas pessoas. Uma de suas grandes dores foi o seu afastamento compulsório da filha, na época com 8 anos de idade, por ele ter assumido uma relação homoafetiva com um de seus estudantes. Tudo em Charlie é machucado. Apesar do foco em sua aparência como alegoria para a ruína, a parte mais evidente da tremenda dor que carrega é revelada pelos olhos e pela voz. Ao seu lado, tem a fiel amiga Liz (Hong Chau), uma enfermeira que o acompanha e tenta fazer os seus dias o mais confortável possível sem criticar com clichês e sem esmiuçar os motivos. Liz os conhece bem, mesmo que no fundo ela não queira aceitar o caminho escolhido por ele.

O filme, mesmo antes de ser lançado, gerou uma onda de críticas em relação à patologização da obesidade e do uso das chamadas fat suits (trajes de gordura) que os atores vestem para interpretar pessoas gordas e que muitas vezes já contribuiu para o estigma do grupo com representações em filmes de gosto duvidoso – como O Professor Aloprado (1996), com Eddie Murphy interpretando diversos personagens usando fat suits como uma característica depreciativa, ou em comédias românticas como O Amor É Cego (2001) com Gwyneth Paltrow, onde, bem, o titulo em português é autoexplicativo. Não foram raras as alegações de crueldade e de voyeurismo da obesidade. Aronofsky não é famoso pela sobriedade de suas representações. Ele procura sempre o limite, o que, às vezes, pode beirar uma caricatura de mau gosto. Tanto que A Baleia foi classificada como uma espécie de fat horror por uma ala da crítica. 

Sabendo isso de antemão, apelei para um artifício ao assistir A Baleia – reduzi a luminosidade da minha tela, diminuindo assim a importância e o impacto da apelação visual e concentrando apenas nas vozes, e, algumas vezes, nos olhares. E só pude chegar a uma única conclusão: Brendan Fraser é espetacular. Desconectando a caracterização, o que nos resta é uma alma partida de alguém que perdeu completamente o interesse de continuar vivendo. O que sentimos é um ser humano em rota de colisão irremediável e desesperançada. E nesse caminho pouco importa o figurino, a maquiagem ou o método escolhido para se alcançar o objetivo, quer seja ele por meio de drogas, comida, ausência de comida, sexo ou qualquer outra forma de se obter o resultado desejado – a não existência.

A dor de Charlie é profunda demais para ser remediada. O luto diário que mantém pelo seu amor perdido de forma violenta é insuperável, a ausência da filha e a culpa que o ronda de forma repetitiva o oprimem. Charlie tanto ruminou suas dores que se entregou a elas. O ponto de retorno já foi há muito abandonado. A depressão retirou a luz quase que completamente de sua rotina. E é exatamente nessa reta final de sua jornada que ele faz um último esforço desesperado para reatar o contato com sua filha Ellie (Sadie Sink), uma adolescente, que segundo as palavras da própria mãe (Samantha Morton, em aparição relâmpago) é simplesmente uma menina má. Charlie se nega a acreditar nisso. Mesmo em toda a escuridão em que vive, ele ainda nutre a esperança na luz de Ellie. Da mesma forma acolhe Thomas (Ty Simpkins), jovem que escolheu pregar a palavra de Deus como sendo a forma irrefutável da salvação humana.

A Baleia, em parte por ser uma dramaturgia adaptada do teatro, é encenada com poucos personagens, tendo como única locação a casa de Charlie e, na maioria das cenas, apenas sua sala de estar. A fotografia é escura em quase sua totalidade, em parte para cooperar com os esforços de tornar a caracterização física mais verídica, mas também como alegoria da profunda depressão do protagonista. A música segue o mesmo caminho, assim como a edição. Tudo nos conduz para a melancolia e para a desesperança. Aronofsky sendo Aronofsky, portanto.

A Baleia é uma tragédia humana real sendo arrastada para o macabro, uma câmara de vácuo e ausência de luminosidade, um palco trágico, uma jornada de redenção e purificação por meio do sofrimento e do sacrifício. Poderia não ser assim, como aponta Samuel ao falar de seu roteiro, mas foi. Brendan Fraser recebeu o merecidíssimo Oscar de melhor ator, preenchendo todos os requisitos que Hollywood busca: um protagonista que retorna das cinzas após ser massacrado e abandonado pela indústria cinematográfica; um roteiro tenso, teatral e dramático; e um personagem que requer modificações físicas complexas da parte do ator para ser interpretado.

Movies

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Comédia sci-fi com onze indicações ao Oscar é uma experiência absurdamente psicodélica e reflexiva sobre o sentido da vida

Texto por Taís Zago

Foto: Diamond/Divulgação

Infelizmente não consegui assistir a esta maravilha na grande tela do cinema quando estreou em junho de 2022 no Brasil. Depois demorei até encontrar o filme para assistir em algum canal de streaming e quase por acaso, quando já tinha até esquecido, acabei topando com ele num canal de streaming. Nisso, sem ter planejado, fui sugada com força total para dentro nessa experiência incrivelmente psicodélica e frenética.

Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo (Everything, Everywhere, All At Once, EUA, 2022 – Diamond) tem o enredo mais simples e igualmente mais complexo que existe – relações familiares. O cotidiano dos imigrantes chineses Evelyn (Michelle Yeoh) e Waymond (Ke Huy Quan) – um casal dono de uma lavanderia e com encrencas com o imposto de renda – e da filha deles Joy (Stephanie Hsu) – uma garota lidando com sua identidade sexual e objetivos futuros – acaba virando uma bagunça quando Evelyn começa a ser confrontada com diversas realidades paralelas em distintos universos que, materialmente, representam as inúmeras formas como poderia ter sido sua vida caso tomasse diferentes decisões e atitudes em dados momentos. 

Do nada, um Waymond, como que estranhamente carregado por um comando no corpo de seu marido, aparece de uma outra dessas realidades, a aborda e fala, entre outras coisas, que ela está sendo (ou provavelmente será) perseguida por uma entidade chamada Jobu Tupaki. A partir daí e com instruções no mínimo bizarras dadas pelo seu marido “alternativo”, Evelyn começa a viver em uma espécie de sonho lúcido com flashes de todas as suas personalidades e vidas possíveis dentro de um metaverso interminável e constantemente em movimento que muito se assemelha a um videogame. E nele é possível desbloquear poderes especiais ao resolver tarefas estapafúrdias e irracionais como cortar os próprios dedos com papel ou engolir objetos inanimados. 

A obra escrita e dirigida pela dupla Dan Kwan e Daniel Scheinert é uma viagem quase inexplicável e incompreensível de imagens, referências e estilos de representação visual casando elementos bizarros, assustadores, comoventes e hilários em um quebra-cabeça no qual parecem faltar muitas peças. Os Daniels elevam o gênero sci-fi comedy a um novo nível de criatividade. Somos bombardeados com mais imagens do que nosso cérebro consegue assimilar (mais um motivo para rever o filme várias vezes!) em uma carambolage de eventos e vidas paralelas dos personagens que, a princípio, não faz o menor sentido, mas que com o passar do tempo adquire um sentido profundamente filosófico sobre o significado da vida, sobre o que é importante e sobre a nossa insignificância diante do todo em que estamos inseridos como pequenos personagens de um teatro com milhares de possibilidade de finais distintos.

Michelle e Stephanie fazem um trabalho fenomenal ao destrincharem suas diferenças em esferas muito superiores à realidade material. E mesmo assim, no final da jornada, elas são uma mãe e uma filha, no centro de tudo, convergindo a um ponto comum está o amor que elas nutrem uma pela outra. Amor esse que por vezes machuca, gera desconforto, raiva, ressentimento, mas que também é calcado em uma inabalável força que as atrai, uma em direção à outra, como um imenso imã existencial. Para completar o deleite no elenco, ainda temos Jamie Lee Curtis no papel da Deirdre, a vilã/funcionária pública/parceira de Evelyn. Os constantes encontros entre as duas são deliciosos e hilários, Michelle e Jamie mostram toda a sua versatilidade.

A beleza estética e o apuro técnico de Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo são absurdos. Dan e Daniel dominam, de uma forma espetacular, a transposição das suas visões em imagens. Um trabalho minucioso, rebuscado e quase obcecado que chega aos mínimos detalhes. A obra, produzida pelo estúdio A24, famoso pelos seus filmes art house, combina cenas de stop motion e animação digital com entregas viscerais dos atores. No turbilhão das cenas pensei em milhares de coisas, pensei em séries psicodélicas como Legion The Umbrella Academy da mesma forma que senti o romantismo desiludido de um filme de Wong Kar-Wai.

Mas entre todas as reflexões que essa obra que abocanhou onze indicações para o Oscar 2023 me causou teve uma, a mais forte e que talvez não seja tão clara à primeira vista: ela me fez pensar no conceito de que podemos (e vivemos) diversas vidas onde os mesmos personagens estão presentes e atuantes em papéis diferentes, em diferentes universos ou, para os mais iluminados, épocas. Um tom de espiritualidade transcendental, digital ou de alteração da consciência, como uma cereja nesse bolo deliciosamente multicolorido.

Series, TV

The White Lotus

Segunda temporada da série que explora a aventura no mundo do turismo luxuoso e sua fauna desconcertante encanta os olhos

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/DIvulgação

Eu preciso confessar para vocês que a primeira temporada de The White Lotus, vencedora de onze Emmys em 2022, à primeira vista, não me empolgou muito. O elenco é inegavelmente espetacular, em especial as atuações de Murray Bartlett como Armond (o gerente da filial havaiana da franquia de hotéis de luxo) e Jennifer Coolidge, como a insensível, autocentrada e deprimida milionária Tanya. O enredo sob o sol escaldante do Havaí, apesar de multifacetado, causou-me incômodo, talvez pela simplicidade dos seus temas. Possivelmente, também, eu não tenha levado em consideração que durante sua concepção e realização estávamos vivendo tempos pandêmicos – o auge da produção data de meados de 2021, e, dadas as condições e as restrições internacionais e sanitárias, foi feito um esforço para criar um conteúdo de qualidade da forma mais segura e rápida possível. O ator, autor, produtor e diretor Mike White, mais conhecido por ter escrito especialmente para Jack Black o blockbuster Escola de Rock (2003), conseguiu criar uma trama em um ambiente relativamente hermético – a cadeia White Lotus é uma espécie de Club Med do nouveau riche norte-americano – e unir de forma interessante drama e humor macabro com bastante equilíbrio.

Na segunda temporada de The White Lotus (EUA, 2022 – HBO Max), com maior liberdade tanto criativa quanto espacial, Mike nos leva para a sede siciliana da cadeia da flor exótica. Temos diante de nós uma nova equipe de funcionários locais trabalhando no hotel e novos hóspedes a serem paparicados sem restrições. O formato da série nos lembra uma versão Upstairs, Downstairs (1971) contemporânea – sucesso britânico da década de 1970 cujo formato televisivo influenciou várias produções, entre elas a festejada série Downtown Abbey (iniciada em 2010), onde os dramas da crew do hotel têm o mesmo peso na narrativa dos dramas dos privilegiados visitantes.

Como personagens recorrentes da primeira temporada temos apenas a confusa Tanya (Jennifer Coolidge) e seu “novo” marido Greg (Jon Gries). Tanya chega ao encantador resort com uma nova assistente a tiracolo, Portia (Haley Lu Richardson). Junto a ela no barco estão dois casais de jovens amigos milionários – Cam (Theo James) e a esposa Daphne (Meghann Fahy), Harper (Aubrey Plaza) e o marido Ethan (Will Sharpe), completando a trupe dos bem-sucedidos temos os Di Grasso – o pai Domenic (Michael Imperioli), o avô Bert (F. Murray Abraham) e o filho/neto Albie (Adam DiMarco). Na frente do comando dos funcionários do hotel fica a gerente italiana Valentina (Sabrina Impacciatore), que nessa temporada assume o papel que Bartlett interpretou na primeira temporada. Completam o elenco ainda as duas garotas de programa locais Luccia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Grannò). 

Mike White não nos economiza no quesito encontros e desencontros. O roteiro possui várias reviravoltas e requisita a nossa atenção aos detalhes, às vezes, escondidos nas próprias imagens paradisíacas e objetos luxuosos. Repetindo o formato da primeira temporada, iniciamos essa jornada com mais corpos sendo encontrados. Do primeiro capítulo, então, voltamos no tempo até a chegada dos turistas ao hotel onde percorremos todo o caminho de volta à cena inicial. Um formato que vagamente lembra a antiga série Ilha da Fantasia, onde os visitantes usam suas férias para trabalhar seus problemas pessoais, dificuldades de comunicação, mistérios e conflitos familiares que a rotina do dia a dia teimava em enterrar.

As atuações são um deleite à parte. Todos os atores italianos merecem aplausos de pé, principalmente Sabrina, Simona e Mia. A leveza e a pungência do humor desse país dão à segunda temporada exatamente o tempero exótico que faltou à antecessora. Gargalhamos do absurdo, assim como gargalhamos do desespero. Ao mesmo tempo nos comovemos e somos encantados por um charme tão natural e genuíno que pensamos que em Taormina, o pitoresco vilarejo siciliano, tudo é permitido.

Visualmente, The White Lotus é uma série de tirar o fôlego. A fotografia, a música, a ambientação, tudo nos leva a viajar pelo mundo do luxo dos resorts e dos cenários de nossos sonhos. É o olhar do turista e, portanto, também há um amontoado de clichês bem selecionados, como um catálogo de uma agência de viagens. A Sicília nos é mostrada pelos olhos encantados dos norte-americanos – com vulcão, praias de água turquesa, palazzos decadentes cobertos de ouro e pinturas renascentistas, vinhedos e ilhas rochosas cheias de mistério. White também não poupou recursos para nos alimentar os olhos. Por outro lado, também não economiza recursos ao esfregar na nossa cara a amargura, a feiúra e a traição latentes no âmago de seus personagens. De novo, não existem aqui mocinhos e bandidos: existem pessoas que ora nos encantam ora nos causam repulsa com suas atitudes. E nós, de uma distância segura, rimos muito de tudo isso.

Em uma entrevista recente, o criador explicou que o tema da primeira temporada no Havaí foi o amor, o da segunda na Sicília foi o sexo e que o da terceira será a espiritualidade. Com isso, já nos deixa na expectativa de qual paraíso desse mundo será o novo destino e na certeza da confirmação da produção da próxima aventura no mundo do turismo luxuoso e sua fauna desconcertante.

Movies

E.T. – O Extraterrestre

Quarenta curiosidades sobre o clássico de Steven Spielberg que há 40 anos estreava nos cinemas brasileiros

Texto por Carolina Genez

Fotos: Universal Pictures/Divulgação

Um dos marcos do cinema pop, E.T. – O Extraterrestre (E.T., The Extra-Terrestrial, EUA, 1982 – Universal Pictures), completou 40 anos de lançamento no Brasil no último dia 25 de dezembro. O filme é até hoje lembrado com grande apreço e emoção por ter conseguido conquistar tanto as crianças quanto os adultos. O longa, assinado por Steven Spielberg, consolidou nas grandes telas, naquele começo dos anos 1980, o termo blockbuster. Passadas quatro décadas de sua chegada, até hoje segue ganhando fãs de novas gerações.

Em homenagem ao aniversário da cultuada obra, o Mondo Bacana elenca 40 curiosidades a respeito dela.

>> E.T. contou com um orçamento estimado de US$ 10,5 milhões de dólares. Bateu recordes de bilheteria, faturando 792,9 milhões de dólares nos cinemas de todo o planeta.

>> O longa, inclusive, ocupou por onze anos o posto de maior bilheteria da História por 11 anos. Foi superado apenas em 1993, por Jurassic Park: Parque dos Dinossauros. Por sinal, outro filme de Steven Spielberg.

>> Este foi um dos marcos da carreira do diretor. Tanto é que a emblemática cena da silhueta do personagem E.T. e o garoto Elliott na bicicleta à frente da Lua foi escolhida para servir como logomarca da produtora de Spielberg, a Amblin Entertainment.

>> E.T. foi indicado a nove estatuetas do Oscar e, 1983, incluindo diretor e filme do ano. Levou para casa quatro delas, todas em categorias técnicas: som, edição de som, efeitos especiais e trilha sonora.

>> As estatuetas de melhor filme e direção em 1983 acabaram ficando com Gandhi. Mas nem mesmo o cineasta Richard Attenborough se convenceu com a vitória nas duas categorias, já que ele considerava o trabalho de Spielberg mais completo.

>> Foi também durante essa premiação que o compositor John Williams, parceiro de Spielberg, conquistou seu terceiro Oscar de trilha sonora. Os outros dois vieram pelos trabalhos realizados em Tubarão (1975) e Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977)

>> As conexões de E.T. com a saga de George Lucas também não param somente aí. Em uma das cenas, Spielberg colocou uma criança vestida de Yoda, com direito até a trilha do personagem também composta por John Williams.

>> Em Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999), Lucas devolveu a homenagem colocando a espécie de E.T. participando de uma reunião do Senado.

>> Ainda sobre o parelho com a saga Star Wars: Harrison Ford (intérprete de Han Solo), quase entrou no filme de Spielberg. O ator chegou a rodar uma breve participação como o diretor da escola de Elliott. Contudo, a cena acabou ficando de fora da edição final. 

>> Ford também foi o responsável por apresentar Spielberg a Melissa Mathison, que viria a se tornar roteirista de E.T. – O Etraterresetre. Os dois se conheceram porque Mathison era namorada do ator e estava presente nos sets de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981), também dirigido por Spielberg.

>> Nas primeiras versões do roteiro, o personagem E.T. seria uma espécie de planta sem gênero.

>> A fisionomia do rosto de E.T. foi criada pelo designer italiano Carlo Rambaldi, tendo como modelos o poeta Carl Sandburg, o físico Albert Einstein, o escritor Ernest Hemingway e um cão da raça pug.

>> Em seus outros filmes o diretor sempre gostou de trabalhar com efeitos visuais e práticos. Além de ter uma parte animatrônica, o extraterrestre também foi interpretado pelos atores Matthew de Meritt, que nascera sem pernas, mais Tamara de Treaux e Pat Bilon, que tinham nanismo.

>> Responsável por dublar o alienígena, o ator Pat Welsh foi escolhido para o papel por causa de sua rouquidão, fruto dos dois maços de cigarro que fumava por dia. O criador de efeitos sonoros Ben Burtt também usou vozes de outras pessoas, incluindo a de Spielberg, para chegar ao timbre do personagem.

>> Durante a história, o alienígena utiliza um comunicador. O aparelho foi construído pelo especialista em ciência e tecnologia Henry Feinberg. De fato, ele funcionava.

>> O boneco custou 1,5 milhões de dólares. Aliás, boa parte do orçamento do filme foi gasto somente para “dar vida” ao personagem E.T.

>> Michael Jackson adquiriu um dos bonecos originais criados para o filme.

>> A versão final ficou tão realista que a atriz Drew Barrymore, que na época de rodar o filme tinha 7 anos, realmente acreditava que E.T. era uma criatura de verdade. Para continuar o encanto dela, o diretor, então, pedia que a produção mantivesse o boneco vivo durante os intervalos.

>> Apesar de muito nova para o ofício, Drew Barrymore improvisou diversas falas dentro do filme. A fala dela quando vê E.T. (“Eu não gosto dos pés dele”) foi tão espontânea que o diretor que decidiu mantê-la no filme. 

>> O papel da pequena Gertie lançou a carreira de Drew Barrymore. Só que a atriz quase não ficou com o papel. Sarah Michelle Gellar e Juliette Lewis também fizeram testes para interpretar a menina.

>> O filme foi gravado em ordem cronológica para passar uma sensação de autenticidade para as crianças do elenco.

>> Antes de chegar em Henry Thomas, Spielberg testou mais de 300 atores para o papel do menino. Thomas conquistou o papel após emocionar o diretor encenando a cena em que Elliott teme que o agente do governo leve E.T. embora.

>> O diretor também optou por rodar grande parte do filme no nível do olhar de Elliott e E.T., justamente para aumentar a conexão entre os personagens e os espectadores. 

>> O sobrenome de Elliott nunca é mencionado. Em uma entrevista de 2015, foi revelado por Spielberg que seu nome completo é Elliott Taylor.

>> Apesar de E.T. – O Extraterrestre ser uma história infanto-juvenil, o diretor chegou a desenvolver uma história de terror para dar base ao filme, com o título de Night Skies.

>> A ideia de uma continuação chegou a existir. A Universal queria muito uma continuação para a história e Spielberg chegou até a pensar em um roteiro. A história se passaria no planeta do alienígena. O projeto, entretanto, acabou sendo arquivado, por medo de “sujar” o original.

>> O diretor fora convencido a fazer um filme infantil por François Truffaut. Segundo o francês, Spielberg também era uma criança.

>> Foi durante o trabalho em Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) que surgiu a primeira premissa do filme. Steven Spielberg ficou intrigado com a ideia do que aconteceria se um alien ficasse para trás aqui na Terra.

>> Naquela mesma temporada de 1982, Spielberg também lançou o filme Poltergeist: O Fenômeno, desta vez assinando apenas o roteiro. Segundo o cineasta, E.T. é uma representação dos sonhos do subúrbio americano, enquanto Poltergeist representa os pesadelos.

>> Em 2002, celebrando o aniversário de 20 anos do longa-metragem, o diretor resolveu alterar uma cena digitalmente para retirar as armas dos policiais que perseguiam as crianças. Anos depois, porém, ele voltou atrás na ideia e deixou a cena como ela era originalmente.

>> Também para celebrar este aniversário de duas décadas, E.T. foi relançado nos cinemas com cinco minutos de novas cenas que ficaram de fora da versão original. Além disso, foram utilizados novos efeitos especiais e uma remasterização digital realizada em todo o longa.

>> Spielberg manteve muito sigilo em torno do filme antes do seu lançamento em 1982. Nem mesmo o responsável por produzir o cartaz de E.T. sabia como era o visual do extraterrestre.

>> Para aumentar o segredo, no começo das filmagens o diretor trocou o nome do filme para A Boy´s Life, para impedir que copiassem o enredo.

>> Para dar mais realismo à cena do hospital, foram contratados médicos e enfermeiros de ofício para examinar o extraterrestre. O diretor ainda pediu que os profissionais tratassem o personagem como um paciente de verdade.

>> Inicialmente o diretor queria usar os chocolates M&M’s pra atrair o extraterrestre em uma das cenas. Só que a marca controlada pela Mars negou a participação por achar que o alienígena iria assustar as crianças.

>> A produção usou então os chocolates Reese’s Peices. Isso fez com que as vendas da marca fabricada pela Hershey Company disparassem.

>> Por conta deste grande sucesso, muitas marcas começaram a pedir que seus produtos fossem usados em filmes. Esse feito também já tinha sido comprovado em alguns dos filmes de 007.

>> Quando lançado em VHS em outubro de 1988, o filme veio com fita, protetores e hubs na cor verde, justamente para diferenciar as cópias originais das piratas. Em homevídeo, vendeu mais de 15 milhões de unidades nos EUA, arrecadando mais de 250 milhões. Durante as duas primeiras semanas nas prateleiras das videolocadoras, E.T. foi alugado mais de 6 milhões de vezes no país.

>> Inicialmente, o longa seria produzido pela Columbia Pictures, porém a produtora achava que o filme fracassaria e o roteiro era muito fraco. O diretor acabou assinando com a Universal Studios, para qual vendeu o script por 1 milhão de dólares. Spielberg ainda cobrou 5% da bilheteria.

>> Tentando construir a trilha do longa, John Williams foi incentivado por  Spielberg a conduzir a orquestra da mesma maneira que faria em um concerto. O diretor, mais tarde, chegou até a reeditar o filme para combinar melhor com a música que hoje é conhecida como uma das mais clássicas obras sonoras do cinema.