Music

Oficina de Música de Curitiba – ao vivo

Homenagem a Paulo Leminski e shows com Fernanda Takai, Maria Alcina, Criolo, Zélia Duncan, Edgard Scandurra, Relespública e Jovem Dionísio

Criolo

Textos por Abonico Smith, Diego Scremin e Janaina Monteiro

Fotos de Cido Marques/FCC (João Egashira + Fernanda Takai, Zélia Duncan + Estrela Leminski + Téo Ruiz, Edgard Scandurra + Relespública, Banda Sinfônica) , José Fernando Ogura/SMS (Jovem Dionísio) e Abonico Smith (Criolo)

Onze dias de incontáveis combinações de 12 notas na capital paranaense. Foram, ao todo, 120 cursos e 180 eventos (mais de uma centena com ingressos gratuitos) promovidos nesta última edição, a 41ª, da Oficina de Música de Curitiba. Entre os dias 25 de janeiro e 4 de fevereiro, números oficiais atestam que mais de 50 mil pessoas (sendo 2 mil só de alunos vindos de todos os lados do Brasil e também do exterior) fizeram parte da Oficina.

O Mondo Bacana esteve presente em sete dos concertos realizados no Teatro Guaíra e conta um pouquinho de como foi cada uma destas noites especiais.

Orquestra à Base de Cordas + Fernanda Takai e Sons Nikkei

Dentre os múltiplos projetos tocados ao mesmo tempo pela cantora e compositora do Pato Fu está o Sons Nikkei, grupo formado por músicos de Curitiba com o objetivo de pesquisar, tocar e espalhar a música de origem japonesa, seja ela do passado ou presente. Além dela e de João Egashira (cabeça da formação e diretor de toda a Oficina), estão outros músicos da capital paranaense. Flauta, shamisen e taikô são instrumentos que, ao se somarem às cordas ocidentais da Orquestra à Base de Cordas do Conservatório de MPB de Curitiba, compuseram um belo mix entre sonoridades orientais e um pequeno resumo da carreira da cantora. No repertório de canções gravadas por Fernanda, destaque para a estreia solo onde homenageava Nara Leão (“Ta-Hi”; “Trevo de Quatro Folhas”) e o disco mais recente (“Love Song”, parceria bilíngua do marido John Ulhoa com a ex-vocalista do Pizzicato Five Mari Nomiya; “Não Esqueça”, um afetuoso recado de pai para filha deixado por Nico Nicolaiewsky, músico gaúcho do duo Tangos & Tangédias) e um inusitado gran finale com a primeira reprodução já feita fora do Pato Fu de “Made In Japan”, prova de que isso não somente é possível como também a troca de timbragens eletrônicas por algo bem mais acústico. Na volta para o bis, a grande homenagem à pedra fundamental da música brasileira contemporânea, o marco zero fonográfico da bossa chamado “Chega de Saudade”. (AS)

Set list: “Oblivion”, “Ta-hi”, “O Ritmo da Chuva”, “Trevo de Quatro Folhas”, “Não Esqueça”, “A Paz”, “Arashi No Osoroshisa”, “Estúdio Nº 1/Melodia Sentimental/O Trenzinho do Caipira”, “The Path of the Wind/Summer”, “Tsugaru Yosare Bushi”, “Miagete Goran Yoru no Hoshi wo”, “Love Song”, “Menino Bonito”, “Odeon” e “Made In Japan”. Bis: “Chega de Saudade”.

João Egashira + Fernanda Takai

Orquestra à Base de Sopros + Zélia Duncan + Estrela Leminski + Téo Ruiz

Dentre as várias atividades exercidas por Paulo Leminski as mais celebradas são de poeta e escritor. Só que ele também deu valorosa colaboração para a música paranaense e curitibana. Instrumentista autodidata e letrista parceiro de muita gente boa, da cidade e de outros estados, que tocava pela capital paranaense nos anos 1970 e 1980, ele teve canções gravadas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Ney Matogrosso, A Cor do Som, Guilherme Arantes, Itamar Assumpção, Zelia Duncan, Arnaldo Antunes e tantos outros nomes de peso da MPB. Por isso seu nome foi o grande homenageado desta 41ª edição da Oficina de Música. Um dos concertos realizados em memória de Paulo e suas obras recebeu no palco do Guairão no sábado 27 de janeiro a Orquestra à Base de Sopro do Conservatório de MPB local mais uma trinca especial de intérpretes: Estrela Leminski, seu parceiro de vida e melodias Téo Ruiz e mais Zélia Duncan. Revezando combinações ao microfone, a trinca mandou transformada em melodias toda a elegância verborrágica do pai de Estrela, como na trinca “Dor Elegante”, “Verdura” e “Sinais de Haikais”, programada ainda para a metade inicial. Esta, por sua vez, revelou-se uma boa mestre de cerimônias, com pequenas intervenções sem deixar o humor de lado (“Ainda penso em fazer uma tatuagem, talvez na testa, com ‘Verdura não foi feita pelo Caetano Veloso’ escrito”, mandou, referindo-se ao intérprete que eternizou a canção). Zélia, segundo Estrela “a pessoa que mais gravou músicas do Paulo”, ainda aproveitou a gentileza de uma brecha na homenagem para cantar duas outras não leminskianas de seu repertório (“Arnaldo Antunes não teria escrito os versos se ‘Alma’ se Leminski não houvesse existido”, disparou, sabiamente). E a noite que começou com dois momentos instrumentais da Orquestra à Base  de Sopros do Conservatório de MPB de Curitiba (duas obras assinadas pelo também paranaense Waltel Blanco, sendo uma chamada… “Estrela”) acabou com outras duas pérolas do homenageado: “Promessas Demais” (canção de abertura de uma novela da Globo na voz de Ney) e “Baile do Meu Coração” (sucesso de Moraes em seu auge pós-Novos Baianos). (AS)

Set list: “Anjos e Vampiros”, “Estrela”, “Dor Elegante”, “Verdura”, “Sinais de Haikais”, “Milágrimas”, “A Você, Amigo”, “Se Houver Céu”, “Luzes”, “Vou Gritar Seu Nome”, “Alma”, “Promessas Demais” e “Baile no Meu Coração. Bis: “Dor Elegante”.

Estrela Leminski + Zélia Duncan + Téo Ruiz

Relespública + Edgard Scandurra

O trio curitibano nunca escondeu que sua influência máxima no rock nacional sempre foi o Ira! Então, a oportunidade de voltar ao palco do Guairão durante a programação de concertos da Oficina de Música também foi a grande chance de rever o grande mestre em cima do palco. Scandurra aceitou e se uniu aos discípulos como o grande convidado daquela noite de 29 de janeiro, uma segunda-feira. No repertório, a grande surpresa: um grande desfile de lados B da carreira do guitarrista (seja com sua clássica banda ou em sua carreira solo discográfica) que, de uma maneira ou de outra, marcam um momento especial de sua vida naqueles anos da metade final da década de 1980. Claro que houve também espaço para um punhado de hits radiofônicos compostos por Edgard e registrados pela voz de Nasi. Na parte autoral que cabia a Moon, Ricardo Bastos e Fabio Elias, um começo matador com os grandes sucessos da Reles emendados logo de cara e sem dar tempo para a plateia respirar (“Dê Uma Chance Pro Amor”, “Nunca Mais”, “Garoa e Solidão”) e algumas canções de performance dividida com o paulistano que tenham a sua mão (“A Fumaça é Melhor que o Ar”, por exemplo, foi lançada em disco apenas pela Reles) ou predileção (“Sol em Estocolmo”, de Fábio, volta e meia é citada por ele como uma faixa que gostaria de gravar) ou participação em disco da Reles (“James Brown”). O set ainda reservou espaço para duas canções sixties do Who, reverência máxima de todos os quatro velhos mods. No fim de tudo, uma apresentação uma tanto quanto contida em jogo de cena, mas esbanjando sentimento em forma de técnica disposta em cada um dos instrumentos. Tanto que o encerramento se deu ao som da instrumental “Rumble”, lançada em 1958 por um dos primeiros heróis da guitarra no rock (Link Wray, considerado o pai dos power chords e do uso de distorção nas seis cordas). Uma curiosidade: nesta noite quem também brilhou foi a tradutora de libras no canto esquerdo do palco. Kerolyn Costa, que também trabalhou como coordenadora de uma equipe de 12 profissionais que esteve presente em mais de 40 apresentações, também era fã assumida da reles e do Ira!. Protagonizou um show à parte ao não economizar na atuação de caras, bocas e gestos para interpretar visualmente os versos cantados ao microfone. (AS)

Set list: “Dê Uma Chance Pro Amor”, “Nunca Mais”, “Garoa e Solidão”, “Minha Menina/Oraçao de um Suicida”, “Minha Mente Ainda é a Mesma”, “Sol em Estocolmo”, “James Brown”, “Capaz de Tudo”, ‘Saída”, “Casa de Papel”, “A Fumaça é Melhor que o Ar”, “O Girassol”, “Manhãs de Domingo”, ”So Sad About Us”. “Our Love Was”. “Abraços e Brigas”, “Ninguém Entende um Mod”, “Envelheço na Cidade”, “Eu Quero Sempre Mais”, “Núcleo Base”. Bis: “Dias de Luta” e “Rumble”.

Edgard Scandurra + Relespública

Banda Lyra + Maria Alcina

Ela saiu da Zona da Mata de Minas Gerais há pouco mais de meio século para subverter a ordem da música brasileira. Desafiando limites de gênero e a elasticidade de ritmos musicais, sua carreira sofreu com a implacável censura do regime militar lá no início e nesses últimos anos, entretanto, vem renascendo com uma série de CDs e DVDs ao vivo e de estúdio lançados por selos independentes. Às vésperas de completar 75 anos de idade e ganhar um longa-metragem biográfico no cinema, ela chegou à Oficina de Música como convidada da Banda Lyra e acabou chacoalhando as estruturas do Guairão e fazendo, na noite de terça, 30 de janeiro, um dos concertos mais intensos desta edição. Flutuando com leveza entre samba, choro, tango, rock, MPB e até polca, revisitou faixas gravadas nos dois primeiros álbuns, a fase oitentista de letras de duplo sentido, relembrou o discurso sociopolítico afiado de Caetano Veloso e, claro, terminou levantando alucinadamente a plateia com uma dobradinha de louvação rubro-negra de um então chamado apenas Jorge Ben. (AS)

Set list: “Piazzolla no Choro”, “Bonfiglio à Casa Torna”, : Um Chorinho em Cochabamba”, “A Voz da Noite”, “Eu Sou Alcina”, “Tome Polca”, “Como Se Não Tivesse Acontecido Nada”, “Kid Cavaquinho”, Fora da Ordem”, “Tropicália”, “Romeu e Julieta”, “Alô Alô”, “Chica Chica Boom Chic”, “Bacurinha”, “Prenda o Tadeu”, “Kataflam”, “Camisa 10 da Gávea” e “Fio Maravilha”.

Maria Alcina

Jovem Dionísio

O quinteto que há dois anos tomou de assalto a internet com o megahit “Acorda Pedrinho” teve na Oficina de Música uma grande oportunidade de mostrar que não é apenas uma one-hit band. Jogando literalmente em casa, já que os músicos são de Curitiba, o grupo ainda teve a oportunidade de estrear no Guairão na noite de quarta 3 de janeiro e demonstrar toda a sua energia quando faz um show. O começo se deu com uma projeção de carga emocional, que mostrava a trajetória até aqui por meio de programas de TV e matérias jornalísticas. Depois, o telão usou e abusou de efeitos e filtros mais a própria iluminação do palco. As performances eram muito dançantes, instigando a ginga e o requebrado. Mas no canto esquerdo do mesmo palco estava montada uma salinha, com mesinha e sofá, para dar aquela quebrada e instaurar uma aura mais intimista com arranjos acústicos para “Aguei” (colab com a dupla Anavitória, que, para a decepção de muitos dos presentes, não estava na capital paranaense para fazer aquele feat tão esperado) e “Pontos de Exclamação” (canção responsável pela popularização do grupo, ainda em 2020, iniciada por um momento solo e de improviso do tecladista Ber Hey). Claro que o encerramento se deu com “Acorda, Pedrinho”, uma homenagem ao recém-falecido muso inspirador da letra. O Guairão, todo de pé, não hesitou: jogou-se na dança e cantou em uníssono. (DS)

Set list: “Amigos Até Certa Instância”, “Belnini”, “É Osso”, “Tu Tem Jeito de Quem Gosta”, “Invisível/Não Dá Mais”,  “Copacabana”, “Cê Me Viu Ontem/Pastel”, “Aguei”, “Não Posso Dizer Que Te Amo”, “Algum Ritmo”, “Romance Frito”, “Por Dentro e Por Fora”, “Risco”, “Pontos de Exclamação” e “Acorda, Pedrinho”.

Jovem Dionísio

Classe de Banda Sinfônica

Uma noite de pura nostalgia (para adultos) e magia (para crianças). Foi assim a apresentação da noite de 2 de fevereiro. Sob a regência do maestro e professor Marcelo Jardim, quase 100 jovens talentos participantes dos cursos de Regência e de Prática de Banda se apresentaram para um Guairão lotado. No repertório, clássicos das animações vintage do cinema (sobretudo da Disney, incluindo Branca de Neve), até produções mais recentes do mesmo estúdio (A Bela e a Fera, O Rei Leão, O Corcunda de Notre Dame, Aladdin, Fantasia 2000 e Frozen). Também fizeram parte do programa algumas das chamadas Silly Symphonies (que compuseram uma série de 75 curtas-metragens em animação produzidos por Walt Disney entre 1929 e 1939), obras da Pixar e temas clássicos da TV (Simpsons, Flintstones). Claro que não poderia faltar também “A Pantera Cor-de-Rosa (composição esta que é atribuída a Herny Mancini, mas que teve um bom dedo do paranaense Waltel Branco, na época assistente do americano), popularizada nos anos 1960 pelas aberturas da franquia de filmes protagonizados pelo Inspetor Clouseau. Antes de iniciar o concerto, o maestro Marcelo Jardim destacou a relevância das animações. “Os desenhos tiveram uma grande importância para a qualidade sonora do cinema”, afirmou. Depois, onze alunos conduziram a orquestra, revezando-se na regência com Jardim, que também participou do concerto. A média de idade dos músicos impressionava, com jovens talentos de apenas 20 e poucos anos demonstrando a qualidade e o potencial da formação musical proporcionada pela Oficina de Música de Curitiba. E na penúltima música, “Os Pinheiros de Roma”, a plateia foi surpreendida com músicos posicionados nos balcões, fazendo com o som da orquestra ecoar literalmente por todo o teatro. (JM)

Set List: “Cartoons Overture”, “Disney Fantasy”, “Os Flintstones”, “A Pantera Cor-de-Rosa”, “Os Simpsons”,”A Bela e a Fera”, “Aladdin”, “Os Sinos de Notre Dame”, “O Rei Leão”, “O Pássaro de Fogo”, “Desenhos da Pixar”, “Os Pinheiros de Roma” e “Frozen”.

Classe de Banda Sinfônica

Orquestras da Oficina de Cordas e Sopros + Criolo

Emocionante é pouco para descrever o show de encerramento dos cursos da Oficina de Música. Teve até estudante que participou das orquestras no palco se debulhando em lágrimas ao final da apresentação. Também pudera. Com Kleber Cavalcante Gomes não poderia ser diferente. De fala baixinha e mansa, bom humor extremo e um carisma dos píncaros, Criolo acertou quando, logo no início, declarou que aquele seria um show para ser vivido intensamente e ter cada segundo aproveitado ao máximo. “A batida do coração desse povo vai ajudar na cadência”, disparou lá pelo meio, antes da execução de um dos clássicos mais bonitos do samba, “As Rosas Não Falam’. Por falar nisso, o rapper, que nos últimos anos vem se dedicando a interpretar esse outro gênero em seus concertos, sentou-se à frente e ao centro de alunos escolhidos e regidos pelos maestros João Egashira (cordas) e Paulo Aragão (sopros) para comandar um repertório de excelência no território do samba. Clara Nunes, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Cartola, Pixinguinha, Adoniran Barbosa, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa e Demônios da Garoa estavam entre os autores e intérpretes homenageados no decorrer do set list. A parte das execuções instrumentais, quando Criolo não estava no palco, abriu espaço também para choro e polca, com obras de Jacob do Bandolim (que ressignificou o instrumento de origem europeia que lhe deu parte do nome artístico), Radamés Gnatalli e Ernserto Nazareth. O convidado especial da noite ainda foi agraciado com arranjos especiais para duas de canções autorais e também não conseguiu a emoção por conta disso. No fim da apresentação, um medley com três dos maiores hits do bairro paulistano do Bixiga levantou todo mundo da cadeira e transformou aquele restinho de Oficina em uma grande celebração em uníssono. Mas ainda era pouco: na volta para o bis, um matador gran finale com “Carinhoso” mostrou que certa estava a saxofonista hermana que tentava enxugar as lágrimas a todo instante. Foi não só de arrepiar a interpretação de Criolo. Foi também de fazer chorar. (AS)

Set list: “Pra Naná”, “Canto das Três Raças”, “Menino Mimado”, ”Barracão”, “Palpite Infeliz”, “Vibrações”, “Remexendo”, “Ameno Resedá”, “Agoniza Mas Não Morre”, “Folhas Secas”, “As Rosas Não Falam”, “Dilúvio de Solidão” e “Saudosa Maloca/Tiro ao Álvaro/Trem das Onze”. Bis: “Carinhoso”.

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Men At Work

Oito motivos para não perder o show do grupo que ajudou a colocar o rock australiano no mapa-múndi durante o início dos anos 1980


Texto por Janaina Monteiro

Foto: Divulgação

O que a Austrália tem? Canguru, bumerangue, didgeridoo, kiwi, coala, Crocodilo Dundee e… Men At Work. Sim! A banda que aterrissa novamente no Brasil neste mês de fevereiro é como se fosse uma entidade no país “continental”. Tal qual outras bandas que nasceram em terreno australiano como INXS, Midnight Oil, Bee Gees, Crowded House, Nick Cave & The Bad Seeds, Hoodoo Gurus… E o AC/DC, claro!

Com influências de reggae e sobretudo do pós-punk, o MAW atraiu a atenção do mundo e se tornou um verdadeiro fenômeno na primeira metade dos anos 1980, tendo alcançado mais de 30 milhões de discos vendidos e levado o Grammy de melhor artista novo de 1983. Entre os hits que marcam a história da banda estão “Down Under”, “Overkill”, “Who Can It Be Now?” e “Its a Mistake”. Seus clipes criativos, irreverentes e bem-humorados, fizeram muito sucesso nos anos iniciais da MTV americana.

Apesar de alcançar grande fama mundial, o MAW se separou em 1985. Colin Hay, que era o vocalista e também compositor, guitarrista e baixista, decidiu seguir carreira solo. Em 1996, a banda, como uma dupla, voltou à ativa (sem lançar material inédito), até se separar de novo seis anos depois. Greg Ham (teclados e sopros) morreu em 2012, após perder uma disputa judicial por conta de plágio. Ele fora acusado de ter se apropriado de uma canção folclórica australiana para criar o riff de “Down Under”. Portanto, da formação original sobrou apenas Hay, dono de um timbre inigualável e que agora chega em uma pequena turnê brasileira (Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo) com uma banda de apoio herdada de sua carreira solo – mais informações sobre datas, locais e ingressos você encontra clicando aqui.

Para quem pretende fazer essa viagem ao suprassumo do rock radiofônico daquele começo dos anos 1980, o Mondo Bacana lista oito motivos para não perder o show desses homens (e também duas mulheres) que estão a serviço da boa música pop.                               

Cria dos musicais da TV

Já parou para pensar em quantas bandas você costuma escutar e que vieram daAustrália? Pois é, esse país formado sobre uma gigantesca ilha na Oceania tem uma grande tradição pop, muito por conta de programas televisivos populares no estilo do Top Of The Pops, que faziam sucesso local entre os anos 1970 e 1980. Os adolescentes australianos que viveram essa época curtiam, sobretudo, as bandas britânicas – muitas delas, inclusive, chegavam a gravar vídeos exclusivos para se apresentar nesses programas. Colin Hay e Greg Ham, os cabeças do Men At Work, eram dois destes “discípulos” criados pela TV.

Pós-punk australiano 

O MAW faz parte de uma geração de bandas australianas que surgiram bebendo da fonte do punk e pós-punk norte-americano e britânico daquele finalzinho dos anos 1970. Contudo, deram uma pitada de criatividade aussie, experimentando novos sons à influência “estrangeira”. Muitas bandas da época, como Choirboys, Midnight Oil, Divinyls, Spy Vs Spy e Hoodoo Gurus foram influenciadas por grupos como Cure, Blondie, Television, Talking Heads e Joy Division. O que explica terem produzido discos de alta qualidade no decorrer dos 1980s.

Sucesso no Brasil

O MAW começou a fazer sucesso por aqui no início dos anos 1980, muito por conta dos programas esportivos da TV. E é por causa disso que o som desses grupos australianos foi classificado pelas bandas de cá como surf music. Nessa época, a TV aberta tinha uma tradição de exibir programas de esportes radicais. E, para cobrir as imagens dos surfistas e skatistas, os editores incluíam músicas de artistas australianos que estavam no topo das paradas. Só que o MAW fez tanto sucesso, mas tanto sucesso, que ainda segue aparecendo diariamente na programação de rádios de classic rock de várias capitais brasileiras

Empurrãozinho da Fluminense FM

Por falar em rádios nacionais, o Men at Work estourou no Brasil justamente por causa da Fluminense FM, que foi a grande responsável por impulsionar a carreira de nomes que desenharam o cenário rock dos anos 80 (Blitz, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Lulu Santos, Ultraje a Rigor). A emissora carioca gostava de arriscar e adotava aqueles artistas que eram uma espécie de prediletos da casa. Por isso, no dial, os ouvintes jovens podiam curtir “novidades” como Police, Dire Straits e MAW, por exemplo.  

“Down Under”

Do seu álbum de estreia (Business as Usual, lançado em 1981 na Austrália), o MAW emplacou nas paradas os singles “Who Can It Be Now?” e “Be Good Johnny”. Mas foi “Down Under” que colocou os aussies de vez na boca da galera. O disco é considerado um dos mais bem-sucedidos do rock de lá, tendo vendido mais de 6 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos, onde ficou por 15 semanas no topo da Billboard. A expressão down under é um apelido carinhoso dado à Austrália e se tornou uma espécie de hino extraoficial do país, ao refletir o estilo de vida dos jovens locais. Só que, além do sucesso, A canção trouxe uma dor de cabeça enorme, especialmente para Greg Ham, que chegou a ser processado por ter supostamente plagiado o riff de saxofone. O caso afetou demais a banda e o próprio Ham. Ele acabou perdendo o caso na justiça, passou a ter crises severas de depressão e ansiedade e morreu logo em seguida, vítima de um infarto.  

Sensação no US Festival

Tendo como um dos produtores o próprio Stevie Wozniak, cofundador da Apple, o US Festival, organizado em setembro de 1982 em San Bernardino (Califórnia, EUA), trouxe o Men at Work como uma das atrações principais, que proporcionaram um desfile de sensações do “novo rock”da época (Clash, B-52s, Gang Of Four, Talking Heads, Police, Cars, Oingo Boingo, Ramones). A apresentação de Colin Hay (guitarra e vocais), Ron Strykert (baixo), Jerry Speiser (bateria), Greg Ham (flauta, saxofone e teclados) e John Rees (baixo e violão) foi um marco para a banda e é relembrada na série documental This is Pop, da Netflix. O US Festival trouxe o crème de la crème das bandas de new wave que estavam estouradas nas rádios americanas naquela época. O evento abriu caminho para outros festivais ao redor do mundo. Entre eles, o nosso Rock in Rio, cuja primeira edição seria realizada em janeiro de 1985. 

Estreia brasileira no Rock in Rio

Único sobrevivente da banda, Colin Hay tocou pela primeira vez no Brasil na segunda edição do Rock in Rio. Ele estava em carreira solo e, logo no primeiro dia do festival, enfrentou uma multidão de fãs no Maracanã, que também assistiram naquele 18 de janeiro de 1991 a artistas como Jimmy Cliff, Joe Cocker e o headliner Prince. Para muitos, esta foi a melhor escalação de todos os tempos do RiR. Além de Prince, vieram muitos artistas internacionais que faziam enorme sucesso na época, tanto nas rádios como na recém-inaugurada versão tupiniquim da MTV. Entre estes nomes estavam INXS, A-ha, Faith No More, George Michael, Deee-Lite, Run DMC, Billy Idol, New Kids On The Block, Happy Mondays, Information Society… e o Guns´n Roses, com Axl e Slash debutando em terras brasileiras.  Ê tempo bom de nomes chamados para esse festival

Retomada pós-pandemia

Desde que parou com o Men At Work, Hay seguiu solo e até chegou a integrar por um tempo a All Starr Band, de Ringo Starr. Até que, em 2019, às vésperas da pandemia, decidiu retomar o repertório clássico do MAW com um time de músicos de acompanhamento de palcos e estúdios de Los Angeles, bem ao esquema do que fazem muitas outras bandas famosas por aí. Agora, entre 17 e 21 de fevereiro, eles aterrissam em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba trazendo a nostalgia daquela veia pop dos anos 1980 de um aussie rock cheio de criatividade e irreverência.

Music

Rodrigo Amarante – ao vivo

Ambientação intimista da Ópera de Arame se revela propícia às múltiplas facetas apresentadas pelo artista em turnê do novo álbum solo Drama

Texto por Leonardo Andreiko

Fotos: Janaina Monteiro (cor) e Leonardo Andreiko (p&b)

A noite invernal curitibana, sempre fria e chuvosa, condiciona o público de diversos modos. Cachecol e japona são itens obrigatórios a qualquer morador da capital paranaense. Pegar uma chuvinha do carro até o show – e depois do show até o carro – é rotina nos eventos desse período. Mas o frio não foi suficiente e a Ópera de Arame se aqueceu com a performance de Rodrigo Amarante e sua banda na noite de 17 de setembro, um sábado.

Enquanto a plateia preencheu-se aos poucos, era palpável a antecipação no ar. Sua última apresentação da carreira solo na cidade havia sido em 2013, em turnê com o début Cavalo. Dessa vez, Amarante veio estrear Drama (lançado em 2021) no Brasil, país do qual esteve distante desde a turnê comemorativa Los Hermanos 2019. Naquela ocasião, a banda passou por Curitiba e lotou a Pedreira Paulo Leminski, ao lado do palco em que anos depois se apresentaria.

A ambientação mais intimista da Ópera, com sua arquitetura em metal e vidro, é muito mais apropriada às múltiplas facetas que Rodrigo Amarante apresenta desde o fim dos Hermanos. Assim como em seu novo álbum, o músico começou a performance dessa noite com lançamentos: a instrumental “Drama” (que dá nome ao disco) deu o tom para a entrada dos músicos em palco e logo se sucedeu a vivaz “Maré”, primeiro single do álbum.

No palco com banda completa, Rodrigo apresentou ao público curitibano a veia solar que fez de Drama um trabalho tão distinto de Cavalo, que representava um cosmopolita sem casa, diluído entre vivências. Agora, morador de Los Angeles há anos, o artista volta-se a sua infância e ao eterno conflito da subjetividade com a sensibilidade, o emocional que o homem é ensinado a reprimir conforme cresce. Dessa forma, continuando com “Tango” e “Tanto”, os músicos apresentam essa “nova atmosfera” do disco, que explora seus temas com mais extroversão e grandiosidade que seu antecessor.

Justamente por isso, Drama precisa de mais que um violão branco e a voz de seu autor para preencher os palcos. Acompanhando Amarante, performaram Rodrigo Barba (bateria) e Alberto “Bubu” Continentino (baixo), companheiros de Los Hermanos; Pedro Sá (guitarra), que integrou a Banda Cê, de Caetano Veloso; o músico e pesquisador Daniel Castanheira (percussão); e a multi-instrumentista Nana Carneiro da Cunha (piano e cello). O grupo de peso auxiliou Rodrigo na difícil tarefa de uma plêiade de sentimentos por entre uma vasta discografia, que conta com três bandas (Los Hermanos, Orquestra Imperial, Little Joy) e dois discos solo. E o resultado foi magistral. A energia de “Maná” e “Pode Ser” (Orquestra Imperial) fez vibrar a plateia. Também houve liberdade para experimentalismos na consagrada “Mon Nom” e “Tao”, que foi repaginada sem o naipe de sopros, que deu espaço aos solos da banda.

Ainda, uma pausa da banda abriu espaço para que Amarante, sozinho, iluminado por um único holofote num palco escuro, nos presenteasse com algumas de suas músicas mais tocantes. “Irene”, “Evaporar” (Little Joy) e “The Ribbon” ecoaram em toda a estrutura da Ópera, que só não lacrimejou porque não podia.

A noite integrou perfeitamente clássicos, como “O Vento” (Los Hermanos), sucessos como “Tuyo” (da série Narcos) e elementos de Drama, como “I Can’t Wait”, para tornar a apresentação muito mais que a exposição ao vivo de um novo disco. Para finalizar a primeira parte do show, antes do bis, Rodrigo ostentou sua potência poética com uma das mais belas composições do álbum, “The End”, que alça a antiga demo “That Old Dream Of Ours” para novos horizontes com a integração da banda.

Na medida que avançava no set list, o artista brincava com passado e presente, rememorava e repaginava. Dava novos passos e sentia a confiança em olhar para trás, que só faz figurar nos colossos da música brasileira. É cedo, decerto, para sacralizar uma carreira solo ainda insipiente, ainda que já calejada por décadas de ação. Mas se o futuro reserva a Rodrigo Amarante o mesmo esmero e sobriedade com a música que já é evidente, só nos resta reservar a ele um espaço entre nossos melhores.

E assim, mais uma vez, o cometa que é o artista passou por Curitiba, riscou o tempo e se foi.

Set list: “Maré”, “Tango”, “Tanto”, “Nada em Vão”, “Mon Nom”, “I Can’t Wait”, “Eu Com Você”, “O Cometa”, “Tara”, “Tuyo”, “Irene”, “Evaporar”, “The Ribbon”, “Tardei”, “Um Milhão”, “Tao”, “Maná” e “The End”. Bis: “O Vento” e “Pode Ser”.

Movies, Music

Trilha sonora: Last Night In Soho

Oito motivos para se deliciar com o fantástico mergulho na Swinging London feito pelo diretor e roteirista Edgar Wright em seu novo filme

Texto por Abonico Smith

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Para saber que o diretor e roteirista Edgar Wright é um fã assumido de cultura pop basta ver todos os easter eggs espalhados pelos filmes. Contudo, sua predileção pela (boa) música jovem das últimas décadas vem ganhando cada vez mais destaque em seus títulos mais recentes.

Em 2010, para contar a história de um jovem baixista de uma banda underground apaixonado por uma misteriosa garota de cabelos coloridos, ele contou com a ajuda de Beck para construir boa parte da trilha rock’n’roll original de Scott Pilgrim Contra o Mundo (no original, Scott Pilgrim vs The World), além de incluir obras de Rolling Stones, Metric, Black Lips, T-Rex, Plumtree, Beachwood Sparks e Frank Black.

Sete anos depois, em Baby Driver – Em Ritmo de Fuga, o intrépido teenager com habilidade especial no volante ouve tão paciente quanto hiperativamente Jon Spencer Blues Xplosion no heaphone enquanto espera o resto da gangue criminosa que integra terminar o assalto a um banco para pisar no acelerador e escapar de modo espetacular da perseguição de vários carros da polícia. Depois, por meio de nomes como Blur, Queen, Martha and The Vandellas, Damned, Alexis Korner, Incredible Bongo Band, Sam & Dave, Beach Boys e Jonathan Richman & The Modern Lovers, o espectador percebe que personagem, que ganhou um problema de tinnitus ao escapar com vida de um acidente automobilístico que matou seus pais, encontra catarse na música conectada diretamente aos ouvidos. Para o mesmo filme, os DJs e produtores de música eletrônica Kid Koala e Danger Mouse fizeram faixas inéditas.

Agora Wright mergulha na Swinging London em Noite Passada em Soho (Last Night In Soho, 2021) para traçar a história de sonho, ambição, fantasia e alucinações de uma jovem interiorana apaixonada pelo estilo e pelas canções pop da Inglaterra dos anos 1960 que acaba de chegar a Londres para fazer a tão sonhada universidade de moda. Há um foco bem maior nas cantoras pop que fizeram história com graciosidade e hits singelos, bem verdade. Mas ele também abre espaço para bandas – umas muito conhecidas até hoje, outras com fama não tão duradoura e reduzida geograficamente à ilha da Rainha Elizabeth – e representantes masculinos em vozes e talento instrumental. Em comum a todas as inclusões, o fato de serem pérolas musicais que, de uma forma ou de outra, acabam por se encaixar na narrativa das trajetórias das duas personagens principais da trama – a adolescente Ellie e a não menos sonhadora – e um pouco mais velha – Sandie, interpretadas respectivamente pelas atrizes Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy.

Mondo Bacana dá oito motivos para você não deixar de se encantar pela trilha sonora de Last Night In Soho e, mais, procurar ouvi-la além do filme e conhecer um pouco mais de detalhes que acabaram contando um pouquinho da história da música pop sixtie britânica – uma época em que viabilidade comercial combinava perfeitamente com refinamento harmônico, sofisticação instrumental e, claro, muito, muito glamour. Na lista abaixo cabem só oito citações, mas aqui também ficam menções honrosas para outros artistas que também fazem parte do filme e do disco. São eles Searchers, Walker Brothers, Graham Bond Organisation, R. Dean Taylor, James Ray (com a gravação original de “Got My Mind Set On You”, petardo que 25 anos depois estouraria nas paradas na carreira solo de George Harrison) mais os megarreverenciados Dusty Springfield, Who e Siouxsie & The Banshees (“Happy House”, de 1981, é a única peça temporalmente deslocada aqui, mas que mesmo assim não deixar de ser empolgante).

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“A World Without Love” (Peter and Gordon)

Os Beatles dominaram o mundo com vários hits número um, mas só uma canção com a assinatura Lennon-McCartney chegou ao topo sem ter sido gravada pelo quarteto de Liverpool. Paul, o verdadeiro autor da composição, não a considerava “a altura do repertório do grupo” e, então, entregou-a de bandeja para Peter Asher gravá-la no primeiro single da dupla formada com o amigo escocês Gordon Waller. O baixista começou a namorar a atriz adolescente Jane Asher em 1963 e, quando os Fab Four mudaram-se para Londres, lá foi ele morar na casa dela, dividindo o quarto com o cunhado de cara de nerd e vasta franja ruiva. Os versos de, tão românticos quanto ingênuos, nem chamam muito atenção se comparados ao feliz casamento entre melodia açucarada, refinada harmonia pop e, sobretudo, ao agradável jogo entre primeira e segunda voz de Peter and Gordon. Em Last Night In Soho, Wright usa o hit para dar sequência à sua marca autoral de cenas memoráveis de aberturas de filmes. Aqui o público é imediatamente apresentado ao mundo de amores e sonhos adolescentes de Ellie Turner. Enquanto a música toca e o espectador enxerga objetos de seu mundinho particular (vitrola vintage, compactos em vinil dos anos 1960, pôster do filme Bonequinha de Luxo, moda retrô), ela flutua em uma coreografia até arranhar acidentalmente a agulha no disco ao se deparar com a visão da falecida mãe no espelho.

“Beat Girl” (John Barry Orchestra)

Houve um tempo, antes de o mundo conhecer o rock’n’roll tal qual uma evolução do rhythm’n’blues combinada com pitadas de country’n’western, que quem incendiava os salões de dança eram grandes orquestras com um pé e meio no jazz e melodias lideradas por um naipe de sopros. Já com a febre adolescente em curso a partir de meados dos anos 1950, o trumpetista britânico John Barry deu um passo além. Montou seu septeto, colocou uma virtuosa guitarra twangy executada por Vic Flick à frente dos arranjos, e passou a fazer fama com sua pequena “orquestra”. Em 1959, em menos de dois minutos e logo em sua primeira empreitada casada à sétima arte, gravou “Beat Girl” para a festiva cena de abertura do filme inglês de mesmo nome, feito com orçamento barato para ir na cola da exploração do sucesso alcançado por Hollywood com seus filmes sobre jovens, diversão e muito rock. O sucesso foi tanto que esta foi a primeira trilha sonora britânica a ser lançada em disco e ainda garantiu uma convocação feita pelo produtor Alberto Broccoli para registrar com seu grupo o tema principal de um filme que trazia um misto de galã e espião em missões secretas cheias de aventura pelo mundo e sedução de mulheres. Com o mesmo Flick à frente, Barry eternizou o tema principal de James Bond, que, curiosamente, não fora composto por ele, mas sim por um ex-crooner de big bands chamado Monty Norman. Depois de assinar a trilha dos longas de 007 até 1967, Barry lançou-se em uma bem-sucedida carreira musical nas grandes telas, chegando a receber vários prêmios como Oscar, Grammy e Globo de Ouro por soundtracks de filmes como Entre Dois Amores (1985) e Dança com Lobos (1990). Em Last Night in Soho, enquanto Ellie passeia pelas ruas com seus novos amigos de república estudantil fica impossível não reconhecer o poderoso riff da guitarra de Flick, resgatado de volta ao sucesso graças ao sample feito pelo DJ Fatboy Slim em seu principal hit do fim dos anos 1990, o big beat “The Rockafeller Skank”.

“Starstruck” (Kinks)

Se lá pelos nineties um levante de bandas inglesas solidificou a bandeira do britpop cantando sobre a vida e os hábitos comuns dos habitantes da ilha governada pela Rainha Elizabeth, isso se deveu à existência do Kinks e o direcionamento conceitual de seus álbuns na segunda metade dos anos 1960. Através das canções cantadas e compostas por Ray Davies, sempre na companhia de seu irmão Dave. À frente do grupo, Ray rabiscou uma série de crônicas musicais que podem não ter acompanhado as altíssimas vendagens de seus conterrâneos daquele momento mas, ao menos, garantiram uma sólida reputação através de gerações de futuros seguidores. Edgar Wright sempre foi fã declarado dos Kinks. Em Last Night In Soho, ele ilustra todo o fascínio da jovem interiorana Ellie logo após a sua chegada a Londres para cursar a tão sonhada faculdade de moda na capital. Esta não é a primeira vez que o diretor e roteirista recorre ao som dos irmãos Davies – em 2007, ele já havia pegado outras duas faixas do mesmo álbum na trilha sonora de Chumbo Grosso. O disco em questão é o aclamado The Kinks Are The Village Green Conservation Society, de 1968, composto por pequenas operetas pop transbordando de sátira e fina ironia em suas letras. O sentido dado por Ray nesta música cabe como uma luva para contar a história da fascinada Eloise no momento em que ela se afasta das raízes familiares na Cornuália para ser absorvida de corpo, alma, sonhos e inspiração pela cultura sempre viva e pulsante da Swinging London.

“Puppet On A String” (Sandie Shaw)

Obra escolhida pelo Reino Unido para representa-lo no festival Eurovision de 1967, foi a responsável pela coroação da carreira ascendente de uma mais populares cantoras do pop britânico dos anos 1960. Sandie Shaw, contudo, sempre odiou a canção que teve de defender por questões contratuais – e nunca foi pelo cafonice extrema do arranjo de bandinha germânica das oktoberfests da vida. Os versos machistas – que acabariam por vencer aquela edição – são uma explícita glorificação da submissão aceita de forma pacata e até alegre pela mulher em um relacionamento abusivo com um cara que insiste em manipulá-la feito uma marionete, sem qualquer pudor. Não por acaso Wright encaixou a música com perfeição na narrativa de Last Night In Soho. Na voz da própria Anya Taylor-Joy, sua personagem (batizada com o mesmo apelido da cantora, por sinal) utiliza a música para tentar alavancar a carreira no meio musical sob a tutela implacável de seu amante/empresário/cafetão Jack – inclusive fazendo a performance de uma boneca-gigante movida por cordas. Sandie ainda tem uma segunda canção, “(There’s) Always Something There To Remind Me”, incluída nessa trilha do filme.

“Eloise” (Barry Ryan)

Depois que Brian Wilson abriu a porteira da barroquice instrumental em Pet Sounds, ficou bem fácil explorar todos os limites nos arranjos de música pop. Dois anos depois, em 1968, Barry Ryan emplacou este épico de cinco minutos e meio com direito a versos melodramáticos, fortes pontuações a cargo de um naipe de metais, arranjo para cordas, modulação de uma estrofe para a seguinte, interlúdio com diminuição da intensidade para depois levar ao clímax com nova explosão, uso de treze acordes na harmonia inteira e uma performance vocal com direito a agudos e melismas dignos de levar multidões à loucura em arenas. A composição operística, assinada pelo seu irmão gêmeo Paul, é considerada uma das principais influências de um pré-adolescente Freddie Mercury para tentar a sorte na carreira musical. Em Last Night In Soho, ela aparece já no final, tocada pela jukebox quando a protagonista desce as escadas para adentrar em um pub subterrâneo e se encontrar com o misterioso homem que parece persegui-la pelas ruas (e que interage com a letra e a gravação original de Ryan). É o momento da deixa para Wright fazer a conexão com o batismo da personagem e explicar um pouco de sua conturbada história vivida ao chegar na grande cidade. Ah, o clipe feito para o lançamento da faixa naquela época, é digno de nota, com direito ao cantor contracenando com sua musa tanto sob as luzes da vida noturna londrina quanto em uma praia deserta, com direito a coadjuvância de um par de cavalos e outro de cavalos, ambos brancos. Mais grandioso e exagerado (e kitsch) impossível.

“You’re My World” (Cilla Black)

Queridinha dos mods e de Morrissey, Cilla tem seus dois grandes hits de 1964  incluídos na trilha sonora de Last In Night In Soho. “Anyone Who Had A Heart”, clássico da dupla de compositores Hal David e Burt Bacharach, está como fundo de uma conversa elucidativa entre Ellie e a senhora que aluga a ela um quarto em Londres. Já “You’re My World” (versão em inglês de um sucesso composto originalmente na língua italiana) aparece duas vezes no filme. Uma logo no início, na voz estilosa de Cilla e com poderoso arranjo orquestral, quando a jovem estudante aparece pela primeira vez imersa nos anos 1960 que ela tanto idolatra. Mais para o final, já na voz de Taylor-Joy, a letra se encaixa na ilustração sonora da trama de uma outra maneira: por meio da assustadora relação entre os versos que fazem a paixão se confundir com obsessão (e que, não por acaso, guardam semelhança em demasia com o que Sting escreveu em “Every Breath I Take”).

“Downtown” (Petula Clark)

Pérola indiscutível do pop orquestral britânico dos anos 1960, “Downtown” é uma grande celebração de uma intensa vida jovem, que pulsa em lugares badalados e que nunca fecham, sempre cheios de gente, com muita música ao vivo, filmes exibidos nos cinemas, o colorido do neon nos letreiros comerciais e o som que vem dos carros no congestionamento. Gravada em 1964 por Petula Clark, a faixa rapidamente chegou ao primeiro lugar das paradas dos Estados Unidos e até hoje volta e meia aparece em trilhas sonoras de filmes e seriados. Depois de incluída em SeinfeldGarota, Interrompida e Lost, é a vez de ser citada em Last Night In Soho. São duas as ocasiões e ambas na voz de Taylor-Joy: primeiro, a capella, quando Sandie aparece em uma audição para uma vaga de cantora. Depois, bem perto do encerramento, num remix com base mais eletrônica.

“Last Night In Soho” (Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich)

Não, não é a escalação de cinco jogadores da defesa retranqueira de um time que joga feito ferrolho para evitar tomar um gol sequer do Flamengo hoje em dia. Por incrível que pareça, Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich este é o nome de uma banda britânica ativa entre 1966 e 1970, quando lançou cinco álbuns. Esta faixa de sucesso gravada durante o auge, em 1968, celebra sem meias palavras a vida noturna e a badalação jovem que sempre estiveram presente nos dias e noites do Soho londrino. Os versos pegam direto na veia beat do quinteto, que não faria feio se incluída na trilha de clássicos do cinema psicodélico americano como Easy Rider e The Trip. Falam de um outsider que cai na tentação de trocar momentos quentes ao lado da namorada pela companhia de amigos em uma noitada. Escalada estrategicamente para a hora dos créditos do filme que lhe empresta o título.