Series

O Urso

Série transmite com destreza toda a energia e estresse que os chefs passam nas cozinhas dos restaurantes

Texto por Taís Zago

Foto: Hulu/FX/Star+/Divulgação

Esta é uma série em oito intensos episódios que estreou no Brasil agora em outubro no Star+ e veio para bagunçar a cabeça de leigos e servir de gatilho para quem já trabalhou numa cozinha de restaurante. Enquanto os clientes nas mesas degustam a comida como forma de lazer ou de recompensa após um dia de trabalho, nos fundos, os chefs e funcionários travam uma batalha contra fogo, facas afiadas e o relógio num ambiente que lembra mais um campo minado de restos de comida e cacos de louça. Exagero? Nem um pouco. O Urso (The Bear, EUA, 2022 – Hulu/FX/Star+) é cozinha on speed. Faz a gente suar frio. O cortisol vai nas alturas, entre o caos e a glória da elaboração do prato perfeito. Nesse caso, em especial, do sanduíche perfeito. 

Carmen “Carmy” Berzatto (Jeremy Allen White) é um jovem chef acostumado com restaurantes agraciados com várias estrelas Michelin. De origem humilde, deu um duro danado para frequentar as melhores escolas, como a CIA (Culinary Institute of America), e ser reconhecido no mundo dos famosos do ramo. Foi premiado. Chegou ao topo. Enquanto Carmy ia atrás do sucesso, seu irmão mais velho, Mike (Jon Bernthal), comandava uma lanchonete em Chicago com o melhor amigo Richard “Richie“ Jerimovich (Ebon Moss-Bachrach). O Original Beef of Chicagoland era o boteco querido da vizinhança onde trabalhadores, gangsters e moradores faziam suas refeições. Tudo parecia bem até a tragédia bater na porta e Mike, que aparentemente escondia de todos o seu vício em painkillers (analgésicos), acaba por se matar, deixando para Carmy de herança a sua parte na sociedade do Original Beef. Carmy, então, decide deixar de lado a vida de glamour e usar suas facas de grife e a metodologia francesa no boteco que, como se desgraça pouca fosse bobagem, estava atolado em dívidas e sob o comando de Richie, um caótico com sérios problemas de agressividade e autocontrole.

Temos, aparentemente, uma receita de fracasso com uma trilha sonora de arrebentar os nervos e bombar adrenalina nas veias. Carmy entra na cozinha como quem entra em um ringue, ao som de “New Noise”, da banda Refuse, mas não antes de contratar a sous chef Sidney Adamu (Ayo Edebiri), para formar com ele um front de ataque culinário protocolar. E aqui começa um embate interminável de técnica versus intuição, entre os jovens chefs e a trupe de confiança do Original Beef formada pela veterana da cozinha Tina (Liza Colón-Zayas), pelo confeiteiro Marcus (Lionel Boyce), por Ebra (Edwin Lee Gibson) e pelo fake cousin (falso primo) Richie.

Cenas que beiram a tortura em ambientes culinários já são comuns em realities meio sádicos como Masterchef Hell’s Kitchen (e suas inúmeras variantes), porém essa é a primeira vez que um roteiro original consegue passar essa energia, traduzida em puro estresse, ansiedade e úlcera gástrica, de forma convincente para a ficção televisiva. E isso não se deu ao acaso: Courtney Storer, a irmã de Christopher Storer, criador de O Urso, é chef de cozinha e assessorou toda a produção culinária da série. E ainda temos a presença do chef Matty Matheson na coprodução e também em um pequeno papel como um faz-tudo nerd amigo de Richie. Tem comida feia, comida linda, manobras radicais de equilibrismo e um enriquecimento involuntário do vocabulário dos que nunca pisaram em uma cozinha comercial ou escola de culinária.

Imagino que Anthony Bourdain, se ainda vivo fosse, gostaria muito dessa obra ou talvez fosse até ele mesmo o consultor culinário escolhido por Storer. Carmy não é um pastiche do mais famoso e controverso chef, mas consegue transmitir medo, dúvida, pânico e inseguranças que não estamos habituados a ver na figura supostamente rígida, imponente e autoritária dos mestres da cozinha. A atuação é visceral e intensa, os atores sensacionais. E com esses ingredientes de qualidade não tem erro. O banquete está servido. The Bear é a melhor série de 2022 a sair do forno dos canais de streaming até agora. E isso não significa abrir mão do sal de frutas depois da degustação. O prato é pesado porém delicioso.

Movies

Paloma

Longa brasileiro sobre mulher trans que luta por um casamento religioso ganha prêmios mas não deixa de ser desastrado no percurso narrativo

Texto por Leonardo Andreiko 

Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Na arte contemporânea, assim como no cinema, o século 21 trouxe consigo uma mudança nos paradigmas que definem o que é a ‘boa arte’ e a ‘arte ruim’. Em linhas gerais, a parte relevante ao discurso não é mais a forma com que ele é estabelecido, mas o tema sobre o qual versa. A arte toma seu lugar no mundo não somente como expressão do sujeito, mas sua expressão sobre algo. 

No cinema, a situação é a mesma, a se demonstrar pelas recentes polêmicas e mudanças de rumo sobre diversidade e inclusão na indústria. Em um cenário em que a vivência de quem está diante e detrás das câmeras é essencial para a compreensão do filme enquanto obra, a autoficção e o retrato de si vêm ganhando corpo e notoriedade. Sobre o que as vozes que nunca tiveram o direito de portar o megafone das artes falarão senão delas mesmas?

Nesse panorama, Paloma (Brasil/Portugal, 2022 – Pandora Filmes) ganha tração como um dos fortes nomes do cinema nacional. Desde sua estreia no Festival de Munique de 2021, o longa sobre uma mulher trans que luta por um casamento religioso foi exibido ao redor do mundo e comemorou os prêmios de Melhor Filme da mostra competitiva e Melhor Atriz do Festival do Rio 2022 para Kika Senna, que interpreta a personagem-título. O destaque, contudo, é que a situação não é tão autoficcional assim.

Inspirado em uma notícia de jornal que dá a premissa já citada, Paloma se constrói narrativamente como uma ficção atenta à realidade, tecendo em si mesmo um comentário sobre o mundo sem fazer do concreto seu objeto de análise. A protagonista é mãe da pequena Jenifer (Anita de Souza Macedo) e vive junto de Zé (Ridson Reis), um pedreiro que não parece embarcar no sonho do casamento com véu e grinalda. Trabalha no campo, tem amigas por lá e mantém forte contato com a comunidade trans de Saloá, cidade no Pernambuco onde vive. Ao apresentar Paloma com profundidade e complexidade, o longa-metragem não comete o erro de simplificar sua protagonista e, com isso, prejudicar a narrativa.

Paloma ama, trabalha, cuida. Mas também erra, e tais erros dão o andar da carruagem à história do filme. Marcelo Gomes, que dirigiu Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), é diretor e corroteirista deste longa (junto de Gustavo Campos e Armando Praça) e aqui opta por meandros entre a narrativa convencional e o estudo de personagem contemporâneo (aquele em que o tema é a lente focal ao mesmo tempo que seu próprio objeto). A decupagem é simplista e as sequências são conduzidas com um ou dois planos e pouco dinamismo clássico, como o jogo de campo/contracampo e planos de contexto (os planos gerais que nos apresentam o espaço da cena). Isso confere à ação um tom muito mais teatral, e ao ritmo do longa um senso de lentidão – embora o marasmo pareça buscar uma atmosfera que incita a reflexão. 

Ainda, na medida em que as cenas se iniciam e terminam no decorrer dos diálogos – o que nos dá a sensação de estarmos sempre atrasados ou saindo muito depressa –, a presença da câmera no espaço é berrante: estamos conscientemente adotando a perspectiva da câmera, o olhar da lente sobre a história. Sua imobilidade faz de si um corpo existente no espaço; a montagem é também realizada nos planos, ações e reações que essa inércia nos tira.

A forma do filme, então, suscita reflexão e, embora apresente problemáticas, não deixa de se fazer parte integral do discurso e demarcar muito bem a autoralidade de Marcelo Gomes, cuja carreira desponta como uma das mais sólidas desses 20 anos. Por outro lado, a narrativa solta do longa-metragem traz consigo outra série de complicações à estrutura do filme.

A partir daqui me debruço sobre a história retratada e, ainda que busque evitar spoilers, a oclusão de seus elementos impossibilitaria a clareza do meu argumento. Então, prossiga com certa atenção se prefere, assim como eu, saber o mínimo possível de um filme antes de vê-lo.

Paloma é um filme desastrado. Seu percurso narrativo é dissonante; ou seja, há relações esparsas entre uma determinada cena e a cena seguinte de modo que, se já empacamos na narrativa por estar sempre fora do tempo (sempre atrasados ou adiantados), a situação piora pela falta de continuidade que aqui se instaura. E embora exista uma preocupação com a premissa (mulher trans deseja casar na igreja), esse não é o principal vetor da história contada.

Destaco alguns exemplos. Logo no começo da trama, quando Paloma verbaliza pela primeira vez para Zé seu desejo de casar-se de véu e grinalda, cita a conexão especial que teve com o padre no casamento de uma amiga. “Olhava para mim, parecia que falava diretamente para mim”. No entanto, há pouco vimos a cerimônia, e o que se filma é a manifestação visual do desejo que viria a se concretizar na fala – Paloma fita o vestido que ajudou a ajustar e transborda em expectativa. 

Ainda, conflitos são estabelecidos ao léu e jamais tensionados. Desde o início, Zé deixa clara sua indisposição em seguir com o casamento. Prefere gastar o dinheiro com uma moto nova e se refere ao casório como “coisa tua”. Em outras palavras, durante todo o filme, Zé não parece querer estar lá. Contudo, o embate desenhado no decorrer do longa só é concretizado no clímax da narrativa; e tão logo se coloca e já é resolvido. 

Por fim, ocorre uma importante morte no andar da trama, mas sua repercussão é displicente e não condiz com os laços construídos pela história. O impacto parece, no fim das contas, nulo. E houve claras oportunidades de referenciá-la, o que tornaria um comentário “por fazer” em uma sólida e forte demonstração da barbárie à qual é submetida a comunidade trans no Brasil, o país que mais mata pessoas transexuais há 13 anos. O exemplo final é uma confusão de intenções, uma traição que se inicia com a tensão de um assédio e termina sem conclusão, um conflito irresolvido para sempre.

Paloma é um lançamento interessante deste ano, com fortes atuações e um esmero formal que se desgarra do panorama contemporâneo sem desgarrar-se completamente. Um mérito, por assim dizer. No entanto, o trato hesitante e embargado de sua história deixa evidente uma tentativa de desgarrar-se da narrativa convencional, novamente, sem fazê-lo completamente. Uma mácula, infelizmente.

Movies

Hamlet

Projeto documental acompanha uma das lideranças das ocupações realizadas por estudantes gaúchos durante o ano de 2016

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Galo de Briga Fimes/Divulgação

Em 2016, centenas de escolas de ensino médio foram ocupadas ao redor do Brasil. Nossa modesta Primavera Árabe, aquela chamada Primavera Secundarista, inseriu-se no contexto arisco da defesa da presidente Dilma Rousseff contra o golpe que sofria por parte do Congresso Nacional, de Michel Temer e demais setores dos três poderes – “Com o Supremo, com tudo”, como imortalizou Romero Jucá.

Nesse contexto, mas também reivindicando mais atenção às políticas públicas de educação, o Brasil foi tomado pelo breve protagonismo da juventude. Se o corajoso movimento não rendeu muitos frutos, afinal a democracia atual se encontra sob ataques muito mais graves que o neoliberalismo do governo Temer, ainda nos propicia uma série de reflexões.

Observando de perto a movimentação das ocupações gaúchas, Hamlet (Brasil, 2022 – Galo de Briga Filmes) é um projeto documental que acompanha Fredericco Restori, uma das lideranças dos ocupantes de uma grande escola de Porto Alegre. A narrativa dispersa é muito mais uma coleção de momentos – plenárias, assembleias, reuniões entre ocupantes, palestras e até a hora do videogame – que uma representação ampla e didática do período da ocupação.

Num primeiro momento, a câmera errática dirigida por Zeca Brito parece incerta do que quer filmar. O registro histórico se inicia numa grande plenária, em que já desponta a presença de Fredericco. Embora este seja nosso protagonista desde a primeira cena do longa-metragem, Brito parece muito mais interessado na coletividade dos ocupantes do colégio, um conjunto de sem nomes que insiste na “horizontalidade democrática”, por assim dizer, e nunca é gravada só. 

O foco constantemente desregulado, a princípio, parece sintoma de uma operação de câmera ansiosa em capturar a essencialidade do momento, mas logo se denuncia em seu exagero: ao compor as sequências cotidianas da ocupação, assim como suas seções mais dialógicas, Zeca Brito escancara seu próprio processo de formalização, ainda que busque escondê-lo sob um fino véu de naturalismo. Partimos do “parece ser” para o “quer parecer ser”, um movimento que não é ruim em si mesmo, mas interessante por nos lembrar que documentário não é realidade – é cinema.

Num segundo momento, esteticamente mais interessante, Hamlet assume seu discurso mais narrativo que repórter, utilizando ligações telefônicas de Fredericco como meio para a exposição de seu conflito interno, que também é refletido em sequências subjetivas. A bem da verdade, esse estatuto da obra sempre esteve presente, já que o filme se inicia, antes do registro histórico das ocupações, com uma conversa entre Fredericco e um homem mais velho tecendo comparações entre sua condição de liderança e a dúvida central de Hamlet: “ser ou não ser, eis a questão”.

Se o filme não esconde a condição de líder que caracteriza Fredericco, sua ideologia juvenil, a princípio, recusa-se a aceitá-la. Ao longo de Hamlet, sua posição vai de “precisamos manter a horizontalidade para não tornar este um movimento fascista” para “eu queria ser líder, e era líder, mas não tinha coragem de admitir”. A ingenuidade da mobilização secundarista permeia todos os acontecimentos do filme – desde a rusga desmobilizada com entidades de base da categoria, como a UBES e a UNE, até a escuta atenta aos ensinamentos do grande crítico e cineasta brasileiro Jean-Claude Bernadet sobre a conjuntura política. 

Justamente por essa inerente ingenuidade, alguns dos momentos aqui retratados conferem ao filme um curioso frescor: um “vai chorar” que vaza na captação sonora durante um protesto; o canto “Bololo ha ha, quero ver desocupar”, eco da relação entre política e cultura que é muito única a cada geração que a vive; a incessante descoordenação da massa durante momentos de tensão, em que o silêncio é um episódio raro que, quando acontece, é muito efêmero.

Contudo, se esses momentos evocam no espectador não mais que a curiosidade e, quando muito, um sorriso de canto de boca, igualmente não se sente o peso que se propõe em Fredericco. A deslocada comparação com Hamlet, que pretende dar tom ao filme, só se dá com clareza na última cena, numa fraca articulação entre o concreto (a ocupação) e o abstrato (as conjecturas posteriores sobre a relação entre vida e arte) que não oferece material suficiente para se realizar. De fato, às vezes a vida imita a arte, assim como a arte imita a vida. Mas nem sempre.

Movies

Ted Bundy – A Confissão Final

Dinâmica e química entre os atores Luke Kirby e Elijah Wood são o ponto alto de toda a tensão mostrada em novo filme sobre o famoso serial killer

Texto Por Tais Zago

Foto: Synapse/Divulgação 

No top 10 do Hall of Fame dos serial killers mais famosos da História, Ted Bundy só fica atrás do notório Jack, o Estripador. Praticamente todos os aspectos dos seus terríveis assassinatos já foram esmiuçados em inúmeros livros sobre profilingpodcasts de true crime, séries, filmes e programas de TV. Uns mais sensacionalistas, outros mais perto do que poderia ser a verdade. Porque em se tratando de um psicopata, ocupante do ponto mais extremo no espectro do transtorno de personalidade narcisista/antissocial, a verdade é sempre relativa e vai mudar conforme o humor, a vaidade e a necessidade de atenção do sujeito oportunista.

Ted era bonito, culto, sociável, simpático e charmoso. Com a mesma desenvoltura que encantava a todos que com ele conviviam ou trabalhavam, picotava moças – e até mesmo crianças – após abusar sexualmente delas. Um verdadeiro monstro escondido atrás de uma máscara social perfeita, com emprego, amigos e um relacionamento estável. Uma das obras que mais impressiona sobre esse comportamento convincente do assassino (e que eu recomendo muito) é o livro The Phantom Prince: My Life With Ted Bundy, escrito por Elizabeth Kloepfer, publicado em 1981 e depois reeditado com outras impressões de Liz. Ela foi a companheira de Bundy durante boa parte do tempo em que ele cometeu seus horrendos crimes. Seu sofrimento, perplexidade, tristeza e sentimento de culpa diante da verdadeira personalidade do namorado são dolorosos demais. É uma obra, apesar de assustadora, bastante elucidante – qualquer um, mesmo aquele que nos parece acima de qualquer suspeita, pode ser um assassino. O livro serviu de base para muitas obras ficcionais: a melhor (e ao mesmo tempo a mais atual) delas é Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019, Netflix – leia aqui a resenha publicada pelo Mondo Bacana), com Lily Collins no papel de Liz e Zac Efron no papel de Theodore Bundy.

Outra obra muito usada com base é o livro de Ann Rule The Stranger Beside Me, de 1980. Ann é uma policial e escritora que trabalhou e foi amiga de longa data de Ted. O comum entre ambas as obras, de Liz e de Ann, é a facilidade que Bundy tinha de encantar, aproximar-se e ganhar a confiança das mulheres, algo pelo qual ele se gabava – adorava dizer que nunca precisou pegar nenhuma “à força”, o que sabidamente se revelou ser mentira para uma boa parte de suas vítimas. Ted assassinou 20 mulheres, mas afirmava que o número chegava na verdade a 30. Dizia ainda que de muitas ele nem lembrava o nome.

Ainda de 2019, também da Netflix, temos as fitas de Ted Bundy na série Conversations With a Killer: The Ted Bundy Tapes. Aqui ouvimos sua voz e depoimentos enquanto aguardava a execução na prisão, além de vários testemunhos de quem trabalhou no seu caso, como o agente do FBI e analista Bill Hagmeier, um dos precursores do profiling de assassinos em série e membro-fundador da Behavior Analysis Unit (BAU).

Assim chegamos em Ted Bundy – A Confissão Final (No Man Of God, EUA, 2021 – Synapse), onde acompanhamos Bill Hagmeier (Elijah Wood) durante os anos em que passou visitando Ted Bundy (Luke Kirby) na prisão do Estado da Flórida, onde o assassino passou seus últimos nove anos até ser executado na cadeira elétrica em janeiro de 1989. Cristão praticante e com formação em psicologia, Bill sonhava em ser assistente social. Sempre se interessou pelos motivos que levavam assassinos a cometer seus crimes e nos EUA dos anos 1970 e 1980 estava diante de um prato cheio. Em uma reunião com colegas, onde a tarefa era a de estudar os criminosos presos para tentar montar perfis e conseguir confissões e pistas sobre as vítimas, sobrou para Bill encarar Ted – ou ele fora o único que se candidatou à tarefa ingrata, já que Bundy não fazia segredo da sua aversão a agentes do FBI. 

Elijah (nosso eterno Frodo!) se sai bem no papel do agente íntegro, cuja intenção, aparentemente, é estudar e tentar entender a mente perturbada de Ted. De forma genuína, ele nos convence com seus enormes olhos azuis sempre arregalados e sua fala mansa. O Bill de Elijah passa confiança mesmo que o homem Bill não pareça, muitas vezes, saber direito como agir diante do terreno, à época, pouco explorado da psicologia forense. Kirby (o rebelde Lenny Bruce da série The Marvelous Mrs. Maisel) nos deixa com os cabelos da nuca em pé e sentados na beira do sofá. O Ted dele é sensacional, indo do mais agradável e dócil ao mais violento e assustador. 

Esteticamente não há muito o que comentar: o filme poderia muito bem ser uma peça de teatro. Os cenários são, em sua maioria, dependências da State Prison com alguns cortes para a academia de treinamento do FBI em Quantico ou para um quarto de hotel barato na Florida. É um two man show, por vezes até uma parceria que pode beirar a amizade, mas mais frequentemente um jogo de gato e rato no qual Ted testa em Bill todas as suas técnicas de manipulação. Bill por sua vez mergulha no lodo da mente doentia de Ted. Uma viagem pouco saudável como suas olheiras nos mostram nos momentos finais do filme.

Também não somos apresentados a nenhum novo fato: quem já leu a respeito e conhece bem a história de Ted Bundy não vai ser surpreendido com qualquer revelação. O roteiro, bastante protocolar, é baseado em gravações e em consultas com Bill Hagmeier. O ponto alto aqui é a dinâmica e a química entre Elijah e Luke. Os diálogos são intercalados com silêncios ensurdecedores e a música, muito bem colocada, contribui para esta crescente tensão – como, por exemplo, na cena do close lento na assistente de um pastor que entrevista Ted em suas horas finais. Já um estranhamento maior causam as montagens de imagens reais que volta e meia intercalam as cenas. Esse pot-pourri de cenas vintage é bastante ambicioso, mas esteticamente destoou da intenção intimista do filme beirando o caricato.

No final, o que realmente nos deixa de queixo caído é a atuação de Luke Kirby, mais ainda do que a de Elijah Wood. Ele faz valer muito essa experiência em papel para ser lembrado e, espero, premiado.

Movies

Jurassic World: Domínio

Despedida da trilogia que trouxe os dinossauros de volta aos cinemas traz de volta antigos personagens do filme de 1993

Texto por Carolina Genez

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Mais de vinte anos depois do lançamento do primeiro Jurassic Park (1993), a trilogia iniciada em 2015 veio para trazer o mundo mágico do parque dos dinossauros para gerações mais recentes. Jurassic World: Domínio (Jurassic World Dominion, EUA/Malta, 2022 – Universal Pictures), que agora chega aos cinemas, é a continuação do segundo filme (Reino Ameaçado, de 2018), no qual, após a destruição do parque, os bichanos ficam soltos na natureza e vivendo entre os humanos. Uma das consequências disso é que muitos deles são apreendidos e vendidos em mercados clandestinos. Para tentar controlar a situação, surge a empresa bilionária Biosyn. Contudo, mesmo criando um reservatório/santuário para abrigar tais criaturas, seu dono tem outras intenções para lucrar em cima dos animais. 

Um dos principais temas abordados por este novo longa-metragem é a falta de uma decisão definitiva para os dinossauros. Para contextualizar o espectador, tudo começa com uma reportagem televisiva que traz não só dados sobre a interação homens/animais, mas também diversos “vídeos” mostrando o relacionamento entre as duas espécies e a vivência das criaturas jurássicas em uma sociedade civilizada. Assim, desde o início reina a dúvida: quem dominará a Terra? 

Nesse contexto, voltamos a acompanhar Claire (Bryce Dallas Howard) e Owen (Chris Pratt), que vivem isolados, resgatando o máximo de dinossauros possíveis. Eles também protegem Maise Lockwood (Isabella Sermon), a menina-clone neta de Benjamin Lockwood, ex-parceiro de John Hammond, o  fundador do Jurassic Park original. Maise, porém, é sequestrada pela Biosyn, que pretende analisar seus genes para assim conduzir estudos sobre edição genética. Claire e Owen então passam a realizar uma investigação para encontrar e resgatar a garota.

Além de finalizar a trilogia, Domínio ainda encerra toda a saga do Jurassic Park. Para o gran finale, o atrativo do filme é a volta de alguns rostos conhecidos lá de 1993. Ao mesmo tempo que acompanhamos Claire e Owen, reencontramo-nos com Ellie Sattler (Laura Dern), Alan Grant (Sam Neill) e  Ian Malcolm (Jeff Goldblum). Sattler passa a investigar uma nova praga presente nas plantações: um gafanhoto gigante geneticamente modificado. Após perceber que esses insetos não atacam as plantações de sementes Biosyn, pede ajuda para Grant para desmascarar a empresa. Os dois, então, partem para o reservatório para tentar expor os experimentos, recebendo apoio de Malcolm, que agora trabalha no santuário.

Ao contrário do filme de 1993, que tem um roteiro simples que funciona perfeitamente, Domínio conta com diversas linhas, muitos personagens e poucos dinossauros. A história aqui acaba se perdendo com toda a trama de edição genética. A própria narrativa de Sattler, Grant e Malcolm acaba ficando de lado, servindo apenas para um encontro entre todos os personagens e uma “homenagem” à saga. Além disso, o encontro em si traz, infelizmente, um decepcionante resultado já que os personagens pouco interagem.

Mas a falta de desenvolvimento da narrativa e de aproveitamento do trio original não afeta seus personagens, já que Dern, Neil e Goldblum entregam performances satisfatórias e nostálgicas que com certeza conquistarão os fãs da saga. Os atores são extremamente carismáticos, mantêm com uma ótima química entre si e parecem nunca ter deixado o universo jurássico, garantindo os melhores momentos deste longa.

O mesmo não pode ser dito dos personagens novos. Agora conhecemos a piloto Kayla Watts (DeWanda Wise), que a princípio trabalha com os vilões da história mas que, em um passe de mágica e sem qualquer explicação (mesmo quando indagada por Owen), passa para o lado dos mocinhos, colocando sua vida em risco. O vilão do filme também decepciona ao ser genérico e pouco explorado, com motivação e plano extremamente confusos e sem nexo.

Apesar disso, voltamos aos dois personagens queridos da trilogia. Dallas Howard traz uma boa performance e realiza uma das melhores cenas do longa quando sua Claire foge de um dinossauro. Já Pratt tem um Owen pouco real, já que ele vive feito Tom Cruise em Missão: Impossível, conseguindo escapar de várias quase mortes sem arranhões. Mas, apesar do irrealismo em momentos, as cenas de ação são muito bem dirigidas e de fato conseguem segurar a atenção do espectador ao trazer um certo suspense e tensão.

Já os efeitos especiais são impressionantes e muito realísticos. Porém são mal aproveitados, já que os dinossauros, o carro-chefe da saga, ficam de lado, fazendo breves aparições ao longo deste filme – já que a trama foca mais na clonagem de Maise. Ainda assim, quando os dinossauros surgem, graças aos impecáveis truques visuais, eles conseguem gerar uma sensação de admiração das maravilhosas criaturas. Além disso, o CGI também se destaca ao colocar os animais entre a civilização, conseguindo alcançar um resultado que gera um estranhamento proposital mas se torna harmônico e condizente com o contexto da narrativa do filme. O longa também conta com uma fotografia maravilhosa, que “apenas” ajuda a inserção dos dinossauros na civilização.

A atual obra foca, apesar de não fortemente quanto nos outros filmes, nos avanços tecnológicos, questões éticas e a ganância do ser humano. Apesar de ser possível trazer os dinossauros de volta à vida, isso deveria ser feito? Mais importante, como ficará a convivência entre humanos e dinossauros? Infelizmente, Domínio não responde a essas questões. Perde-se no próprio roteiro e traz desfechos pouco convincentes para todas as narrativas que cria, deixando de lado a simplicidade e os dinossauros. Apresenta uma conclusão genérica e pouco satisfatória para quem acompanha a saga. Deixando tudo em aberto e se resume a ficar na mesma conclusão de todos os títulos da franquia. A de que o passado se repete.