Movies

Indiana Jones e a Relíquia do Destino

Oito motivos para você correr ir ao cinema para assistir ao quinto e último filme da franquia clássica protagonizada por Harrison Ford

Texto por Abonico Smith

Fotos: Disney/Lucasfilm/Divulgação

Estreia hoje um dos títulos mais aguardados dos últimos anos pelos cinéfilos de plantão. Indiana Jones e a Relíquia do Destino (Indiana Jones and The Dial Of Destiny, EUA, 2023 – Disney/Lucasfilm) é a quinta aventura protagonizada pelo arqueólogo mais adorado da sétima arte. Fechando uma trajetória que já dura mais de quarenta anos (basta lembrar que o primeiro longa de Indy foi lançado no já longínquo ano de 1981), a história é encarada como uma despedida digna do personagem, já que a tentativa anterior, de quinze anos atrás, não foi lá muito bem sucedida e recebida por fãs e crítica. Por isso, aqui estão oito motivos para você ir correndo à sala de cinema mais próxima da sua ou, então, aquela melhor aparelhada tecnologicamente que você curte freqüentar.

Personagem icônico

Se ao longo dos anos 1980 o termo blockbuster ganhou popularidade, também se transformou em espécie de sinônimo de aventuras juvenis que encantavam com histórias empolgantes dignas de qualquer sessão da tarde (isto é, liberado para todas as idades de uma família). Com a direção de Steven Spielberg e a assinatura de George Lucas entre os roteiristas, Indy passou a figurar em um panteão hipercultado ao lado de nomes como E.T., Darth Vader e Marty McFly. Tudo isso, vale a pena ressaltar, muito antes do nicho dos super-heróis (leia-se DC e Marvel, praticamente) tomar conta da programação anual de lançamentos cinematográficos.

Harrison Ford

Só pelo fato de voltar a aceitar encarnar Indiana Jones prestes a completar 80 anos (idade à qual chegou em julho do ano passado), o ator já merece aplausos. Melhor ainda que sua filmografia de respeito está longe de se resumir somente ao arqueólogo e a uma só franquia. Em Star Wars, ficou marcado como o mercenário Han Solo (que carregava sempre a tiracolo um monstrengo chamado Chewbacca, também copiloto de sua nave). Em Blade Runner, foi o ex-policial e caçador de andróides Rick Deckard. Fora das sagas, teve papeis emblemáticos em filmes como A TestemunhaForça Aérea UmPerigo Real e ImediatoO Fugitivo, Jogos PatrióticosUma Secretária de Futuro e American Graffitti – Loucuras de Verão.

James Mangold

Não poderia ter havido uma escolha mais certeira para a direção do quinto longa de Indiana Jones. Nos últimos 25 anos, Mangold vem acertando a mão frequentemente em tramas de ação, aventura e drama. Em sua filmografia constam títulos como Walk The Line (a cinebio de do maior homem de preto do rock conhecido também como Johnny Cash); Garota, Interrompida e Ford vs Ferrari. Dez anos atrás, encheu Wolverine de adrenalina e emoção no cinema em um de seus filmes solo. Quatro anos depois assinou também a “despedida” de Logan como o selvagem X-man das garras de adamantium com um filme tocante e que fugia completamente da receita formulaica das adaptações às telas dos super-heróis dos quadrinhos. Aqui, com Indy, também carrega a parte dramática na dose certa, sendo capaz de até provocar choros discretos nas poltronas do cinema.

Cena inicial

Fazia tempos que um filme de ação e aventura não entregava uma cena inicial tão eletrizante. Assim, logo de início, em seguida da logomarca inicial da produtora, como um soco no estômago de quem está na sentado na poltrona, sem deixar voltar a respiração por muitos minutos. Assim começa A Relíquia do Destino, com um flashback do tempo da Segunda Guerra. Indiana Jones é capturado pelos nazistas e posto em um trem para ser levado à punição da prisão. No veículo ele reencontra seu fiel colega, também arqueólogo e professor universitário, Basil Shaw (interpretado por Toby Jones). Segue-se então muita correria, pancada e, claro, chicotada, para tentar ficar com a posse de um poderoso instrumento lá da Grécia Antiga. À frente do outro lado da disputa pela antícitera de Arquimedes, o germânico, está mais um docente, Dr. Voller (Mads Mikkelsen, tão contundente quanto em suas atuações em A Caça e Druk – Mais Uma Rodada). Vale destacar que a aparência rejuvenescida de Mikkelsen, Jones e sobretudo Ford mostrada nas telas é fruto de truques realizados por meio de um programa de inteligência artificial.

Arquimedes

Um dos principais nomes da ciência da Antiguidade Clássica, este italiano da região de Siracusa, na ilha da Sicília, é uma das peças-chave da trama. Físico, matemático, engenheiro, astrônomo e filósofo, ele inventou e descobriu muita coisa importante para civis e militares. No caso do filme, o foco está em uma aparelhagem chamada anticítera. Ok, o que se passa ali na tela do cinema é ficção e, segundo consta, isso é capaz de fazer o ser humano furar a bolha do continuum espaço-tempo e viajar para o passado e o futuro. No caso dos alemães, pode ser um grande trunfo para a perpetuação do nazismo como regime vigente pronto para ser expandido rumo a outras terras europeias. Só que, na realidade, a tal anticítera criada por Arquimedes no século 1 a.C. tinha a função de calendário e astrologia, além de poder prever eclipses e posições astronômicas. Por isso, tem a fama de “computador analógico” mais antigo do mundo. Todos os fragmentos conhecidos da traquitana estão no Museu Arqueológico de Atenas – e não em duas partes complementares, como no roteiro de A Relíquia do Destino. Outra coisa: não é só Indy que ganha uma homenagem neste filme. O faz-tudo também acaba tendo o seu reconhecimento em um roteiro fantástico (no sentido da fantasia) que, há de se convir, chega a forçar a barra na elasticidade da verossimilhança.

John Rhys-Davies

Não é só Harrison Ford que retoma um personagem classico da franquia neste novo filme. Quem também reaparece é o ator galês, fazendo novamente o grande amigo do protagonista Sallah, presente em Os Caçadores da Arca Perdida (1981) e A Última Cruzada (1989) e um tanto quanto desprezado em uma participação ínfima no anterior O Reino da Caveira de Cristal (2008). Aqui, o escavador egípicio volta para dar uma grande mão em momentos de mais tranquilidade vividos por Jones, que chega a conhecer seu casal de filhos. Não tem como não se deixar conquistar (de novo) pelo jeitão bonachão do agora pai de família Sallah Mohammed Faisel El-Kahir.

Phoebe Waller-Bridge

Esta, sim, a chave mágica do elenco principal de A Relíquia do Destino. Nome em ascensão em Hollywood depois de criar, escrever e atuar em séries britânicas (como Fleabag Crashing, ambas disponíveis em streaming no Brasil), Phoebe brilha em pé de igualdade com Ford neste filme depois de se destacar assinando o roteiro feito a oito mãos do ultimo James Bond, 007: Sem Tempo Para Morrer. A contribuição de Waller-bridge aqui é apenas atuando. Mas ela dá um show como o jovial alívio cômico introduzido para quebrar toda a sisudez do velho Indy. Sua ligação com Jones é um pai-e-filha disfarçado: sua Helena Shaw é doutoranda em arquelogia e filha de Basil. Só que não espera muita fidelidade ao padrinho: o negócio dela embarcar na procura pela outra metade da anticítera tem motivos mais escusos, porem não menos letais do que os dos nazistas.

John Williams

O quinto filme de Indiana Jones não poderia deixar de fora o nome do maestro e compositor John Williams, presente em todas as produções anteriores com o nome do arqueólogo no título. Premiado por várias obras para o cinema, indicado 53 vezes ao Oscar e cultuado por uma legião de fãs que adora prestar atenção nas trilhas sonoras, Williams também apostou na nostalgia em formato de harmonias, melodias e arranjos desenvolvidos para A Relíquia do Destino. Resgatou a alquimia em criar sons para as imagens estreladas por Harrison e sua habilidade de fazer cenas que misturam drama e comédia, ação e aventura. Também fez uma bela contribuição compondo o tema de Helena Shaw para o brilho da execução da virtuosísima violinista alemã Anne-Sophie Mutter.  O resultado imprime à personagem de Phoebe Waller-Bridge um ar de diva dos áureos tempos dos estúdios de Hollywood (leia-se anos 1940 e 1950) que contrasta com seu espírito impulsivo e aventureiro mostrado nas telas. Claro a trilha sonora também foi lançada oficialmente pela Walt Disney Records em todas as principais plataformas de streaming

Series, TV

Euphoria

Segunda temporada da cultuada série continua a maravilhar com suas transgressões na narrativa e os dramas de coming of age

Texto por Taís Zago

Foto: HBO Max/Divulgação

Nunca faltou, em canais de streaming, filmes ou séries do estilo coming of age, onde as agruras da adolescência são esmiuçadas de todas perspectivas possíveis. Pegando como exemplo o canal com mais assinaturas mundo afora, a Netflix, temos uma enxurrada disso nos últimos cinco anos. Do ponto de vista de pessoas com necessidades especiais temos a adorável Atypical (2017-2021). Para a fixação sexual na puberdade, temos a bagunça de Sex Education (2019-) ou a mais comportada – mas não menos engraçada – Never Have I Ever (2020-). Já com foco no público latino temos a escrachada On My Block (2018-2021), com dramas (quase) reais. Para os que gostam de fantasia ou terror, temos The Chilling Adventures Of Sabrina (2018-2020) ou Riverdale (2017-). Os amantes de quadrinhos sombrios foram agraciados com The End Of The Fxxxing World (2017-2019) e I Am Not Okay With This (2020). Ainda tem todo o escopo das direcionadas aos fãs de sci-fi, sendo a mais famosa Stranger Things (2016 -)

Mas nada, NADA MESMO – e nisso podem ser incluídos os outros canais – se compara à série Euphoria (EUA), da HBO Max. A segunda temporada iniciou em janeiro de 2022, e está em pleno andamento. Ou melhor, em plena ascensão, já que a cada episódio quebra (seus próprios) recordes de visualização. É a queridinha da geração Z, é tema de inúmeras postagens semanais no Tik Tok ou polêmicas no Twitter. Não que isso sirva de incentivo para adultos também assistirem a ela. Eu, por exemplo, descobri a série na sua estréia em 2019, quando HBO Max ainda estava se despedindo do formato HBO GO, portanto bem antes do hype se espalhar por todos cantos do mundo. Eu nem mesmo sabia que a protagonista Zendaya já era bastante conhecida por sua carreira musical e por séries infantojuvenis da Disney.

O que prende em Euphoria é que viramos um pouco o adolescente que é retratado, independente da nossa idade. O drama é tão atual, tão real, tão próximo que todo mundo conhece (ou foi) alguém com alguma das dúvidas e angústias dos personagens. E o tom é sério. Mesmo que adentre por vezes um humor cáustico e absurdo. Não tem mesmo muito o que rir por aqui: é uma seriedade púbere, a certeza que a vida sempre vai acabar no próximo porre, no próximo amor ou no próximo high. Mas, curiosamente, nada soa falso ou montado nessa obra. E vejamos que, em uma série onde a protagonista é viciada em drogas (no caso de Rue pode ser qualquer uma indo do fentanyl à morfina), a presença de um imaginário fantástico, do surreal, do lúdico ou do assustador é uma constante.

Para viajarmos sem tomar as drogas embarcarmos na trip com Rue (Zendaya). Se quisermos experimentar todo o ressentimento, a raiva, o medo e a autodepreciação de quem ainda não consegue se aceitar, Nate (Jacob Elordi) é o cara. Se preferirmos nos aprofundar nos dramas de uma menina trans, brilhante e talentosa, que está descobrindo sua sexualidade e seu lugar no mundo, a pessoa indicada é Jules (Hunter Schafer). Se formos explorar as questões de autoimagem e autoestima, Barbie (Barbie Ferreira) e Cassie (Sydney Sweeney) são praticamente estudos de caso. Se decidirmos mergulhar na vida de alguém que nunca conheceu na vida nada diferente de violência, o personagem é Fezco (Angus Cloud). Se nos identificamos com a durona com coração mole, nos enxergamos em Maddie (Alexa Demie). E se nos sentimos descolados de nossa realidade, veremos em Lexi (Maude Apatow) o espelho. Euphoria nos inunda com situações inesperadas e com histórias belas e comoventes. Não tem um único momento novelesco. Não tem nenhum exagero descabido. Não peca em nenhum detalhe, dos figurinos à música. Aliás, a trilha da série é sensacional e vale muito buscar a playlist oficial no Spotify. 

O criador, Sam Levinson, faz tudo: dirige, escreve e produz, o que torna a série quase um one man show, e colhe muitas criticas dos fãs por se recusar a colaborar com outros artistas, salvo em algumas exceções. Euphoria, assim como In Treatment (HBO Max), também é inspirada em uma série de TV israelense, porém em muito supera a sua modesta matriz. Fica bastante evidente que Levinson é o fruto de uma família afluente e ligada ao audiovisual. Mesmo ainda dando seus primeiros passos no ramo, desfrutou de certos privilégios e liberdades criativas e isso fica bem claro na sua forma transgressora e livre de montar os episódios. Não existe ritmo que não possa ser quebrado, flashbacks ou mininarrativas que não possam ser inseridas nos capítulos, sonhos que não se misturem perigosamente com a realidade ou até uma crueza que, muitas vezes, adentra a crueldade. Sam entrou chutando a porta, e o resultado é, felizmente, maravilhoso.

Series, TV

Pam & Tommy

Série sobre casal explosivo da primeira sex tape de famosos viralizada na internet promove um intenso revival de meados dos anos 1990

Texto por Taís Zago

Foto: Hulu/Star+/Divulgação

Série em nove capítulos, Pam & Tommy (EUA, 2022 – Hulu/Star+) remonta, com riqueza de detalhes, o curto e intenso relacionamento entre duas das mais conhecidas – e amadas pelos paparazzi – celebridades dos tabloides norte-americanos dos anos 1990. Porém para Pamela Anderson e Tommy Lee, o verdadeiro ápice da fama só seria atingido ao protagonizarem a primeira sex tape de famosos a vazar e viralizar mundialmente com a ajuda da internet.

Qualquer um que já tenha mais de 40 anos ouviu falar nos escândalos envolvendo, entre 1995 e 1998, o curto casamento de Pamela Anderson, modelo e atriz, e Tommy Lee, o infame baterista. Ambos se conheceram em uma festa, apaixonaram-se à primeira vista e quase que imediatamente casaram. Mas o pouco tempo que ficaram juntos foi uma montanha-russa de emoções, escândalos, traições e abuso doméstico. Os frutos que surgiram dessa mistura explosiva – os filhos Brendan e Dylan – são até hoje testemunha deste relacionamento complicado, que sempre lembrou um puxa e empurra – ou, melhor, um sobe-e-desce. Por mais que repudiassem a perseguição da mídia, ambos claramente curtiam lavar uma roupa bem encardida com a presença de plateia. Em 2008, por um breve período, curiosamente, houve uma reunião dos pombinhos. Mas, claro, com a mesma rapidez que a chama reacendeu, também logo causou uma explosão. A mistura Pam+Tommy era volátil.

Acho interessante falar um pouco dos protagonistas para quem não era nascido e não acompanhou o drama in loco na época. Pamela Anderson construiu no começo dos anos 1990 uma carreira, digamos, “sólida” de sex symbol, tendo como base um número recorde de capas da Playboy e várias temporadas da série Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), na qual passava a maior parte do tempo correndo na praia, molhada e com um maiô vermelho. Lee, por sua vez, alcançou a fama ainda nos anos 1980 com sua banda de hair (spraymetal, o Mötley Crüe. Vendeu uma quantidade obscena de álbuns e enriqueceu. Assim como ganhava, também gastava generosamente seus dólares com sexo, luxo, festas e drogas, e um pouco menos com rock’n’roll. Sua fama de “viciado em sexo” e rumores sobre seus atributos íntimos “avantajados” eram amplamente conhecidos pelo público do época. Tommy curtia muito um biscoito e um confete e fazia questão de se comportar da forma mais extravagante possível para não sair da mira das câmeras e das revistas de fofoca. Pra quem se interessar mais pelas “peripécias” de Tommy e sua turminha tudo que o Mötley Crüe aprontou está no livro The Dirt: Confissões da Banda de Rock Mais Infame do Mundo, de 2001, ou de forma condensada no ótimo filme The Dirt (Netflix, 2019). Ambos valem bastante a pena.

Dada a introdução necessária, vamos ao que interessa. O roteiro da série foi criado com base em um artigo escrito pela jornalista Amanda Chicago Lewis para a revista Rolling Stone em 2014, chamado Pam and Tommy: The Untold Story of the World’s Most Infamous Sex Tape. E tem, fora os personagens do título, mais um coprotagonista. Rand Gauthier (Seth Rogen) havia sido contratado como marceneiro – no artigo, ele é descrito como eletricista – por Anderson (Lily James) e Lee (Sebastian Stan), para trabalhar na interminável reforma da mansão do casal em Malibu.

Após alguns desentendimentos com Tommy, que o ameaça com uma arma, Gauthier acaba demitido do projeto sem receber nenhum pagamento. Ressentido, arquiteta minuciosa – e atrapalhadamente um plano para recuperar o dinheiro que o músico devia a ele, e (por que não?) lucrar às custas do rockstar. O plano dá certo e após uma operação caótica e absurda, digna de filme dos irmãos Coen, Rand acaba pondo as mãos em uma sex tape do casal. E isso veio muito a calhar, já que ele tem histórico de ator pornô e amizade com o produtor Uncle Miltie (Nick Offerman). Este se torna seu parceiro perfeito para executar o plano da venda das cópias da fita Hi8 em VHS, enviadas pelo correio e anunciadas na internet. Isso em 1995 quando, sabemos, a internet era só mato, discada, e o browser era o finado Altavista. Infelizmente a alegria dos malandros dura pouco, pois para financiar a empreitada, Rand e Uncle Miltie acabam pegando dinheiro emprestado com um capo da máfia envolvido na indústria pornô. A partir daí, a desgraça está programada.

A atriz britânica Lily James está espetacular como Pamela. Ela acerta na voz, nos trejeitos, na mistura de doçura com malícia, até mesmo nos momentos de vulnerabilidade e da confissões dos sonhos frustrados da atriz-modelo. É trabalhada no roteiro uma parte de Anderson menos conhecida pela sua legião de fãs formada quase que inteiramente pelo sexo masculino. Vemos um lado mais humano, muito mais frágil e dependente. Uma imagem muito mais próxima da realidade de muitas mulheres em relacionamentos tóxicos. É importante lembrar que o empoderamento feminino que temos hoje ainda estava em plena construção há quase três décadas. Muitos abusos domésticos eram ocultados, principalmente em se tratando de pessoas famosas.

Sebastian Stan faz um bom trabalho, porém tem uma mão um pouco mais pesada ao incorporar Tommy. Stan recheou exagero com mais uma porção de exagero, deixou o Tommy ainda mais estridente e hiperativo. Não é novidade que o baterista  tem (tinha?) um temperamento explosivo, violento, arrogante e hedonista ao extremo. Porém sejamos honestos, Lee é megalomaníaco com uma forte queda pra um transtorno de personalidade antissocial – coisa que, diga-se de passagem, não é nenhuma raridade universo das (sub)celebridades.

Do outro lado da narrativa temos Seth Rogen sendo Seth Rogen. É fato conhecido que como ator ele não tem muitas facetas e com Rand parece repetir o que fez em Pagando Bem, Que Mal Tem? (de 2008): um geek frustrado, sem dinheiro e a fim de transar. Assim como Nick Offerman nos entrega um cara mal-humorado e sem escrúpulos com fortes pinceladas de seu papel em Parks & Recreation. Com tanto exagero, a série beira perigosamente o caricatural. Ok. Na verdade mergulha e vai ao fundo. E ali fica. Mas o mar é o de Cancun… Então, no conjunto da obra isso não é necessariamente ruim.

Pam &Tommy também é um retrato bem fidedigno da cultura pop da metade dos anos 1990 com direito a muito couro, látex, pelúcia, animal print, maquiagem ruim, mullets, tatuagens tribais e bronzeados artificiais. Mas a cereja do bolo (ou da torta?) fica por conta da trilha sonora, que surge com la creme de la creme da época e nos joga em uma viagem do tempo com Fatboy Slim, Nine Inch Nails, Cardigans, Lenny Kravitz, sucessos do glam metal (Mötley Crüe, Poison) ou ainda com 90s club hits (La Bouche, Beds and Beats) 

Para alguns, essa série com capítulos semanais – até agora apenas três episódios estão disponíveis no Brasil na plataforma de streaming Star+ – vai ser um viagem nova e bizarra, um revival de quase 30 anos atrás, assim como ocorre de forma recorrente a cada nova década que se inicia. Para outros, dos quais faço parte, vai ser um festival de déjà-vu e nostalgia de um tempo que passou em um piscar de olhos.

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Ataque dos Cães

Protagonistas fogem do passado para tentar aceitar o presente ao seu redor em faroeste dirigido pela veterana neozelandesa Jane Campion

Texto por Luca Passos

Foto: Netflix/Divulgação 

Há, no cinema estadunidense atual, uma onda revivalista de diversos movimentos passados. Com o faroeste não é diferente, mesmo que este gênero seja considerado, ainda que um tanto injustamente, baluarte de um classicismo temático conservador. As paisagens semi-inóspitas, os casarões de madeira e saloons voltaram a abrigar as figuras arquetípicas que, de uma maneira ou de outra, moldaram a sociedade que agora volta seus olhos ao seu próprio passado, porém trazendo muitas questões de seu presente.

Ataque dos Cães (The Power Of The Dog, EUA/Canadá/Austrália/Nova Zelândia, 2021 – Netflix), dirigido e com roteiro adaptado do livro de 1967 escrito por Thomas Savage pela veterana neozelandesa Jane Campion se passa em Montana, estado no noroeste dos Estados Unidos, no ano de 1925. A trama retrata a relação de dois irmãos, Phil (Benedict Cumberbatch) e George Burbank (Jesse Plemons), que há 25 anos são vaqueiros e donos de um rancho no rincão de lá. A interação dos dois durante o início do filme é de uma incompreensão mútua: Phil é um homem do passado, duro, porém orgulhoso de lembrar de seu falecido mentor, “Bronco” Henry, sempre que tem a oportunidade; enquanto George é retraído, contempla soturnamente as paisagens ao seu redor e vive num entretempo de presente e futuro, um vulto que tenta ser moderno em meio à aspereza de seu ambiente.

Durante uma das conduções que a dupla faz de seu gado pelas redondezas, George conhece a viúva Rose (Kirsten Dunst), dona da estalagem em que seu grupo se abriga e que logo se casará com ele. Ao mesmo tempo, o filho de Rose, Peter (Kodi Smit-McPhee), é apresentado já em clara oposição ao “bronco” Phil: um jovem sensível e ingênuo que quer estudar medicina. O centro dramático é montado quando esse quadrado de protagonistas é forçado a conviver na casa dos Burbank durante as férias de Peter. 

Portanto, o filme se desenrola nas fraturas e possíveis adequações das diferenças dos quatro, com pontuais interações com outros personagens, que, por sua vez, fazem apenas o trabalho de moldar a psique de cada um dos protagonistas. Campion trabalha essa construção lentamente, sem, porém, deixar o ritmo cair a uma contemplação exagerada e auto-condescendente – apenas exige que o espectador preste atenção em pequenos detalhes, nas vestimentas, no uso ou não das palavras, nas reações silenciosas de cada personagem. O clima de tensão aumenta nessa soma de pequenos atritos ou enlaces entre os personagens, em conjunto com a trilha sonora ansiosa de Jonny Greenwood (integrante do Radiohead) que, por vezes, passa por cima de um intimismo que fica apenas desejado – vale lembrar que o livro-base foi uma das inspirações para outro faroeste revivalista, Brokeback Mountain.

A solidão de cada personagem, seja ela virtual ou real, é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que evita a abertura da barragem de sentimentos de forma piegas, fortemente verbalizada, também pesa sobre os atores, que devem passar emoções que, por vezes, podem até não ser captadas ou nunca expressadas em palavras. Entretanto, todos os quatro nomes principais são capazes de entregar atuações convincentes, mesmo que o casal interpretado por Plemons e Dunst tenha um tempo diminuído de desenvolvimento em relação à dupla de Cumberbatch e Smit-McPhee. Isto, aliás, acaba deixando seus problemas muito mais abstratos e impenetráveis, chegando ao ponto de haver, no ato final, uma ruptura entre a intensidade de suas ações e suas pretensas justificativas. 

É provavelmente nessa ambiguidade relacional entre os personagens, porém, que o filme se sai melhor com a dupla Peter e Phil, onde a trama caminha numa suspensão em que a flor da intimidade deles vai aos poucos sendo desabrochada. Seus espaços intocados, os passados, acabam sendo invadidos sutilmente enquanto Campion e a diretora de fotografia Ari Wegner se deleitam em captar o entorno da casa dos Burbank, com suas colinas e esparsas árvores, em composições belíssimas – evidente herança do tempo em que a diretora foi estudante de Artes Visuais.

Por fim, tomando o gancho, é a herança que faz Ataque dos Cães ser o que é. Campion tem consciência disso. Os personagens se montam a partir de sua aceitação (quase prisão) ou fuga do passado (seja num carro ou numa garrafa de bebida). Tudo remonta ao que não podemos mais ver. Um relógio de pulso, o fraquejar da mão, um olhar perdido, uma corda, uma sela, todas as coisas são símbolos. Mais que isso, são objetos que gravitam do que foi para o que é, uma presença viva do que está morto (há coisa mais viva que as cenas de Phil na floresta?). Mesmo que algumas partes fiquem enevoadas, a atmosfera está lançada e isso se reflete no próprio filme enquanto um faroeste.

Os westerns, além de um gênero altamente popular nos Estados Unidos, são o mito de criação desse país, o contar ininterrupto de uma história que mexe tanto com o passado de uma nação quanto com seu presente. E não é à toa que Campion coloca na boca de Phil a comparação dos irmãos com Rômulo e Remo, gêmeos míticos fundadores de Roma. Além de ter parte na criação de uma nação por meio da narração, também foram os faroestes que ajudaram a sedimentar uma imagem de homem que segue certos preceitos dos “machos” encapsulados por figuras como John Wayne e Gary Cooper e que atualmente vem sendo desmitificada –  processo do qual o longa-metragem de Campion faz parte, junto com outros desta mesma ainda curta década, como o fascinante Cry Macho, de Clint Eastwood, promotor central e agora desconstrutor da “imponência masculina” do oeste profundo.

O poeta Walt Whitman, orgulhoso fruto dos Estados Unidos do século 19 e que lembra o Phil de Cumberbatch por seu afastamento intencional da sociedade moderna e alto nível intelectual, comenta, muito melhor do que eu poderia, essa relação central que permeia Ataque dos Cães. “O que é o presente além do crescimento do passado?”, pergunta. O sentimentalismo do filme, com seu fascínio pelos desejos proibidos, por uma história marginal, é também um crescimento do passado, de uns certos homens e mulheres que não passaram nas telas nas décadas de 1940, 1950 e 1960, e que reclamam, por meio de relíquias, seu lugar nas criações de suas nações e do cinema. Tudo, afinal, termina com o sacrifício de um amor no momento histórico em que começarão a ser criados os mais clássicos faroestes. Um enterro duplo.

Movies

Bela Vingança

Como a violência causada pelo estupro de uma mulher pode se refletir não só na vítima mas também em quem convive com ela

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Universal Pictures/Divulgação

O que faz um filme nos emocionar ? Finais felizes? Resoluções de conflitos? O sentimento de satisfação que nos move a dizer se gostamos ou não de uma história? A utopia do “feliz para sempre” da ficção que nos atrai ao cinema? Bela Vingança (Promising Young Woman, EUA/Reino Unido, 2020 – Universal Pictures) subverte essa ordem sem medo. É uma obra ambiciosa e que pode não atender às expectativas de quem o vê.

Cassandra (Carey Mulligan) é uma mulher beirando os trinta anos e que largou a faculdade de medicina após algo ocorrer com sua melhor amiga de infância e colega de classe, Nina. Sem perspectiva de futuro e abalada pelo luto, Cassie trabalha em um café durante o dia e nas noites frequenta bares e baladas, onde finge estar bêbada para atrair homens mal intencionados. 

Essa é a estreia de Emerald Fennell na direção, atriz conhecida por interpretar Camilla Parker-Bowles na série The Crown. O filme é um drama-comédia ácida com sentimento e busca pela verdade. É uma boa ideia vê-lo sem assistir ao trailer antes, eles passam uma ideia deturpada do que será visto. O filme não é um thriller, nem uma jornada tensa por vingança. Embora o sentimento de vingança seja sim um elemento importante do enredo, o luto é a bússola condutora.

Todas as ações de Cassie são pautadas pelo trauma vivido por sua amiga na faculdade e que passa a ser carregado por ela. Quando as duas ainda eram estudantes de medicina, Nina sofre um abuso sexual que, mesmo reportada à insituição, não traz consequências aos abusadores. A indignação por conta da impunidade leva Cassie a virar uma espécie de vigilante da noite. Ao contrário do que o trailer dá a entender, não existe violência envolvida no filme: suas armas são palavras é a humilhação de pegar até o mesmo o mais legal dos homens tentando se aproveitar de uma mulher indefesa. A primeira cena é um bom resumo desse plano de vingança. Fingindo embriaguez, a moça é observada por um grupo de engravatados, o aparentemente mais decente do grupo se oferece para levá-la para casa e tenta se aproveitar de sua fragilidade. É uma interpretação da premissa de que todo homem é um predador em potencial, até os que não parecem ser.

A fotografia em tons pastéis contrasta com a atmosfera pesada da história. Os momentos ácidos de humor, principalmente ao lado de Ryan (Bo Burnham) são ótimos. A trama paralela de romance vivida por ele e Cassie ajuda a entender as dimensões do trauma carregado pela protagonista e é de extrema importância para o ato final do filme. 

O final de Promising Young Woman é controverso. Muitos não vão aprovar a escolha da diretora, mas faz sentido com a mensagem do filme. A justiça às vezes é amarga, triste, obscura. Não é um final satisfatório ou para trazer um sentimento de conforto. Pelo contrário: é dolorido, difícil de engolir. 

Intencionalmente a palavra estupro é pouco falada ao longo filme, sendo substituída por eufemismos e sinônimos. O grande momento catártico acontece quando Cassie consegue fazer um dos culpados proferir o termo. A confirmação da verdade escondida e renegada há anos é a verdadeira justiça.

Com isso, Promising Young Woman acaba sendo um filme bastante atual, pronto para atingir homens e mulheres de maneiras diferentes. É fruto de seu tempo, cria direta da era #metoo. Carey Mulligan, por entregar uma ótima atuação, prova que os efeitos de um abuso se estendem não só à vítima, mas a todos que convivem com ela. Seu amargor, portanto, replica a realidade.

>> Bela Vingança concorre no dia 25 de abril ao Oscar 2021 em cinco categorias: filme, direção, atriz, roteiro original e montagem