Music

Mundo Livre S/A

Os 30 anos de criação do mangue beat ganham em Florianópolis uma noite de festa e homenagens por meio de uma de suas bandas mais icônicas

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Tiago Calazans/Divulgação

No próximo dia 10 de junho (sábado), todos os caminhos da música independente da capital catarinense irão se cruzar na Cervejaria Matura Floripa, no coração da Praia do Campeche. O espaço será o palco do Noites Saravá, que nesta edição traz a lendária banda recifense Mundo Livre S/A novamente a Florianópolis, agora rendendo sua homenagem à história do mangue beat. A promessa é de uma noite épica para os fãs e apreciadores do movimento criado há 30 anos em Recife e que se transformou em uma das principais peças criativas da música brasileira do final do século passado – clique aqui para ter mais informações sobre o evento.

Quem mora pela região já pode deixar reservada a data na agenda. E aqui estão oito motivos para não perder o espetáculo de Fred 04 (voz, guitarra e cavaquinho), Pedro Diniz (baixo), Xef Tony (bateria), Leo D (teclados) e Pedro Santana (percussão). Bora?

Experiência presencial

O Mundo Livre S/A é conhecido por suas performances intensas e cheias de energia, proporcionando uma experiência musical inesquecível. Deste modo, não podemos esperar outra coisa que uma apresentação épica como foi aquele show no Riozinho, em janeiro de 2013.

Fusões musicais

O quinteto pernambucano mescla diferentes estilos musicais, como rock, samba, mangue beatelectronica e influências regionais tradicionais. Esta fórmula criou um som único e autêntico para fazer os puritanos passarem longe.

Repertório variado

De carreira extensa, a banda tem um repertório repleto de sucessos e hinos da música brasileira, como “Meu Esquema”, “Bolo de Ameixa”, “A Bola do Jogo”, “O Mistério do Samba” e “Livre Iniciativa”. De quebra, outras músicas compostas por Fred 04 (mais algumas do colega Chico Science, o falecido líder da Nação Zumbi, por exemplo) farão parte da apresentação, aquecendo o coração de todos que estiverem ali na plateia.

Performance marcante

Fred 04, o carismático vocalista, é conhecido por sua presença de palco que sempre envolve o público. Prestes a completar 58 anos, o autor do manifesto Caranguejos com Cérebro, que deu origem ao mangue beat, é sinônimo de contracultura brasileira e sabe como agitar a galera desde o minuto zero (quack!).

Atmosfera de festa

Os shows organizados pelo Saravá Cultural são uma verdadeira festa, sempre com clima descontraído, alegre e com ótimas atrações. Por isso, essa noite especial com o Mundo Livre S/A rendendo homenagem ao mangue beat e misturando isso com composições próprias é um convite a se divertir para valer.

Mensagens de resistência

As letras do MLSA abordam temas sociais, políticos e culturais de forma inteligente e provocativa, levando o público a refletir sobre questões importantes da sociedade. Ou seja, nada mais atual… embora estejam na estrada fazendo isso há 30 anos.

Músicos talentosos

Todos os integrantes são instrumentistas excepcionais. Dotados de habilidades técnicas diferenciadas, honram o legado da “Veneza Brasileira”. Sim, este é o apelido de Recife, a cidade que pulsa música boa há décadas e desenvolve talentos como a trupe que vem se apresentar neste especial da Saravá Cultural.

Legado histórico

O Mundo Livre S/A é considerado uma das bandas de maior influência e importância do rock nacional a partir da cena recifense do mangue beat dos anos 1990. Com mais de três décadas de carreira e dez álbuns lançados, o MLSA construiu uma história sólida na música brasileira, inspirando novas gerações de artistas e deixando um legado mais presente do que nunca, ainda na ativa, rodando e provocando por aí. Portanto, está dada a morta: prepare-se para uma noite cheia de emoções e momentos memoráveis de arte em seu mais puro estado.

Music

Evan Dando – ao vivo

De bem com a vida em São Paulo, o cérebro do Lemonheads faz o que sabe de melhor para exorcizar seus fantasmas

Texto e foto por Fabio Soares

Sempre sonhei em ver os Lemonheads. Nas três vezes em que a banda esteve no Brasil (1994, 1997 e 2004) não fui aos shows por diversos fatores, sendo o financeiro o principal. Após a desastrosa passagem do vocalista por terras brasileiras, ocorrida há 19 anos, a chance de enfim ver o grupo ao vivo (ou ao menos o seu líder) tornava-se algo quase impossível. Acompanhando as redes sociais do cabeça à frente dos limões, percebia-se que um retorno à América do Sul era um sonho cada vez mais distante.

Distante até dezembro de 2022. Em uma publicação na página oficial dos Lemonheads, Evan Dando aparecia numa belíssima foto, tocando violão. Mas o que mais chamaria a atenção foi o seu check in: ele estava na Serra da Cantareira, em São Paulo. Um amigo virtual logo veio me avisar: “Ele namora a filha do Renato Teixeira”. Numa rápida busca no Google descobri que Evan é namorado de Antônia, filha do lendário músico e compositor brasileiro, e que ele estava no Brasil para um período de férias. A partir daí, foi visto em São Paulo nas mais inusitadas situações. De idas ao dentista no Bairro da Liberdade a uma loja de instrumentos na capital paulista, passando por um set acústico para três gatos pingados na Vila Madalena, o dândi indie sente-se em casa em São Paulo. E o amor por Antônia é o principal fator para exorcizar seus fantasmas.

Quando foram duas apresentações de Evan no minúsculo teatro do Sesc Avenida Paulista, deu-se um verdadeiro pandemônio à procura de ingressos, que se esgotaram em minutos. E a sexta-feira 3 de março representou, para muitos dos 180 afortunados presentes à primeira das duas noites de Dando tocando em Sampa, a materialização da trilha sonora de suas adolescências.

Abrindo a solitária apresentação com voz e violão com “Outdoor Type”, a viagem aos anos 1990 teve início da maneira mais emocionante possível com corações disparados para “Into Your Arms”. Irriquieto, alterou o andamento da canção. Ninguém reclamou. Com a letra da canção na ponta da língua, a audiência não titubeou ao entoar seu refrão a plenos pulmões.

Como já era de se esperar, várias covers fizeram parte do set list com a dobradinha “My Idea”, de Chris Brocaw, e “Speed of the Sound of Loneliness”, de John Prine. Pano de fundo para a avassaladora tríade com “Hospital”, a antológica “My Drug Buddy” e a não menos emocionante “Ride With Me”. Problemas técnicos nos microfones poderiam ofuscar uma noite de jogo já ganho, porém nada disso abalou a disposição da plateia. A atmosfera era de uma grande festa de apartamento com um ilustre convidado e o visitante não decepcionou: mandou Victoria Williams (“Frying Pan”), Michael Nesmith (“Different Drum”) e até Ten Years After (“I’d Love To Change The World” a capella), transformando o Sesc numa cápsula do tempo que ganhou aura de colosso atemporal com a inesquecível “It’s a Shame About Ray” (que seria hino do Planeta Terra caso eu fosse o dono do mundo).

No final, a maravilhosa “Stove” deu números finais a um emocionante encontro entre Evan Dando e seus já quarentões fãs. Ele não mais precisa se esconder. Está feliz! Limpo! Sorrindo! Sabe que os dias pesados passaram, que é um sobrevivente e que talvez a vida esteja lhe dando uma última chance aos 56 anos.

E tudo por causa do amor. Sempre o amor…

Set list: “The Outdoor Type”, “Into Your Arms”, “Hard Drive”, “My Idea”, “Speed Of Sound Of Loneliness”, “Break Me”, “Hospital”, “My Drug Buddy”, “Ride With Me”, “She’s a Whore”, “How Will I Konw”, “Frank Mills”, “Rudderless”, “Snow Don’t Fall”, “Panch And Lefty”, “Different Drum”, “Confetti”, “Frying Pan”, “Being Around”, “It’s A Shame About Ray”, “Mrs Robinson”, “I’d Like To Change The World”. Bis: ”Stove”.

Music

BNegão – ao vivo

MC do Planet Hemp recria obra praieira de Dorival Caymmi com a participação de Danilo Caymmi e da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba

Texto e foto por Abonico Smith

Bernardo Santos teve uma epifania na adolescência, nos anos 1980, deitado no chão do quarto, ouvindo o vinil Canções Praieiras, de Dorival Caymmi. Durante a audição das quatro faixas do lado A, seu corpo tremia todo, a cabeça alucinava com as imagens propostas pelas letras. Quando a agulha chegou ao sulco central do long play, bateu aquele medo de virar o disco. Se a metade inicial já provocara todo esse rebuliço nele, arriscar as outras quatro faixas finais logo de cara passava a ser algo temeroso a se fazer de imediato.

Esta pequena lembrança de sua adolescência foi contada logo após o início do show BNegão Canta Dorival Caymmi com a Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, a principal atração do último dia 27 de janeiro da tradicional Oficia de Música de Curitiba que há 40 edições enche de harmonias, melodias, cantos e instrumentos a capital paranaense. No Teatro Guaíra, BNegão voltava a receber seu fiel escudeiro neste projeto, o violinista Bernardo Bosisio, para recriar as tradicionais canções registradas na fase “praieira” de Dorival Caymmi, majoritariamente gravadas no formato voz e violão. Juntos, algumas vezes já se apresentaram algumas vezes nos últimos anos para celebrarem este período todo especial da obra desta divindade que representa um período de ligação entre os sambas-canção da era de ouro do rádio no Brasil (todos os anos 1940) e o surgimento da bossa nova (final dos 1950). Desta vez, porém, trouxe novidades.

Dois convidados ilustres da cidade também participaram do concerto. Veio primeiro Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, criada há 25 anos e com extenso currículo de concertos e presenças na Oficina, veio primeiro. Com doze instrumentistas de sopro (um deles seu regente e diretor artístico, Sergio Albach) e mais o acompanhamento de bateria, percussão, contrabaixo acústico e piano. Preencheu alguns dos arranjos com uma sofisticada orquestração que em vários momentos não só relembrou a sofisticação do pop dos anos 1960 como também o tempo em que as canções pré-praieiras de Caymmi era executadas pelos muitos músicos contratados para trabalhar diariamente no auditório da Rádio Nacional no Rio de Janeiro. Isto é, tempos em que a música popular, fosse nacional ou estrangeira, apresentava uma riqueza de possibilidades analógicas que maravilhavam todo e qualquer ouvido. E já na metade final do repertório, Danilo Caymmi, um dos filhos do homenageado (e que também mora em Curitiba há alguns anos), ocupou a cadeira do outro lado de BNegão para dividir com ele os vocais de algumas das principais composições do pai. Por fim, o set list de 16 canções apontou para o que o artista carioca irá apresentar em seu próximo álbum, o primeiro efetivamente solo, que será gravado no decorrer deste ano (e muito provavelmente com o acompanhamento não só de Bosisio mas também da própria orquestra curitibana).

O que se viu durante cerca de uma hora de concerto foi um BNegão extremamente emocionado por estar no comando de versos poderosos de Caymmi, que exaltam as belezas, alegrias, tristezas e perigos do mar mais todo o universo que gravita ao redor das ondas: o vento, os peixes, as jangadas e canoas, a praia, as mulheres dos pescadores e também a soberana rainha das águas, Iemanjá. A afinação mais grave do violão usado por Caymmi nas gravações estava reproduzida por Bosisio. O vozeirão tonitruante de Danilo, por sua vez, incorporou a principal característica de seu pai enquanto intérprete. Já o também MC do Planet Hemp, por sua vez, justificou de cabo a rabo a “herança espiritual” daquele repertório. Fala mansa, timbre menos grave do que o de Dorival porém não tão longe assim para se encaixar perfeitamente nas canções, reverência constante ao mestre e ainda um ligeiro quê de esperteza e malemolência para dar brilho à interpretação das obras escolhidas para aquela noite. Do início, sossegado e na brisa de “O Vento” às várias saudações a Iemanjá (“Dois de Fevereiro”, “Promessas de Pescador”, “Morena do Mar” e “Rainha do Mar”), passando por flertes com o PH, como no canto falado da work song “Pescaria (Canoeiro)” ou nos versos violentamente trágicos e impactantes de “A Jangada Voltou Só”.

E não poderia ser algo diferente o final de toda aquela celebração que não com “Canção da Partida”. De vinheta de abertura do álbum Caymmi e o Mar (pertencente a uma história narrada com prosa e músicas entremeadas), a marchinha transformou-se em hino, daqueles de serem cantados a plenos pulmões. Tanto que, segundo contou Danilo no palco daquela noite, tornou-se um grande hit na Rússia de Vladimir Putin. Tudo por conta de uma adaptação do cinema norte-americano (rodada inteiramente na Bahia e falada em inglês) do livro Capitães de Areia, de Jorge Amado. The Sandpit Generals, de 1971, foi fracasso de bilheteria em território norte-americano, mas fez tanto sucesso quando exibido na então União Soviética, com a canção na voz de Dorival na trilha sonora. Se no Brasil pouco se soube sobre a produção, já que ela fora censurada pela ditadura militar, os jovens russos adotaram a melodia, que depois até ganhou uma versão em russo e se transformou em símbolo da entrada no mundo adulto no comunismo da era anterior a Leonid Brejnev, que liderou o Soviete Supremo de 1977 até morrer em 1982). Vale lembrar que aquele período ficou conhecido como era da estagnação. Muitos dos recrutas dispensados de servir ao país durante a Guerra do Afeganistão (que duraria de 1979 a 1989) não encontravam oportunidades de estudar nem trabalhar e viram na obra do baiano o manifesto perfeito para quem se encontrava às margens da sociedade e via o ingresso em organizações mafiosas daquele país como a única tábua de salvação para continuar tocando a vida.

No Guaíra, a pequena multidão não vinha de Moscou e arredores e nem devia saber da existência do tal filme mas reagiu tal qual aquela juventude russa distante dos anos de 1971 (o filme) ou 1957 (Caymmi e o Mar). Quando o arranjo acabou, a alternativa para os cantores e instrumentistas ali no palco foi retomar a música imediatamente, de tanto entusiasmo e efusividade. Sinal de toda a contemporaneidade de Dorival Caymmi, afinal grande parte da plateia do teatro era formada por pós-adolescentes, jovens e jovens adultos que também não eram nascidos no tempo da produção fonográfica praieira de Caymmi ou quando The Sandpit Generals foi rodado. E tal como BNegão, tiveram uma epifania – agora coletiva – naquela noite ao som da obra do baiano que cantou como ninguém o mar (e sem saber nadar, aliás!). 

Set list: “O Vento”, “Noite de Temporal”, “Quem Vem Pra Beira do Mar”, “Pescaria (Canoeiro)”, “Dois de Fevereiro”, “O Bem do Mar”, “Promessa de Pescador”, “Morena do Mar”, “Rainha do Mar”, “Itapoã”, “O Mar”, “A Jangada Voltou Só”, “É Doce Morrer no Mar”, “A Lenda do Abaeté”, “Saudade de Itapoã” e “Canção da Partida”.

Movies, Music

Bowie: Moonage Daydream

Película com acesso a muito material inédito da trajetória de David Bowie é um bilhete de loteria transformado em ode à arte

Texto por Fabio Soares

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Brett Morgen é uma sujeito de sorte. Às vésperas de completar 54 anos, o diretor californiano (que esteve à frente de Cobain: Montage of Heck, filme de 2015 sobre a vida do líder do Nirvana) obteve acesso a milhares de arquivos de imagens, manuscritos e registros sonoros de David Bowie, tudo disponibilizado pela família do cantor. Aliás, o termo “cantor” transforma-se em definição diminutiva e errônea diante da mastodôntica importância do britânico, morto em janeiro de 2016 e que hoje faria 76 anos de idade.

A película Bowie: Moonage Daydream (EUA, 2022 – Universal Pictures) foi exibida em cinemas no Brasil por somente uma semana durante a segunda quinzena do último mês de setembro. Ela não é um documentário. Também não é um filme. Muito menos um videoclipe com exacerbada extensão. É um bilhete de loteria transformado em ode à arte.

Com narração do próprio Bowie, este acontecimento multissensorial convida o espectador a mergulhar (sem tanque de oxigênio) por águas tortuosas. O jogo de imagens incomoda, instiga, provoca. Morgen sabia que o acesso a registros nunca antes divulgados era um bilhete de loteria valioso demais para ser desperdiçado. A marcial trilha sonora ainda é um personagem à parte. Há Bowie para todos os gostos. Do lirismo de “Rock and Roll With Me” à urgência de “Cracked Actor”, passando pela fase dançante da monumental retorno da carreira após breve hiato no início dos 1980, tudo impressiona, é grandioso e magistral.

A montagem do longa também merece destaque. A sobreposição de camadas visuais, misturadas a imagens de apresentações ao vivo, elevam a experiência audiovisual a outro patamar. Tente não se emocionar com Bowie cantando “Space Oddity” simultaneamente em 1972 e 1997. Perceba, nesta hora, a discreta diminuição de uma oitava na execução noventista.

Os mais esotéricos se surpreenderão com o ascendente em aquário do popstar sobrepor-se ao seu lado capricorniano, fazendo com que ele não criasse raízes em lugar algum, mudasse de país quando lhe desse na telha e carregasse consigo apego ZERO a lugares e pessoas. Desapego este que desabou por completo ao conhecer Iman Mohamed Abdulmajid, a modelo somali por quem se apaixonou em 1992. Mas daí é outra história.

Após a sessão, a vontade de possuir Bowie: Moonage Daydream no modal físico é mais que justificável! Saí da sala de cinema querendo adquirir o DVD, a camiseta, o CD, o vinil, o shampoo ou seja lá qual for o produto oriundo desta obra de arte que extrapole o conceito de documentário.

Só que no streaming (disponível para locação via Amazon Prime no Brasil) podemos consumir a películas uma, duas, quinze, cento e cinquenta vezes! Documento vivo de nosso tempo. Um tempo que é só nosso e que podemos fazer dele o que quisermos.