Movies, Music

Aumenta que é Rock’n’Roll

Longa sobre a revolucionária atuação da Fluminense FM na cultura jovem brasileira dos fica muito aquém daquilo que deveria realmente ser

Texto por Carlos Eduardo Lima (Célula Pop)

Foto: H2O/Divulgação

Esta resenha promete ter muito boa vontade com Aumenta que é Rock’n’Roll (Brasil, 2024 – H2O), longa de Tomas Portella, que estreou nos cinemas do país em 25 de abril. Não se trata de fazer vista grossa para eventuais falhas (e elas existem), mas de procurar privilegiar o fato de que é uma obra que faz justiça a um evento muito importante: o surgimento da rádio Fluminense FM em 1982, no Rio de Janeiro. A Maldita, como foi rebatizada logo após ir ao ar, foi parte importante da engrenagem que divulgou e difundiu a produção de bandas e artistas brasileiros daquela década de 1980, identificados com novos idiomas do rock e do pop.

Baseado no livro do criador da rádio, o jornalista Luiz Antonio Mello, A Onda Maldita, o filme procura os fatos ocorridos entre o momento anterior à fundação da emissora, indo até o primeiro Rock In Rio – ou seja, um total de pouco menos de três anos. Não existe, porém, um rigor neste recorte. Ele fica por conta do público e vai variar de acordo com o envolvimento de quem assiste ao longa. Se você é um ex-ouvinte da Flu FM (e há muitos por aí), os fatos e as imagens o atingirão em cheio no peito.

Há uma preocupação evidente com a ambientação de época, mostrando externas em Niterói, onde a rádio existiu, além de cenários bem convincentes dos estúdios da emissora, cheios de pôsteres de bandas, capas de discos e tudo mais, dando conta da identificação primordial da Maldita com o rock’n’roll. Seu surgimento, a partir de 1 de março de 1982, quando Luiz Antonio a colocou no ar com um célebre discurso de abertura. E a figura do jornalista será a responsável por conduzir a trama que rege o roteiro. Sua angústia em relação à importância do rock, seu desejo de “fazer diferente”, suas aspirações e convicções. O roteiro falha em dar profundidade ao personagem, mostrando apenas uma pessoa que gosta do gênero, sem explicar exatamente o motivo ou alguma referência pregressa. Ao longo do filme, a atuação de Johnny Massaro, responsável por interpretar LAM para o público, torna-se exagerada, histriônica, quase irritante.

A Fluminense foi famosa por apresentar inovações importantes no dial carioca. O uso de locutoras foi uma delas e o elenco traz várias atrizes, como a ótima Bella Camero, em atuações reduzidas e subvalorizadas. Seus nomes importam pouco. Ou melhor, não importam tanto quanto poderiam se os originais fossem mantidos. Profissionais como Selma Boiron, Mylena Ceribelli, Liliane Yusim, Edna Mayo, Monica Venerabile, entre outras, foram importantes e tiveram trajetórias próprias e ricas, que, certamente dariam mais força ao roteiro. Em seu lugar, optou-se por uma solução arriscada: criar uma personagem fictícia, que “representasse” o time feminino da rádio. Daí veio Alice, vivida por Marina Provenzzano, que acaba vivendo um romance com Luiz Antonio, numa distorção séria dos eventos. Tudo bem, é uma adaptação, mas muito infeliz. A atriz ainda se esforça em dar contornos reais para a personagem, só que uma revelação feita em certo momento torna tudo impossível. Erro sério.

Se a Fluminense FM teve identificação direta com o rock, não significa que sua identificação com o novo tenha sido imediata ou natural. Enquanto a maioria da programação tocava bandas na ativa já nos anos 1970 (Who, Yes, Rolling Stones, Led Zeppelin) e todas já meio datadas em 1982, a novidade viria por conta de um programa específico da emissora. Pilotado pelo fotógrafo e DJ Maurício Valadares, que abriu as portas da programação para ska, reggae, eletrônico, post-punk, o Rock Alive, simplesmente, não existe no roteiro. Se o filme finca posição no caráter de inovação da Maldita para além das locuções e promoções, precisa entrar na questão de que bandas e artistas atuais em 1982 eram veiculados. O envio de fitas cassete para a produção da rádio, mencionado com riqueza de detalhes no longa, não era uniforme e as bandas estreantes adentravam a programação em sua maioria, pelo programa de Valadares. Aliás, não é exagero dizer que a postura dele marcou a emissora muito além de sua real atuação, identificando a Maldita com o novo, ainda que bandas como Style Council, Cure, UB40, Duran Duran e similares não tocassem na programação fora dos domínios do Rock Alive. Mas tudo bem!

O elenco de apoio é regular, as sequências são ok – lembram um pouco o ritmo do finado programa global Armação Ilimitada e optam por mostrar Luiz Antonio como o protagonista solitário da epopeia de criação da Maldita. Sabemos (incluindo o próprio LAM) que tratou-se de um esforço conjunto e altamente “descoordenado”, que deu espaço para momentos de criatividade total e improvisos heroicos. No fim das contas, a famosa “consultoria” que a Fluminense teria prestado ao Rock in Rio surge muito rápida na tela e vai embora do mesmo jeito, com a solução óbvia de um romance totalmente careta e sem sentido, entre Luiz Antonio e Alice.

Três meses depois do Rock In Rio, em abril de 1985, LAM deixaria a emissora e partiria para uma carreira de muito sucesso no meio musical, atuando em gravadoras, emissoras, escrevendo roteiros para a TV e solidificando sua marca como um dos grandes pioneiros do jornalismo cultural do estado do Rio. É justo que seu feito com a Maldita seja lembrado e saudado além de sua geração e este é o mérito que justifica a existência de Aumenta que é Rock’n’Roll. Sua chegada é saudada, mas, cá entre nós, o filme poderia ser muito melhor.

Movies, Music

Saudosa Maloca

Inspirado na criação das canções (e em parte da vida) do sambista Adoniran Barbosa, longa acerta ao fugir de uma cinebiografia convencional

Texto por Abonico Smith

Foto: Elo Studios/Divulgação

João Rubinato é uma figura ímpar da música brasileira. Filho de imigrantes italianos, falava muita palavra de modo errado perante a norma culta da língua portuguesa. Também não tinha muita instrução formal. Largou a escola cedo, pois não gostava de estudar e ainda precisava trabalhar desde criança para ajudar a complementar a renda de casa. Mesmo assim, com muita perspicácia, criatividade e talento, criou uma série de canções que se tornaram, com o tempo, pérolas icônicas de qualquer roda de samba que se preze, seja na mesa do botequim ou no palco de um pomposo teatro. Entrou para a história da cultura nacional sob o pseudônimo de Adoniran Barbosa. Não exatamente como o cantor que sempre sonhou ser desde jovem. Mas como compositor de fortes melodias aliadas a letras irresistíveis, com muito humor e verve literária do cotidiano ligado às pessoas à sua volta, quase toda vivida na cidade de São Paulo.

O diretor e roteirista Pedro Soffer Serrano é um dos maiores admiradores da obra de Adoniran. Depois de assinar um curta baseado nas principais músicas  (Dá Licença de Contar, de 2015 – clique aqui para assistir à obra) e um documentário sobre o artista (Adoniran: Meu Nome é João Rubinato, de 2018 – clique aqui para ler a resenha do Mondo Bacana), ele agora chega aos cinemas de todo o país com o terceiro produto desta trilogia, um longa-metragem. Saudosa Maloca (Brasil, 2023 – Elo Studios) não é bem uma biografia do ídolo. Em pouco mais de noventa minutos de história, aliás, bem pouco ou quase nada se mostra em cena da vida pessoal de João. Seu dois casamentos, sua família, sua filha, inclusive sua trajetória artística. Esse negócio de “onde nasceu, como viveu, do que se alimentou, do que morreu” pode caber para o Globo Repórter, mas  não aqui. Serrano opta pelo mesmo esquema do curta e costura um Rubinato já na terceira idade contando histórias para um jovem garçom fã de suas canções.

Quase tudo se passa em flashbacks protagonizado pelo trio formado por João, Joca e Mato Grosso. Com calibrada dose de humor no roteiro, detalhes sobre experiências vividas por estes três amigos que se uniram em uma maloca improvisada em um casebre na região central paulistana lá pelos anos 1950, quando a sensação de transformações definitivas vinha com o estabelecimento da indústria cultural forte e o surgimento de arranha-céus no lugar de simples casas. Todos os três já estão bem crescidos, por volta dos 40 anos de idade e com um grande ponto em comum: o amor pela boemia e pela malandragem de uma época ainda de alto grau de inocência cotidiana, sem o menor tino para o trabalho de modo convencional.

É foi justamente este universo ao redor de Adoniran Barbosa o grande trunfo para o surgimento de canções inesquecíveis como “Conselho de Mulher”, “Iracema”, “No Morro da Casa Verde”, “Um Samba no Bixiga” e “Vila Esperança” ou “Samba Italiano” – isso somente listando algumas criações coadjuvantes dos greatest hits (“Samba do Arnesto”, “Trem das Onze”, “Tiro Ao Álvaro” e “Saudosa Maloca”). Por meio de versos e títulos de suas músicas, bairros (mais centrais ou nem tanto assim) como Brás, Bixiga, Jaçanã e Vila Esprança ganharam popularidade extramunicipal na segunda metade do século 20. Este longa destrincha um pouco de como e porquê as famosas obras acabaram circulando, primeiro pela tradição oral e depois sendo eternizadas por gravações lançadas no mercado fonográfico nacional.

Teria tudo o que é mostrado na tela acontecido realmente? Aliás, em um determinado momento o tal jovem garçom lança no ar uma boa pergunta: teriam mesmo existido os tais de Mato Grosso e Joca que estão nas contações e cantações de Rubinato? A resposta acaba vindo nas entrelinhas e de maneira categórica: pouco importa se sim ou se não. O que vale, afinal, é a exímia destreza de Adoniran Barbosa como um observador e cronista social do dia a dia de uma classe trabalhadora e de baixa renda em uma metrópole ainda se desenhando para o agigantamento desenfreado que ainda pode ser presenciado pelo artista no final de sua vida (ele faleceu em novembro de 1982, aos 72 anos).

Saudosa Maloca conta ainda com um elenco afiado. Repetindo os seus papeis no curta-metragem (que ainda tem algumas breves cenas reprisadas no longa), Paulo Miklos (João), Gero Camilo (Mato Grosso) e Gustavo Machado (Joca) estão deliciosamente impagáveis. Uma trinca capaz de arrancar gargalhadas e competir com os Trapalhões no momento áureo do grupo capitaneado por Renato Aragão logo após a estreia do programa na Rede Globo. Sidney Sampaio (o tal jovem garçom de nome Cícero) e Leilah Moreno (a garçonete Iracema, sempre cortejada pelos dois parças de maloca de Adoniran) reforçam a parte mais dramática do roteiro, ao passo que Paulo Tiefenthaler (o rico Pereira, homem da grana, da influência e do contraponto ao trio de zé ninguéns que andam quase sempre duros e sem comida em casa) e Zemanuel Piñero (o chapa Arnesto, aquele que convidou para um samba que não existiu em sua casa) se mostram brilhante como escada. Diversas vezes eles levantam a bola para Gero, Gustavo e Paulo subirem nas alturas e cortarem com tudo a bola rumo ao chão e marcarem diversos pontos.

Quem já é iniciado no fantástico mundo dos versos escritos por Adoniran Barbosa vai se deliciar com este longa-metragem repleto de inesquecíveis frases acidamente filosóficas pronunciadas pelo protagonista. Quem ainda não conhece ou pouco sabe de João Rubinato tem a grande chance de se apaixonar e virar fã de vez dele.

festival, Music

Arvo Festival 2023

Oito motivos para não perder o festival cuja terceira edição irá marcar a volta aos palcos de Rubel e da Nação Zumbi

Rubel

Texto por Frederico Di Lullo

Fotos: Divulgação

Um dos festivais mais aguardados na Ilha da Magia, o Arvo tem sua terceira edição marcada para o próximo dia 28 de outubro, prometendo um dia histórico. Seja pelo seu histórico anteriores ou pelo lineup da atual, haverá todos os ingredientes para um evento inesquecível.

Mondo Bacana apresenta agora oito motivos para você garantir presença no festival em Florianópolis e aproveitar um sábado de muita cultura efervescente. Bora?

Estrutura de primeira

O Arvo se caracteriza por ser proporcionar uma experiência diferenciada para quem vai ao festival. Espera-se para a próxima uma estrutura equalitária às edições anteriores, com um som de primeira e três palcos que irão proporcionar o revezamento de mais de 20 atrações diferentes em mais de 12 horas de show.

O melhor bairro de Floripa

O local escolhido para o Arvo não poderia ser diferente: a Arena Império das Águias, que fica no Campeche, internacionalmente conhecido por ser um bairro que detém uma ampla e efervescente comunidade de músicos, surfistas e famílias que escolhem a tranquilidade de morar à beira-mar. Como se não bastasse, ainda é o melhor pôr-do-sol de Floripa! 

Diversidade musical

É samba, é rock, é manguebit… A diversidade que urge do atual cenário musical nacional estará presente e isso poderá ser traduzido em garantia de sucesso e diversão! Afinal, diferenças musicais e muitos gostos estando ali representados, sendo um espaço plural e diverso.

Rubel 

A turnê As Palavras é a primeira do artista em mais de três anos e vem recebendo elogios em todas as cidades que acolhem a apresentação. E não pense que ela vem de maneira enxuta: serão os 12 pessoas no palco, tocando um set list que equilibra músicas de toda a carreira de Rubel.

Nação Zumbi

ícone do movimento manguebit, a Nação Zumbi, agora com a formação de trio (mais músicos convidados) é uma força revolucionária na música brasileira e finalmente se apresenta novamente em Florianópolis. O show mescla rock, funk, maracatu e psicodelia de forma única. Está sendo aguardadíssimo, afinal, a última passagem pela cidade desta trupe, que retorna agora de um ano de pausa e sem a presença do guitarrista Lucio Maia, foi no já longínquo ano de 2019.

Jorge Aragão

Cantor, compositor e instrumentista, ele personifica o samba em sua forma mais autêntica, com uma carreira brilhante que atravessa décadas. Com certeza, não vão faltar clássicos para todo mundo cantar junto com este tesouro da música brasileira, como “Eu e Você Sempre,” “Malandro”, “Vou Festejar” e “Coisinha do Pai”. Sem dúvidas, será mais um momento histórico para este ano na Ilha da Magia.

Baco Exu do Blues 

Figurinha carimbada na capital catarinense, o baiano de 27 anos é uma atração que merece destaque na programação deste. Com letras perspicazes, o multifacetado artista promete, mais uma vez, balançar todos os presentes com suas composições, numa verdadeira e sincera polifonia sonora.

Ainda há ingressos disponíveis

Já foi anunciado pelo próprio festival que mais de 80% dos ingressos já foram vendidos. Por isso, não é para deixar pra cima da hora. Caso contrário você corre o risco de perder as atrações citadas acima mais outros nomes como Tulipa Ruiz, Rincon Sapiência, Liniker, Anelis Assumpção e Furacão 2000. Para garantir sua presença num dos dias mais legais do ano na Ilha da Magia e saber mais informações sobre as entradas, é só clicar aqui!

Movies

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante

Nova animação dos quatro adolescentes cascudos que fizeram muito sucesso nos anos 1990 faz crise no cinema terminar em pizza

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Paramount/Divulgação

“Acabou em pizza” é uma expressão genuinamente brasileira. Ela vem do futebol, uma paixão nacional. Lá nos idos anos 1960, o jornalista esportivo Milton Peruzzi era setorista do Palmeiras, o time mais italiano do país, e cobria uma grave crise no time para a Gazeta Esportiva. A reunião durou horas e, para controlar o caos e a fome dos cartolas, foram pedidas dezoito pizzas gigantes. No dia seguinte, a manchete era esta: “Crise do Palmeiras termina em pizza”.  

Meu filho Marco tem nome italiano, de guerreiro. Não torce pelo Palmeiras, só come pizza de chocolate, e relutou em assistir à pré-estreia de As Tartarugas Ninja: o Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem, EUA/Japão/Canadá, 2023 – Paramount). Quando chegamos ao cinema, foi um pequeno caos.

– Mamãe, quero ir embora!

– Mas, mas, mas Marco… Esse filme vai ser muito massa! Vai ter cena de cocô, etc, etc

Sim, apelei para a tática ninja escatológica – que as crianças tanto amam e se partem de rir – para contornar aquele pequeno caos. 

Aqui, preciso fazer um adendo. Marco adora ir ao cinema. Inclusive, amou o Super Mario Bros. Tanto é que ficou impressionado como o final chegou tão rápido. 

– Mamãe, já passou uma hora de filme? 

– Já, Marco!

– “Mas já?

Marco queria mais de Super Mario, mas Tartarugas Ninja… niente! Depois que o pequeno piti foi controlado à moda francesa, com muita elegância, Marco subiu, relutante, até uma das últimas fileiras do cinema. E começou o filme.

Caos Mutante é o mais novo longa da franquia adquirida pela Nickelodeon em 2009 e que fez muito sucesso no Brasil nos anos 1990 (meu irmão era fãzaço!). As personagens foram criadas originalmente para os quadrinhos, na década de 1980, pelos norte-americanos Kevin Eastman e Peter Laird. 

Nesse novo capítulo da saga somos apresentados à versão adolescente das tartarugas, batizadas com nomes de artistas renascentistas italianos: Leonardo (dublado por Nicolas Cantu), Raphael (Brady Noon), Michelangelo (Shamon Brown Jr.) e Donatello (Micah Abbey). Detalhe que, para quem não conhece direito a turma, como o Marco, os nomes das personagens só são citados lá na metade do filme. 

O início mostra como os quatro irmãos se transformaram em animais antropomórficos ao serem expostos a uma substância radiativa. Um rato chamado de Mestre Splinter (que só podia ser dublado por Jackie Chan) – que também fora vítima da mutação – cria os animais no subterrâneo de Nova York, para evitar o contato com os humanos. A cidade, aliás, é infestada por ratos na vida real. Tanto é que o prefeito chegou a criar o cargo de “diretor de mitigação de roedores” – é a vida imitando a arte.

Splinter é mais que um pai. Mestre em kung fu, ele se torna um verdadeiro mentor e passa a ensinar ninjutsu a seus filhos verdinhos, que só saem de casa à noite para comprar as “porcarias gostosas” que todo adolescente gosta. Já, logo de cara, a animação se torna deliciosa.  Como um molho caseiro temperado com manjericão, dá indícios que nos próximos minutos será bem-sucedida ao dar frescor juvenil a esse sétimo filme sobre os répteis.

Bem ao estilo dos anos 1990, quando o mundo era menos chato, esse filme não esconde nenhum merchan. Tá tudo lá: a marca do refri, a da batata frita etc, etc.  Aliás, essa é a grande diversão para aquele público que era criança (ou adolescente como eu) naquela época: provocar essa sensação nostálgica, seja na técnica da animação ou nos elementos anacrônicos. 

Mais artesanal, com imperfeições, essa animação é bem diferente dos longas anteriores, em live action, computação gráfica ou o traço chapado da TV. O resultado lembra aqueles desenhos supercoloridos feitos com giz de cera, com a intenção de refletir o ambiente rebelde das tartarugas no cenário urbano da cultura nova-iorquina com seus skates e grafites, como explicou à imprensa Jeff Rowe. O diretor também consegue, com proeza, mesclar a estética noventista com a atualidade. Isso pode ser percebido no uso de diferentes gadgets pelas personagens. 

A trilha sonora é uma personagem à parte. Assinada pela dupla dinâmica Trent Reznor e Atticus Ross (leia-se Nine Inch Nails), as músicas originais dão ritmo certo à narrativa. Quando “What´s Up” (hit do 4 Non-Blondes) surge, então na versão famosa e depois mais acelerado, a viagem no tempo é garantida. 

Como toda clássica jornada do herói, ao lado do Homem-Aranha e do Batman, as tartarugas se consolidam como os defensores de NYC. Com o treinamento que recebem do ratão pai, eles se sentem confiantes primeiro para se defender dos humanos. Sim, no início, nós também somos os vilões da história, no sentido de não estarmos abertos ao novo. Afinal, se um alienígena verde surgisse na sua casa, você o atacaria ou serviria uma xícara de café?  

A confiança nos seres humanos aumenta quando conhecem uma aspirante a jornalista (e que protagoniza a tal cena de humor escatológico que o Marco curtiu à beça). A jovem está à caça de um furo e consegue uma notícia bombástica quando as tartarugas são obrigadas a proteger a população contra as ameaças do Clã do Pé, que é comandado pelo vilão Superfly (Ice Cube). Os arquiinimigos também são mutantes e querem dominar a cidade. No final, ocorre a grande luta. 

Quando o filme acabou, Marco estava com um sorriso no rosto. Por dias ele se lembrou da barata e do cocô.

– Mamãe, tem cenas pós-créditos! Então vai ter mais um!

Sim! Cowabunga! 

Movies

Angela

Isis Valverde revive a intensa história de fogo e paixão da socialite Ângela Diniz, vítima de famoso caso de feminicídio nos anos 1970

Texto por Janaina Monteiro

Foto: Downtown Filmes/Divulgação

Noite de 15 de julho de 2011. Uma menina, de 4 anos, perambula sozinha na rua de casa, em Colombo, região metropolitana de Curitiba. Encontra uma mulher e bate nas costas dela: “tia, minha mãe está morta”. Em cima da cama, a polícia encontra o corpo de Carine Andréia dos Santos do Carmo, executada com dois tiros na cabeça. Suspeito: o marido, foragido. Lembro até hoje o rosto da menina deixando a casa onde vivia há apenas dois meses, de mãos dadas com os conselheiros tutelares e as cenas da tragédia cravadas na memória. Sem mãe, nem pai.

30 de dezembro de 1976. Às vésperas do réveillon, a socialite mineira Ângela Maria Fernandes Diniz é executada com quatro tiros, três no rosto e um na nuca, pelo então companheiro Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street. “Se você não for minha, não será de ninguém”, disse o assassino, antes de disparar à queima-roupa. 

O crime ocorreu na casa onde os dois moravam, na Praia dos Ossos, município de Búzios, litoral do Rio de Janeiro. Ossos do homicídio. Raul fugiu, foi preso e, no primeiro julgamento, em 1979, seus advogados alegaram a tese de legítima defesa da honra, desabonando a conduta de Ângela, na famosa estratégia de culpar a vítima, que muitos advogados ainda sustentam hoje, um traço característico da cultura machista. Durante o júri, ela foi descrita como a mulher fatal, capaz de levar o homem à loucura.

Doca, o homem que havia “matado por amor”, recebeu a condenação de dois anos de prisão, que nem chegou a cumprir. O absurdo dessa pena “simbólica” deixou a sociedade perplexa e fez até o poeta Carlos Drummond de Andrade se manifestar: “estão matando essa moça todos os dias”, escreveu na época.

Os movimentos feministas logo se organizaram e criaram o slogan “Quem ama não mata”. Em 1981, Street foi levado a segundo julgamento e pegou 15 anos de prisão por homicídio doloso qualificado. Cumpriu quatro anos em regime fechado até progredir para o semiaberto. Antes de morrer, em 18 de dezembro de 2020, aos 86 anos, ele chegou a publicar um livro de memórias chamado Mea Culpa.

A história desse feminicídio, amplamente divulgado na mídia na época, agora está nas telas dos cinemas com direção de Hugo Prata. O cineasta, aliás, vem se tornando um especialista em cinebiografias de artistas e celebridades, sobretudo personagens femininas marcantes, como fez com Elis e agora Ângela. 

Angela (Brasil, 2023 – Downtown), o filme que traz Ísis Valverde na pele da protagonista e Gabriel Braga Nunes como Doca Street, estreia no país, no dia da Independência, 7 de setembro, e no ano em que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a tese de legítima defesa da honra, usada em casos de feminicídio ou agressão contra as mulheres para justificar o comportamento do acusado. 

Num bate-papo pós pré-estreia no Cine Passeio, em Curitiba, comandado pelos curadores, Marden Machado, jornalista e crítico de cinema, e pelo diretor Marcos Jorge, Prata conversou com os espectadores e revelou detalhes de como o filme foi idealizado: “Achei que tinha perdido o timing. Porque quando comecei a rodar, logo veio o movimento #metoo. Depois, o caso ainda foi repercutido no podcast Praia dos Ossos”, lembrou. Portanto, foram sete anos até o lançamento do longa, prazo de expiração para muito casamento. Mas seu timing não poderia ser mais preciso, por causa da decisão histórica do STF.

Bonita, elegante e à frente do seu tempo, Ângela Diniz casou-se ainda adolescente com o engenheiro Milton Villas-Boas, quatrocentão da sociedade paulistana. Aos 21 anos, já tinha três filhos para criar. Na época em que conheceu Doca Street (que, então, era casado com outra socialite, Adelita Scarpa), Ângela estava fragilizada por causa do desquite, já que a lei do divórcio só seria aprovada no país em 1977, ano posterior ao homicídio.

Por isso, ao contrário do que muito se divulga, ela teve de renunciar à guarda dos filhos pequenos em prol de sua liberdade, de sua independência. Ao contrário dela, muitas mulheres permaneciam casadas para manter as aparências. Ficar longe das crianças foi o primeiro preço alto que teve de pagar, como mostra o filme. Prata contou que, desde o início, a ideia foi desmitificar nas telas a imagem da socialite como sendo a “mulher fatal”, a “pantera de Minas” que participava de festas ao lado do colunista social Ibrahim Sued, seu namorado antes da paixão avassaladora por Doca.

Durante seu processo de pesquisa, o cineasta entrou em contato com os filhos da vítima. Soube que um deles morreu num acidente. O outro tem uma doença que o paralisou e, por isso, é assistido pela irmã Cristiana Maria Villas-Boas Viana, sua tutora. Prata chegou a conversar pessoalmente com a filha de Ângela depois de encontrá-la nas redes sociais, mas não conseguiu muito subsídio para construir a história. Afinal, a dor ainda é grande. E, ao contrário do que muita gente pensa, há poucas imagens de Ângela em público porque ela não podia se expor.

“Ao falar da morte ficam dizendo que ela era rica, que ela era bonita, muito sedutora. Tudo aquilo que foi colocado no julgamento permeou a imagem da Ângela. Então, a gente descartou a tese de que não importa o que ela viveu antes de conhecer o Raul e antes dele matá-la. Ângela tinha o direito de viver a vida do jeito que ela quisesse. Então, o filme começa no dia em que eles se conheceram, evento fatídico da vida dela”, contou. Ou seja, Prata e a roteirista Duda de Almeida recriaram a protagonista livre de julgamentos, a partir do momento em que ela conhece seu assassino, numa festa, até a sua morte.

Foram quatro meses de fogo e paixão. Por isso, há muitas cenas de sexo (até demais!) no longa, que traz três atos bem marcados. O primeiro é quando ela conhece Doca, um homem que já dava indícios de índole violenta, habilidoso com armas e amante de safaris africanos. Numa cena, o playboy se gaba por ter enfrentado um elefante e ter matado uma presa mais forte que ele. No segundo, no meio do filme, ocorre a primeira agressão. No terceiro, a vítima passa a ser agredida frequentemente até acontecer o homicídio. Quando Ângela decide por um fim na relação, o orgulho ferido do caçador entra em ação. “Aliás, nós decidimos chamar Raul pelo nome e não pelo apelido”, contou o diretor, que esbanjou dos big close-ups, sobretudo por conta da intensidade de interpretação de Ísis Valverde, procurando manter um estilo narrativo de filmes feitos para televisão. E como se trata de uma cinebiografia, o público já sabe como é o final, desenhado aqui de forma potente como se todas as mulheres fossem atingidas pelos disparos de pistola no rosto.

O que, logo depois, leva à seguinte conclusão: se toda mulher é meio Leila Diniz, muitas ainda são Ângela Diniz.