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Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania

Longa-metragem que leva aos cinemas o novo vilão da franquia MCU peca por insistir na saturada fórmula dos filmes da Marvel

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

O filme que abre a Fase Cinco da Marvel Studios é também o 31º a integrar a franquia MCU e o terceiro blockbuster estrelado pelo herói. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (Ant-Man and the wasp: Quantumania, EUA/Austrália/Canadá, 2023 – Marvel/Disney) já enfrentou críticas desde muito antes de seu lançamento, ainda no final de 2020, quando uma notícia caiu como uma bomba na comunidade nerd: a de que a atriz Emma Fuhrmann, que interpretou Cassie Lang, a filha de Scott Lang (Paul Rudd) em uma breve passagem de Vingadores: Ultimato seria substituída por Kathryn Newton, pegando a todos, inclusive a própria Emma, de surpresa. A substituição repentina e sem prévio aviso atiçou a fúria no Twitter. Com o filme chegando aos cinemas na primeira metade de fevereiro, nem dá para dizer que as críticas prematuras foram infundadas. A garota comum mas que conseguiu emocionar o público com segundos de tela em Ultimato se converteu em uma rebelde estilosa GenZ que segue os passos do pai em passagens pela polícia, apresentando toda uma nova personalidade. E é defendida por Newton com uma apatia de causar incômodo. Digamos que, se uma certa franquia de filmes baseada em uma série literária que narra o romance entre um vampiro e uma humana fosse produzida nos dias de hoje, Kathryn seria escalada para viver a mocinha, tamanha a inexpressividade da atriz.

No filme da Marvel, que explora especialmente o conceito de família e a relação entre pai e filha em um universo repleto de superpoderes e seres e acontecimentos extraordinários, Cassie Lang é a chave que impulsiona a narrativa, uma vez que a garota prodígio desenvolve uma tecnologia capaz de se comunicar com o Reino Quântico, onde Janet van Dyne, a Vespa original (Michelle Pfeiffer), ficou aprisionada por vários anos e de onde Scott Lang foi libertado acidentalmente por um rato em Ultimato.

Ao mostrar sua invenção para o pai, para a madrasta Hope “Vespa” van Dyne (Evangeline Lilly) e para os sogros de Scott, a quem ela agora chama carinhosamente de “avós”, Dr. Hank Pymm, o Formiga original (Michael Douglas) e Janet, Cassie encara a relutância desta última. Embora a misteriosa personagem tenha mantido em segredo o que viveu durante os anos em que esteve presa no Reino Quântico, escondendo a experiência até mesmo de seu marido e filha, ela está prestes a revelar algo que parece ter sido um episódio traumático quando todos são sugados repentinamente para dentro do próprio Reino Quântico. E é neste universo que se desenrola todo o filme. Enquanto Vespas e Formigas tentam escapar do Reino, se deparando com toda a sorte de perigos e criaturas bizarras, temos acesso, por meio de flashbacks, ao background da personagem Janet e descobrimos a razão pela qual ela não queria retornar àquele universo de jeito nenhum.

O longa ainda introduz nos cinemas os vilões Kang, o Conquistador (Jonathan Majors), e Modok (Corey Stoll). Kang já havia dado as caras na série original Loki, da plataforma Disney+, que também integra o MCU. Já no caso do grotesco Modok, trata-se de sua primeira aparição live action. A trama recicla um personagem de Homem-Formiga de 2015, o ex-pupilo de Hank, Darren Cross que se tornou vilão já naquele filme e agora mostra seu terrível destino como um ser aprimorado ciberneticamente e que possui uma enorme cabeça. Assim como em Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, que apresenta ao público Talokan, o reino submarino onde vive Namor, Quantumania insere na já vasta mitologia do MCU novos cenários e novas nações, o que expande as possibilidades para o futuro da franquia além de respeitar o legado da mídia original do herói, os quadrinhos.

O grande porém é que o filme dirigido por Peyton Reed (o mesmo dos dois longas anteriores do Formiga) insiste na fórmula saturada da Marvel Studios e se apresenta como uma produção perfeita para a geração TikTok, imediatista, com ânsia de ação ininterrupta e clímax instantâneo e constante. Uma sucessão de rápidos eventos potencialmente grandiosos toma a tela, mas roteiro e direção não se preocupam e nem se esforçam muito em desenvolver uma história, o que torna o conjunto da obra quase esquecível. Lá pelo final do filme, nem lembramos que Bill Murray fez uma participação no longa. E quem se lembra da presença do veterano ator de Os Caça-FantasmasFeitiço do TempoEncontros e Desencontros e outras obras celebradas, pergunta-se apenas o que ele estava fazendo ali, pois seu personagem, Krylar, surge e sai de cena completamente deslocado. Também, pudera: nos quadrinhos, Krylar é pouco conhecido e nem mesmo pertence às histórias do Homem-Formiga.

O resultado é um longa com cara de episódio regular de uma série genérica da Marvel/Disney. A grande batalha final, por exemplo, é entediante, por mais que os investimentos em CGI tenham a pretensão de torná-la apoteótica. A narrativa não se serve dos efeitos especiais – muito pelo contrário, parece ter sido concebida apenas com o objetivo de empregá-los. Quanto à ação, não há senso de urgência, há piadinhas em excesso na vã tentativa de transformar este novo exemplar do Formiga em um filme divertido e familiar, com alto teor de fantasia e sci-fi, só que o longa não tem identidade. Não há nada que o destaque entre seus pares. Para completar, Modok é sempre desnecessário. O ponto positivo é o fato de a Marvel Studios estar, cada vez mais, explorando o conceito de multiverso, que é a tônica das fases quatro, cinco e seis do MCU, compondo, desse modo, a Saga do Multiverso.

Uma curiosidade é que em Quantumania podemos enxergar paralelos entre o MCU e Star Wars. Os seres bizarros apresentados neste filme remetem às criaturinhas esquisitas que vimos especialmente em O Retorno de Jedi. Toda a construção visual do Reino Quântico, de fato, lembra muito o pai dos blockbusters. O próprio Peyton Reed afirmou em entrevistas ser um grande fã do trabalho de George Lucas – portanto, as referências visuais não são à toa. Contudo, outra similaridade entre as obras não é assim tão empolgante: assim como Star Wars, o MCU vem sofrendo um desgaste contínuo e pecando pelo excesso.

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Pantera Negra: Wakanda Para Sempre

Novo filme fala sobre o luto pelo protagonista mas peca ao se estender em personagens demais e tramas paralelas subdesenvolvidas

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

“Só as pessoas mais feridas podem ser grandes líderes”

Sequência do grande sucesso de público e crítica Pantera Negra, de 2018, este Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever, EUA, 2022 – Marvel/Disney) deveria ser um um filme sobre Shuri, uma produção que se dedicasse a mostrar o crescimento da personagem interpretada pela atriz Letitia Wright, que se obriga a amadurecer após inúmeras perdas. Toda a tragédia em seu entorno daria consistência à jornada da heroína e seria enredo suficiente para um longa, tendo como mola-mestra o luto pela morte do irmão, o rei T’challa (Chadwick Boseman). Uma base lúgubre, triste, mas funcional e eficiente para situar a heroína no panteão de super-heróis que é o MCU (Universo Cinematográfico da Marvel). Porém, é Hollywood e Wakanda Para Sempre faz parte de uma safra de produtos que ultrapassou o nicho ao qual era destinada no passado. Não apenas os fãs de quadrinhos de super-heróis consomem esses filmes hoje em dia. Já há um tempo eles abrangem o público em geral.

Portanto, é necessário fanservice para agradar aos marvetes, introduzindo tudo o que for possível da mitologia dos quadrinhos; contextualizar esse fanservice para atingir os espectadores que não conhecem a base original; e, considerando que a Marvel Studios optou por não escalar um substituto para Boseman (falecido em 2020, vítima de um câncer de cólon) seja por carinho ao saudoso ator ou por preferir não despertar a fúria dos ardorosos fãs, em uma demonstração solene de respeito, compor uma obra cuja essência é o luto pelo rei T’Challa e um tributo a Boseman. Toda a história de sucessão protagonizada por Shuri tem esse sabor agridoce de despedida ao intérprete de Pantera Negra, além de ser intercalada por diversas tramas paralelas. O resultado é um longa sem unidade, que aponta para vários lados. É difícil dar coesão a todos os núcleos narrativos. O diretor Ryan Coogler não parece se esforçar muito para alcançar tal objetivo, contentando-se com épicas cenas de ação e profusas sequências de pesar pela perda de T’Challa. É grandioso na embalagem, porém razoável no conteúdo.   

O que fez Pantera Negra se destacar dentre os longas da franquia MCU nos cinemas, levando-o até mesmo a concorrer ao Oscar de melhor filme, era o equilíbrio do conjunto. Coogler apostou em uma lenda fascinante, com cenas de ação certeiras e uma crítica ao imperialismo americano. Em sua essência, a produção de 2018 era feliz e bem-sucedida ao construir nas telas uma mitologia convincente, envolvendo cerimônias ritualísticas e fortes representações culturais que fundamentam Wakanda sem dispensar as boas e velhas lutas coreografadas, explosões e perseguições que fazem a festa dos fãs de blockbusters e ainda trazia uma base política sólida ao discutir racismo e colonialismo. Wakanda Para Sempre apresenta todos esses elementos, mas de maneira desorganizada e totalmente over.

A homenagem a Chadwick Boseman tem início nos créditos de abertura, continua na bela sequência inicial que representa a cerimônia fúnebre e se estende por toda a história. Após a morte de T’Challa, a rainha Ramonda (Angela Bassett) faz o possível para proteger sua nação de poderosos líderes estrangeiros que buscam se apossar do vibranium (metal fictício encontrado em abundância em Wakanda, que possui a capacidade de absorver todas as vibrações em sua proximidade, bem como a energia cinética direcionada a ela e faz com que a terra natal do Pantera Negra seja rica e poderosa), ao mesmo tempo em que tem de lidar com o luto pela perda do filho e tentar uma conexão com a filha, Shuri, que parece ter se fechado em um casulo após a morte do irmão.

Nesse ínterim, entidades do governo descobrem que Wakanda não é o único lugar a possuir vibranium, identificando-o também no fundo do oceano por meio de um detector construído especificamente para rastrear o elemento. A matéria é proveniente do reino submarino governado por Namor (Tenoch Huerta), um mutante com poderes extraordinários derivados de sua herança genética incomum, com fisiologia anfíbia, força sobre-humana, supervelocidade e pés alados que garantem a ele a capacidade de voar. Ao tomar conhecimento do detector de vibranium, Namor entra em contato com Wakanda a fim de solicitar apoio para que capturem a cientista responsável pela invenção. Riri Williams (Dominique Thorne) é uma jovem universitária que não faz ideia que é o principal alvo dessa caçada. Em meio a tudo isso, Shuri precisa encontrar seu lugar entre as lideranças de Wakanda, digladiando com o próprio rancor e sentimento de vingança que a consome.

O elenco numeroso e as diversas tramas paralelas centradas em diferentes personagens tornam os já eloquentes 161 minutos de Wakanda Para Sempre insuficientes para trabalhar tanto material. Por isso mesmo, várias discussões interessantes acabam exploradas de maneira superficial, alcançando um nível muito raso de debate. É o caso, por exemplo, da tão alardeada (ao menos nos materiais de divulgação!) liderança feminina, que ganha pouca substância. Outros temas trabalhados com pouca profundidade neste exemplar afrofuturista da Marvel são justamente a questão racial e o imperialismo americano. Há muita coisa acontecendo na tela e, ainda assim, o roteiro peca ao não se aprofundar em nenhuma delas: a tentativa de focar em Shuri, as introduções de Namor e Riri Williams e o plot envolvendo o agente Everett Ross (Martin Freeman). Todas essas tramas socadas em um único longa tornam o enredo desequilibrado.

Entendo que Wakanda Para Sempre ocupa uma posição difícil na franquia dos Vingadores. O longa tinha a ingrata função de “substituir” o herói de forma nobre, sem ferir seu legado. Mas toda essa construção aliada à introdução de duas personagens importantes transforma o longa em um bolo de noiva e é justamente o desenvolvimento de Shuri que acaba ofuscado. É até irônico, pois, mesmo sem querer, a personagem já acenava para essa possibilidade desde o ritual de desafio no primeiro longa. A pedra angular deste longa-metragem deveria ser a preparação do terreno para que, aos poucos, Shuri ganhasse protagonismo.

Há um momento em que a princesa pergunta a Namor o porquê de estar lhe contando tudo isso. E eu não resisti e respondi mentalmente: porque filmes hollywoodianos têm a mania de serem expositivos demais e contar origens por meio de flashbacks manjados. A insistência da indústria em subestimar a inteligência do público se baseia na crença de que o espectador não vai ser capaz de acompanhar uma história na tela se tudo não for devidamente explicado.

Se já não bastasse o excesso de tramas que incham o longa, a montagem vacila em diversos momentos, especialmente ao mostrar os desdobramentos de lutas tão definitivas, intercalando ambas e tirando o impacto do desfecho das duas. Como tradição dos filmes do estúdio, este não foge à regra de apresentar embates corporais repletos de cortes secos e abruptos. O design de produção continua primoroso e as cenas pirotécnicas que se desenrolam tanto em terra firme como no mar são empolgantes, embora o longa peque pela falta de contrastes, especialmente nas cenas que se passam no reino de Namor, Talokan. A trilha sonora é composta de vários temas interessantes, mas o conjunto da obra é deveras saturado. Há todo um cuidado em retratar a cultura dos wakandanos, explorando seus costumes e a mitologia dos povos que ocupam aquele território. O mesmo não acontece com os talokans. Mas nem vou reclamar nesse quesito, porque, além da certeza de que Namor regressará, isso só tornaria a produção ainda mais longa e modorrenta. Por falar nisso, a guerra entre as duas nações é maniqueísta e bidimensional, abusando de um artifício muito raso para deflagrar o conflito.

O filme que encerra a fase mais criticada do MCU também é um reflexo da mesma, composta de filmes muito apoteóticos em suas intenções, mas inchados ou apáticos em seus resultados. Wakanda Para Sempre é emocional em diversas passagens, especialmente ao rememorar T’Challa. É conceitual, ao abordar o luto cinematograficamente, mostrando como cada figura do elenco lida com a morte do personagem, do ator e do amigo. Mas não é funcional, não possui um fim, um objetivo. Um demérito irreparável quando nos referimos a obras cinematográficas. Eis um tributo a Chadwick Boseman que não faz a devida justiça a seu homenageado. 

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Thor: Amor e Trovão

Deus do Trovão volta às telas em aventura solo tresloucada e que foge da zona de conforto habitual dos filmes da Marvel

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

Uma lição valiosa transmitida em Deadpool 2 (2018) e que é reiterada por Thor (Chris Hemsworth) no novo filme protagonizado pelo Deus do Trovão é “jamais conheça seus heróis”. No primeiro caso, a constatação rendeu tiradas geniais de Deadpool (Ryan Reynolds) a respeito do Fanático (também interpretado por Reynolds). Já Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder, EUA, 2022 – Marvel/Disney) gera uma sequência impagável trazendo Russell Crowe no papel de um afetado Zeus. Mas essa está longe de ser a única passagem antológica do longa dirigido por Taika Waititi que, antes, já havia comandado Thor: Ragnarok (2017), o único dos exemplares dos filmes solo do Thor a ser elogiado por público e crítica em igual proporção. O cineasta mostra, com efeito, que é possível escapar da fórmula consagrada pela Marvel Studios sem perder a essência que define os filmes da empresa. As liberdades concedidas pelos produtores ao realizador são limitadas, é fato. Mesmo assim, Taika não hesita em meter o pé na porta o máximo que pode (e que o estúdio permite). O resultado é um filme ousado, dinâmico, ágil, com sequências de ação eletrizantes e muito bem executadas, além de um entretenimento altamente divertido que abusa do humor nonsense.

A trajetória do Deus do Trovão começou de maneira bastante irregular nos cinemas. Primeiramente com um filme de origem (Thor, 2011) que não se destacava entre seus pares. Não se revelava algo exatamente burocrático, mas estava distante de uma produção satisfatória – era até competente e nada muito além disso. Com Thor: O Mundo Sombrio (2013), o herói conheceu a fúria de fãs e especialistas que não hesitaram em tecer severas críticas ao longa que, até hoje, após o lançamento de quase trinta filmes, é considerado um dos piores exemplares do MCU. A solução para alavancar o personagem nas telonas veio com a contratação de Waititi e o lançamento de seu Thor: Ragnarok, garantindo sucesso comercial e artístico para a empreitada. Isso fez com que fez com que o cineasta se sentisse confortável o suficiente em manter o tom de Ragnarokem Amor e Trovão. Sem preocupação em situar a narrativa em um contexto mais próximo da realidade, a nova produção aposta em uma fantasia tresloucada aliada ao humor absurdo. O diretor não se limitou a repetir a façanha, como amplificou conceitos trabalhados no filme anterior e que tão boa aceitação tiveram junto ao público.

A produção começa contando a origem do vilão Gorr (Christian Bale) que, posteriormente, passa a ser conhecido como o Carniceiro dos Deuses. Os antagonistas quase sempre representam o ponto fraco dos longas da Marvel, pois são, em sua maioria, um genérico do mal dos heróis, sendo descartáveis no todo, salvo exceções pontuais. Gorr, por outro lado, tem um passado de sofrimentos que, em sua mente vingativa e insana (após todas as tragédias que presenciou e viveu, diante do absoluto desdém pela vida dos discípulos demonstrado pelo deus a quem ele costumava adorar), justifica seu propósito: o da completa extinção dos deuses. Aqui já percebemos uma pequena evolução neste filme em relação aos predecessores. A narrativa se importa mais com a construção de personagens e também em estabelecer e se aprofundar nas relações entre eles. Após o prólogo que narra o surgimento do vilão, vemos que Thor continua lutando ao lado dos Guardiões da Galáxia (em participação especial quase imemorável) e a cientista Jane Foster (Natalie Portman) recebe um diagnóstico de câncer. 

Já quase sem esperanças, ela parte para uma vila situada na Noruega e habitada pelo povo remanescente do original reino de Asgard após sua dizimação. Além de abrigar os sobreviventes, entretanto, a Nova Asgard se tornou atração turística: recebe visitas de grupos de pessoas que vão até o local para assistir às lendas do extinto planeta sendo recontadas em forma de peças teatrais, além de conferir de perto artefatos e outros itens que fazem parte da história e da memória da extinta localidade. A Nova Asgard é governada por Valkyrie (Tessa Thompson), bastante entediada com o novo ofício e que não vê a hora de se aventurar em nova batalha sangrenta. Jane chega ao local em busca do martelo de Thor, o Mjölnir, que se encontra aos pedaços. Como Thor fez o martelo prometer que tomaria conta de Jane quando ambos ainda estavam em um relacionamento, ela possui uma ligação com o artefato, o que a faz transformar-se na Poderosa Thor. Apesar do caráter mais intimista que o arco de Jane Foster ganha a princípio, a narrativa assume descaradamente a megalomania, seja no plano conduzido por Gorr de matar todos os deuses ou na transformação de Jane, que assume o manto e o Mjölnir da Poderosa Thor – e até em outros aspectos flagrantes como efeitos especiais, edição de som e até mesmo na seleção de músicas que integram a trilha sonora.

Taika Waititi acerta no tom novamente, abusando das liberdades que lhe foram concedidas pelo estúdio em diversos departamentos e sem medo de errar. O humor quase assume a galhofa e a fantasia ocorre em um nível de total absurdo. Mesmo os momentos emotivos e sentimentais descambam propositadamente para a pieguice, o que funciona dentro do contexto proposto. A paleta cromática adotada aproxima mais a trama de um tom cartunesco, das páginas de uma graphic novel. Já a trilha sonora acertada, composta de diversos clássicos dos farofeiros Guns N’ Roses, acentua a grandiosidade das sequências de ação e, assim como diversos mecanismos visuais e narrativos utilizados ao longo da produção, está lá para dizer ao público que este não é um filme que deve ser levado demasiadamente a sério. Bem montado, o longa jamais perde o ritmo ou chega a ponto de enfadar o espectador. Muito pelo contrário, Thor: Amor e Trovão diverte do início ao fim.

O retorno de Natalie Portman é a constatação de que a Marvel deveria ter valorizado mais a personagem desde o início. Além de cientista brilhante, que estampa capas de diversas publicações no segmento em que atua, Jane também se destaca como uma ótima heroína de ação. Waititi interpretando Korg (o alienígena de pele rochosa) é puro deleite. Inclusive, o fato de ser este o personagem a narrar as lendas do poderoso Thor, de modo a situar o público quanto a eventos da vida do herói (ao invés de usar a defasada técnica de flashbacks básicos) é outro dos artifícios que funciona muito bem e corresponde ao estilo e estética do longa. Gorr é interpretado por um extraordinário Christian Bale com uma caracterização assombrosa e abusando de trejeitos e caretas. Quanto a Chris Hemsworth, o ator se mostra cada vez mais confortável no seu personagem e ainda se divertindo muito, mesmo após onze anos no papel.

A Marvel Studios foi certeira ao estabelecer uma fórmula responsável por consagrar a grife nos cinemas, fazendo com que o público sempre retorne às salas multiplex para conferir suas novas empreitadas – seja por hábito; para não se perder na cronologia; por fanservice ou para caçar easter eggs. Para o público em geral, os longas da casa se tornaram garantia de entretenimento saudável e divertido, o que, por sua vez, garante retorno ao estúdio com produções que sempre se provam lucrativas nas bilheterias. Mesmo os exemplares mais frágeis do MCU são carregados de boas intenções. E, ainda que alguns lançamentos de filmes solo de personagens soem como pura questão mercadológica a princípio, pois não acrescentam muito ao todo e ficam bem aquém dos grandes crossovers como Vingadores: Guerra Infinita (2018) e Vingadores: Ultimato (2019), não tem como acusar a Marvel de caça-níquel quando ela emula o universo dos quadrinhos, fazendo o que sempre fez em sua mídia de origem: lançando aventuras solo triviais protagonizadas pelos heróis da casa, que existiam apenas para preparar o terreno para que todo o time se reunisse futuramente em uma grande e marcante saga.

Isso fez com que a Marvel aderisse ao chavão seguro “em time que está ganhando não se mexe”, produzindo longas com estéticas, temáticas, formas e conteúdos que não se diferenciam muito uns dos outros. Mas com Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), graças a um diretor como Sam Raimi, tivemos a oportunidade de ver um filme quase autoral. Agora, com Thor: Amor e Trovão, vemos que o estúdio se permitiu ousar e fugir um pouco da zona de conforto, graças a um cineasta audaz como Taika Waititi. Vamos torcer para que estes não sejam pontos fora da curva e que a Marvel nos proporcione experiências cinematográficas futuras cada vez menos básicas e mais ousadas.

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Lightyear

Spin-off de Toy Story não tem o mesmo ritmo da franquia original que revelou o herói astronauta Buzz mas tem seu charme e qualidade

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Disney/Pixar/Divulgação

Toy Story é uma animação que definiu gerações de espectadores e produções. A história de amizade sobre brinquedos continua provando-se fresca mesmo com o tempo. Três sequências depois, os produtores optaram por seguir agora com um spin-off. Lightyear (EUA, 2022 – Disney/Pixar), ao contrário do que as primeiras peças demarketing deram a entender, é uma história fictícia no universo de Toy Story. Como os créditos iniciais explicam, é o filme preferido de Andy, que o introduziu ao personagem Buzz. A escolha pela abordagem metalinguística é o primeiro acerto de um longa que, apesar da qualidade, não consegue repetir os feitos de seus antecessores.

Lightyear leva a audiência para uma aventura espacial pautada pela comédia, pela ficção científica e, claro, o poder da amizade. Buzz é um patrulheiro espacial explorando um novo planeta onde precisa enfrentar um novo vilão: Zurg. Os trailers fazem um bom trabalho em esconder peças-chaves da trama, deixando bastante espaço para surpresas. 

Quem assistir ao filme dublado terá a experiência de ouvir de Marcos Mion no papel principal. Essa é sua quarta vez dando a voz para um personagem animado. Com um timbre e um sotaque tão marcantes, a nova voz de Buzz soa um problema. Como Guilherme Briggs é o responsável pela voz do personagem nos quatro Toy Story, a memória afetiva é um obstáculo. A dublagem brasileira é muito respeitada e faz um bom trabalho principalmente em animações. A escolha de Mion para o papel é estranha: não é como se o filme precisasse de um nome famoso para render bilheteria. 

Lightyear mostra um beijo lésbico. Antes do lançamento, os executivos da Disney tinham retirado a cena, mas após protestos de funcionários da Pixar o trecho voltou para o corte final. Isso vem de encontro com a revelação de que a megacorporação de entretenimento foi responsável por financiar parlamentares favoráveis ao projeto de lei conhecido popularmente como “don’t say gay”, que prevê barreiras na abordagem de temas LGBTQIA+ nas escolas. O resultado é bastante amargo. Ao mesmo tempo que é uma conquista e é algo necessário para a representatividade, parece algo vazio. Ao mesmo tempo que parece importante para os funcionários da Pixar, é um empecilho para os chefões da Disney. 

George Lucas se consagrou como um dos grandes nomes do cinema e também como uma das grandes mentes do marketingStar Wars vendeu milhões de bonecos, camisetas, mochilas e diversos outros produtos. Após esse fenômeno multimídia, nunca mais se fez cinema da mesma forma, principalmente para crianças. Lightyear é uma certeza de venda de produtos. Seja o próprio personagem principal, o vilão ou o novo mascote Sox, os bonecos serão objeto de desejo de crianças ao redor do mundo. Então, juntamente da certeza de bilheteria por favor parte do universo de uma das franquias mais amadas do cinema, também tem a certeza de lucro com produtos licenciados. Isso seria possível para resultar em um filme sem alma, só que não. Lightyear sabe emocionar quando toca em pontos como envelhecimento, passagem do tempo e lealdade.

Se Perdido em Marte e Interestelar de alguma forma tivessem um filho, esse filho seria Lightyear. A grande aventura no espaço é divertida e aquece o coração. Seu problema é o mesmo da maioria dos spin-offs, a alta expectativa combinada com a dificuldade em manter o ritmo do original. Quem for ao cinema querendo ver um novo Toy Story não irá encontrar o que procurá, mas irá assistir a um filme que permeia o mesmo mundo e que tem seu charme.