Oito motivos para não perder o show da banda que entrou para a História como um dos pilares do punk rock norte-americano
Texto por Abonico Smith
Fotos: Divulgação
Existem poucas unanimidades no mundo do rock. Uma delas é considerar o Black Flag uma das maiores lendas da música underground de todos os tempos. Vá lá, pode chamar também de música alternativa ou música independente. A nomenclatura tanto faz. O que não dá para fugir é do óbvio: os caras marcaram a vida de todo mundo que, na adolescência, sonhou ou ousou se expressar cantando com força e intensidade ou tocando algum instrumento da tríade básica formada por guitarra, baixo e bateria.
Foi do Black Flag o primeiro show que um então ainda moleque Kurt Cobain assistiu. Vertentes como o sludge metal, o grunge e o post-hardcore, que nas últimas décadas se consolidaram com um nicho fieis de fãs espalhados ao redor do planeta, devem um agradecimento ao Black Flag por ter aberto os caminhos para tais sonoridades antes que todo mundo. Se um dia a fúria vociferada nas palavras combinou-se à poesia em disco, foi porque o Black Flag arriscou-se a lançar um vinil com um dos lados compostossomente por spoken word. Se selos independentes tornaram-se grifes que confirmam qualidade e personalidade das bandas contratadas por eles, foi porque o Black Flag desde o início bancou a sua própria iniciativa, a SST, como gravadora e também distribuidora. Se você ama bandas como Hüsker Dü, Descendents, Meat Puppets, Bad Brains, Dinosaur Jr, Screaming Trees, Soundgarden e Sonic Youth, saiba que o Black Flag topou lançar discos de todos eles pela SST antes de bater às suas portas a fama adquirida pela MTV, revistas especializadas em música como a Spin e a Rolling Stone e execuções radiofônicas. Certamente se não houvesse o Black Flag você não seria musicalmente o que é hoje. Mesmo que você sequer desconfie disso.
Não é sempre que aqui pelos trópicos a gente tem a oportunidade de estar frente a frente com uma banda desta magnitude. Ainda mais porque o rock perdeu muito terreno entre os jovens brasileiros nas duas últimas décadas. E aculpa nem é do pop, já que ele sempre existiu. O que pega que muito dos fãs das guitarras se bandeou para ouvir coisas bem distantes em seus headphones. Sertanejo (o universitário, que insiste em nunca chegar à formatura), funk, pagode, até piseiro virou trilha sonora de churrascos e encontros de amigos de pouca idade. O incorformismo e a insatisfação deram lugar ao comodismo e à maior importância dada aos resultados do que aos percursos. Portanto, uma notícia como a da primeira turnê brasileira do Black Flag em todos os tempos é algo a ser comemorado de modo efusivo.
Na verdade esta não é a estreia do grupo em solo brasileiro. Eles passaram por São Paulo em março de 2020, alguns dias antes do mundo inteiro parar por conta da pandemia da covid-19. Só que agora a banda liderada pelo guitarrista Greg Ginn (o único remanescente das formações original e clássicas) está vindo para fazer mais paradas por aqui. O giro começa neste domingo (22 de outubro) em Ribeirão Preto (SP) e passa por Curitiba (24), onde dividem o palco com outra grande atração estadunidense, o L7 – mais informações sobre horários, local e ingressos você tem clicando aquie mais sobre o L7 você tem aqui. As escalas seguem depois por Porto Alegre (25), Belo Horizonte (26), São Paulo (27) e Rio de Janeiro (29). Para saber mais sobre o restante da turnê você pode clicar aqui. Vale lembrar ainda que o set list estará dividido em duas partes. Na primeira serão executadas na íntegra e na ordem original as nove faixas do cultuado álbum My War (1984), o segundo da carreira do grupo. Depois virão quase duas dezenas de clássicos gravados antes e depois.
Para celebrar a chegada de Ginn, Mike Vallely (voz) e os novatos Harley Duggan (baixo) e Charles Willey (bateria), o Mondo Bacana publica oito motivos que tornam imprescindível sua presença na plateia do Black Flag.
Greg Ginn
O criador de tudo. O compositor da maioria das faixas gravadas pela banda. A mola-mestra do selo SST. Um dos cem melhores guitarristas de todos os tempos segundo uma lista publicada pela Rolling Stone. O cara que consegue encaixar solos embasbacantes em torpedos hardcore. O mesmo que se dispõe a ouvir todos os gêneros musicais possíveis para desenvolver o conhecimento musical e saber como se pode ampliar ainda mais as fronteiras de sua banda, chegando a gravar faixas instrumentais e transformar alguns arranjos em algo para lá de esquisitos. Detalhe: aos 69 anos de idade, Greg ainda se mostra inteiraço no palco, não só fisicamente mas ainda exalando aquele mesmo vigor de moleque quando formou o Black Flag em Herosa Beach, na Califórnia, no longínquo ano de 1976.
Pilar do punk rock
Dez entre dez fãs de punk rock amealhados pelas últimas décadasvão responder o nome desta banda se você perguntar o nome de três artistas primordiais para a história do gênero. Se para a turma de Nova York o Ramones representa quem fez a sementinha punk se espalhar por todo mundo, a vertente do outro lado do país, a Califórnia, deve demais ao Black Flag. Não só a popularidade como também uma certa evolução, já que foi ali, na Costa Oeste, que o gênero se tornou mais veloz, contundente, agressivamente verborrágico e ganhou o nome de hardcore. Logo depois, foi exatamente o hardcore que passou a movimentar todo um circuito independente interligado de selos, fãs e emissoras universitárias de rádio (que tinham programação mais fluida e livre de amarras comerciais, como as tradicionais do dial). Assim nasceu e se uniu todo o rock independente nos EUA.
SST
Inicialmente Ginn não ligava muito para tocar um instrumento. Quando moleque ele era mais aficionado por rádio. Não só ouvir como montar um aparelho. Tanto que aos 12 anos de idade, ele fundou a SST (Solid State Transmitters), um pequeno negócio para ele fabricar rádios e outros equipamentos eletrônicos. Por influência de seu irmão três mais novo, que tocava contrabaixo, passou a empunhar uma guitarra e não parou mais. Formou o Black Flag em 1976 e passou a ele mesmo, produzir e mandar fabricar os discos da banda. Durante a primeira metade dos anos 1980, quando o Black Flag passou a atrair cada vez mais um grande público a seus shows, passou a dedicar o selo, com o amigo e também baixista Chuck Dukowski, a lançamentos de demais bandas amigas e que excursionavam junto pelo país. Hüsker Dü, Descendents, Meat Puppets, Bad Brains, Dinosaur Jr, Screaming Trees, Soundgarden e Sonic Youth são algumas delas. Tão somente. E tudo de maneira independente, sem vínculos de distribuição com empresas maiores ou multinacionais do ramo fonográfico. E mais: não fez a banda depender de nenhuma outra empresa para marcar concertos e turnês pela América do Norte e Europa – era tudo com ele mesmo, no muque, na garra, na perseverança. Por isso, Ginn e o BF são reverenciados como grandes impulsionadores do modus operandi que simboliza o slogan punk “do it yourself” (“faça você mesmo”, em português).
Raymond Pettibon
Ou, na certidão de nascimento, Raymond Ginn. O tal irmão mais novo de Greg que o levou de vez para a música underground. Raymond tocava baixo e até chegou a participar logo no início do Black Flag. Mas desistiu de vez da carreira de músico para focar em outro talento seu, maior ainda do que o de tocar as quatro cordas. Pettibon passou a ser o designer oficial da banda. Ele concebeu quase tudo já feito com relação à arte, das capas e contracapas dos discos a pôsteres e filipetas de divulgação de shows. Com grande background dos quadrinhos, ele imprimiu uma identidade visual única ao grupo de Ginn. Basta dar uma reparada para logo notar que os desenhos reproduzem cenas protagonizadas por seres humanos comuns do cotidiano mas em situações completamente bizarros. Sempre abusando de fundos coloridos. A assinatura de Raymond também está na clássica logomarca da banda, uma das mais icônicas de todos os tempos na história do rock. São quatro tarjas pretas e grossas que, dispostas lado a lado mas em alturas diferentes, dão a sugestão de que está se olhando uma bandeira preta tremular com o vento ou algum movimento humano. Em tempo: a logo remete diretamente ao porquê da escolha do nome da banda. Se uma bandeira branca significa paz e um certo tipo de marasmo, uma da cor oposta sugere anarquia e confusão.
Damaged
Até que demorou para o Black Flag lançar seu primeiro álbum. Depois de alguns EPs nos cinco primeiros anos da carreira, Damaged foi feito em 1981 para não tardar a entrar para a história. Trouxe a evolução do punk rock para o hardcore, com andamentos mais acelerados, vocais berrados e letras que bradava abertamente contra o sistema opressor da liberdade e dos anseios de um jovem com ideais mais libertários e alternativos do que o que praticava o então iniciante governo presidencial do republicano Ronald Reagan. A capa, uma das poucas não criadas por Pettibon, mostra uma fotografia de um raivoso Henry Rollins (fã da banda que acabava de assumir oficialmente os vocais) dando um murro no espelho e fazendo cacos de vidro voarem. Só que a foto tinha um truque: o vidro fora quebrado antes com um martelo e o efeito de sangue na mão e no braço obtido por meio de café e tinta vermelha. Várias faixas deste álbum viraram clássicos do underground idolatrados para sempre, como “Gimmie Gimmie Gimmie”, “Six Pack”, “Depression”, “Rise Above”, “Room 13” e “TV Party” (que tem um tosco e divertido clipe feito pela própria banda para divulgar seu som nas TVs). Todas estas são incluídas na metade final do repertório ao vivo até hoje.
My War
Por causa de um imbróglio judicial envolvendo o álbum de estreia e que impedia o grupo de usar o próprio nome em futuros lançamentos, o Black Flag só conseguiu chegar a um novo disco três anos depois. A passagem deste tempo acarretou em mudanças: integrantes originais importantes abandonaram o barco (Dukowski preferiu trabalhar com Ginn somente nos bastidores, na SST; o guitarrista e e-vocalista Dez Cadena, que bem depois integraria o Misfits, também saíra mas para se dedicar a putro projeto musical, o DC3; o baterista colombiano Robo teve problemas com o visto e precisou voltar ao seu país). Reduzido a trio, com Greg, Rollins e o novo membro Bill Stevenson nas baquetas, o grupo gravou um disco literalmente dividido em dois em sua sonoridade. O lado A do vinil dava vazão ao lado hardcore, que cada vez mais conquistava um público maior e mais fiel por onde a banda passava para fazer seus shows. O lado B, porém, pegou todos os fãs de surpresa. Trazia apenas três faixas, com duração bem maior do que usual (mais de seis minutos, em média), andamentos muito mais lentos e uma certa atmosfera de guitarra inspirada no Black Sabbath (ou seja, power chords hipnóticos e mais demorados). Lembrou-se do grunge? Pois bem, alguns anos antes o gênero que fez a fama mundial da cidade de Seattle já era antecipado neste disco. A trinca formada pelas canções “Nothing Left Inside”, “Three Nights” e “Scream” também viria a desembocar em gêneros megacultuados como o sludge metal e o post-hardcore. Muita gente, naquela época, pode ter torcido o nariz, mas usar a palavra “visionária” é pouco para descrever a obra.
Dale Nixon
Sem baixista na banda em My War, coube ao próprio Ginn gravar as partes do instrumento em estúdio. Então ele resolveu assinar com um pseudônimo, que voltaria a usar mais vezes em outras ocasiões. Ele não poderia prever, entretanto, que estaria criando um músico fictício que seria perpetuado por alguns outros fãs da banda (e futuros guitarristas de renome). Brian Baker (Minor Threat, Bad Religion), King Buzzo (Melvins, Fantomas) e Dave Grohl (Foo Fighters, Queens Of The Stone Age) também viriam a adotar a alcunha de Dale Nixon nos créditos de discos posteriores. No Black Flag, a trajetória de Nixon em 1984 não viria a durar muito. Logo ocuparia a vaga uma garota, Kira Roessler. Ela tocaria nos outros dois discos também lançados pelo BF até o fim daquele ano: Family Man e Slip It In. Logo três obras num curto intervalo de tempo para saciar a sede de novidades de alguns fãs e irritar muitos outros, já que o primeiro era também dividido em dois (mas com lado A de spoken word e lado b de instrumentais jazzy) e o segundo repetia o esquema dicotômico de My War só que apresentando maior grau de complexidade nos arranjos.
Mike Vallely
Ele é skatista profissional, dublê, ator, jogador de hóquei, lutador de luta livre e músico. Também conhecido como Mike V, está na banda, oficialmente, desde janeiro de 2014 e já é o segundo integrante mais longevo entre todos que tocaram no BF. Além de ser uma cara com habilidades múltiplas, também foi outro fã da banda que se aventurou a segurar o microfone para soltar gogó e acabou ficando de forma definitiva. O outro fora Henry Rollins, o icônico frontman do quarteto durante os anos 1980. Um brutamontes cheio de energia e músculos mas com personalidade extremamente gentil e doce. No palco, Rollins se transformava em uma espécie de segurança de Ginn e o resto da banda contra as barbaridades promovidas pelos fãs. Revidava xingamentos com cuspes, batia em ousasse agredir os músicos. Foi ainda no Black Flag que Henry passou a se aventurar pelo mundo de spoken word, da comédia, da narração de audiobooks, da escrita de livros de histórias de ficção e do mundo da música, além de atuar em filmes e ainda apresentar programas de rádio e TV. Quando o Black se dissolveu em 1986, partiu para uma carreira solo proeminente e respeitada nestas áreas todas, além de formar uma nova e famosa banda, a Rollins Band. Portanto, se Vallely está lá há quase uma década tendo a responsa de substituir o nome como Rollins é porque o cara também tem altas qualidades. Só uma curiosidade: Mike ainda não participou de nenhum álbum do BF, já que o último lançado pela banda (What The…) data de novembro de 2013, dois meses antes de ser incorporado por Ginn.
Oito motivos para não perder a nova passagem do quarteto californiano por Curitiba e outras cidades brasileiras
Texto por Abonico Smith
Foto: Divulgação
Trinta anos atrás elas passaram feito um furacão por nosso país. Foi em janeiro de 1993, no Festival Hollywood Rock, quando tivemos a primazia, hoje cada vez rara, de receber bandas novas que estavam em alta lá fora. Era ainda o tempo da explosão do rock alternativo na mídia tradicional e o L7 era um dos nomes mais badalados daquela turma, com videoclipe em alta rotação na MTV Brasil e críticas elogiosas em revistas especializadas de música. Para completar, ainda abriram o esperadíssimo (e polêmico) show do Nirvana nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Donita Sparks (guitarra e voz), Suzi Gardner (guitarra e voz), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria), ícones daquela época áurea em que vocais berrados, guitarras sujas e distorcidas e uma estética que cruzava informações vindas do punk rock e do heavy metal saíram do subterrâneo para tomar de assalto o mainstream, a imprensa corporativa, as grandes gravadoras, a matriz e as filiais da MTV e o gosto das pessoas espalhadas ao redor do planeta.
Depois do fim em 2001 e de um longo tempo na inatividade, a banda, com sua formação clássica, voltou a se encontrar com os fãs em 2015. As quatro gurias (hoje na faixa dos 60 anos de idade) voltaram às turnês, tocando aqui, ali e em todo lugar. Passaram novamente pelo Brasil, com parada em cinco capitais (Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba Porto Alegre e Belo Horizonte) em dezembro de 2018. De la para cá também soltaram novidades: um álbum (Scatter Than Rats, 2019) e mais três singles (“Dispatch From Mar-a-Lago”, “I Came Back To Bitch” e “Cooler Thn Mars”). Os dois primeiros foram nos meses anteriores à segunda vinda para cá. O último foi disponibilizado semanas atrás nas plataformas digitais de áudio e vídeo.
Agora o L7 vem pela terceira vez tocar para a gente. A tour começou ontem em São Paulo e alcança Ribeirão Preto (SP), no domingo (22 de outubro). Em Curitiba (24), acontecerá o ponto alto, quando o quarteto sobe ao palco no mesmo que outra história banda do rock independente norte-americano, o Black Flag (mais informações sobre local, horário e ingressos deste show na capital paranaense você tem clicando aqui; mais sobre o Black Flag você encontra aqui) A dobradinha se repete no dia seguinte (25) em Porto Alegre. De novo como atração única principal da noite, a banda ainda tocará em Belo Horizonte (27) e Rio de Janeiro (29). Mais informações sobre toda a rodagem em território verde-e-amarelo e os demais concertos você tem clicando aqui.
Para celebrar este retorno, o Mondo Bacana preparou uma relação com oito motivos para você não perder a terceira passagem do L7 por aqui.
Documentário
Dirigido pela cineasta Sarah Price, o documentário L7: Pretend We’re Dead foi lançado em 2016, depois de uma campanha de crowdfunding que arrecadou fundos para a sua realização. O filme conta a história da banda do underground ao estrelato e, então, de volta ao underground até o fim das atividades em 2001. São muitas imagens de arquivo e acervo pessoal com trechos de concertos e festivais, curiosidades de bastidores e depoimentos de Donita, Suzi, Jennifer e Dee em off.
Nada de girl band
Se existe uma coisa que elas deixam claro logo nos primeiros minutos de L7: Pretend We’re Dead é para não chamá-las de “banda de garotas”. Afinal, essa questão da diferenciação pelo gênero – e sempre através de um modo tão comparativo quanto negativo, diga-se de passagem – já é uma coisa tão batida, sem noção e sem sentido que elas já disparam que estão enojadas e cansadas de que usem isso a respeito do grupo. Donita afirma que rejeita toda a imagem criada ao longo destes anos pelo fato do L7 nunca ter sido algo que a pessoas pudessem esperar delas, sobretudo pela questão de não se encaixar no que se chama de estereótipo da beleza feminina.
Punk e também heavy
O L7 foi formado na esteira de um cenário punk e hardcore criado por jovens que não se encaixavam com a apatia de seus semelhantes durante o governo Ronald Reagan nos 1980. Paralelamente a isso, na cidade em que as musicistas viviam (Los Angeles), o rock era tomado pelo mainstream de bandas masculinas glam metal, mais preocupadas com o visual andrógino e a estética sexista da cosmética, levada aos extremos comerciais através dos videoclipes em alta rotação na MTV norte-americana. Entretanto, o heavy clássico, mais sujo e poderoso, também faz parte da formação delas. Isso pode ser facilmente notado em diversas faixas de álbuns como Smell The Magic (lançado pela Sub Pop em 1990) ou Bricks Are Heavy (de 1992, quando a banda era contratada do selo Slash, então ligado às gravadoras major Warner nos Estados Unidos e PolyGram no resto do mundo). São muitos riffs, pedais de efeito e power chords – sem falar que Donita leva uma guitarra Flying V a tiracolo ao subir em um palco. Sparks até então se ressentia do fato do grupo nunca ter sido convidado para participar de um festival dedicado a bandas heavy metal nos Estados Unidos. “Ne Europa nos aceitam muito bem e volta e meia participamos destes eventos. Mas em nosso país isso nunca aconteceu.”
Bricks Are Heavy
Responsável pela sonoridade assumidamente pop (porém sem negar as origens alternativas) de vários discos de sucesso da época – como Dirty (Sonic Youth), Nevermind (Nirvana) e Siamese Dream (Smashing Pumpkins) – o produtor Butch Vig também conseguiu fazer o mesmo com o L7 em Bricks Are Heavy. Deixou toda a sujeira lá, mas conseguiu aparar as arestas e arredondar as músicas compostas e cantadas por Donita, Suzi e Jennifer, inclusive fazendo os mesmos com seus vocais. O resultado foram três grandes hits (“Pretend We’re Dead”, “Monster” e “Everglade”), indispensáveis em qualquer set list do L7 até o final dos tempos da banda. Mas o repertório dos atuais shows da banda não se sustenta apenas nessas faixas do disco. Outras menos conhecidas na época continuam bastante poderosas quando tocadas ao vivo. É o caso de “Scrap”, “Slide”, “One More Thing” e “Shitlist”. Os versos desta última sempre soam como um eterno grito de guerra feminista.
Homenagem aos ídolos
Na volta para o bis de cada show, a banda rende uma saudação a uma histórica banda dos primórdios do punk rock.Primeiro single lançado em 1979 pelo trio Agent Orange, a música “Bloodstrains” foi a escolhida para a turnê passada por aqui. Desta vez, o salve vai para o Eddie and The Subtitles, com a canção “American Society”, gravada por eles em 1980. O quarteto também veio daquele cenário californiano muito prolífico para jovens inconformados e hipnotizados pela fúria e resistência comportamental do punk daquela época.
Brasil, 1993
O festival Hollywood Rock de 1993, realizado no segundo e no terceiro final de semana de janeiro, respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, trouxe uma escalação memorável. Duas das três noites eram reservadas a bandas internacionais que estavam, naquele momento, no auge de suas carreiras mundiais, fato até hoje não superado por qualquer outro evento do tipo em solo brasileiro. Uma das noites trazia o Alice In Chains e, como headliner, o Red Hot Chili Peppers. A outra, no mesmo esquema, era composta por L7 e Nirvana. E o show do L7 acabou sendo tão memorável quanto o de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. O estádio do Morumbi (onde este que aqui escreve estava presente, aliás) chacoalhava na noite do sábado 15 com a multidão pulando sem parar no gramado, cadeiras e arquibancada. Não foi bem um aquecimento para o trio principal, já disparado no topo das paradas mundiais, mas sim um show de primeira e que deixou todo mundo tão suado quanto. No Rio de Janeiro, sete dias depois, foi tudo igualzinho (conforme você pode checar aqui, assistindo à gravação da apresentação de mais de uma hora na íntegra).
Tampax para a plateia
A edição de 1992 do Reading Festival, na Inglaterra, entrou para a História pela trolagem do Nirvana. Havia uma expectativa negativa em relação ao show do trio porque Kurt Cobain estava entrando e saindo de períodos na rehab e muito se falava sobre a possibilidade da gig no evento ser cancelada. Sem qualquer aviso, Dave Grohl entrou no palco empurrando Kurt sentado em uma cadeira de rodas e com roupa hospitalar. O vocalista simulou uns espasmos e jogou-se ao chão, assustando e arregalando os olhos de todos. Posteriormente levantou-se e fez um puta show à frente de sua banda. Mas o L7 também deu sua bela contribuição para fazer aquele verão ser inesquecível para quem estava lá no interior inglês. A apresentação do quarteto foi um grande caos. A tensão já era grande no início, quando começou a haver problemas técnicos no som. A plateia ensandecida e à espera do Nirvana, reagia contra o grupo. A banda chegou a trolar todo mundo que queria mainstream começando a tocar o riff de “Enter The Sandman”, do Metallica, para depois parar tudo e xingar ao microfone. Depois, muita gente passou a arremessar lama em direção às integrantes. Irritadíssima, Donita não pensou duas vezes. Pôs a mão dentro da calcinha, arrancou o tampax, mostrou-o a todo mundo e arremessou-o em direção às pessoas, provocando reações de espanto e nojo em muitos. Apesar da gravação tosca e cheia de problemas, este simbólico show do L7 também está registrado no YouTube (veja aqui). O “incidente” do tampax – que chegou a ser incluído entre os cem melhores momentos de toda a história do heavy metal pelo canal de TV VH1 (veja aqui) – ocorre quase no final, aos 40 minutos e 24 segundos, assim que acaba a penúltima música do set list.
“Cooler Than Mars”
Lançado no último mês de setembro, o novo single do L7 é uma nova crítica disparada pela banda. Desta vez o foco fica nas mudanças ambientais drásticas que abatem o planeta inteiro e foram provocadas pelo mesmo ser humano que agora fala em deixar a Terra para passar a colonizar Marte. No videoclipe, as quatro integrantes interagem com cenas da natureza em um cromaqui intencionalmente tosco. Aparecem vegetações, mares e dezenas de animais da espécies variadas, das mais comuns aos mais esquisitos.
Vinte e cinco itens que, 25 anos após a morte de Kurt Cobain, constituem o legado da banda
Texto por Cristiano Viteck
Fotos: Reprodução
Goste ou não, você tem de concordar que o Nirvana foi a última grande banda de rock. Grande no sentido de suas músicas repercutirem muito além do mundinho da cultura pop, o que a transformou em fenômeno de massa como poucas vezes se viu.
A Nirvanamania saiu dos palcos das casas de shows, ganhou as ruas, chegou às passarelas da moda, virou dissertações de mestrado e teses de doutorado. O comportamento errático do grupo, em especial de Kurt Cobain, motivou debates na imprensa com psicólogos, médicos, religiosos, professores. Motiva até hoje algumas pessoas dedicarem suas vidas a colocar em dúvida se a morte do cantor foi mesmo suicídio ou assassinato.
O legado da banda continua a influenciar gerações nascidas no pós-Nirvana, que encontram naquela música a energia, o prazer, a raiva, as respostas ou pelo menos um ombro amigo para as angústias do dia-a-dia.
Entre aqueles que viveram a Nirvanamania no auge, além da nostalgia, ainda há que se pergunte “o que foi tudo aquilo”. Então, chovem mais livros, filmes e teses a cada ano buscando a explicação.
Neste primeiro fim de semana de abril, completam-se 25 anos do suicídio do compositor, cantor, guitarrista e líder Kurt Cobain. Especula-se que ele tenha morrido no dia 5, mas seu corpo só foi encontrado três dias depois, em sua casa em Seattle, onde passava uns dias sozinho, sem a presença da esposa Courtney Love. E como sempre acontece com astros que morrem muito cedo – e se for de forma trágica, mais ainda – o homem à frente do Nirvana teve sua imagem de jovem rebelde eternizada. Ele cheira a espírito adolescente e para sempre!
De uns tempos para cá, o rock parece cada vez mais música para gente velha. Mas o Nirvana, não. Como Kurt, a sua música também não envelheceu. Aquelas canções e letras, por mais difíceis de compreender, tratam de temas universais como o amor, o ódio, a culpa e o perdão (ou a falta dele). Por isso sempre encontrarão jovens dispostos a ouvi-la, como é natural para toda grande arte.
Os números não mentem. Um quarto de século após o fim, o Nirvana é uma força. No Spotify, seu “rival” do grunge (e ainda na ativa) Pearl Jam, soma 8 milhões de ouvintes. O Metallica, chega a 12,3 milhões. O Foo Fighters, liderado por Dave Grohl que tem presença quase diária nos portais de música com suas peripécias e projetos diversos, atinge 10 milhões de ouvintes. A rainha do pop Madonna, tem 9,4 milhões. O trio formado por Kurt, o baixista Krist Novoselic e o então baterista Grohl supera todos estes, com média de 12,5 milhões de ouvintes. Nada mal para uma banda liderada por alguém que está morto há tanto tempo.
Apresentamos, a seguir, uma lista de 25 itens (livros, discos, filmes, shows, exposição) que contribuíram para a permanência da banda e de Kurt Cobain no panteão dos deuses do rock e da cultura da rebeldia juvenil. Como toda lista, ela é incompleta. Mas serve de mapa para percorrer os caminhos trilhados até aqui pelo legado do Nirvana.
Unplugged In New York (1994)
Primeiro disco póstumo lançado, Unplugged In New York chegou às lojas em 1º de novembro de 1994. Retirado do show gravado quase um ano antes para a série Unplugged, da MTV, o registro é um dos momentos mais sublimes da carreira do Nirvana. Das 14 faixas, oito são versões de músicas da própria banda e, ainda assim, somente um hit massificado pelas rádios (“Come As You Are”, executada logo de cara). As demais foram covers do Vaselines (“Jesus Doesn’t Want Me For a Sunbeam”), David Bowie (“The Man Who Sold The World”), Meat Puppets (“Plateau”, “Oh Me” e “Lake of Fire”) e Leadbelly (“Where Did You Sleep Last Night”). Mesmo 25 anos depois, Unplugged in New York é um disco que incendeia a memória e emociona os fãs. Detalhe: há distorção no violão.
A estreia do Foo Fighters (1995)
Após o suicídio do amigo e companheiro de banda, o baterista Dave Grohl quase desistiu da música. Por sorte, mudou de ideia e seguiu em frente com um novo projeto, agora como vocalista, guitarrista e compositor. O álbum de estreia do Foo Fighters – que leva apenas o nome da banda – foi lançado em 4 de julho de 1995 pelo selo Roswell, criado pelo próprio Grohl. Foi ele quem tocou todos os instrumentos no disco. Este é o trabalho mais cru da carreira do Foo Fighters e aquele que mais se aproxima da sonoridade do Nirvana. Para o álbum foi resgatada a canção “Winnibago”, presente no álbum Pocketwatch, trabalho solo pouco conhecido que Dave Grohl lançou em 1990 sob o pseudônimo Late!, pouco antes de ocupar em definitivo a vaga de baterista do trio. Deste mesmo disco, o Nirvana gravara anteriormente “Colour Pictures of a Marigold”, mas batizada apenas como “Marigold”. A canção, única música cantada e de autoria de Dave Grohl no Nirvana, foi o lado B do single “Heart-Shaped Box”.
O primeiro disco ao vivo com guitarras (1996)
O segundo disco póstumo traz a banda no seu habitat natural. From The Muddy Banks Of Wishkah é uma coletânea de 17 canções gravadas em diferentes shows entre 1989 e 1994. A maior parte da compilação traz o Nirvana em sua melhor forma, quando a apatia e as drogas ainda não haviam roubado o brilho e a energia de Kurt Cobain no palco ou fora dele. A cereja do bolo deste repertório é a faixa ao vivo de “Spank Thru”, cuja versão oficial em estúdio havia sido lançada apenas na coletânea Sub Pop 200, de 1988.
Krist Novoselic de volta à música (1997)
Este episódio faz parte da lista mais por ser o primeiro sinal de vida de Krist Novoselic pós-Nirvana do que propriamente pela importância do trabalho. Depois de Dave Grohl se dar bem com o Foo Fighters, em 1997 foi a vez de Krist Novoselic apostar suas fichas. Mas, diferentemente do primeiro, o baixista do Nirvana não foi bem-sucedido com o projeto Sweet 75. Tendo como parceira a cantora venezuelana Yva Las Vegas, o disco de estreia decepcionou os fãs do Nirvana e foi recebido friamente pela imprensa. Após este fracasso, veio outro. Em 2002, Krist lançou junto com Curt Kirkwood (Meat Puppets) e Bud Gauch (Sublime) o único disco do Eyes Adrift, que não teve destino melhor que o Sweet 75. O mais novo projeto do baixista é a banda Giants In The Trees, cujo disco de estreia foi lançado em 2017, também sem muito alarde. Mais interessantes são outros dois projetos dos quais Krist Novoselic participou. Em 2007, ele assumiu o baixo do Flipper, grupo de pós-punk que teve grande influência sobre o Nirvana. Com a banda Krist gravou dois discos: Love, com material inédito registrado em estúdio, e Fight, ao vivo, ambos lançados há dez anos. Menção honrosa também para a participação dele no No WTO Combo, que contava também com Jello Biafra (Dead Kennedys) e Kim Thayil (Soundgarden). A banda lançou um disco ao vivo em 2000, Live From The Battle Of Seattle, gravado um ano antes, nas manifestações que tomaram as ruas da cidade-berço do grunge, durante reunião de líderes da Organização Mundial do Comércio.
Kurt & Courtney (1998)
Em fevereiro deste ano estreou o primeiro documentário a ter grande repercussão, por defender a tese de que o líder do Nirvana fora assassinado. A suposta criminosa? A viúva, claro. Dirigido por Nick Broomfield, o filme foi exibido pela BBC. Chegou também a ter sua exibição agendada para o Festival de Sundance, mas os organizadores desistiram depois de serem ameaçados de processo por Courtney Love. Familiares e amigos de Kurt Cobain, autoridades policiais e alguns outros sujeitos sinistros de credibilidade questionável são ouvidos no documentário. Dylan Carlson, o amigo que comprou a arma com a qual Kurt teria tirado a própria vida (ou sido assassinado!), aparece também. O clímax é o depoimento do cantor punk El Duce, no qual afirma que Courtney teria lhe oferecido 50 mil dólares para matar o esposo. Ele também diz saber quem matou Kurt, mas que prefere deixar que o FBI descubra. Dois dias depois de ser entrevistado para o documentário, El Duce morreu atropelado por um trem. Portanto, prato cheio para quem gosta de teorias da conspiração. Atulamente, o filme está à disposição para ser visto pelos assinantes da Netflix no Brasil.
Mais Pesado Que o Céu (2001)
A década seguinte ao suicídio de Kurt Cobain foi marcada por uma enxurrada de lançamentos literários sobre a vida do músico e a banda, que começavam a ser revistos com o devido distanciamento histórico, que permite interpretar melhor a carreira e o legado do artista. E é isso o que faz a primeira grande biografia de Kurt Cobain, Heavier Than Heaver, lançada em 2001. Ela foi escrita pelo jornalista Charles R. Cross, que por 15 anos foi editor do The Rocket, jornal musical de Seattle publicado entre 1979 e 2000. Com ampla pesquisa de arquivo e muitas entrevistas com pessoas próximas a Kurt em todas as fases da vida do cantor, o biógrafo conseguiu fazer um retrato apurado do líder do Nirvana. O livro foi lançado por aqui em 2002, com o título Mais Pesado Que o Céu. Em 2014, quando se completaram 20 anos do fim trágico do Nirvana, Charles R. Cross lançou outro livro, Here We Are Now: The Lasting Impact On Kurt Cobain (no Brasil chamado Kurt Cobain: A Construção do Mito). Esta obra é um olhar atento sobre o que representava o Nirvana duas décadas depois de ter transformado a cultura pop mundial.
Nossa Banda Podia Ser Sua Vida (2001)
Seguindo a onda de excelentes publicações que começaram a surgir à época e que tinham o Nirvana como mote, neste ano também foi lançado o livro Our Band Could Be Your Life: Scenes From American Indie Underground 1981-1991, do jornalista Michael Azerrad. Ele mostra como o Nirvana e a explosão do rock alternativo no início dos anos 90 não aconteceu por acaso. Ao resgatar a história de 13 bandas – entre elas Black Flag, Mission Of Burma, Minor Threat, Dinosaur Jr, Sonic Youth, Beat Happening, Hüsker Dü e Replacements – Azerrad interliga cenas musicais diversas da década de 1980 nos Estados Unidos que, embora pequenas, foram influentes e deram a base de fãs necessária para que o Nirvana saltasse do underground ao mainstream com o álbum Nevermind, em 1991. Com tradução do título ao pé da letra, Nossa Banda Podia Ser Sua Vida ganhou edição brasileira no final do ano passado. Azerrad também é autor de Come As You Are: A História do Nirvana, a biografia oficial do Nirvana, de 1993. Uma longa entrevista de Michael Azerrad com Kurt também deu origem ao cultuado documentário About a Son – Retrato de Uma Ausência, de 2006.
“You Know You’re Right” (2002)
A última canção de estúdio gravada pelo Nirvana foi lançada em 2002, na coletânea também batizada Nirvana. Editada como single para promover a compilação de sucessos, “You Know You’re Right” levou o trio de volta ao topo das paradas da Billboard e teve ampla divulgação na MTV, deixando mais do que evidente que havia uma base gigante de fãs sedentos por material inédito. Quem acompanhava a carreira da viúva de Kurt Cobain, Courtney Love, logo lembrou que a composição inédita do Nirvana havia sido tornada pública pelo Hole em 1995, em show da banda para a série Unplugged MTV. A faixa foi apresentada pelo Hole com o nome de “You’ve Got No Right”. A versão do Nirvana foi gravada poucas semanas após o lançamento do álbum In Utero, no final de 1993.
Os diários de Kurt (2002)
Se o livro Mais Pesado Que o Céuapresentava uma visão ampla da vida e da carreira de Kurt Cobain, a publicação dos diários do músico mergulhou os fãs na intimidade e na mente do líder do Nirvana. Journals não ganhou edição em português, o que se justifica pelo fato de o livro ser a reprodução exata das centenas de páginas em que o músico registrou, através de escrita e desenhos, seus aspirações, alegrias e frustrações. Estão lá esboços de letras que se tornariam famosas, de capas de discos que foram ou não lançados pelo grupo, as famosas listas de preferências do vocalista. O que salta aos olhos na leitura dos diários é a transição do problemático jovem músico que sonhava em se tornar rockstarem uma estrela mundial deprimida pelo sucesso e o vício, que já anunciava a própria morte em seus cadernos íntimos.
Fragmentos de Uma Autobiografia (2002)
Também neste ano, o jornalista brasileiro Marcelo Orozco lançou um título sobre o líder do Nirvana. Kurt Cobain: Fragmentos de Uma Autobiografia, chegou às livrarias pela saudosa Editora Conrad. Na obra, Orozco se propôs a fazer aquilo que o próprio biografado desencorajou o público a tentar: atribuir significados biográficos às composições (“cansei de ver pessoas querendo por sentido em minhas letras”, disse uma vez Kurt). Em geral, percebidos como difíceis de decodificar, os versos do compositor continuam inspirando e desafiando os fãs ao longo dos anos. De um jeito ou de outro, Orozco consegue fazer em seu livro um apanhado razoável da vida de Cobain e a obra merece crédito por isso. O autor justificou sua motivação. “Em sua música, Kurt soltava raiva quando sentia raiva; era doce quando se sentia doce; despachava rancores e pedia desculpas quando magoava alguém; tinha tristeza e humor. Imperfeito, complexo, vivo. E transparente, mesmo quando os versos pareciam enigmas sem sentido para outras pessoas”, afirmou o jornalista.
De grunge e governo (2004)
Após o fim do Nirvana e com os novos projetos musicais que não deram certo, o baixista Krist Novoselic passou a se dedicar a causas sociais e, principalmente, políticas. Um dos temas que mais o motivam é a revisão do processo eleitoral dos Estados Unidos. Desde 2005, ele é um dos mais ilustres membros da FairVote, organização fundada em 1992 em defesa desta causa. Um ano antes de entrar para a FairVote, Krist Novoselic publicou o livro Of Grunge and Government: Let’s Fix This Broken Democracy. Na obra, sem tradução para o Brasil, o músico e ativista expôs suas críticas e propostas para modernizar as eleições naquele país. E também explicou o seu interesse tardio pela política: “Eu costumava acreditar na retórica punk que defendia o completo abandono das instituições, a lógica sendo que nosso governo é a fonte da injustiça, então ele é o problema. Meu erro foi confundir hipocrisia, abuso de poder e a exclusão alimentada pelo nosso sistema eleitoral falido com sistema democrático. De modo errado eu me separava do meu governo. Hoje em dia, muitos cidadãos estão cometendo o mesmo erro.”
With The Lights Out (2004)
Após batalhas judiciais que se estenderam por anos pelos direitos do espólio do Nirvana, foi lançado em novembro de 2004 o box With The Lights Out. Formado por três CDs e um DVD, este material deu caráter oficial a uma série de gravações ao vivo, demos e faixas lançadas de forma avulsa pelo Nirvana em tributos, trilhas sonoras e afins. São 61 faixas de áudio e outras 20 registradas em vídeo no DVD. É ainda a melhor antologia do Nirvana: cobre toda a carreira da banda, desde o começo em Aberdeen em 1987 até o seu final em Seattle, em 1994. Uma das faixas mais interessantes é o cover de “Seasons In The Sun”, do cantor Terry Jacks, presente no DVD. Gravada em estúdio no Rio de Janeiro, em 1993, tem Kurt Cobain no vocal e bateria, Krist Novoselic na guitarra e Dave Grohl no baixo. Com essa mesma formação, a banda também tocou a música na caótica apresentação do festival Hollywood Rock, em São Paulo.
Classic Album: Nevermind (2005)
Produzida pela Isis Productions e distribuída pela Eagle Rock Entertainment, Classic Albums é uma série de documentários para TV/DVD sobre discos que se tornaram legendários. Com entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, empresários e quem mais puder contribuir para contar uma boa história sobre os registros destes álbuns, a série é um prato cheio aos aficionados em música pop. Em 2005, Nevermindfoi esmiuçado em um dos episódios. Krist Novoselic, Dave Grohl e o produtor Butch Vig deram seus depoimentos sobre os bastidores das gravações. Chama atenção como, mesmo depois de tanto tempo desde o lançamento, os três ainda se mostram surpresos com o tamanho do sucesso alcançado por Nevermind, registrado pela modesta quantia de 60 mil dólares. Dave Grohl: “eu não pensava que estávamos gravando um álbum clássico, apenas pensava que ele soava bem”. Krist Novoselic: “este disco é o que de melhor eu fiz na minha vida”.
Live At Reading (2009)
São muitos os que dizem, inclusive membros do Nirvana, que a melhor apresentação em toda a história do grupo foi a do Reading Festival, no dia 30 de agosto de 1992, época em que o Nirvana e o grunge eram fenômeno mundial. Junto a isso, os vícios e as overdoses de Kurt Cobain já alimentavam a imprensa, sendo as vidas dele, da esposa Courtney Love e da filha Frances Bean estampadas com frequência nas capas dos tabloides sensacionalistas britânicos. Quem não se lembra das reportagens que afirmavam que Courtney havia usado continuamente heroína durante a gravidez e que a filha do casal havia nascido viciada? Vivendo em um mundo onde caos pode ser a palavra definidora, muitos duvidavam de que Kurt apareceria para fechar a noite grunge do Festival. Até mesmo os membros do Nirvana estavam receosos sobre se conseguiriam fazer uma apresentação à altura da expectativa que havia sobre a “maior bando do mundo” na época. Dave Grohl: “Eu realmente pensei, ‘Isso será um desastre. Será o fim da nossa carreira’. E aí acabou sendo um show maravilhoso que nos curou por um tempinho”. Em 2009, Live At Reading foi lançado em áudio e vídeo para todos poderem ver e ouvir porquê esta ser considerada uma apresentação histórica. Além de músicas conhecidas, naquela o Nirvana antecipava outras que estariam em In Útero (“Tourette’s”, “All Apologies”) e fez versões de “The Money Will Roll Right In” (do Fang), “D-7” (do Wipers) além da já popular entre os fãs “Love Buzz” (do Schocking Blue). Não há como citar a entrada de Kurt no palco naquela noite, empurrado em uma cadeira de rodas e vestindo um jaleco de doente, fazendo piada com os rumores a respeito da própria saúde.
Os vinte anos de Nevermind (2011)
O 20º aniversário do disco Nevermind foi marcado pelo lançamento de um box supercaprichado, disponível em diversos formatos: vinil quádruplo, 4 CD + DVD ou CD duplo. Além do álbum “normal”, dependendo da versão que os fãs adquirissem, o material oferecia b-sides, versões inéditas, demos e faixas ao vivo. É verdade que boa tarde do material já estivesse disponível nos incontáveis bootlegs do Nirvana, mas não com a qualidade agora oferecida. Do material que marcou a efeméride, o mais interessante é a gravação da apresentação realizada em 31 de outubro de 1991. O show também foi lançado só em vídeo, com o título Live At The Paramount. A apresentação é o marco zero da Nirvanamania. Vale lembrar que o mesmo show havia sido dissecado pelo jornalista brasileiro André Barcinski no livro Barulho, lançado em 1992. Ele esteve lá, gostou muito do que viu e profetizou na época: “O legal do Nirvana é que eles ainda não têm uma história. Ela está sendo contada agora. Daqui uns dez ou vinte anos, a gente vai poder falar daquela ‘loucura do final de 91’”.
Os vinte anos de In Utero (2013)
As duas décadas de In Utero receberam tratamento semelhante ao 20º aniversário de “Nevermind”. O último disco de estúdio do Nirvana foi relançado em: vinil triplo, CD duplo e 3 CD + DVD. Da mesma forma, o material era formado pelo álbum normal, b-sides, versões e faixas ao vivo. Mas dois itens merecem destaque. Um deles é o vídeo, também lançado separadamente, com o show Live And Loud,que o grupo gravou em Seattle em 13 de dezembro de 1993 e originalmente exibido pela MTV como um programa especial. Outro material de destaque é a versão “2013 Mix” de In Utero, lançada em vinil duplo e capa diferente, com uma nova mixagem de Steve Albini, produtor original do disco e conhecido pela crueza de suas gravações. À época, a mixagem feita por ele foi motivo de uma pequena polêmica. A lenda é de que os diretores da gravadora detestaram o disco. Os membros do Nirvana também ficaram em dúvida quanto ao resultado. Por fim, acabou que a mixagem original de Albini ficou polida na masterização e duas das faixas de maior potencial radiofônico (“Heart-Shaped Box” e “All Apologies”) foram remixadas por Scott Litt, produtor identificado pelo seu trabalho de sucesso com o REM. A versão “2013 Mix” de Steve Albini mostra um In Utero mais áspero do que o original.
Hall da Fama do Rock and Roll (2014)
Na noite de 10 de abril de 2014, quando a morte de Kurt completava 20 anos, o Nirvana passou a fazer parte do Hall da Fama do Rock and Roll. A cerimônia, realizada em Nova York, marcou a primeira vez que Krist Novoselic, Dave Grohl e o agregado Pat Smear voltaram a se apresentar como Nirvana. Tocaram quatro músicas, todas cantadas por mulheres: Joan Jett (“Smells Like Teen Spirit”), Kim Gordon (“Aneurysm”), St Vincent (“Lithium”) e Lorde (“All Apologies”). O discurso de introdução ficou por conta de Michael Stipe (REM). Momento fofura da noite foi a reconciliação no palco entre Courtney Love e Dave Grohl, brigados desde sempre após o fim do Nirvana. As comemorações se estenderam noite adentro em um bar, com um show de 19 músicas tocadas pelo Nirvana com a participação das mesmas cantoras, entre outros convidados.
Fotos inéditas do corpo (2014)
Além de muitas homenagens, os vinte anos da morte de Kurt Cobain ficaram marcados pelo retorno das teorias de que ele fora assassinado. Isso motivou o Departamento de Polícia de Seattle a divulgar cerca de vinte fotos do local e de como Kurt Cobain foi encontrado, como forma de refutar a hipótese de assassinato. Apenas partes como o braço ou o pé de Kurt Cobain aparecem em algumas das imagens. Ainda assim, algumas fotos são bastante perturbadoras. Retratos da arma usada também foram tornadas públicas em 2016.
Sonic Highways (2014)
Depois de fazer, em 2013, o documentário Sound City, que conta a história do estúdio onde o Nirvana gravou Neverminde outras bandas também fizeram álbum clássicos, Dave Grohl lançou no ano seguinte a série de TV Sonic Highways, exibida nos Estados Unidos pela HBO e no Brasil pelo Canal Bis. O documentário é dividido em oito episódios, retratando oito cidades-chave na história da música estadunidense: Austin, Chicago, Los Angeles, Nashville, Nova York, Nova Orleans, Seattle e Washington. Grohl percorreu estas cidades e entrevistou músicos e produtores e visitou locais fundamentais de cada cena musical ali surgidas. O resultado é brilhante e não está descartada uma segunda temporada da série. Já o disco de áudio do projeto, lançado como apêndice do documentário e gravado nas mesmas localidades, é o mais fraco do Foo Fighters. A série foi lançada em DVD e blu-ray em 2015.
Soaked In Bleach (2015)
A teoria da conspiração de que Kurt Cobain fora vítima de assassinato ganhou um novo capítulo em 2015. Soaked In Bleach, documentário dirigido por Benjamin Stattler, questiona a versão oficial do suicídio. Tem depoimentos de autoridades que trabalharam no caso da morte de Kurt e principalmente do ex-detetive Tom Grant, contratado por Courtney Love para encontrar o marido dias antes dele ser achado morto. O próprio Tom reforça a suspeita de que a história de “suicídio” não passa de farsa. Soaked In Bleach é explícito na intenção de acusar Courtney como assassina ou mandante do “crime”.
Montage Of Heck (2015)
Um dos projetos mais importantes relacionados a Kurt Cobain. O filme/disco/livro Montage Of Heckfoi um mergulho nos arquivos do ex-líder do Nirvana, com o consentimento de Courtney Love e da filha Francis Bean. Dirigido por Brett Morgen, o carro-chefe do projeto é o documentário, que remonta a história de Kurt da infância até o suicídio. Tem imagens tocantes, como do músico feliz da vida quando criança brincando, fazendo “música” e se divertindo valer. Outras cenas são perturbadoras, como o músico chapadaço em um momento família: o primeiro corte de cabelo da filha. Morgen teve trabalho para pesquisar e dar um sentido ao material que tinha em mãos. Foram quase oito anos entre o início da produção e o lançamento de Montage Of Heck. O disco resultante já é menos interessante, até mesmo porque muito do arquivo musical de Kurt já havia sido explorado exaustivamente. Mas uma joia foi encontrada: uma gravação de “And I Love Her”, coverdos Beatles cantado e tocado no violão e registrado sem maiores pretensões por Cobain, que virou o single promocional do projeto. Menos repercussão teve o livro homônimo. Uma injustiça, pois ele reúne as entrevistas completas para o documentário com o avô Don Cobain, a mãe Wendy O’Connor e a irmã Kim, além das falas de Courtney Love, Krist Novoselic e a ex-namorada Tracy Marander. O livro é ilustrado com muitas fotos de Kurt e frames das animações de Stefan Nadelman e Hisko Hulsing que foram utilizadas em muitos momentos do documentário, quando não havia registros em vídeo para situações vividas por Kurt.
Taking Punk To The Masses no Brasil (2017)
Entre junho e dezembro de 2017, primeiro o Rio de Janeiro e depois São Paulo, receberam a exposição Taking Punk To The Masses. Foi a primeira vez que ela saiu de Seattle, onde estava sendo exibida desde 2011 no Museu de Cultura Pop da cidade. Com mais de 500 itens, muitos deles icônicos, a coleção é o maior acervo sobre Kurt Cobain e o Nirvana no mundo. Para o Brasil, o curador Jacob McMurrey selecionou cerca de 200 peças. Entre elas: a fita demo original gravada por Jack Endino em 1988, o contrato da banda com a gravadora Sub Pop, manuscritos originais de letras de músicas, pôsteres, roupas, instrumentos musicais, credenciais. O visitante pôde interagir ainda mais com o mundo do Nirvana, a partir de instalações interativas ou se perdendo na coleção de 21 discos de artistas diversos selecionados por Krist Novoselic. Coisa para fã nenhum botar defeito.
Batalha judicial (2018)
Após quatro anos de uma disputa judicial entre o jornalista Richard Lee e o Departamento de Polícia de Seattle, a Justiça decidiu que as fotografias do corpo morto de Kurt Cobain jamais poderão ser divulgadas. Sobre o processo Frances Bean, filha de Kurt, disse: “Liberar estas fotografias machucaria fisicamente a mim e minha mãe. Não posso imaginar o quão terrível seria saber que as imagens que o Sr. Lee procura seriam públicas, ou que eu ou qualquer uma das pessoas que amo, incluindo a mãe e as irmãs do meu pai, poderiam vê-las acidentalmente. A publicação destas fotos me chocaria e reforçaria o estresse pós-traumático de que sofro desde a infância”. Richard Lee foi um dos primeiros jornalistas a questionar a versão de suicídio. Há mais de duas décadas, ele foi o responsável pelo documentário amador Kurt Cobain Was Murdered, exibido pelo canal a cabo Seattle Public Access TV. Ele insiste até hoje nesta versão.
Cal Jam (2018)
Em 6 de outubro de 2018, Krist, Dave e Pat mais uma vez se apresentaram como Nirvana. A reunião aconteceu no Cal Jam, festival promovido pelo Foo Fighters na California. Para os vocais, mais uma vez Joan Jett foi convidada (“Breed”, “Smells Like Teen Spirit” e “All Apologies”), assim como John McCauley, membro da banda Deer Tick (“Serve The Servants”, “Scentless Apprentice” e “In Bloom”). Desde então, Krist e Dave têm considerado seriamente a possibilidade de uma pequena turnê do Nirvana. Os fãs aguardam ansiosamente!
Lembrando Kurt Cobain (2019)
Neste último dia 2 de abril, foi lançado nos Estados Unidos um novo livro de memórias: Serving The Servant: Remembering Kurt Cobain. Ele foi escrito por Danny Goldberg, empresário do Nirvana e um dos melhores amigos de Kurt entre o início de 1991 até o fim trágico em 1994. Goldberg esteve no olho do furacão durante o período mais famoso e turbulento da banda. Agora, 25 anos depois, ele compartilha suas lembranças, com a ajuda de outras pessoas próximas que também deram seus depoimentos para o livro. “Da forma que eu vejo, quem antecedeu o nível de Kurt em se conectar com a angústia adolescente não se encontra no cânone do rock and roll, mas na ficção de JD Salinger, particularmente em O Apanhador no Campo de Centeio. Como nesta clássica novela dos anos 1950, a arte de Kurt deu dignidade aos oprimidos”, comentou Goldberg. Ainda não exisye previsão de lançamento deste livro no Brasil.
Live At The Paramount, o vinil (2019)
E o mais recente item oficial da discografia é o lançamento, agora em vinil, do show Live At The Paramount. É a mesma apresentação de 31 de outubro de 1991, que já havia sido lançada oficialmente em vídeo e também em áudio (na edição superluxo comemorativa aos vinte anos de Nevermind). A data oficial de lançamento deste vinil é o próximo dia 12 de abril. O disco virá acompanhado de um pôster e uma réplica do ingresso daquele show.