Comics, Series, TV

O Cavaleiro da Lua

Personagem do Universo Marvel com mais de uma personalidade ganha série com sensacional interpretação de Oscar Isaac

Texto por Tais Zago

Foto: Disney+/Divulgação

O Cavaleiro da Lua apareceu pela primeira vez em HQs da Marvel em 1975, criado por Doug Moench e o artista Don Perlin. Na época, Marc Spector era o filho de um rabino e exmarine americano que trabalhava como mercenário. Em um ataque que resulta na morte do arqueólogo Dr. Alraune na frente de sua filha e também arqueóloga Marlene, Marc é traído e gravemente ferido pelo seu companheiro Raoul Bushman. Abandonado para morrer no deserto, ele adentra a tumba do deus egípcio Khonshu, onde acaba morrendo. Khonshu resolve ressuscitá-lo com a promessa de Spector de passar a defender e vingar apenas os inocentes. Spector se torna assim “o punho de Khonshu”, servindo às vontades e aos interesses da divindade vestindo sua armadura lunar. 

É a partir desse momento Marc assume a pecha de Moon Knight (seu nome na HQ original) e recebe uma armadura que dá a ele poderes e força extraordinários. Com o passar dos anos e de suas aparições nos comics, Marc foi assumindo outras personalidades (uma delas é o nerd Steven Grant) até ser oficialmente diagnosticado com transtorno dissociativo de identidade – o outrora chamado transtorno de múltiplas identidades. No universo Marvel, o Cavaleiro da Lua sempre foi um personagem secundário, aparecendo apenas eventualmente, algumas vezes como vilão e outras como mocinho. Essa contradição faz com que ele seja uma figura pouco conhecida, porém bastante interessante. Marc/Steven não sabe quem de fato é. Orbita entre múltiplas realidades (e localidades), assim como na dimensão dos deuses egípcios. A lua é seu símbolo e sua força. Assim como essa muda de fases, o cavaleiro muda de poderes e atitudes.

Com esse material em mãos, chegamos à versão da Disney + em mais uma empreitada do MCU. Quando achamos que o estoque de super (anti-)heróis se esgotou eis que tiram mais uma carta da manga – ou melhor, um underdog do arquivo de personagens. A primeira temporada de The Moon Knight (EUA, 2022) tem no total seis horas de duração. Pessoalmente, achei pouco. Fazia bastante tempo que um personagem não me empolgava tanto e arrancava boas risadas. Jeremy Slater (também da série The Umbrella Academy) foi escolhido como o showrunner e chamou para a direção dos episódios o egípcio Mohamed Diab e a dupla de cineastas de terror Justin Benson e Aaron Moorhead. Para o papel de Marc/Steven, foi chamado o ator Oscar Isaac, que entrega um cavaleiro impecável. Isaac parece claramente estar se divertindo muito com a dualidade do papel. Ele acerta em cheio o tom no peso e na violência do americano Marc e na leveza e no humor do inglês Steven. Um festival de sotaques de um grande ator para um papel complexo.

O primeiro capítulo já inicia nos jogando na centrífuga – ora Steven se encontra no trabalho, no souvenir shop de um museu, ora acorda todo ensanguentado no interior da Alemanha sendo perseguido por um grupo de seguidores de Arthur Harrow (Ethan Hawke). Nós nos sentimos tão perdidos quanto o personagem de Steven que, acreditando sofrer de sonambulismo, dorme acorrentado à sua cama; que marca encontros e não se lembra com quem; que recebe ligações de pessoas que não lembra conhecer e encontra coisas escondidas em seu apartamento que não lhe pertencem. Para alguns, a série pode tropeçar aqui no absoluto nonsense, mas para quem já conhece o trabalho de Jeremy Slater a certeza é que, em algum momento, (quase) tudo terá uma explicação plausível dentro da ficção.

Acompanhando o tema do personagem – a Lua – os cenários são sombrios, o tênue azul do luar é a luz quase constante, assim como a areia tem protagonismo. Visualmente pensamos em A Múmia ou os filmes de Indiana Jones. Para os fãs (aos quais pertenço), finalmente chegou a hora de juntar superpoderes, arqueologia, deuses e seres fantásticos da mitologia egípcia em uma única série. E o resultado é muito satisfatório. Mas o que seria de qualquer produção do MCU sem um(a) mocinho (a) como interesse romântico do herói? É aqui que entra a arqueóloga Layla (May Calamawy). Para salvar Steven e ser salva por Marc. 

Dados todos esses elementos, não tem como dar errado, certo? Talvez não para todo mundo. Por vezes a narrativa se arrasta além do necessário: algumas cenas ficaram confusas e o Arthur de Ethan Hawke é bastante canastrão. Mas Oscar Isaac está sensacional e carrega a obra nas costas, fazendo valer o nosso tempo. O show é todo dele. Assim como a armadura do cavaleiro, Isaac modela a forma do personagem de acordo com a personalidade assumida. Marc? Steven? Mais alguém? Saberemos isso na segunda temporada…

Movies, Music

tick tick… Boom!

Performance cheia de dor e desespero de Andrew Garfield é o melhor desta viagem rumo à mente do criador do musical Rent

Texto por Flavio Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Netflix/Divulgação

Todo fã de musical conhece Rent. Uma das obras mais inovadoras do gênero e um dos maiores sucessos dos palcos da Broadway revolucionou a forma como se faz e se vê os musicais. Mas embora muitos de nós (os fãs de musicais) sejamos apaixonados pela criatura, a ópera-rock que retrata tão absurdamente a juventude no final dos anos 1980, poucos são os que conhecem seu criador.

Jonathan Larson era uma força da natureza. Hiperativo, ansioso, mais alto que o normal e obcecado por suas criações, Jon era daquelas pessoas capazes de compor sobre qualquer coisa e de passar horas fazendo isso sem ver o tempo passar. De fato, vivia como se corresse contra uma contagem regressiva. E tick, tick… Boom! (EUA, 2021 – Netflix) nos leva pra dentro da mente deste compositor.

No longa, primeira vez de Lin Manuel-Miranda na direção (compositor de músicas de filmes e peças como HamiltonEm Um Bairro de Nova YorkMoanaEncanto e A Jornada de Vivo), somos catapultados pra dentro da mente de Jon. Por meio do musical autobiográfico que Larson mesmo compôs para expor sua vida e seu processo criativo, o diretor nos leva por um caminho nada fácil sobre como é ser criativo demais, ser à frente de seu tempo, ser incompreendido, ser soterrado pela mediocridade. E esperar a vida acontecer, nem sempre com um final feliz.

Com muitas referências a Rent tanto no estilo das músicas compostas por Larson quanto em cenas e ambientação, tick, tick… Boom! é uma viagem pra dentro de um homem que nunca encontrou seu espaço no mundo. Jon nunca conseguiu ver seu próprio sucesso: ele morreu de um aneurisma aos 35 anos no dia da estreia de Rent, em 1996. O musical permaneceu em cartaz por 12 anos (e até hoje tem montagens pelo mundo, incluindo no Brasil) e teve mais de 5000 apresentações na Broadway. Em 2005 ganhou sua versão para os cinemas, dirigida por Chris Columbus (de Harry Potter e a Pedra FilosofalUma Babá Quase PerfeitaO Homem Bicentenário e Esqueceram de Mim, entre outros), contando a história de um grupo de amigos na virada de 1989 para 1990 às voltas com ambições, sonhos e a ascensão do HIV.

tick, tick… Boom! serve como prequel de Rent, mostrando o processo criativo de Larson e os amigos que serviram de inspiração para os personagens do musical que viria a ser chamado como “definição de uma geração”. E prova que, ao impor um ritmo eufórico e ansioso ao filme e à história de seu protagonista, Lin Manuel-Miranda não é apenas um excelente compositor mas também um diretor seguro que sabe o que está fazendo.

Um dos melhores filmes do ano, tick, tick… Boom! vem criando buzz para as premiações do ano que vem, especialmente pela performance sensacional de Andrew Garfield como seu protagonista. É impossível não se sentir ansioso, perdido e desesperado como ele na tela. Sua dor é real e, ao transmiti-la, Garfield nos pega pela mão e nos leva com ele. Para o céu ou para o fundo do poço.

PS: se você é fã de musicais, vai reconhecer alguns rostos na cena de “Sunday” no Moondance Café. Estão ali nomes como Bernadette Peters, Chita Rivera, Joel Grey, Brian Stokes Mitchell, André de Shields, Renée Elise Goldsberry e Phillipa Soo (de Hamilton), Adam Pascal e Daphne Rubin-Vega, do elenco original de Rent. Manuel-Miranda disse que a ideia foi recriar de forma viva aquele cenário onde as lanchonetes possuem pôsteres de ícones como Amy Winehouse lanchando ao lado de Elvis e Madonna: “eu quis reproduzir aquela ideia de lendas de épocas diferentes conectadas em um único cenário. É como se Jon estivesse em um sonho, com pessoas que ele nem conheceu ainda, mas que hoje são lendárias”.

Movies, teatro

Querido Evan Hansen

Premiado musical da Broadway sobre ansiedade, depressão e fobia social na adolescência carrega a mão na tristeza em versão para o cinema

Texto por Flavio Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Quando falamos em musical, é difícil imaginar um filme dramático e triste. Até porque é muito mais fácil sair cantando e dançando na rua quando se está feliz, né? Por isso mesmo, esse é o primeiro gosto estranho que Querido Evan Hansen (Dear Evan Hansen, EUA, 2021 – Universal Pictures) traz ao paladar: sua história é triste, suas músicas são dramáticas. Seu tom é de tristeza e tragédia. As canções (e aqui fala alguém apaixonado pelas músicas de La La Land O Rei do Show, dos mesmos compositores) parecem sobras de um disco de uma banda emo dos anos 1990.

A história parte de um ponto bastante interessante: Evan Hansen, um jovem que sofre com ansiedade, fobia social e depressão, é aconselhado por seu terapeuta a escrever cartas de apoio para si mesmo. Um dia, na escola, ele manda imprimir uma destas cartas por engano e o isolado e problemático Connor pega e lê. Pensando que a carta falava dele, Connor a leva consigo. Dias depois, Evan recebe a notícia de que Connor se suicidou e o único bilhete que deixou foi uma carta que começa com “Querido Evan Hansen”. O que ninguém sabe é que não foi Connor quem escreveu a carta, mas o próprio Evan. O mal entendido, então, ganha proporções inimagináveis.

Sim, é um musical sobre ansiedade, depressão e mentiras para aliviar a dor. E, por isso mesmo, as coisas não combinam. Evan (Ben Platt) canta o tempo todo sobre sua dor e os motivos para sustentar sua mentira, que ele mesmo estimula. Pois é: ao mesmo tempo que ele sabe que o que faz não é certo, tenta se convencer de que é bom. Enganando os colegas de escola e os pais de Connor, ele nos deixa em uma posição difícil sobre gostar do personagem. A mentira é justificada pelo fato dele ter encontrado na família de Connor a que nunca teve? Ou nada justifica o fato dele inventar que ele e o rapaz tinham uma amizade que nunca existiu?

É difícil segurar todo um musical fundamentado na tristeza e na “realidade”, ainda mais quando não conseguimos nem saber se gostamos do protagonista. Mesmo os mais dramáticos (citemos Evita e Os Miseráveis) têm um pé na fantasia e no exagero. Mas, ao querer ser realista, Querido Evan Hansen acaba se levando a sério demais e seu exagero fica somente por conta dos agudos mesmo. Não há um respiro, um número musical alegre, um momento de redenção em todas aquelas lágrimas. Isso acaba cansativo.

Outro problema do filme é que, vendo a confusão em que Evan se enfia a cada dia mais, ficamos esperando pelas consequências da mentira. Quando elas chegam, é de forma simplista, apressada e mal resolvida. Era de se esperar que uma história tão dramática tivesse um final poderoso. Só que não. Ele aparece murcho e sem gosto. Pode ser uma falha da direção de Stephen Chobsky em levar uma história que fez tanto sucesso nos palcos para a tela.

No final das contas, Querido Evan Hansen vale por uma ou duas músicas (uma delas original do filme, “Anonymous Ones”, pronta para concorrer ao Oscar) e pelas participações de Amy Adams e Julianne Moore. Se for pra ver um musical recente sobre jovens em high school, opte por Todo Mundo Está Falando Sobre Jamie ou A Festa de Formatura.

P.S.: Muitos críticos reclamaram da escolha de Ben Platt (que tem 28 anos) para interpretar o protagonista, um adolescente de 17. Porém, além do fato dele ter feito o personagem na Broadway por mais de cem apresentações (e ter vencido o Tony Award por isso!), esta diferença de idade nunca foi problema em Hollywood. Basta ver a quantidade de adultos que interpretam adolescentes nas produções. Exemplo: quando Glee começou, Cory Monteith (o Finn) tinha 27 anos e interpretava um teenager no high school.