Music

L7

Oito motivos para não perder a nova passagem do quarteto californiano por Curitiba e outras cidades brasileiras

Texto por Abonico Smith

Foto: Divulgação

Trinta anos atrás elas passaram feito um furacão por nosso país. Foi em janeiro de 1993, no Festival Hollywood Rock, quando tivemos a primazia, hoje cada vez rara, de receber bandas novas que estavam em alta lá fora. Era ainda o tempo da explosão do rock alternativo na mídia tradicional e o L7 era um dos nomes mais badalados daquela turma, com videoclipe em alta rotação na MTV Brasil e críticas elogiosas em revistas especializadas de música. Para completar, ainda abriram o esperadíssimo (e polêmico) show do Nirvana nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Donita Sparks (guitarra e voz), Suzi Gardner (guitarra e voz), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria), ícones daquela época áurea em que vocais berrados, guitarras sujas e distorcidas e uma estética que cruzava informações vindas do punk rock e do heavy metal saíram do subterrâneo para tomar de assalto o mainstream, a imprensa corporativa, as grandes gravadoras, a matriz e as filiais da MTV e o gosto das pessoas espalhadas ao redor do planeta.

Depois do fim em 2001 e de um longo tempo na inatividade, a banda, com sua formação clássica, voltou a se encontrar com os fãs em 2015. As quatro gurias (hoje na faixa dos 60 anos de idade) voltaram às turnês, tocando aqui, ali e em todo lugar. Passaram novamente pelo Brasil, com parada em cinco capitais (Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba Porto Alegre e Belo Horizonte) em dezembro de 2018. De la para cá também soltaram novidades: um álbum (Scatter Than Rats, 2019) e mais três singles (“Dispatch From Mar-a-Lago”, “I Came Back To Bitch” e “Cooler Thn Mars”). Os dois primeiros foram nos meses anteriores à segunda vinda para cá. O último foi disponibilizado semanas atrás nas plataformas digitais de áudio e vídeo.

Agora o L7 vem pela terceira vez tocar para a gente. A tour começou ontem em São Paulo e alcança Ribeirão Preto (SP), no domingo (22 de outubro). Em Curitiba (24), acontecerá o ponto alto, quando o quarteto sobe ao palco no mesmo que outra história banda do rock independente norte-americano, o Black Flag (mais informações sobre local, horário e ingressos deste show na capital paranaense você tem clicando aqui; mais sobre o Black Flag você encontra aqui) A dobradinha se repete no dia seguinte (25) em Porto Alegre. De novo como atração única principal da noite, a banda ainda tocará em Belo Horizonte (27) e Rio de Janeiro (29). Mais informações sobre toda a rodagem em território verde-e-amarelo e os demais concertos você tem clicando aqui.

Para celebrar este retorno, o Mondo Bacana preparou uma relação com oito motivos para você não perder a terceira passagem do L7 por aqui.

Documentário

Dirigido pela cineasta Sarah Price, o documentário L7: Pretend We’re Dead foi lançado em 2016, depois de uma campanha de crowdfunding que arrecadou fundos para a sua realização. O filme conta a história da banda do underground ao estrelato e, então, de volta ao underground até o fim das atividades em 2001. São muitas imagens de arquivo e acervo pessoal com trechos de concertos e festivais, curiosidades de bastidores e depoimentos de Donita, Suzi, Jennifer e Dee em off.

Nada de girl band

Se existe uma coisa que elas deixam claro logo nos primeiros minutos de L7: Pretend We’re Dead é para não chamá-las de “banda de garotas”. Afinal, essa questão da diferenciação pelo gênero – e sempre através de um modo tão comparativo quanto negativo, diga-se de passagem – já é uma coisa tão batida, sem noção e sem sentido que elas já disparam que estão enojadas e cansadas de que usem isso a respeito do grupo. Donita afirma que rejeita toda a imagem criada ao longo destes anos pelo fato do L7 nunca ter sido algo que a pessoas pudessem esperar delas, sobretudo pela questão de não se encaixar no que se chama de estereótipo da beleza feminina.

Punk e também heavy

O L7 foi formado na esteira de um cenário punk e hardcore criado por jovens que não se encaixavam com a apatia de seus semelhantes durante o governo Ronald Reagan nos 1980. Paralelamente a isso, na cidade em que as musicistas viviam (Los Angeles), o rock era tomado pelo mainstream de bandas masculinas glam metal, mais preocupadas com o visual andrógino e a estética sexista da cosmética, levada aos extremos comerciais através dos videoclipes em alta rotação na MTV norte-americana. Entretanto, o heavy clássico, mais sujo e poderoso, também faz parte da formação delas. Isso pode ser facilmente notado em diversas faixas de álbuns como Smell The Magic (lançado pela Sub Pop em 1990) ou Bricks Are Heavy (de 1992, quando a banda era contratada do selo Slash, então ligado às gravadoras major Warner nos Estados Unidos e PolyGram no resto do mundo). São muitos riffs, pedais de efeito e power chords – sem falar que Donita leva uma guitarra Flying V a tiracolo ao subir em um palco. Sparks até então se ressentia do fato do grupo nunca ter sido convidado para participar de um festival dedicado a bandas heavy metal nos Estados Unidos. “Ne Europa nos aceitam muito bem e volta e meia participamos destes eventos. Mas em nosso país isso nunca aconteceu.”

Bricks Are Heavy

Responsável pela sonoridade assumidamente pop (porém sem negar as origens alternativas) de vários discos de sucesso da época – como Dirty (Sonic Youth), Nevermind (Nirvana) e Siamese Dream (Smashing Pumpkins) – o produtor Butch Vig também conseguiu fazer o mesmo com o L7 em Bricks Are Heavy. Deixou toda a sujeira lá, mas conseguiu aparar as arestas e arredondar as músicas compostas e cantadas por Donita, Suzi e Jennifer, inclusive fazendo os mesmos com seus vocais. O resultado foram três grandes hits (“Pretend We’re Dead”, “Monster” e “Everglade”), indispensáveis em qualquer set list do L7 até o final dos tempos da banda. Mas o repertório dos atuais shows da banda não se sustenta apenas nessas faixas do disco. Outras menos conhecidas na época continuam bastante poderosas quando tocadas ao vivo. É o caso de “Scrap”, “Slide”, “One More Thing” e “Shitlist”. Os versos desta última sempre soam como um eterno grito de guerra feminista.

Homenagem aos ídolos

Na volta para o bis de cada show, a banda rende uma saudação a uma histórica banda dos primórdios do punk rock.Primeiro single lançado em 1979 pelo trio Agent Orange, a música “Bloodstrains” foi a escolhida para a turnê passada por aqui. Desta vez, o salve vai para o Eddie and The Subtitles, com a canção “American Society”, gravada por eles em 1980. O quarteto também veio daquele cenário californiano muito prolífico para jovens inconformados e hipnotizados pela fúria e resistência comportamental do punk daquela época.

Brasil, 1993

O festival Hollywood Rock de 1993, realizado no segundo e no terceiro final de semana de janeiro, respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, trouxe uma escalação memorável. Duas das três noites eram reservadas a bandas internacionais que estavam, naquele momento, no auge de suas carreiras mundiais, fato até hoje não superado por qualquer outro evento do tipo em solo brasileiro. Uma das noites trazia o Alice In Chains e, como headliner, o Red Hot Chili Peppers. A outra, no mesmo esquema, era composta por L7 e Nirvana. E o show do L7 acabou sendo tão memorável quanto o de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. O estádio do Morumbi (onde este que aqui escreve estava presente, aliás) chacoalhava na noite do sábado 15 com a multidão pulando sem parar no gramado, cadeiras e arquibancada. Não foi bem um aquecimento para o trio principal, já disparado no topo das paradas mundiais, mas sim um show de primeira e que deixou todo mundo tão suado quanto. No Rio de Janeiro, sete dias depois, foi tudo igualzinho (conforme você pode checar aqui, assistindo à gravação da apresentação de mais de uma hora na íntegra).

Tampax para a plateia

A edição de 1992 do Reading Festival, na Inglaterra, entrou para a História pela trolagem do Nirvana. Havia uma expectativa negativa em relação ao show do trio porque Kurt Cobain estava entrando e saindo de períodos na rehab e muito se falava sobre a possibilidade da gig no evento ser cancelada. Sem qualquer aviso, Dave Grohl entrou no palco empurrando Kurt sentado em uma cadeira de rodas e com roupa hospitalar. O vocalista simulou uns espasmos e jogou-se ao chão, assustando e arregalando os olhos de todos. Posteriormente levantou-se e fez um puta show à frente de sua banda. Mas o L7 também deu sua bela contribuição para fazer aquele verão ser inesquecível para quem estava lá no interior inglês. A apresentação do quarteto foi um grande caos. A tensão já era grande no início, quando começou a haver problemas técnicos no som. A plateia ensandecida e à espera do Nirvana, reagia contra o grupo. A banda chegou a trolar todo mundo que queria mainstream começando a tocar o riff de “Enter The Sandman”, do Metallica, para depois parar tudo e xingar ao microfone. Depois, muita gente passou a arremessar lama em direção às integrantes. Irritadíssima, Donita não pensou duas vezes. Pôs a mão dentro da calcinha, arrancou o tampax, mostrou-o a todo mundo e arremessou-o em direção às pessoas, provocando reações de espanto e nojo em muitos. Apesar da gravação tosca e cheia de problemas, este simbólico show do L7 também está registrado no YouTube (veja aqui). O “incidente” do tampax – que chegou a ser incluído entre os cem melhores momentos de toda a história do heavy metal pelo canal de TV VH1 (veja aqui) – ocorre quase no final, aos 40 minutos e 24 segundos, assim que acaba a penúltima música do set list.

“Cooler Than Mars”

Lançado no último mês de setembro, o novo single do L7 é uma nova crítica disparada pela banda. Desta vez o foco fica nas mudanças ambientais drásticas que abatem o planeta inteiro e foram provocadas pelo mesmo ser humano que agora fala em deixar a Terra para passar a colonizar Marte. No videoclipe, as quatro integrantes interagem com cenas da natureza em um cromaqui intencionalmente tosco. Aparecem vegetações, mares e dezenas de animais da espécies variadas, das mais comuns aos mais esquisitos.

Music

História do Rock: Nirvana – Parte 1

Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl faziam no Brasil, há exatos 30 anos, um show furioso, confuso, autossabotado e memorável

Texto por Fábio Soares

Fotos do show de SP: iaskara/Mondo Bacana

Um calor etíope recaía na capital paulista naquele sábado, dia 16 de janeiro de 1993 no calendário, que não era parte integrante de um final de semana qualquer. A quarta edição do extinto festival Hollywood Rock (ironicamente e ao lado do também finado Free Jazz o único benefício que o cigarro trouxe às nossas vidas) aportava no estádio do Morumbi com um aspecto elogiável: reunir numa única edição headliners de um recém-surgido estilo musical que varreria o mundo naquele início dos anos 1990.

L7 e Alice In Chains chegavam embalados pelos hinos “Pretend We’re Dead” e “Man In The Box”, respectivamente. Pegando carona no sucesso do grunge, os Red Hot Chilli Peppers promoviam o antológico álbum Blood Sugar Sex Magik com a dobradinha-chiclete “Give It Away” e “Suck My Kiss”. Mas venhamos e convenhamos: todos eles vieram a reboque da maior (sim, era a maior mesmo e aceita isso porque dói menos) banda do mundo naquele recorte temporal.

O Nirvana estava entre nós! Os caras que tocaram o terror no VMA, da MTV americana, no ano anterior. Os caboclos que expulsaram Michael Jackson, Guns N’Roses e Madonna do topo das paradas nos últimos meses de 1991. As cabeças por trás de Nevermind, a bolacha que pôs 3/4 do planeta pra chacoalhar o pescoço no biênio anterior. O Brasil veria uma banda no seu auge criativo e histórico, coisa que raramente aconteceu até então (e raramente voltaria a acontecer até hoje). Isso eria naquele sábado. Portanto, era a brecha que o sistema queria. AVISA O IML, CHEGOU O GRANDE DIA! 

Com maciça divulgação na MTV Brasil, os ingressos praticamente se esgotaram para aquela tarde/noite em São Paulo. As arquibancadas do Morumbi (setor em que fiquei) estavam tão lotadas como num hipotético jogo envolvendo todos os quatro grandes times paulistas num único domingo. Era uma época em que as famigeradas (e irritantes) arenas de Palmeiras e Corinthians não existiam e o Morumbi monopolizava quase todos os clássicos do futebol estadual. No setor de pista do estádio (o conceito de setor “premium” passava longe de ser cogitado!) a lotação não era diferente: pouquíssimos “buracos” eram vistos. Havia uma atmosfera diferente no ar e a ansiedade de todos ali estava a mil.

Mas cadê o Nirvana? 

Por volta de 21h30, João Gordo subiu ao palco para ler um pedido de desculpas do baixista Krist Novoselic por declarações proferidas numa entrevista concedida semanas antes e, claro, distorcidas na edição publicada no principal semanário impresso do país na época. “Quem quer saber?”, pensei, antes de ouvi-lo anunciar: “Com vocês, a maior banda underground de todos os tempos: NIRVANAAAA!”.

Um barulho ensurdecedor tomou conta do “Morumba” quando Kurt Cobain, Krist e o então baterista Dave Grohl surgiram em cena evidenciando o óbvio: a diminuta formação da banda era pequena demais para aquele palco gigantesco. Imagine, antes de mais nada, a sala da mansão de Chiquinho Scarpa contendo apenas uma estante (Novoselic), uma poltrona (Grohl) e uma TV de 14 polegadas (Cobain). Agora não imagine mais nada, pois toda essa impressão foi para as cucuias quando Kurt extraiu de sua Fender Jaguar o matador riff de “School”, minha predileta de Bleach, primeiro álbum dos caras. Um verdadeiro pandemônio se instalou no estádio e a visão das arquibancadas para a pista era assustadora: o “mar” de gente parecia estar de ressaca com todo mundo se espremendo na vã tentativa de se aproximar da grade.

No palco, porém, ocorria algo fora do comum. Novoselic e Grohl estavam visivelmente a 120 por hora, mas Cobain a 60. Um desencontro para o qual ninguém ligou, afinal de contas o que veio a seguir passou por cima da audiência como um rolo compressor. “Drain You”, veio seguida pela inacreditável linha de baixo de Novoselic em “Breed”, a espetacular bateria de Grohl em “In Bloom”. Estas todas, além de “Sliver”, não deixaram pedra sobre pedra. A arrasa-quarteirão “Dive” (desconhecida até aquele momento e que seria lançada logo depois na compilação de singles e raridades Incesticide) preparou o terreno para “Come As You Are”, com o estádio inteiro entoando a letra em uníssono.

Em “Lithium”, uma cena que jamais sairá de minha memória: durante o refrão (aquele em que Cobain esgoela-se num “iêiêêiêêê” interminável), trinta mil pessoas na pista pulavam e giravam suas camisetas acima de suas cabeças, levantando uma nuvem de poeira que mais parecia uma tempestade noturna no Saara. Nas arquibancadas, outras cinquenta mil faziam o mesmo. A estrutura do estádio começou a balançar assustadoramente e as antigas torres de iluminação dançavam mais do que os bonecos de Olinda no carnaval pernambucano. “Esta porra vai cair!”, gritaram alguns (eu, incluso). Que momento! “Daqui pra frente, será um “showzão da porra, pensaram todos. Contudo, foi aí que o caldo começou a entornar.

Reza a lenda que, horas antes da apresentação, Kurt enchera a cara no bar do hotel onde eles estavam hospedados, o hoje fechado Maksoud Plaza. Também se entupira de comprimidos. Chegando ao estádio, alguém teria dito a ele que o festival era patrocinado por uma marca de cigarros (dããã!) e isso o teria deixado puto. O que existe de verdade ou não nesta historieta é difícil saber, mas o fato é que a segunda metade do show foi uma auto-sabotagem explícita e proposital. Antes de iniciarem “Smells Like Teen Spirit”, os três chamaram ao palco o baixista dos Chilli Peppers para tocar trompete em substituição ao solo de guitarra da canção. O resultado, porém, foi esquisito demais. O hit ficou praticamente irreconhecível e o constrangimento de Flea era evidente diante da presepada.

Daí em diante, a coisa desandou de vez! A banda iniciou um festival de covers com versões que em quase nada se parecia com as gravações originais. Pior: Cobain (doidão de pedra) encasquetou que o trio deveria trocar instrumentos entre si. É isso mesmo o que você está lendo: a estante virou TV de 14 polegadas (Novoselic na guitarra), a poltrona virou estante (Grohl no baixo), a TV de 14 polegadas virou poltrona (Cobain na bateria). O que se viu e ouviu dali por diante foi difícil de engolir. Foi um espetáculo de horrores! “Run To The Hills” (Iron Maiden), “Rio” (Duran Duran),  Kids In America” (Kim Wilde), “867-5309/Jenny” (Tommy Tutone), “Heartbreaker (Led Zeppelin), “Seasons In The Sun” (adaptação em inglês de uma chanson de Jacques Brel) “Should I Stay Or Should I Go” (Clash) e até “We Will Rock You” (Queen) foram tocadas com essa formação, algumas em rotação mais lenta. O que ocorreu durante a execução das mesmas jamais esquecerei: a pista se esvaziou! Inacreditável foi presenciar milhares de pessoas dirigindo-se aos portões de saída tais quais muçulmanos numa peregrinação a Meca. Nas arquibancadas, não foi diferente: presenciei um fulano, sentado num canto, gritar “Acaba, ‘pelamor’ de Deus!”. A debandada foi geral.

Confesso que quase fui embora também. Não sei por qual motivo fiquei. Fiquei para presenciar a maior banda do mundo pisar no tomate. Fiquei para ver uma trinca “responsa” de canções finais: “Territorial Pissings”, “Heart Shaped-Box” (que jamais havia sido executada ao vivo até aquele momento e viria gravada no fim daquele ano, no álbum In Utero) e a hecatombe nuclear “Scentless Apprentice” (também de In Utero). Fiquei pra ver Kurt Cobain destruir sua guitarra antes do momento Led Zeppelin, descer do palco e distribuir os pedaços da coitada para poucos sortudos e corajosos que ainda permaneciam junto à grade, como se fosse um padre a distribuir hóstias aos seu fiéis. Fiquei, enfim, para ser testemunha ocular de uma tortura sonora que durou quase três horas regada a muito cansaço e letargia exacerbados.

Uma experiência esquisita demais e que mesmo hoje, tanto tempo depois, ainda me faz procurar por respostas. O que fora aquilo? Teria sido aquela horror history um marco na carreira da banda? Teria Cobain agido como um moleque dono da bola e do campinho que, de repente, diz “se eu não jogar, ninguém mais joga”? Estaria o Nirvana a um passo da dissolução bem ali, diante de 80 mil pessoas?

Saí do Morumbi naquela noite com a quase certeza de que a resposta viria depois de algum tempo, numa segunda vinda do grupo ao Brasil. “Farão um show num local fechado e será bem melhor”, pensei. Não deu. Quinze meses depois, Kurt estourava os próprios miolos em Seattle e o resto da história todo mundo já sabe.

Fiquei puto na época mas este sentimento não carrego mais. Trago comigo a certeza de que hoje, tanto tempo depois, presenciei um fato histórico. Uma banda no auge, fazendo um concerto ruim. Aliás, a maior banda do mundo promovendo uma ópera do horror.

Em 16 de Janeiro de 1993, o Nirvana tocava em São Paulo. Há exatos 30 anos eu estava lá! 

E eu me lembro muito bem de tudo.

Set list: “School”, “Drain You”, “Breed”, “Silver”, “In Bloom”, “About a Girl”, “Dive”, “Come As You Are”, “Molly’s Lips”, “Lithium”, “(New Wave) Polly”, “D-7”, “Smells Like Teen Spirit”, “On a Plain”, “Negative Creep”, “Something In The Way”, “Blew”, “Run To The Hills”, “Heartbreaker”, “We Will Rock You”, “Seasons In The Sun”, “Kids In America”, “Should I Stay or Shuld I Go?” “867-5309/Jenny”, “Rio”, “Lounge Act”, “Territorial Pissings”, “Heart-Shaped Box” e “Scentless Apprentice”.

Music

Mark Lanegan

Sobrevivente da lama do vício em heroína, ex-Screaming Trees construiu belíssima carreira solo até morrer hoje, aos 57 anos de idade

Textos por Luciano Vitor

Fotos: Terreno Estranho (Divulgação) e Edi Fortini (ao vivo)

Hoje é um dia estranhíssimo, não apenas pela data palíndroma, mas porque perdi meu amigo e ídolo Mark Lanegan. Ele, na realidade, não me conhecia, mas me identifico com ele: um cara estranho dentro do universo musical, como eu fui dentro da escola, da faculdade e da vida de adulto.

Com sua voz rouca, Lanegan soube sair da lama e de uma boa parte da sua vida, da escravidão da heroína, que levou precocemente um de seus amigos de Seattle, Layne Staley (vocalista da primeira fase do Alice in Chains) e provavelmente corroeu a mente de Kurt Cobain, que tempos depois disso se matou. Mas o que não nos mata nos torna mais forte. Isso aconteceu com ele.

Lanegan era um sobrevivente, com uma das ajudas mais improváveis (Courtney Love) se internou numa rehab e teve uma carreira solo lindíssima depois de cantar no Screaming Trees durante o auge de popularidade do grunge. Seja ao lado de artistas como Isobel Campbell (ex-Belle & Sebastian), Duke Garwood e seu violonista sensacional Jeff Fielder ou em bandas como Mad Season, Twilight Singers ou Queens Of The Stone Age, Lanegan gravou mais de uma dezena de discos. Sabe aquela verdade de David Bowie conversada com diversos amigos? Também vale muito para Lanegan: um disco mediano dele é muito acima da maior parte gravada nos últimos anos por milhares de outros artistas.

Sim, sou um fã desolado e aterrorizado por nunca mais poder assistir a um show dele, nunca mais ouvir um disco novo ou ler a respeito de um novo trabalho vindo no próximo ano. Lanegan me salvou em momentos obscuros da minha mente. Ele me deu uma das maiores alegrias da minha vida ao cumprimentá-lo e ver um show ao vivo no Brasil quatro anos atrás, onde só consegui dizer “obrigado por tudo!”. 

Sabe aquele amigo mais velho que vira seu ídolo como um primo mais velho ou um amigo talentosíssimo? Mark Lanegan era meu amigo, como o Gustavo André Inúbia, a Gisele Vargas , Paula Pereira, Vera Lucia Oliveira Santos, a Ana Karina Nercolini Miranda, a Ninna Oliveira, o Alexandre Moreira, o @Valter Resende, o Bruno Valente Pimentel, o Aldo Amorim ou o Alexander Samary.

Lanegan, um cara improvável, descendente de irlandeses, exilado por vontade própria na Irlanda, foi-se, aos 57 anos de idade, neste 22.02.2022. Perdi um amigo que não me conhecia, mas a quem devo muitas alegrias na vida.

Descanse em paz, Mark Lanegan. Descanse em paz, meu amigo!

***

AO VIVO (08.09.2018)

Texto publicado originalmente pelo Mondo Bacana em 16 de setembro de 2018

São Paulo é uma cidade tão cosmopolita que na minha opinião, exceto ela, outras duas capitais brasileiras apenas poderiam ter um Cine Joia: Curitiba e Recife. Isso dada a existência de diversas manifestações culturais dentro destes cenários. Com capacidade oficial para 992 pessoas (alguns sites informam que cabem 1300), o Cine Joia é, como o próprio nome diz, um cinema antigo que fora adaptado para ser uma casa de shows no estilo de anfiteatro norte-americano. Sem as cadeiras na parte debaixo, torna-se uma pista e tanto.

Com o começo do show do cantor, compositor e futuro escritor (em outro texto falaremos disso!) marcado para as 21h, o local estava quase lotado no último dia 8 de setembro. A exceção era na parte superior, onde ficamos – eu, Rogério Silva (crítico do Under Floripa) e o baterista Marky Wildstone (Dead Rocks) – assistindo a tudo com um incrível conforto e sem filas para as bebidas. 

Perto das 21h10 a banda subiu ao palco para começar a tocar e sem qualuqer estrelismo. Os músicos Shelley Brian (teclados e programações) e Jeff Fielder (guitarra) entraram praticamente juntos com Mark Lanegan e já começaram a tocar “When Your Number Isn’t Up”, do álbum Bublegum (2004).

O que veio a partir daí me deixou em um misto de devoção e felicidade. Devoção porque sou fã do cantor e pude notar o encantamento em todos os presentes. Em nenhum momento, pelo que me recordo, houve insistentes pedidos de canções para o cantor, como acontece em muitos concertos de diversos artistas em qualquer outro local. Já vi alguns shows de Lanegan na Europa e nos EUA em que fãs pediam insistentemente por músicas que não faziam parte do set list daquela noite. Essa noite no Cine Joia pude presenciar não apenas o respeito dos fãs presentes mas uma devoção perante a música, poucas vezes vista antes em meus trinta anos de cobertura de eventos musicais pelo Brasil.

A atmosfera intimista ajudou. E muito! Canções eram aplaudidas na medida que eram desfiladas após seu término. A sequência matadora: “Low”, “Hit The City” (em dueto com Shelley, fazendo a parte de PJ Harvey, que gravou a canção com Lanegan) e “Nocturne”, do penúltimo álbum solo, Gargoyle. A plateia, nas quatro primeiras canções, já estava devidamente conquistada, como se precisasse, aliás. A partir daí, a Mark Lanegan Band fez um show para fãs! “Goodbye To Beauty”, “Sister”, “Graverdigger´s Song” (do aclamado álbum The Blues Funeral), “Deepest Shade” (gravada por ele com a Twilight Singers, superbanda que também tem em sua formação o prolifico Greg Dulli, do Afghan Whigs), “One Hundred Days”, “Come To Me” e mais onze canções até o encerramento.

O desequilíbrio entre as músicas antigas e as novidades foi o ponto crucial desse sábado. De Gargoyle (2017) foram incluídas duas faixas: as outras 23 músicas eram de diversos discos do cantor, sendo alguns covers que o próprio Lanegan gravou em algum momento de sua longeva carreira. E isso acabou sendo ruim? Muito pelo contrário! Afinal, Mark sabe equilibrar e pontuar um set list para agradar não apenas a si mesmo mas também aos seus fãs que lá estão sempre presentes.

E o show acabou quando os músicos saíram do palco? Não, meus amigos. Lanegan voltou cerca de dez minutos depois e sentou-se junto a uma mesinha para autografar, pelas minhas contas, umas mil peças (entre discos comprados na banquinha instalada no próprio Cine Joia, CDs e LPs levados por fãs, cartazes e fotos). Tudo com uma paciência ímpar e sem o já famoso meet and greet que muitos artistas fazem há alguns anos no showbiz.

O que se viu por lá foi um artista comprometido com sua arte, com seu público e sem querer fazer média com ninguém. Um artista sobrevivente à cena grunge da qual fez parte e da qual soube extrair o melhor e o pior. Aos 53 anos, Lanegan continua sendo um gigante entre as bandas e artistas que não souberam envelhecer com dignidade.

Set List: “When Your Number Isn’t Up”, “Low”, “Hit The City”, “Nocturne”, “Goodbye To Beauty”, “Sister”, “The Gravedigger’s Song”, “Deepest Shade”, “One Hundred Days”, “Come To Me”, “Strange Religion”, “Beehive”, “You Only Live Twice”, “Morning Glory Wine”, “One Way Street”, “Mirrored”, “Sad Lover”, “Halcyon Daze”, “Phantasmagoria Blues”, “I Am The Wolf”, “On Jesus’ Program”. Bis: “Torn Red Heart”, “Bombed”, “Where The Twains Shall Meet” e “Halo Of Ashes”.

Music

L7

Oito motivos para você não perder a volta da banda ao Brasil depois de um intervalo de vinte e cinco anos

L72018

Texto por Abonico R. Smith

Foto: Divulgação

Vinte e cinco anos separam a histórica passagem do L7 pelo Brasil, em pleno auge do rock alternativo, da segunda vinda da banda ao país. Foi preciso esperar um quarto de século para ver de novo por aqui Donita Sparks (guitarra e voz), Suzi Gardner (guitarra e voz), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria), ícones daquela época áurea em que vocais berrados, guitarras sujas e distorcidas e uma estética que cruzava informações vindas do punk rock e do heavy metal saíram do subterrâneo para tomar de assalto o mainstream, a imprensa corporativa, as grandes gravadoras, as filiais da MTV e o gosto das pessoas espalhadas ao redor do planeta.

Depois de um longo tempo em inatividade, a banda voltou à ativa em 2015 com sua formação clássica. Ainda é esperado um disco novo, com faixas inéditas. Mas enquanto isso não acontece, as quatro “gurias” (hoje na faixa entre os 50 e 60 anos) estão volta às turnês, tocando aqui, ali e em todo lugar. Na primeira semana de dezembro será a vez do Brasil recebê-las, com cinco datas em cinco capitais diferentes. O giro começa pelo Rio de Janeiro no dia 1 de dezembro (mais infos aqui). Depois segue para São Paulo no dia 2 (mais infos aqui). No dia 4, a escala será em Porto Alegre (mais infos aqui). No dia 5, em Curitiba (mais infos aqui). Por fim, no dia 6, em Belo Horizonte (mais infos aqui).

Para celebrar o retorno do L7 ao país, o Mondo Bacana preparou uma relação com oito motivos para você não perder a nova passagem da banda por aqui.

Documentário

Dirigido pela cineasta Sarah Price, o documentário L7: Pretend We’re Dead foi lançado em 2016, depois de uma campanha de crowdfunding que arrecadou fundos para a sua realização. O filme conta a história da banda do underground ao estrelato e, então, de volta ao underground até o fim das atividades em 2001. São muitas imagens de arquivo e acervo pessoal com trechos de shows e festivais, curiosidades de bastidores e depoimentos de Donita, Suzi, Jennifer e Dee em off. Por enquanto, a obra pode ser vista em streaming nos Estados Unidos através da Amazon. Em breve deverá estar disponível aqui no Brasil também.

Nada de girl band

Se existe uma coisa que elas deixam claro logo nos primeiros minutos de L7: Pretend We’re Dead é para não chamá-las de “banda de garotas”. Afinal, essa questão da diferenciação pelo gênero – e sempre através de um modo tão comparativo quanto negativo, diga-se de passagem – já é uma coisa tão batida, sem noção e sem sentido que elas já disparam que estão enojadas e cansadas de que usem isso a respeito do grupo. Donita afirma que rejeita toda a imagem criada ao longo destes anos pelo fato do L7 nunca ter sido algo que a pessoas pudessem esperar delas, sobretudo pela questão de não se encaixar no que se chama de estereótipo da beleza feminina.

Punk porém também heavy

O L7 foi formado na esteira de um cenário punk e hardcore criado por jovens que não se encaixavam com a apatia de seus semelhantes durante o governo Ronald Reagan nos 1980. Paralelamente a isso, na cidade em que as musicistas viviam (Los Angeles), o rock era tomado pelo mainstream de bandas glam metal, mais preocupadas com o visual andrógino e a estética da cosmética, levada aos extremos comerciais através dos videoclipes em alta rotação na MTV norte-americana. Entretanto, o heavy clássico, mais sujo e poderoso, também faz parte da formação delas. Isso pode ser facilmente notado em diversas faixas de álbuns como Smell The Magic (lançado pela Sub Pop em 1990) ou Bricks Are Heavy (de 1992, quando a banda era contratada do selo Slash, então ligado às gravadoras major Warner nos Estados Unidos e PolyGram no resto do mundo). São muitos riffs, pedais de efeito e power chords – sem falar que Donita leva uma guitarra Flying V a tiracolo ao subir em um palco. A vocalista também se ressente do fato do grupo nunca ter sido convidado até hoje para participar de um festival dedicado a bandas heavy metal nos Estados Unidos. “Ne Europa nos aceitam muito bem e volta e meia participamos destes eventos. Mas em nosso país isso nunca aconteceu.”

Bricks Are Heavy

Responsável pela sonoridade assumidamente pop (porém sem negar as origens alternativas) de vários discos de sucesso da época – como Dirty (Sonic Youth), Nevermind (Nirvana) e Siamese Dream (Smashing Pumpkins) – o produtor Butch Vig também conseguiu fazer o mesmo com o L7 em Bricks Are Heavy. Deixou toda a sujeira sonora lá, mas conseguiu aparar as arestas e arredondar as músicas compostas e cantadas por Donita, Suzi e Jennifer, inclusive fazendo os mesmos com seus vocais. O resultado foram três grandes hits (“Pretend We’re Dead”, “Monster” e “Everglade”), indispensáveis em qualquer set list do L7 até o final dos tempos da banda. Mas o repertório dos atuais shows da banda não se sustenta apenas nessas faixas do disco. Outras menos conhecidas na época continuam bastante poderosas quando tocadas ao vivo. É o caso de “Scrap”, “Slide”, “One More Thing” e “Shitlist”. Os versos desta última, que sempre encerra todo bis, permanecem atualíssimos como um grito de guerra feminista.

Agent Orange

Na volta para o bis de cada show, a banda rende sua homenagem a uma histórica banda dos primórdios do punk rock oitentista americano. Primeiro single lançado em 1979 pelo trio Agent Orange, a música “Bloodstrains” é um petardo que não dura sequer dois minutos. Seus versos tratam da rejeição completa ao american way of life, onde a felicidade parece sempre rimar com estabilidade financeira, família e aquela vida bem baunilha. A gravação oficial do L7 para esta música está no álbum-compilação Teriyaki Asthma Vols 1-5, lançado em 1992 pelo microsselo independente C/Z, criado pelo casal Chris Hanzsek e Tina Casale em Seattle em 1985. Deste disco também fazem parte gravações raras de outras bandas de suma importância naquele momento do rock alternativo, como Nirvana, Babes In Toyland e Gas Huffer. Todas ainda em fase pré-fama, fazendo seus shows em pequenas casas e viajando pelos Estados Unidos em carros e vans.

Brasil, janeiro de 1993

O festival Hollywood Rock de 1993, realizado no segundo e no terceiro final de semana de janeiro, respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, trouxe uma escalação memorável. Duas das três noites eram reservadas a bandas internacionais que estavam, naquele momento, no auge de suas carreiras mundiais, fato até hoje não superado por qualquer outro evento do tipo em solo brasileiro. Uma das noites trazia o Alice In Chains e, como headliner, o Red Hot Chili Peppers. A outra, no mesmo esquema, era composta por L7 e Nirvana. E o show do L7 acabou sendo tão memorável quanto o de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. O estádio do Morumbi (onde este que aqui escreve estava presente) chacoalhava na noite do sábado 15 com a multidão pulando sem parar no gramado, cadeiras e arquibancada. Não foi bem um aquecimento para o trio principal, já disparado no topo das paradas mundiais, mas sim um show de primeira e que deixou todo mundo tão suado quanto. No Rio de Janeiro, sete dias depois, foi tudo igualzinho (conforme você pode checar aqui, assistindo à gravação da apresentação de mais de uma hora na íntegra).

Tampax em direção à plateia

A edição de 1992 do Reading Festival, na Inglaterra, entrou para a História pela trolagem do Nirvana. Havia uma expectativa negativa em relação ao show do trio porque Kurt Cobain estava entrando e saindo de períodos na rehab e muito se falava sobre a possibilidade da gig no evento ser cancelada. Sem qualquer aviso, Dave Grohl entrou no palco empurrando Kurt sentado em uma cadeira de rodas e com roupa hospitalar. O vocalista simulou uns espasmos e jogou-se ao chão, assustando e arregalando os olhos de todos. Posteriormente levantou-se e fez um puta show à frente de sua banda. Mas o L7 também deu sua bela contribuição para fazer aquele verão ser inesquecível para quem estava lá no festival. A apresentação do quarteto foi um grande caos. A tensão já era grande no início, quando começou a haver problemas técnicos no som. A plateia ensandecida e à espera do Nirvana, reagia contra o grupo. A banda chegou a trolar todo mundo que queria mainstream começando a tocar o riff de “Enter The Sandman”, do Metallica, para depois parar tudo e xingar ao microfone. Depois, muita gente passou a arremessar lama em direção às integrantes. Irritadíssima, Donita não pensou duas vezes. Pôs a mão dentro da calcinha, arrancou o tampax, mostrou-o a todo mundo e arremessou-o em direção às pessoas, provocando reações de espanto e nojo em muitos. Apesar da gravação tosca e cheia de problemas, este fatídico show do L7 também está registrado no YouTube (veja aqui). O “incidente” do tampax – que chegou a ser incluído entre os cem melhores momentos de toda a história do heavy metal pelo canal de TV VH1 (veja aqui) – ocorre quase no final, aos 40 minutos e 24 segundos, assim que acaba a penúltima música do set list.

#Resist

Em entrevistas já publicadas por veículos brasileiros, Donita já deixou clara a sua total antipatia pelo próximo presidente que está por assumir nosso país. Só que, ao contrário do que muita gente estúpida poderá (e deverá) afirmar, a vinda do L7 não tem nada a ver com financiamento da Lei Rouanet, nem a banda não precisa de promover de qualquer forma ou deve manifestar interesse em ir à Polícia Federal em Curitiba para visitar o ex-presidente Lula. As quatro integrantes do grupo começaram a tocar durante o governo neoliberal de Ronald Reagan, que ocupou a Casa Branca entre 1981 e 1989. Depois, quando anunciaram o hiato das atividades em 2001, aguentaram mais oito anos de George W. Bush até 2009. Atualmente ela não perde a chance de dizer que adoraria jogar em Donald Trump seu tampax. “Parece que quando esses imbecis estão no poder, o punk se reaviva. A resistência dos artistas também. A música ajudou a derrubar o apartheid nos anos 1980. Ajudou os movimentos sindicais nos EUA dos anos 1930. O folk e a música de protesto ajudaram nas manifestações contra a Guerra do Vietnam. Eu acho muito importante os artistas e as pessoas em geral resistirem a toda essa merda, fazendo qualquer coisa que elas façam de melhor”, declarou Sparks ao site WikiMetal (leia toda a entrevista aqui).

Music

Judas Priest + Alice In Chains + Black Star Riders – ao vivo

Festival mostra em Curitiba que o hard rock e o heavy metal são duas vertentes do rock que sobrevivem do passado de glórias

judaspriest2018cwb

Judas Priest

Texto por Abonico R. Smith

Fotos de Priscila Oliveira (CWB Live)

Volta e meia alguém diz por aí que o rock virou coisa de velho. De certa forma isto não deixa de estar correto. Pelo menos em cima do palco. Pelo menos no que depender da dobradinha hard rock/heavy metal. Calcados na mistura de guitarras pesadas construídas com base em riffs cíclicos e refrãos potentes, daqueles que têm o poder de comandar o uníssono de uma multidão em estádios e arenas, esses gêneros andam mostrando que ainda não souberam se renovar muito neste início de século. Poucas bandas de popularidade e representatividade sonora surgiram e os grandes baluartes que solidificaram a fama das vertentes durantes os anos 1970 e 1990 continuam por aí, firmes e fortes, carregando hordas de fãs para vê-los por onde passam. Aliás, com o império do formato MP3, anteriormente em troca de arquivos P2P e já há algum tempo como sucesso de plataformas de streaming, parece que ficaram ainda mais fortes, já que toda música mais antiga está sendo descoberta e consumida como novidade para uma geração que não conhece direito que função tem (ou tinha) um disco de vinil ou a laser. Isso explica o que se viu na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, na noite de 8 de novembro de 2018.

Na nova edição do festival Solid Rock – que reúne bandas de som pesado com a carreira já solidificada – quem era o headliner era o Judas Priest. Quinteto inglês que pode ser considerado o marco de transição entre o hard rock e o heavy metal, com “somente” quase meio século de carreira. Nos vocais, uma figura lendária do gênero, Rob Halford, já com 67 anos – mesma idade do baixista Ian Hill, o único remanescente da formação original. Antes dos britânicos, os americanos do Alice In Chains, banda formada há 31 anos na cidade de Seattle e um dos nomes responsáveis pelo hype e torno da cidade e do rótulo grunge no início dos anos 1990. Somando os dois já são oito décadas de trajetória.

Quem abriu os trabalhos da noite foi o Black Star Riders, banda relativamente nova – foi formada em 2012, mas que surgiu das quase cinzas do Thin Lizzy, histórica formação de hard rockque deu seus primeiros passos na capital irlandesa Dublin em 1969 e que teoricamente continua em atividade. Um de seus guitarristas, Scott Gorham, entrou para o grupo em 1974 e gravou do quarto ao décimo segundo (e último) álbum do grupo, lançado em 1983, um pouco antes do encerramento das atividades. Em 1996, o Thin Lizzy decidiu voltar de forma não regular, reunindo-se apenas para shows. Dois dos integrantes recrutados nesta nova “fase da banda” (o vocalista Ricky Warwick e o também guitarrista Damon Johnson) montaram o BSR com Gorham quando decidiram não usar mais o nome da antiga banda. Resumindo: quase todo mundo ali nas três bandas já atingiu a quinta dezena na idade e quem ainda não o fez está quase lá. Exceções apenas para os “bebês” Chad Szeliga (baterista do BSR, que soprará 42 velinhas em dezembro) e Richie Faulkner (que completará 39 quando os fogos de artificio anunciarem a chegada do próximo ano).

Com três álbuns lançados entre 2013 e 2017, o BSR pode não usar oficialmente o nome do Thin Lizzy mas se dedica a manter viva a chama da banda irlandesa. Não por acaso tocam alguns covers. Na capital paranaense apareceram no set list megahit “The Boys Are Back In Town” e “Jailbreak”, ambas faixas do álbum Jailbreak, de 1976, que ganhou disco de ouro pelas vendagens nos mercados do Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. De resto, tocam músicas bem recentes que poderiam estar muito bem no repertório de outrora, com melodias fortes, pitadas de blues e arranjos que desfilam aquele hard rock clássico setentista.

aliceinchains2018cwb

Alice In Chains

O Alice In Chains subiu ao palco determinado a privilegiar a primeira fase da banda, quando o cantor ainda era o doidão Layne Staley, morto por overdose em 2002. Das quinze músicas do set list, dez foram gravadas pela banda entre 1990 e 1995. Somente cinco representam o período da retomada da carreira, quando o guitarrista, compositor e covocalista Jerry Cantrell encontrou um vocalista à altura (William DuVall, vindo do circuito do hardcore norte-americano) e pôs um fim ao hiato de seis anos da banda, que durou entre 1996 e 2002. Apenas duas vieram representando o disco mais recente, Rainier Frog, lançado em agosto último. Grande parte do público nem estava aí se DuVall é mais técnico no gogó e também um bom instrumentista. Esses se esbaldaram nos velhos hits como “Man In The Box”, “Them Bones, “Down In A Hole” e “Would?”.  O grunge parecia uma revolução feita aqui e agora na Pedreira.

Já o Judas Priest foi ainda mais além no mergulho rumo ao passado. Quatro faixas do repertório vieram do novo álbum Firepower (lançado em março último) e as outras quinze do período entre 1976 e 1990, quando a banda abriu os caminhos do heavy metal para toda uma grande e nova geração britânica (Iron Maiden, Venom, Motörhead, Saxon, Def Leppard), americana (Metallica, Slayer, Exodus, Anthrax, Pantera, Testament) e de outros países como Brasil e Alemanha. A nova dupla de guitarristas mostrou não temer o peso de substituir lendas como KK Downing (que optou por deixar a formação em 2011) e Glenn Tipton (afastado por sofrer do Mal de Parkinson). O “protagonista” dos solos William Faulkner, apesar da “pouca” idade, apredneu direitinho com seus deuses e ídolos do instrumento. Já Andy Snead, produtor de Firepower, revela-se totalmente integrado à turma na atual turnê. Rob Halford, por sua vez, compensa com os fatos de ter carisma e cantar muito a falta de uma performance mais incisiva. Também volta e meia troca de figurinos a la Katy Perry (abusa de muitas capas e casacos, indo do prateado de excessivo brilho ao couro preto sadomasô, passando pelo inevitável jeans) e guarda para o final a triunfante entrada no palco ao som do ronco de uma moto Harley Davidson.

Os clássicos matadores “Breaking The Law” e “Living After Midnight” foram estrategicamente guardados para encarrar o set em uma noite que provou que gêneros como hard rocke heavy metal parecem estar ficando que nem vinho: quanto mais antigos, melhor. O que também pode significar uma grande maldição para os próximos anos, quando toda essa turma de pioneiros e grandes heróis não estiverem mais em disponíveis.

Set list Black Star Riders: “All Hell Breaks Loose”, “Jailbreak”, “Finest Hour”, “Heavy Fire”, “The Killer Instinct”, “Before The War”, “When The Night Comes In”, “The Boys Are Back In Town”, “Kingdom Of The Lost” e “Bound For Glory”.

Set list Alice In Chains: “Check My Brain”, “Again”, “Never Fade”, “Them Bones”, “Dam That River”, “Hollow”, “Down In a Hole”, “No Excuses”, “We Die Young”, “Stone”, “Angry Chair”, “Man In The Box”, “The One You Know”, “Would?” e “Rooster”.

Set list Judas Priest: “Firepower”, “Running Wild”, “Grinder”, “Sinner”, “The Ripper”, “Lightning Strike”, “Desert Plains”, “No Surrender”, “Turbo Lover”, “The Green Manalishi (With The Two Prong Crown)”, “Night Comes Down”, “Rising From Ruins”, “Freewheel Burning”, “You’ve Got Another Thing Comin’”, “Hell Bent For Leather”, “Painkiller”, “Electric Eye”, “Breaking The Law” e “Living After Midnight”.