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Sepultura – ao vivo

Grandiosidade da turnê de despedida e de comemoração dos 40 anos da mais famosa banda de metal do Brasil deixa Curitiba em êxtase

Texto e fotos por Rodrigo Juste Duarte

O Sepultura tem vários shows históricos em sua trajetória. Só em Curitiba podemos citar quatro ocasiões: o de 1994, na Pedreira Paulo Leminski, com Ramones, Raimundos e Viper; o de 1999, quando a banda lotou o Studio 1250 em uma das primeiras apresentações com Derrick Green nos vocais (muita gente aguardava com curiosidade para conferir a nova formação ao vivo!); e o de 2006, quando trouxe para a capital paranaense seu próprio evento, o Sepulfest (com abertura de Korzus, Massacration, Sad Theory e Children of Flames). Sem contar quando veio tocar na Ópera de Arame, durante a turnê do álbum Quadra em 2023.

A apresentação que rolou na Live Curitiba na noite de 22 de março deste ano também pode muito bem entrar nessa lista. Aliás, todos os shows que o Sepultura realizou e virá a realizar neste ano e no seguinte são históricos, em qualquer lugar do mundo. Eles fazem parte da tour Celebrating Life Through Death, que comemora os 40 anos de banda ao mesmo tempo que é a despedida do grupo dos palcos. Depois de sete datas iniciais pelo Brasil em março de 2024, a banda seguiu excursionando neste mês de abril por oito países das Américas Central e do Sul. Em setembro, será a vez de São Paulo, com três noites (duas delas já com ingressos esgotados!). Entre outubro e novembro serão 22 na Europa. E ainda vem muito mais por aí!

O horário marcado para começar na Live Curitiba era o das 21 horas, mas o show só teve início cerca de uma hora depois – provavelmente para dar tempo de todo o público entrar na casa, que recebeu mais de 3 mil pessoas naquela noite. A fila praticamente dava a volta na quadra. Enquanto se aguardava o momento de adentrar no recinto, era possível contabilizar mais de uma centena de estampas diferentes do Sepultura nas camisetas usadas pelos fãs: tinha de praticamente todos os álbuns, nas mais diversas fases do grupo (seja no thrash, death ou groove metal), incluindo as opções oficiais comemorativas de 20 e 40 anos de banda, inspiradas nos uniformes da seleção brasileira de futebol, atiçando boas lembranças de quem viveu estes mais diversos momentos. Claro que tinha quem vestisse camisetas de outros inúmeros artistas do rock e do metal, inclusive dos irmãos Cavalera e do Slipknot (seria uma provocação?). Havia até fã com camiseta do Sonic Youth. Mas isso é perfeitamente condizente (continue lendo e você saberá o porquê).

Já dentro da casa, o público aguardava ansiosamente pela subida ao palco de Andreas Kisser (guitarra), Derrick Green (vocais), Paulo Xisto (baixo) e do novo integrante Greyson Nekrutman (bateria), chamado para substituir Eloy Casagrande às pressas, poucos dias antes do início da turnê (leia mais sobre isso aqui). Estavam presentes de bangers de carteirinha a famílias inteiras. De roqueiros veteranos com cabelos ou barbas grisalhas (isso quanto aos que ainda têm cabelo), até jovens de vinte e poucos anos, entre homens e mulheres, de pele clara ou escura, que compunham uma diversidade bonita de se ver, mostrando uma plateia fiel há décadas mas que também passou por renovações. No som mecânico, clássicos do metal animavam o público até a hora de entrar “Polícia”, dos Titãs, em volume mais alto, anunciando que o show começaria. Essa música, que já foi regravada pelo Sepultura, antecede suas apresentações há pelo menos meia década. 

Em seguida veio uma intro com um mix de vários samples usados em músicas de toda a trajetória do Sepultura, até chegar no som da batida de coração de Zyon (filho de Max Cavalera) ainda no ventre materno, que anunciava “Refuse/Resist”, música de abertura que incendiou o público e deu o pontapé inicial em um espetáculo grandioso, Não só pela seleção sonora, mas pelo impacto visual: havia enormes paineis verticais de led (deviam ter 6 metros de altura) de cada lado do palco, além de cubos de led de cerca de 2 metros sobre o palco e outros telões acima e abaixo da bateria (que ficava elevada a uma altura considerável) exibindo imagens criadas para acompanhar cada música, intercaladas com cenas captadas ao vivo lá no show. Uma produção de grande magnitude, digna de uma banda com o cacife do Sepultura.

O repertório seguiu com mais duas de Chaos A.D., um dos álbuns de maior sucesso da banda: “Territory” e “Slave New World”, que mantiveram a adrenalina em alta na plateia. “Phanton Self”, do disco Machine Messiah veio em seguida, comprovando que as músicas mais novas não devem nada às lançadas em seus primeiros anos, quando Max Cavalera estava no grupo. O show foi se alternando entre clássicos e faixas mais recentes. Vieram na sequência: “Dusted”, “Attitude” e “Kairos”. A oitava, “Means To An End”, foi uma das provas de fogo para Greyson Nekrutman, pois se trata de uma música de Quadra, que possui linhas de bateria complexas, compostas por muitas partes. O garoto mandou bem, não somente nesta, mas em todas as demais do repertório.

“Cut-Throat” foi uma das cinco selecionadas do disco Roots, o voo mais alto que o Sepultura já teve em sua carreira. “Guardians Of Earth” veio logo depois, trazendo no telão imagens de povos indígenas brasileiros e de paisagens de seus habitats, tal como no belo videoclipe dirigido pelo curitibano Raul Machado, um dos maiores e mais produtivos “clipmakers” do Brasil. Em “Mind War” (do injustiçado trabalho Roorback) os telões traziam grafismos hipnóticos para acompanhar a música (assim como em “Kairos”, que também ganhou um acompanhamento visual chapante). 

Logo após ouviram-se as sirenes que pareciam ser da música “Born Stuborn”, de Roots, mas na verdade eram de “False”, de Dante XXI, álbum conceitual inspirado na obra literária A Divina Comédia, de Dante Alighieri. “Choke” trouxe lembranças do início da fase Derrick, sendo o primeiro hit de Against, de 1998. A nostalgia foi mais fundo com “Escape To The Void”, única de Schizophrenia, o segundo rebento da banda, que marcou a estreia de Andreas Kisser na formação mineira. 

De repente, os telões exibiam imagens de 1995, do Sepultura gravando com uma tribo xavante. Era o prenúncio de “Kaiowas”, primeira composição com temática indígena da banda. Nesta ocasião, dois sortudos subiram ao palco para tocar percussão e violão em uma verdadeira jam session tribal. Eles foram escolhidos entre o público pela equipe do canal Do Lado Direito do Palco, que acompanhou todos os shows desta primeira perna da turnê. Com certeza foi muito empolgante aos convidados que tiveram essa oportunidade, mas eu destacaria a fã que tocou no show de Porto Alegre (procure pelo vídeo dela no perfil do Instagram do canal, pois sua reação é digna de ilustrar a palavra “emoção” no dicionário).

Algumas pérolas que nem sempre são lembradas ganharam destaque no set, como o hino “Sepulnation”, a hardcore “Biotech Is Godzilla” e a contemplativa “Agony Of Defeat”, que deu um respiro antes dos cinco megaclássicos guardados para o final. “Troops Of Doom”, do álbum de estreia, proporcionou rodas de pogo na pista. O agito continuou intenso com “Inner Self” (introduzida no repertório, corrigindo uma ausência sentida nos primeiros shows da turnê), seguida da brutal “Arise”, um dos melhores exemplos do thrash metal de todos os tempos.

A banda saiu do palco, deu tchau para o público, mas todos sabiam que haveria um bis. Só que em Curitiba já sabemos do comportamento das pessoas em shows, que demoram pra pedir pra banda voltar, ficam moscando por dois ou três minutos… Até que alguém começou a puxar o grito com o nome da banda. Então, o Sepultura retornou para as duas músicas finais, ambas do consagrado Roots. A primeira foi “Ratamahatta”, que colocou todos para pular com palavras em português, como biboca, garagem, e favela, e exaltando nomes como Zé do Caixão, Zumbi e Lampião. 

Por fim, a apresentação encerrou-se magistralmente com “Roots Bloody Roots”, primeiro hit de uma obra revolucionária, que levou uma banda de metal vinda do Brasil a fazer enorme sucesso em todo o planeta, mostrando suas raízes e identidade nacional para o mundo e arriscando sonoridades até então nunca praticada no gênero. Um exemplo são os solos de guitarra justamente desta música “Roots Bloody Roots”, com apenas duas notas e com muita microfonia, deixando clara uma influência da clássica banda indie Sonic Youth, declarada em entrevistas – além de outras referências a artistas dos mais variados estilos, dos quais os músicos do grupo mineiro beberam e absorveram sonoridades diversas de forma rica e criativa. O Sepultura era uma banda que não se prendia às amarras e dogmas do metal, inovou o estilo e continuou muito influente. 

Após o fim da apresentação, a sensação era de êxtase e de satisfação do público presente. Alguns tentavam pegar baquetas, palhetas e set lists distribuídos pela banda e pela equipe de palco. Assim como havia uma música dos Titãs em som mecânico antecedendo os shows dessa turnê, também há uma canção oficial pós-show: “Easy Lover”, de Phill Collins, algo um tanto inesperado para uma banda de metal, mas adequado quando esta banda é o Sepultura, que tem integrantes com gostos bem ecléticos. Assim encerrou-se este que pode ter sido o último (e não menos histórico) concerto do Sepultura em Curitiba.

Set list:  “Refuse/Resist”, “Territory”, “Slave New World”, “Phantom Self”, “Dusted”, “Attitude”, “Kairos”, “Means To An End”, “Cut-Throat”, “Guardians Of Earth”, “Mind War”, “False”, “Choke”, “Escape To The Void”, “Kaiowas”, “Sepulnation”, “Biotech Is Godzilla”, “Agony Of Defeat”, “Troops of Doom”, “Inner Self” e “Arise”. Bis: “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots”.

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Paul McCartney – ao vivo

Nem problemas técnicos mancharam a segunda das três apresentações na capital paulista do beatle durante a passagem da Got Back Tour pelo Brasil

Texto por Fabio Soares

Foto: Marcos Hermes/Divulgação

O tempo passou e, sabemos, as últimas vezes estão cada vez mais próximas. Ver Paul McCartney em sua Got Back Tour em pleno 2023 é ter a certeza de que uma hora ou outra chegarão as despedidas, inevitáveis como leis da vida. Aceitar este fato é o máximo (e o melhor) que podemos fazer.

A data de 9 de dezembro amanheceu fria e chuvosa em São Paulo, contrariando o calor senegalês reinante na cidade nos dias anteriores. Evidenciando, talvez, uma apresentação diferente fosse pela forma, set list quase imprevisível (mesmo?) ou simplesmente pela sensação de coração apertado pelas últimas vezes, aquele sábado estava diferente dos demais. O início da performance de Paul, a segunda das três marcadas para capital paulista, provou exatamente isso.

Com 16 minutos de atraso (algo pouco usual em sua trajetória), o beatle adentrou o palco de um Allianz Parque completamente tomado por corações e mentes entregues ao sonho de ver um integrante dos Fab Four, fosse pela primeira ou última vez. Aliás, a audiência de Paul McCartney seja talvez a única do planeta a ostentar três ou quatro ou cinco gerações em um mesmo mesmo espaço. 

“A Hard Day’s Night” abriu os trabalhos com a já tradicional catarse que lhe é peculiar. Entretanto, algo desagradável saltou aos olhos e ouvidos: a péssima qualidade de som apresentada nas canções iniciais. Não importa se a desculpa é que os técnicos de som são da equipe do artista. A verdade é que assistir a grandes concertos no Brasil é um teste de paciência (e cardíaco) a ouvidos mais exigentes. Aliás, nem tão exigentes assim, porque exigir um som bem equalizado diante um ingresso que custou quase o mesmo que um salário mínimo é o mínimo que se pode reinvindicar – sobretudo durante a execução de “Maybe I’m Amazed”, lá pelo meio do set, quando os vocais de Paul permaneceram quase inaudíveis. Um verdadeiro crime para uma das mais lindas pérolas de seu repertório.

Após a abertura, a trinca fornada por “Junior’s Farm”, “Letting Go” e “She’s a Woman mostrou um Paul econômico nos gestos (mais que natural!) mas não menos empolgado. Na primeira, o naipe de metais posicionado no pé de uma das arquibancadas laterais foi uma grande sacada da produção, dando uma espécie de “alargamento” do palco em comunhão com a massa. Visualmente bonito, aborrecidamente na audição por conta dos problemas técnicos.

A banda do artista permanece como um pilar a ser respeitado. Admirável sustentáculo que permite ao artista errar, desafinar e voltar ao eixo quase que de forma imperceptível, algo que foi notado nas execuções de “My Valentine” e “Nineteen Hundred and Eighty-Five”. É no talento do trio formado pelos guitarristas Rusty Anderson e Brian Ray e do baterista Abe Laboriel Jr que Macca se apoia. Um trio de zagueiros que deixa o astro do time livre para criar como em “Something”. quando McCartney sacou seu ukulele para os versos iniciais e completou o serviço ao piano. Antes dela, disse em português: “esta vai para meu ‘mano’ George”. Aliás, dizer gírias e expressões locais é uma marca desta turnê brasileira. Foi assim em Brasília e Belo Horizonte também. Certamente será em Curitiba e Rio de Janeiro, as próximas escalas no país.

Relembrar os ex-companheiros não foi algo apenas reservado a “Something”. Em “I’ve Got a Feeling”, a tecnologia permitiu um dueto com um John Lennon projetado nos telões, em imagens retiradas do documentário Get Back, de Peter Jackson. John também foi saudado na inesperada cover de “Give Peace a Chance”. No mais, a pirotecnia ainda se fez presente em “Live And Let Die”, com o público completamente entregue e envolto num momento de brilho de raios laser e fogos de artifício, numa espécie de batismo a novos fãs (a quarta e a quinta geração presentes e já citadas neste texto).

Fosse nos momentos de catarse coletiva (“Helter Skelter”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e na indefectível “Hey Jude”) ou nos mais introspectivos, as duas horas e quarenta de espetáculo voaram, Deixaram novamente extasiada uma plateia completamente entregue ante um espetáculo que jamais perderá sua beleza e ápice, mesmo com problemas técnicos de som.

No fim, a inexatidão de uma despedida marcou presença. Mesmo aos 81 anos, o responsável por grande parte da cultura pop que conhecemos tem ainda muita lenha a queimar. E que bom seria se esta fogueira fosse eterna. Mas quer saber? De certa maneira, ela é sim.

Set list: “A Hard Day’s Night”, “Junior’s Farm”, “Letting Go”, “She’s a Woman”, “Got To Get You Into My Life”, “Come On To Me”, “Let Me Roll It”, “Getting Better”, “Let’em In”, “My Valentine”, “Nineteen Hundred and Eighty-Five”, “Maybe I’m Amazed”, “I’ve Just Seen a Face”, “In Spite Of All The Danger”, “Love Me Do”, “Dance Tonight”, “Blackbird”, “Here Today”, “Give Peace a Chance”, “New”, “Lady Madonna”, “Jet”, “Being For The Benefit Of Mr. Kite!”, “Something”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Band On The Run”, “Get Back”, “Let It Be”, “Live And Let Die” e “Hey Jude”. Bis: “I’ve Got a Felling”, “I Saw Her Standing There”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)”, “Helter Skelter”, “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”. 

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Gross – ao vivo

Rock’n’roll, uma estrada deserta e nuances musicais: a noite de um show impecável do ex-guitarrista da Cachorro Grande

Texto e foto por Frederico Di Lullo

Era 18 de maio e passava das 20h30 quando peguei a estrada saindo da cidade de Palhoça com destino certo: a Dubai Brasileira. Também conhecida como Balneário Camboriú (ou até mesmo BC), a localidade iria receber a primeira data da turnê por Santa Catarina de Marcelo Gross, que também teria cidades como Joinville e Blumenau no roteiro. As Próximas Horas Serão Muito Boas, segundo álbum da Cachorro Grande, gravado no icônico estúdio Bafo de Bira lá em 2003 e lançado no ano seguinte encartado na “revista do Lobão”, foi a trilha sonora que balançou a trip semanal, numa espécie de culto do que estaria por vir naquela quinta-feira.

Após algumas paradas técnicas, cheguei ao local do show, a charmosa ArtHouseBC. Eu não conhecia o espaço artístico-cultural e fiquei surpreendido positivamente. No local funcionam cinema, auditório, coworking, bar, café, loja e estúdio… TUDO NO MESMO LUGAR E MEIO QUE AO MESMO TEMPO! O conceito é incrível e, por vez, depois de algumas cervejas, era possível fechar os olhos e se imaginar em algum local de Londres ou Amsterdam. Mas que bom que estávamos no sul do sul do mundo e prestes a assistir a um dos maiores músicos da contemporaneidade: o exímio compositor e eterno guitarrista da Cachorro Grande.

Passava das 23h, quando  a banda chegou ao ArtHouseBC e sem muitas firulas e iniciou com “Alô, Liguei” e “Me Recuperar”. Ambos são clássicos da carreira solo de Gross, que estão presentes em Chumbo & Pluma, trabalho de 2017. Com uma plateia ansiosa e em êxtase apesar de pequena, o trio era iluminado não só pela luz do palco mas sim pelo brilho que a banda como um todo emana, capitaneada pela guitarra e a voz de Marcelo. Isso sem mencionar o lendário baterista Julio Sasquatt e o baixista Lucas Chini, que atualmente formam a banda de apoio. Muito talento. Muita luz. Muita energia. Muito rock’n’rollbaby! E, sim, desde o primeiro acorde, desde a primeira nota, todos os presentes ficaram cativados.

Cabe destacar que o atual show de Gross, chamado Tour 50 Anos de Rock, é uma visita a todos os momentos da carreira do guitarrista. Por isso, o clima teve ares de nostalgia. Com isso, ao longo da apresentação, ficou cada vez mais nítida a habilidade excepcional dele na guitarra. Seus solos eram precisos e cheios de paixão. Sua voz rouca e marcante embalou “Eu Aqui e Você Nem Aí”, “Que Loucura”, “Lunático”, “Purpurina”, “Sinceramente”, “A Dança das Almas” e “O Novo Namorado”, dentre outras tantas músicas que viabilizaram o espetáculo. Aliás, a última faixa mencionada foi, pra mim, uma grande surpresa! Afinal de contas, Júpiter Maçã e os Pereiras Azuiz a lançaram em 1995 (mas isso é papo para outra resenha!).

Cada canção, meu amigo, era uma jornada musical repleta de saudosismo e acabou me envolvendo completamente. Em resumo, esta noite de maio em Balneário Camboriú foi uma verdadeira e honesta ode ao rock cantado em português (mesmo com uma cover dos Beatles encaixada no repertório). Performance impecável, presença de palco cativante, clima intimista, interação com o público e cerveja gelada foram os atenuantes de uma experiência memorável para todos os presentes.

No final, aplausos entusiasmados ecoaram na sala do ArtHouseBC. Isso só demonstrou o reconhecimento e o carinho do público. Marcelo Gross não precisava provar nada a ninguém, mas detém genialidade musical e carisma inegável. Sem sombra de dúvida, ele é um dos grandes nomes do rock. Não só o gaúcho, mas sim do Brasil todo.

Quando o show acabou, só restou achar um pico para bater um lanche, pegar a estrada, colocar La Máquina de Hacer Pájaros no bluetooth e depois descansar para acordar cedo e enfrentar o último dia útil da semana. Enfim, só sabia que aquelas próximas horas seriam muito boas.

Set list: “Alô, Liguei”, “Me Recuperar”, “Eu Aqui e Você Nem Aí”, “Que Loucura”, “Carnaval”, “Lunático”, “O Novo Namorado”, “Disfarça”, “Taxman”, “Bom Brasileiro”, “A Dança das Almas”, “Dia Perfeito”, “O Buraco da Fresta”, “Sinceramente” e “Purpurina”.

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Tame Impala – ao vivo

Kevin Parker dribla uma fratura no quadril para guiar os fãs na Argentina em uma hora e meia de catarse psicodélica

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Reprodução

Algumas coisas na vida são inesquecíveis. Você, certamente, irá lembrar para sempre do seu primeiro dia de escola, daquela paixão que arrebatou seu coração ainda adolescente, de uma viagem com amigos ou até mesmo do fim de um relacionamento. Eu, por exemplo, irei me lembrar do show do Tame Impala no Lollapalooza Argentina para sempre. Aconteça o que que acontecer. E agora vou explicar o motivo nesta humilde resenha.

Cheguei no Hipódromo de San Isidro, em Buenos Aires, por volta das 17h do dia 18 de março de 2023 e logo me impressionei com o tamanho do festival. Tudo numa distância longa, com necessários vários minutos de caminhada. O sol estava começando a ficar mais fraco e a temperatura de 34ºC ia diminuindo com a ausência de luz natural. Após presenciar os concertos de Wallows, Jane’s Addiction, Catupecu Machu (uma parte), 1975 (outra parte) e ter tomado apenas duas cervejas por 1100 pesos cada (equivalente a 14 reais; sim, o festival permitia o consumo de apenas duas latas por dia!), chegou o momento de me posicionar defronte ao palco Samsung para poder presenciar pela primeira vez uma das minhas bandas favoritas.

Assim, sete anos depois e com Kevin Parker recentemente submetido a uma cirurgia no quadril fraturado, o Tame Impala voltava para a Argentina, reencontrando-se com um público em verdadeiro frenesi e euforia desmedida. Eram 20h45 em ponto e eu estava junto a dezenas de milhares de pessoas.

E os australianos deram, com toda certeza, um dos melhores espetáculos do Lollapalooza Argentina 2023. Após um vídeo introdutório distópico, no qual era apresentado Rushium, o medicamento psicodélico presente durante toda a turnê do álbum The Slow Rush, o frontman entrou auxiliado por muletas e recebeu uma estrondosa e merecida ovação. Sim, em tempos de cancelamentos repentinos e caprichosos cortes, a atitude de Kevin é louvável e necessária. Obrigado por não desistir de nós!

Assim, sob uma catarse de efeitos visuais, lasers coloridos, overdrives e distorções, o Tame Impala começou sua jornada naquela mistura de pop psicodélico, rock clássico, sintetizadores e indie rock. O set list veio com “One More Year” e, na sequência, “Bordeline”, talvez a música mais popular do seu quarto álbum.

Durante a apresentação da banda, tive diversas sensações e agitos sensorais. Um deles foi, sem dúvida, viajar através dos loops coloridos que a sequência de “Nangs”, “Breathe Deeper” e “Posthumous Forgiveness” proporcionou: uma repetição infinita, profunda e que parecia congelar o tempo. Mas o show continuava e depois rolaram os clássicos absolutos como “Elephant”, “Lost In Yesterday” e “Apocalypse Dreams”.

A física diz que não é possível estar acelerado e, ao mesmo tempo, pairando sem movimento nenhum. Contudo, Parker e companhia demostraram isso no momento de Mutant Gossip, quando todo mundo pareceu mover-se através das ondas que apareciam ao fundo, desaparecendo no oceano de psicodelia. E se diz o ditado popular  que“as águas calmas são profundas”, o que veio depois foi o mergulho absoluto ao abismo. Era tempo de “Let It Happen”, “Feels Like We Only Go Backwards”, “Eventually” e “One More Hour, que fechou a primeira parte do show e encontrou a comunhão de corpos dançando como se não houvesse amanhã.

Ainda houve tempo para um bis quiçá um pouco mais introspectivo, mas igualmente enérgico. Aqui foi tocado “The Less I Know the Better” e “New Person, Same Old Mistakes”. Assim, pontualmente às 22h15, o turbilhão colorido psicodélico chamado Tame Impala encerrou sua participação no Lollapalooza Argentina, deixando todos os fãs realmente em êxtase e com muita coisa para processar, entender e viabilizar. Do fundo do meu coração, espero ver novamente eles em breve.

Fumei um cigarro, respirei fundo e corri para assistir ao Twenty One Pilots. Mas essa história conto em outro momento.

Set list: Rushium Intro, “One More Year”, “Borderline”, “Nangs”, “Breathe Deeper”, “Posthumous Forgiveness”, “Elephant”, “Lost In Yesterday”, “Apocalypse Dreams”, Mutant Gossip, “Let It Happen”, “Feels Like We Only Go Backwards”, “Eventually” e “One More Hour”. Bis: “The Less I Know the Better” e “New Person, Same Old Mistakes”.

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Fervo Saravá – ao vivo

Festival celebrou mais uma vez a boa música em Floripa, com shows de Jovem Dionísio, Bike, Maglore, Mulamba e Metá Metá

Metá Metá

Texto e fotos por Frederico Di Lullo

O Festival Saravá tem nos deixado mal-acostumados, seja pela organização impar ou pelo line-up sempre diversificado ou ainda pelos shows de qualidade. E, como não poderia ser diferente, o Fervo Saravá – a mais recente edição, com número mais reduzido de atrações – não foi diferente no Life Club de Floripa, neste último dia 24 de setembro.

Chegamos um tanto quanto atrasados (maldito trânsito ilha-continente!), mas conseguimos pegar a banda curitibana Mulamba. Apresentando o álbum Será Só Aos Ares, novo trabalho dessa trupe de minas, parte do show assistido mostrou maturidade, num som que credencia o sexteto a crescer ainda mais no cenário independente nacional. 

Depois quem subiu ao palco foi o Maglore, que também estreava na capital catarinense  V, seu último lançamento. E é sempre um exímio prazer assistir o quarteto baiano. Afinal de contas, cada passagem deles pela Ilha da Magia desperta diversos sentimentos positivos.

Desta vez, o clima intimista da apresentação anterior deu espaço a uma performance calcada na criatividade das guitarras do Teago Oliveira e Lelo Brandão, fazendo uma verdadeira varredura pelas principais músicas da carreira, além de apresentar novas composições do já citado novo álbum. Aliás, trabalho muito bem recebido pela crítica e pelo público que acompanha a banda desde 2009. Realmente, o Maglore deixou todos os presentes num verdadeiro fervo.

Outro ponto de destaque do festival foi a discotecagem entre os intervalos das bandas. A noite já começava a esfriar, mas a DJ Naíra Iasmim colocava todo mundo para dançar e não deixava, em nenhum momento, abaixar o êxtase da galera presente. Assim, na sequência apresentou-se o trio Metá Metá, que nunca tinha tido o prazer de assistir ao vivo.

E que som, meus amigos! Calcado nos arranjos rítmicos que vão desde pela MPB, afrobeat, rock e até free jazz, a banda passeava com muita propriedade pelos principais trabalhos de sua carreira. Juçara Marçal (voz), Thiago França (sax) e Kiko Dinucci (guitarra), juntos com mais de uma década de estrada, apresentaram músicas como “Obatalá”, “Cobra Rasteira” e “Trovoa”. Todas foram cantadas em uníssono por grande parte dos presentes, deixando o show histórico e com gostinho de quero mais.

Jovem Dionísio

Na sequência, depois de carregar nossos copos com uns chopes, chegou o momento da drag Suzaninha chamar ao palco uma das revelações da música brasileira. Chegava a vez do Jovem Dionisio mostrar a que veio. E os curitibanos fizeram um concerto caótico, irreverente e com muita aceitação do público. O grande desafio deles é, com certeza, mostrar que são mais do que uma música de sucesso. E se depender deste show em Floripa, ficou evidente que existe talento de sobra. O público cantou praticamente todas as músicas deste quinteto indie. Agora é ficar na expectativa da banda produzir, no seu próximo disco, uma obra tão inspiradora quanto a da estreia. O tempo dirá isso.

Já adentrava as primeiras horas da madrugada quando a última atração foi anunciada. Sim, toda a psicodelia presente tomou conta do ambiente, pois era hora da esperada Bike iniciar os trabalhos. Já nos primeiros acordes, ficou comprovado que tudo ali seria incrível. Dito e feito. Julito, Diego, Daniel Fumega e João Gouvea incendiaram o Fervo Saravá iniciando uma grande viagem pelos quatro trabalhos da carreira. O cansaço não foi impeditivo para que as quase duas mil pessoas presentes curtissem e pedissem mais ao chegar o final.

Depois de marcar, mais uma vez, o ano com um ótimo Saravá, a organização despediu-se de 2022 em grande estilo e já tratava de anunciar: fique todo mundo em prontidão, pois em janeiro o Saravá voltará com tudo. Grandes novidades estão sendo esperadas, deixando a plateia na expectativa, com ansiedade e curiosidade. Porque sim, Festival Saravá – mesmo quando menor e sob a alcunha de Fervo Saravá – é sinônimo de boa música, ótimas companhias e cerveja gelada.