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Jesus And Mary Chain – ao vivo

Retorno dos escoceses, agora tocando em um ambiente fechado, teve sabor especial para os fãs brasileiros

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Texto e foto por Fábio Soares

Meu par de experiências anteriores em apresentações do Jesus and Mary Chain não foi nada agradável. Em 2008, no extinto festival Planeta Terra, eu era uma ilha shoegazer cercada de fãs do Offspring por todos os lados – tendo em vista que a organização do evento escalou os Reid Brothers antes da trupe de Dexter Holland e seu insuportável (pseudo)punk rock. Já em 2014, no Festival Cultura Inglesa, problemas técnicos, chuva e falta de punch em cima do palco pôs aquela apresentação no halldas “esquecíveis” de meu currículo. Mas ainda bem que o tempo passou…

Quando uma nova apresentação de Jim e William foi anunciada em São Paulo, corri para garantir meu ingresso por um motivo muito simples: para mim, o JAMC (assim como o Interpol) não funciona a céu aberto. Sempre quis vê-los num minúsculo pub esfumaçado. Mas como quem não tem cão caça com gato, o Tropical Butantã abrigaria minha primeira vez com os ourives do shoegaze com um teto sobre minha cabeça. Na plateia do último 27 de junho, noite de Popload Gig, cabelos grisalhos davam o tom (eu, incluso). E tudo o que queríamos era, ao menos, um arremedo do que este gigante alternativo proporcionou a três décadas: um infinito universo de possibilidades sonoras, encharcadas de microfonias, sobreposição de efeitos fuzz e letras melancólicas. Expectativa grande, casa cheia e eis que, com pouco menos de quinze minutos de atraso, Will (guitarra) e Jim (voz) adentram o palco ladeados pelo baixista Mark Crozer, pelo baterista Brian Young e pelo outro guitarrista Scott Van Ryper.

“Amputation” abriu os trabalhos com um certo ar de nostalgia porque a bolacha que a abriga como faixa de abertura (Damage And Joy) é uma compilação de sobras de estúdio da banda durante um dos períodos em que William e Jim não se falaram. Aliás, chuto que das mais de cinquenta primaveras que a dupla tem de vida, em 70% delas um desejou ver o outro no fundo de um penhasco ou de uma piscina. Não se suportam. Se aturam. Mas ninguém quer saber disso.

“April Skies” mostrou à plateia como seria o tom da apresentação. A minimontanha de amplificadores montadas no palco foram ajustadas no volume cem para delírio dos presentes (eu incluso de novo). No palco, a fumaça artificial, iluminação etérea e a proposital contraluz entregavam que a música (pura e simples) seria a estrela da noite. Em “Head On”, emocionados semblantes cantavam o refrão em uníssono. Em “Blues From A Gun”, a potência dos equipamentos foi testada ao máximo. A impressão que se tinha é que ursos polares acordaram no Ártico com o volume das guitarras de William e Van Ryper. A performance do último, aliás, merece destaque: com trejeitos insanos e surrando o instrumento, o guitarrista lembra (e muito) Jonny Greenwood, a seminal guitarra do Radiohead. “Between Planets” pôs os esqueletos acima dos quarenta anos para chacoalhar, “The Living End” trouxe a divina sujeira de Psychocandy à tona e “All Things Pass” (a melhor faixa de Damage And Joy) teve efeito hipnótico ao recinto. O volume altíssimo dava às cartas à medida que apresentação se encaminhava para o fim da primeira parte magistralmente fechada com “Reverence”. Sujeira? Microfonia? Pra caralho! Graças a Jesus!

O bis se iniciou com um filme na cabeça de todos os presentes. Se tem algo que me deixa puto, é constatar que “Just Like Honey” jamais é citada em listas de “melhores canções de todos os tempos”. Dane-se! No top ten de meu coração, ela sempre figurará. A seguir, a execução de “Cracking Up” deve ter rendido uma multa ao Tropical Butantã por excessivo barulho após às 22h. Ainda atordoado e sem perceber a rapidez da apresentação que descia como água, o público viu o teto tremer, devido à exacerbada microfonia de “In a Hole” e celebrou “I Hate Rock ‘N’ Roll” como o fim do mundo que todos alí queriam ter.

Ao final, luzes acesas, amplificadores ligados e microfonia latente. Um público em êxtase por, finalmente, ver o gigante escocês do shoegaze numa sonora cápsula particular que fez nosso mundo girar ao contrário por noventa minutos. Zumbidos acompanharam o sistema auditivo de cada um no caminho de casa. Mas quer saber? Com certeza, ninguém reclamou. Afinal, a volta de Jesus entre os seus seguidores nunca foi tão saborosa.

Set list: “Amputation”, April Skies”, “Head On”, “Blues From a Gun”, “Mood Rider”, “Black And Blues”, “Far Gone And Out”, “Between Planets”, “Taste Of Cindy”, “The Living End”, “Never Understand”, “All Things Must Pass”, “Some Candy Talking”, “Halfway To Crazy” e “Reverence”. Bis: “Just Like Honey”, “Cracking Up”, “In a Hole”, “War On Peace” e “I Hate Rock’n’Roll”.

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Mogwai – ao vivo

Apresentação da banda escocesa em São Paulo prova que o etéreo pode estar em constante erupção

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Texto por Fábio Soares

Foto de Zazá ASF

Descobri o som do Mogwai um pouco tarde demais – há cerca de quatro anos. Em um primeiro momento, o classifiquei como “dream pop pesado”, um Cocteau Twins “modernoso” sem que esta definição lhe traga demérito algum. Para mim, o post rock sempre significou a tradução exata de nosso estado de espírito. Um liquidificador sonoro aonde ambientjazzsamples e guitarras equivalem-se, equalizando nosso humor através de estímulos sonoros variáveis. E poucos comandam este caldeirão de forma tão harmoniosa quanto este grupo escocês.

A máquina capitaneada por Stuart Braithwaite mais parece uma inesgotável engrenagem de criatividade e inspiração: em vinte anos de carreira já são onze álbuns de estúdio, um disco ao vivo, dezenas de compilações, EPs e participações em trilhas sonoras. Um objeto de culto com seguidores fiéis por onde passa e que na última terça-feira (8 de maio) teve seu terceiro capítulo em terras paulistanas. Como era de se esperar, o Tropical Butantã, local da apresentação, não lotou. Ainda bem. Uma das poucas casas em São Paulo aonde não se pratica a famigerada pista premium, propiciou aos mais fanáticos a oportunidade de acompanhar o gigante escocês bem próximo ao palco. Calculo que 600 ou 700 afortunados estavam presentes, prestes a embarcar numa viagem ímpar e inesquecível. Antes do show, o equipamento ali disposto já impressionava: amplificadores valvulados, guitarras Fender Jazzmaster e teclados Moog já davam a ideia do turbilhão sonoro que viria.

Com doze minutos de atraso, o capitão Stuart adentrou o palco acompanhado do baixista Dominic Aitchison, do tecladista/baixista Barry Burns, do também guitarrista Alex Mackay e da baterista Cat Myers, integrante da dupla Honeyblood e bendito invertido fruto entre os homens que, às pressas, substituiu Martin Bulloch, obrigado a abandonar a turnê em outubro passado por problemas de saúde.

O avião taxiou na pista ao som de “Crossing The World Material”, faixa do último álbum “Every Country’s Sun”, com algo que chamou a atenção: a luz do palco jamais focaria os integrantes, claramente entregando a intenção do grupo em enaltecer apenas a sua música. Iluminação irregular que levou fotógrafos ao desespero (eu, incluso) à procura do melhor átomo de segundo para um registro decente. A ordem para decolar ainda não viria com “I’m Jim Morrison, I’m Dead”. O piano de Burns chorosamente dialogava com a guitarra de Mackay acompanhados por uma quase fúnebre batida de Myers. Não deixou, porém, de ter um belo final antes da decolagem.

O voo propriamente dito teve início com “Party In The Dark”, com sua irresistível linha de baixo e a voz de Braithwaite entoando o pegajoso refrão “I, taken from those spirals be both kind/ Hungry for another piece of mind” Ninguém ficou parado durante maravilhosos quatro minutos e, àquela altura, a simbiose entre público e banda já estava completa. Após a cadenciadíssima (e melancólica) “Cody”, a espetacular “2 Rights Makes 1 Wrong” deu à audiência a exata noção da meticulosidade das composições do Mogwai. Fiquei imaginando por quantos meses a banda ensaiou esta canção antes de apresentá-la ao vivo, tamanha a complexidade de seu arranjo. A seguir, veio “Coolverine”, uma de minhas prediletas do último álbum, com marcação “quebrada” da bateria de Myers em contraponto ao teclado Moog de Byrons. Seis hipnotizantes minutos que encerraram a primeira parte do espetáculo, a qual batizei de “Etéreo” (coisa minha, nada official!). A lenda estava ali, viva à minha frente. Mas o melhor ainda estava por vir.

“Rano Pano”, do álbum Hardcore Will Never Die, But You Will, abriu a segunda parte da apresentação, a qual batizei de “Erupção” (novamente coisa minha, nada official!) com suas guitarras e baixo distorcidos à enésima potência em um imutável andamento durante toda a execução. Destaque para os teclados de Byrons que assumiram ares de piano de cauda na canção seguinte, “Friend Of The Night”, do álbum Mr. Beast. Trilha sonora adequada para um caos contido e que perfeitamente poderia fazer parte de Mellon Collie And The Infinite Sadness, dos Smashing Pumpkins.

“Don’t Believe The Fife” (outra faixa do último álbum) surgiu em seguida com atmosfera de ficção científica. E não é exagero algum afirmar que seu arranjo pode muito bem ter sido inspirado em “The Hall Of Mirrors”, do Kraftwerk (por que não?). Comparações à parte, seu final “casou” perfeitamente com a introdução de “Auto Rock” (mais uma faixa de Mr. Beast e que trazia a figura de Alex Mackay a auxiliar Byrons aos teclados, com Cat Myers ao fundo a esmurrar seu set de bateria), preparando o terreno para um verdadeiro terremoto sonoro chamado “Remurdered”. Um arrasa-quarteirão com fraseado de teclado pesadíssimo e linha de baixo idem. Novamente ficava escancarada a influência do Kraftwerk no som do Mogwai. Aos mestres, com carinho!

“Old Poisons” foi uma jam sessiondistorcida e ensurdecedora. Byrons largou o baixo e, juntamente com Stuart e Mackay, formou uma parede de guitarras altíssima com volume altíssimo. Impossível ficar parado e também não se impressionar com a performance de Myers durante a música. De éterea “Old Poisons” não tem nada. Nunca terá. Foi um “encerramento” digno para a pausa antes do bis.

Cinco minutos depois, a banda ressurgiu para “Every Country’s Sun”, faixa-título do último álbum. Grande performance de Braithwaite nas distorções de sua Jazzmaster. Na verdade, funcionou apenas como vinheta para um epílogo apoteótico.

Gostaria de encontrar palavras para definir o que foi a execução de “Mogwai Fear Satan” e a magnitude que esta composição transmite. Só que nada que escreva aqui, exemplificará com exatidão o que foi aquilo na noite de terça: andamento marcial e constante no início, guitarras distorcidas em alto volume na segunda parte, andamento longo e descompassado descambando para a lentidão… lentidão… mais lentidão… para só depois… muito tempo depois…. EXPLODIR NUMA ERUPÇÃO SONORA DEVASTADORA! Um momento único! Uma trilha sonora apocalíptica que encerrou com brilhantismo uma apresentação memorável.

Direi aos meus netos que vi o expoente de um estilo musical em sua plena forma abrir mão de um telão no palco para priorizar aquilo que sabe fazer de melhor. Fazer música. A sua música. Então, voltei para casa com a certeza de que o Mogwai não é somente uma banda. É o nome que se dá a um infinito mundo de possibilidades sonoras. Um combo sensorial que somente icebergs ignorarão.

Do etéreo à erupção, sempre. Que assim seja!

Set List: “Crossing The Road Material”, “I’m Jim Morrison, I’m Dead”, “Party In The Dark”, “Cody”, “2 Rights Make 1 Wrong”, “Coolverine”, “Rano Pano”, “Friend Of The Night”, “Don’t Believe The Fife”, “Auto Rock”, “Remurdered”, “Old Poisons”. Bis: “Every Country’s Sun” e “Mogwai Fear Satan”.

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Primal Scream – ao vivo

Show da banda em São Paulo é igual a aquele sapato que você não trocaria por pura preguiça de voltar à loja

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Texto e foto por Fábio Soares

A noite de 28 de fevereiro de 2018 prometia ser agradabilíssima. Tempo ameno em pleno verão paulistano. Sem chuva. Oportunidade de reencontrar velhos amigos antes de uma banda que mora em nossos corações há mais de 25 anos. Não sei para vocês, mas o Primal Scream sempre foi, para mim, aquele colega de ginásio que você não vê há anos e, por isso, não procura saber de sua vida devido à correria do dia-a-dia. Tão desinformado estava eu que desconhecia o fato de que a baixista da atual formação, Simone Butler, nem veio ao Brasil por problemas de saúde. Também era de se esperar que um show do Primal Scream, heroicamente trazido a São Paulo por uma gravadora/produtora independente (Balaclava Records), não contasse com a matadora formação do primeiro show que vi da banda (novembro de 2009, Festival Planeta Terra). A versão low coast do Primal 2018 que aportou por estas bandas, conta com o interminável Bobby Gillespie (vocais), Martin Duffy (teclados e gravações), Andrew Innes (guitarra) e Darrin Mooney (bateria).

Nunca imaginei ver o Primal Scream reduzido a Gillespie e mais um trio mas era o que tinha pra ontem. Com a ausência da baixista, playbacks, bases pré-programadas e computadores a dar com o pau tapavam o “buraco na defesa”. No palco do Tropical Butantã, o esforço da banda chega a ser comovente. No auge de seus 55 anos e com a mesma forma física de sempre, Bobby tenta entreter a plateia com seu tímido modus operandi escocês: um bater de palminhas lá, um “muito obrigado” em português acolá. Se estivesse com a formação completa, a banda, por si só garantiria os três pontos com o tradicional trator sonoro cheio de swing que permeou sua história. O show foi morno do início ao fim, com pouquíssimos momentos de empolgação. O antológico álbum Screamadelica até que teve boa execução durante o “recheio” do show, com “Slip Inside This House”, “Higher Than The Sun” e “Loaded”. Depois, voltando para fechar o pacote no bis, teve ” Movin’ On Up” e o único momento emocionante da noite: “Come Together”, cantada em uníssono pelo público mesmo após o término de sua execução.

Voltando à parte do “playback na caruda”, creio que a banda pecou em não ter escolhido canções mais dançantes. Já que a vaca já tinha ido pro brejo mesmo, o momento discoteca de “100% Or Nothing” foi muito pouco diante de um leque de possibilidades. Senti falta de “Some Velvet Morning”, com os deliciosos vocais de Kate Moss, ou de “Nitty Gritty”. A verdade é uma só: como um “traficante raiz”, Bobby Gillespie nos acostumou muito mal, com drogas da melhor qualidade e, na hora do “vamover” nos presenteou com um “bagulho” batizado, com qualidade diminuta e longe do ideal.

Faça a analogia com aquele sapato que você comprou errado e não retornou à loja para trocar por pura preguiça. Será a mesma coisa.

Set List: “Slip Inside This House”, “Jailbird”, “Can’t Go Back”, “Shoot Speed/Kill Light”, “Kill All Hippies”, “Trippin’ On Your Love”, “Higher Than The Sun”, “(I’m Gonna) Cry Myself Blind”, “100% Or Nothing”, “Swastika Eyes”, “Loaded”, “Country Girl”, “Rocks”. Bis: “I’m Losing More Than I’ll Ever Hate”, “Come Together” e “Movin’ On Up”.