Music

Imagine Dragons – ao vivo

Dan Reynolds bota Curitiba para lavar a roupa com água da chuva em seu tanquinho

Texto e foto por Luciana Penante (Bora Curitiba)

Dois de março de 2023. Pedreira Paulo Leminski, Curitiba. Dez minutos para o show ter início, a atração de abertura, OutroEu, deixando o palco, surgem os primeiros pingos de chuva. Uma algazarra de capas plásticas começa a se formar. Casais, famílias inteiras – com muitas crianças, inclusive – e um extrato bem diversificado de curitibanos aguardam Dan Reynolds e companhia.

Pontualmente, às 20h30, o Imagine Dragons sobe ao palco e mostra a que veio. Logo percebe-se que a água que cai do céu não é impedimento para a diversão de ninguém ali. O que se segue é uma explosão. “Thunder”. De hits e também de suspiros pelo tanquinho à mostra do vocalista, que prova que quem está na chuva é para se molhar.

O cantor está realmente inspirado e passa quase todo o show na passarela que percorria a área central da pista Premium. Bastante comunicativo, Reynolds diz muitas vezes que ama seu público e conta de sua infância, que curiosamente teve momentos bem brasileiros, como assistir futebol e beber guaraná, graças ao pai, que trabalhou em nosso país.

Em outro momento tocante, o cantor aborda o tema saúde mental, falando da importância da terapia na vida dele. Segundo o próprio, é graças a ela que ele está vivo hoje. Logo após dizer que “sempre vale a pena viver”, a banda emenda “Demons”. O público canta junto, acompanhado pelo violão delicado de Daniel Wayne Sermon.

Empolgante, a apresentação teve alguns pontos altos, como quando o cantor desceu do palco e interagiu com a fila do gargarejo em “I Bet My Life”. E quando a banda performou a sempre potente “Radioactive”, na qual a luz vermelha do palco irradiou pela plateia maravilhada.

Embora tenha impressionado o físico de Reynolds (fruto de exercícios para vencer a espondilite anquilosante, uma doença autoimune que atinge as articulações e pode ser amenizada com uma musculatura forte), não é ele que explica o sucesso com os firebreathers (termo dado a quem pertence à fanbase da banda). Fica nítida a devoção e o carinho desses fãs, que a todo momento apareciam no telão cantando, com destaque para um menininho que aparentava ter menos de 10 anos. Nos ombros do pai, ele sabe as letras de cor.

Boa parte da chuva, durante o show, também é de papel picado com algumas cores. Isso acaba por criar uma cena bastante interessante no final de tudo: um mar de capas de chuva transparentes salpicadas em vermelho, azul, branco e dourado. É uma bela metáfora. Afinal, vamos todos embora da Pedreira mais coloridos.

Set list: “My Life”, “Believer”, “It’s Time”, “I’m So Sorry”, “Thunder”, “Birds”, “Follow You”, “Natural”, “Next To Me”, “Amsterdam”, “Wrecked”, “I Bet My Life”, “Whatever It Takes”, “Sharks”, “Enemy”, “Bad Liar”,  “Demons”, “On Top Of The World”, “Bones”, “Radioactive” e “Walking The Wire”.

Music

Arctic Monkeys

Oito motivos (entre eles alguns que envolvem o aguardado álbum The Car, que acaba de ser lançado) para não perder os shows dos britânicos no Brasil

Texto por Abonico Smith

Fotos: Divulgação

Se existe um dos nomes mais aguardados pelos fãs brasileiros de indie rock neste fim de ano, ele é o do Arctic Monkeys. Afinal, o grupo liderado pelo guitarrista, vocalista principal e letrista Alex Turner está de volta aos discos e palcos.

Passado um intervalo de quatro anos, o quarteto volta a lançar um novo álbum, The Car, o sétimo trabalho de estúdio da carreira, que chegou oficialmente às lojas físicas e plataformas digitais neste último 21 de outubro. Trazendo como base a divulgação desta coleção de dez novas faixas, Turner, Jamie Cook (guitarra, teclados), Nick O’Mailey (baixo) e Matt Helders (bateria e backing vocals) já estão na estrada desde o verão europeu.

Depois de participarem de um punhado de festivais, o grupo levou a turnê homônima aos Estados Unidos e mais alguns países do Velho Continente antes de chegar à América Latina, onde passa o próximo mês com datas marcadas para Brasil, Paraguai, Chile, Argentina, Peru, Colômbia e México. Em território nacional, o grupo é um dos headliners da primeira noite (5 de novembro) da primeira edição da edição em verde e amarelo do Primavera Sound, em São Paulo, no Distrito Anhembi (outras informações sobre o festival você tem aqui). Na véspera (dia 4), fazem um dos sideshows do Primavera no Rio de Janeiro na Jeneusse Arena. O segundo compromisso (dia 8) será em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski. Em ambas as oportunidades, a atração de abertura ficará por conta dos nova-iorquinos do Interpol, também escalados para o Primavera BR. Mais sobre os ingressos desses dois concertos paralelos você pode encontrar clicando aqui.

Como esquenta dessa nova vinda ao país de uma das mais importantes formações do rock britânico do século 21, o Mondo Bacana preparou oito motivos para você nem sequer pensar em perder a nova passagem do quarteto por aqui.

The Car

O sétimo álbum de estúdio demorou mais do que o previsto para ser apresentado publicamente por conta de uma interrupção forçada pela pandemia da covid-19. Neste caso, porém, o mal veio para o bem Afinal, a banda pode ter um bom tempo de sossego e calma para trabalhar na pós-produção e refinando a sonoridade até chegar com requinte e perfeição ao objetivo inicialmente proposto: fazer dos Arctic Mokeys, em um total de dez faixas, uma grande banda de sonoridade pop orquestral sixtie. Scott Walker, John Barry, Serge Gainsbourg, Burt Bacharach, George Martin… Boas referencias saltam aos ouvidos já durante a primeira audição. Também percebe-se o esmero dos vocais impressos por Alex Turner. Ele canta com estilo, livre, leve e solto. Manda diversos trechos em falsete com aquela segurança que só o tempo é capaz de dar a um grande músico (vale lembrar que aquele garoto-prodígio dos dois primeiros álbuns avassaladores dos Arctic Monkeys já chegou aos 36 anos!). E tem ainda a bela capa clicada pelo baterista Helders, com um automóvel estacionado solitariamente no terraço de um edifício-garagem.

Ao vivo no Kings Theatre

No dia 22 de setembro, os Monkeys estavam em Nova York. Mais precisamente no tradicional e recentemente renovado Kings Theatre, no Brooklyn, para fazer diante de 3 mil espectadores aquela que, até agora, foi a mais luxuosa (e intimista, se contar que era o palco de um teatro e quem viu tudo estava sentado em uma poltrona confortável) apresentação da turnê de The Car. No set list figuraram quatro das dez faixas do novo disco, sendo duas tocadas pela primeira vez ao vivo diante de seus fãs. “There’d Better Be a Mirrorball” fez o trabalho de abertura da noite. Lá pelo meio pintou ainda “Body Paint”, que já havia sido mostrada dias antes, mas desta vez na TV, durante o talk show comandado por Jimmy Fallon. O restante do repertório (18 outras canções) deram uma boa espanada na já extensa trajetória do grupo de Sheffield, com destaque para o mais popular trabalho, AM, de onde foram pinçadas seis faixas. Hits não faltaram, para mostrar que, sim, os Monkeys continuam uma grandiosa banda ao vivo, com muito peso e presença de palco. Entre eles estavam “Do I Wanna Know”, “Arabella”, “R U Mine”, “Why’d You Call Me Only When You’re High?”, “Crying Lightning”, “Brainstorm” e “I Bet You Look Good On The Dancefloor”. De quebra, pintou uma composição que não estava prevista inicialmente no set preparado para a noite (“The Ultracheese”, do álbum anterior Tranquility Base Hotel + Casino). Ficou com vontade de poder ter estado lá e assistido a este concerto de 45 minutos? Então acesse o YouTube da banda neste domingo, 23 de outubro, às 16h no horário de Brasília. O show será transmitido pela banda na íntegra por lá. Não poderá assistir a ele neste horário? Não tem problema também: tudo ficará disponível ali mais um pouco, até o dia 27.

I Ain’t Quite Where I Think I Am

A performance desta nova música do show no Kings Theatre também virou o videoclipe oficial dela. Executada na parte final do set list, a canção ganhou uma aura soul com a combinação entre o vocal estiloso de Turner, o efeito wah wah da sua guitarra, uma percussãozinha discreta e aquela mãozinha poderosa dos backings em falsete feitos por vários músicos no palco. Para completar, a reunião de versos bastante abstratos criados pelo frontman desenham um certo sentimento de entranheza e nao pertencimento durante um passeio pela Riviera francesa com sua namorada também francesa.

There’d Better Be a Mirrorball

Faixa de abertura de The Car e também de boa parte dos shows da nova turnê. Quando tocada ao vivo, com os músicos recém-chegados ao palco, pode até causar estranheza em fãs mais desavisados, esperando uma pancadaria sonora para injetar adrenalina na plateia logo de cara. Só que não. O desafio da trupe de Turner no novo disco é provocar um mergulho retrô pela sofisticação do pop sessentista, quando belas melodias e harmonias bem trabalhadas se encontravam com muitos arranjos de cordas que em muito ainda contribuíam para a riqueza auditiva. Não é diferente em “There’d Better Be a Mirroball”. Com versos que flertam com ares reflexivos provocados pela deparação do protagonista/narrador com uma ambientação de explícita decadência e aquela sonoridade de boate da boca do lixo, a faixa é o cartão de visitas da nova fase do grupo. Portanto, nada melhor do que também começar o concerto com ela, com as cordas disparadas em bases pré-gravadas ou mesmo recriadas em sintetizador. Curiosidade: Alex também assina a direção e a fotografia do videoclipe. As imagens foram todas captadas por ele durante as sessões de gravação do novo disco em Los Angeles, para onde carregou a tiracolo uma câmera de 16mm para também brincar de cineasta dentro do estúdio.

Body Paint

Mais uma faixa de The Car que ganhou videoclipe oficial antes mesmo do disco ter sido lançado oficialmente. Com direção de Brook Linder e imagens captadas entre Londres e Missouri, o clipe é, na verdade, um metaclipe. Mostra os bastidores da filmagem e da edição de um filme e brinca com diversas referências de formas circulares e retilíneas, além de fazer da projeção dentro da projeção um elemento vivo de cena, que comanda por meio de luzes uma determinada linha melódica de um riff ou ainda faz o vocalista se multiplicar em três para cada um deles cantar uma parte do mesmo verso. Os cinéfilos poderão notar a reverência ao cineasta norte-americano Alan J. Pakula (Todos os Homens do PresidenteA TramaA Escolha de SofiaKlute: O Passado Condena).

Tranquility Base Hotel + Casino

The Car é um passo além daquele dado pelo grupo há quatro anos, quando relevou ao mundo o surpreendente sexto álbum da carreira. O peso, a urgência e a ansiedade explosiva dos primeiros trabalhos deram lugar, em 2018, a um trabalho muito maduro, que mesclava referências sonoras díspares (entre elas glam, progressivo, jazz e psicodelismo). Certamente The Car não teria sido feito se não tivesse existido Tranquility Base Hotel + Casino – que, inclusive, chegou a abocanhar o Grammy de melhor disco de rock alternativo. Suas duas principais faixas continuam mantidas no novo repertório ao vivo (a música-título e “Four Out Of Five”) e devem ser tocadas para os fãs brasileiros.

505

Favourite Worst Nightmare (lançado em2007), rendeu três grandes hits naquele ano: “Brainstorm”, “Fluorescent Adolescent” e “Teddy Picker”. Quinze anos depois, mais uma faixa daquele trabalho veio a se juntar à mesma galeria de sucessos. Trata-se do final daquele segundo álbum da carreira. “505”, a famosa “última do lado B”, descoberta meses atrás pela geração Z e que viralizou a tal ponto no TikTok que impulsionou a canção, outrora obscura e desconhecida, ao pódio das maiores execuções dos Monkeys no Spotify. O título se refere ao número do quarto do hotel onde está a namorada do narrador/protagonista da canção, que preenche os versos com muita imaginação e os sobrecarrega com pimenta sexual (“In my imagination you’re waiting lying on your side/ With your hands between your thighs”, diz o refrão). Turner, em entrevista ao website britânico NME, diz achar curioso e legítimo o revival intenso da canção por uma geração que ainda era bem criança quando ela foi gravada e fechava os shows da banda na mesma época, mas também confessa ter ficado um tanto quanto confuso sobre o porquê da escolha e da adoração desta faixa. De qualquer modo, ele que não é bobo, já encaixou “505” no repertório desta turnê e em um lugar especial: o encerramento do bis, logo antes de todos os músicos deixarem o palco em definitivo.

Menino-prodígio

Lá em meados dos anos 2000, quando o MySpace bombava entre os fãs de rock e pop como a plataforma de divulgação musical mais democrática e interessante na recente internet 2.0, nomes como Arctic Monkeys, Lily Allen e Cansei de Ser Sexy pegaram muita gente de surpresa ao voarem do quase anonimato para a fama mundial. No caso da banda de Sheffield, Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006) entrou para a História como o álbum de estreia de maior vendagem no mercado fonográfico britânico (contabilizou quase 400 mil exemplares somente na primeira semana nas lojas. E mais: lançado por um selo independente chamado Domino, faturou o Brit Awards de melhor álbum da temporada e ainda passou a ser incensado como um dos mais fantásticos primeiros discos de um artista em todos os tempos. Alex Turner era o cérebro por trás de toda essa força-motriz. As faixas empolgavam por conseguirem encaixar um canto falado em um arranjo básico (leia-se guitarra, baixo e bateria) poderoso, urgente e de alto teor de adrenalina. Algo que, guardadas as devidas proporções, não acontecia na ilha da Rainha Elizabeth desde os tempos do punk rock. As letras escritas pelo vocalista também eram fantasticamente criativas e elaboradas, cinematograficamente literárias, com vocabulário rico pouco comum para um jovem de apenas 20 anos. O bom é que tudo isso não se mostrou um fogo-de-palha. Favourite WIrst Nightmare veio no ano seguinte para dar prosseguimento ao grande estilo dos Monkeys. Depois, a banda elaborou o som, adotando mais peso e sujeira em discos como Humbug e AM, seu álbum mais popular até hoje. As letras escritas por Turner – ainda bem – continuaram com o sarrafo sendo posto lá em cima, ajudando o quarteto a se tornar uma das maiores bandas britânicas deste século 21. E tudo isso sem contar os projetos paralelos do rapaz, como a trilha sonora do filme Submarine e o Last Shadow Puppets, formação criada ao lado de Miles Kane ex-Rascals) e o produtor James Ford (nome seminal do indie disco dos anos 2000, membro do cultuado Simian Mobile Disco, produtor de todos os álbuns dos Monkeys e que já trabalho com gente do quilate de Depeche Mode, Gorillaz, Haim, Foals, Beth Ditto, Peaches, Florence & The Machine, Little Boots, Mumford and Sons, Kalxons, Kylie Minogue e Jessie Ware)

Music

Jorge Du Peixe – ao vivo

Vocalista da Nação Zumbi pisa em solo sagrado com releituras de Gonzagão em show solo vibrante e com protocolos

Texto e foto por Fabio Soares

Qual foi seu último concerto antes da pandemia? Muitos terão a resposta, outros não, mas o certo é que após quase dois anos, o circuito de shows no Brasil regressa, muito embora combalido pela inatividade, associado a novos hábitos. O tão falado e necessário protocolo é o novo Norte. Assistir a uma apresentação musical “calçando” máscaras? Não brinquem, doravante será assim, aceitem que dói menos.

E foi sob este clima de recomeçar a andar que em 28 de Novembro último me dirigi ao SESC Vila Mariana, em São Paulo, para vivenciar minha primeira gig após quase dois anos: Jorge Du Peixe (corpo, alma e voz da Nação Zumbi) realizaria a derradeira de três apresentações na unidade para promover Baião Granfino, seu recente trabalho solo em que revisita o repertório de ninguém mais, ninguém menos que Luiz Gonzaga.
Acompanhado por um competentíssimo e diverso sexteto, o cantor abriu os trabalhos com “Assum Preto”, clássico gonzaguiano recheado de tristeza (“Assum Preto, o meu cantar/É tão triste como o teu/Também roubaram meu amor/Que era a luz, ai, dos ‘óios’ meus”). “Sanfona Sentida” veio a seguir na forma de um sofisticado xote com percussão pujante. Neste momento houve a primeira quebra de protocolo, com parte dos presentes dirigindo-se às laterais da plateia para dançar. A rouca voz do artista emoldurava o clássico de maneira singular. Aliás, em Baião Granfino, a particular assinatura musical do artista tira o disco de covers da zona de conforto. Ah, se todos os álbuns de versões fossem assim!

O baile seguiu com uma matadora trinca de clássicos: “Orelia”; “Sabiá” (com seu indefectível refrão “A todo mundo eu dou psiu [psiu, psiu, psiu]/ Perguntando por meu bem/ Tendo o coração vazio/ Vivo assim a dar psiu/ Sabiá vem cá também” e “Acácia Amarela”. Esta, por sua vez, despertou gatilhos neste que vos escreve ao fazer lembrar os discos de Luis Gonzaga que a mãe colocava numa alaranjada vitrola Sonata – vale ainda destacar que o refrão da canção é uma ode à desigualdade social (“Sou um feliz operário/ Onde aumento de salário/ Não tem luta nem discórdia/ E o Grande Arquiteto do Universo/ É harmonia, é concórdia”).

Entre os intervalos das canções, Peixe lembrou a plateia que Gonzagão foi o primeiro popstar da história do Brasil. “Ele foi pré-bossanova, pré-iê iê iê, pré-tropicália. Apontou caminhos que ninguém havia imaginado até então”. A plateia, extasiada, aplaudiu ao mesmo tempo que quebrava todo e qualquer protocolo.

Depois, “Festa” fez o baile de máscara explodir e a sequência formada por “Pagode Russo”, “Qui Nem Jiló” e “O Fole Roncou” colocou um fim a noventa mágicos minutos em que a sofisticação caminhou lado a lado com o popular. “Nossa missão é levar a música de Gonzagão a todos os lugares possíveis e imagináveis. Enquanto eu estiver vivo, seguirei tentando”.

Você está conseguindo, Jorge, acredite. Você está conseguindo. E com protocolos!

Set list: “Assum Preto”, “Sanfona Sentida”, “Orelia”, “Sabiá”, “Acácia Amarela”, “Baião Granfino”, “Rei Bantu”, “Festa”, “Pau de Arara”, “Cacimba Nova”, “Maria, Minha Maria”, “Erva Rasteira”, “Roendo Unha”, “Pagode Russo”, “Qui Nem Jiló” e “O Fole Roncou”.

Movies

Duna

Nova adaptação cinematográfica de clássico literário da ficção científica justifica todas as expectativas com elenco estelar e grandiosidade visual

Textos por Leonardo Andreiko e Marden Machado (Cinemarden)

Fotos: Warner/Divugação

A versão de Duna (Dune, EUA, 2021 – Warner) de Denis Villeneuve é um dos filmes mais aguardados deste ano, senão a cabeça dessa lista. O diretor de Blade Runner 2049 e A Chegada prometeu uma readaptação do clássico literário de ficção científica, que outrora esteve nas mãos de David Lynch (Duna, de 1984, com Sting fazendo parte do elenco). Como se não bastasse, o time que atua nesta versão é repleto de estrelas, como Timothée Chalamet, Zendaya, Javier Bardem e Stellan Skarsgard. 

A veia grandiosa da produção permeia todo o longa. Duna conta a história de Paul Atreides (Chalamet), herdeiro da Casa Atreides e do poder da Voz, que lhe assombra com visões premonitórias. A primeira parte de uma pretensa saga cinematográfica, com o roteiro assinado por Villeneuve, Eric Roth e Jon Spaihts, é a calmaria antes da tempestade. A extensa duração promete aos espectadores mal acostumados uma pá de cenas de ação e reviravoltas na trama, mas oferece um retrato comedido das Casas Nobres Atreides e Harkonnen, sua opressão do planeta Arrakis e, principalmente, de seu protagonista.

Dessa forma, é quase ambígua a abordagem de Villeneuve ao mundo complexo de Duna. Ao mesmo tempo que poucos eventos narrativos de expressão estratosférica ocorram, há em toda a mise en scène uma grandiosidade ensurdecedora. A pretensão épica da direção é óbvia: são diversos os “grandes momentos”, quando uma revelação leva a uma montagem dramática embebida nos sintetizadores e coros da trilha sonora composta Hans Zimmer. A constante verve premonitória que atormenta Paul também rende sequências enervantes de rápidos entrecortes cujo contraste é inquietante: O fogo vivo e a areia dessaturada; o ambiente escuro e o céu superexposto.

Embora as batalhas da trama não estejam distribuídas igualmente do início ao fim, Duna é uma panela de pressão, lentamente embalando o espectador para o fim daquela calmaria – em dado momento, o filme a abandona e se torna tempestade. E nos deixa esperando mais. Mas seria tolice ignorar a construção que nos leva à hora de ruptura. Villeneuve é muito perspicaz em significar todo o contexto expansionista e logicamente hipercapitalista abusando do tratamento épico que confere ao longa. A humanidade em Duna é, ao mesmo tempo, colossal e minúscula. O diretor insiste, ao longo da trama, em evidenciar essa escala que opõe criador e criatura – os pequenos seres humanos e suas enormes máquinas, cidades e construções. A arquitetura e a falta de cor são expressões da megalomania de uma humanidade desinteressada no planeta para além do lucro. Seu maquinário é onipresente e igualmente retrato desse futuro cuja ordem política é o retorno ao passado – em dado momento, Duque Leto Atreides (Oscar Isaac) se refere a Arrakis como seu feudo.

A outra instância em que a escala humana é abandonada em virtude da grandiosidade espacial é também um dos pontos altos de Duna: sua relação com o deserto. Ele não é uma mera locação, um mapa pelo qual se percorre para sair do ponto A e chegar no ponto B da trama, mas uma entidade. As referências a um deserto vivo, pulsante, são várias na cultura Fremen, a população originária oprimida pelas casas nobres, que fazem de Arrakis seu “garimpo ilegal”. Ao contrário da pretensão humana, contudo, ele é grandioso. O lar de vermes de centenas de metros de largura, capazes de engolir o imenso maquinário de extração dos Atreides como se fosse um aperitivo, é objeto de uma antecipação imensa. Para atravessá-lo e sobreviver a ele, é preciso conhecê-lo. 

Desse modo, as particularidades de Duna compõem um blockbuster que se destaca dos lançamentos deste último ano. Tanto como filme em si mesmo, interpretado sob a luz de um épico mais intimista e contemplativo, quanto na qualidade de início de uma saga, em que se percebem as intenções de prenunciar importantes âncoras narrativas de uma trama geral, o longa-metragem de Villeneuve é uma obra para os cinemas. 

A suspensão do tempo dentro da sala escura, munida de qualidade audiovisual espetacular, é ingrediente para a elevação da experiência fílmica que propõe o diretor. Se estiver esperando a melhor oportunidade para marcar seu retorno aos cinemas após a imunização pela vacina da covid-19, assista a este novo Duna em uma sala de cinema. (LA)

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Desde que o escritor americano Frank Herbert publicou em 1965 sua obra mais conhecida que o cinema tentava adaptá-la. Concretamente, esse processo teve início no final dos anos 1970, na esteira do estrondoso sucesso de Star Wars. No começo da década seguinte, o cineasta Ridley Scott, que vinha do badalado Alien, envolveu-se com o projeto e quase dirigiu o filme, abandonando-o para realizar Blade Runner. Em seu lugar foi chamado o quase estreante David Lynch, que na época tinha apenas alguns curtas e dois longas no currículo.

Lynch, também autor do roteiro, mergulhou fundo no universo de Herbert e concebeu um filme que até hoje divide opiniões entre os fãs da saga. Tudo se passa em um futuro distante. O clã Atreides está de mudança para o planeta deserto que dá título ao livro/filme. Mas o que poderia dar errado? Em se tratando de um clássico da ficção-científica rico em metáforas e alegorias, simplesmente tudo. Ainda mais quando você mistura castas sociais, política, religião e ecologia.

Duna, o filme de 1984, atualmente disponível no Brasil pela Netflix, dividiu e continua dividindo opiniões. Mas é, indiscutivelmente, uma grande espetáculo visual. (MM)

Movies, Music

Homecoming: A Film By Beyoncé

Concerto grandiloquente apresentado no ano passado no Coachella vira filme recheado por comentários e cenas de bastidores

beyoncéhomecoming2018

Texto por Abonico R. Smith

Foto: Netflix/Divulgação

Vinte e oito anos atrás Madonna abriu as portas do cinema para as divas da música pop. Seu documentário Na Cama Com Madonna arrastou uma legião de fãs às salas de projeção para assistir aos bastidores de sua então bem sucedida megaturnê mundial Blond Ambition. Isso consolidou em definitivo o nome dela no panteão das maiores artistas femininas do Século 20. Tanto que nas décadas seguintes o mercado fonográfico viu se enfileirarem uma série de discípulas que trilharam, cada qual com seu carisma, talento, competência e peculiaridade, o mesmo nicho de mercado. Vieram então Britney Spears, Christina Aguilera, Pink, Lady Gaga, Katy Perry, Amy Winehouse, Rihanna, Adele, Ariana Grande, Beyoncé. Sem falar na própria Madonna, que continuou na ativa, sempre gravando, lançando discos e fazendo shows.

Com o passar do tempo a lista tornou-se grande e a concorrência também. Com as evoluções e consequentes mudanças no mercado musical. Com a velocidade da comunicação e do cotidiano, está cada vez mais difícil fazer um trabalho não só que se sobressaia perante o resto mas também que fique gravado para sempre na memória dos fãs, tal qual o documentário lançado em 1991 por Madonna permanece até hoje. E é exatamente isso o que Beyoncé quis fazer com o projeto Homecoming, elaborado para ser o show de encerramento de um dos três dias do festival Coachella na edição do ano passado. Além de ter sido exibida ao vivo pelo YouTube foi apresentação foi registrada na íntegra, em áudio e vídeo, para virar um filme e um disco ao vivo. Na verdade, um misto de musical com documentário, já que todo o processo de elaboração do show, que levou quatro meses de intensos ensaios, também foi filmado.

Homecoming: A Film By Beyoncé (EUA, 2019 – Netflix) não foi parar nos cinemas, mas está disponível para o mundo inteiro através de streaming desde poucos dias atrás. O que significa que será visto por milhões de pessoas, tal qual Na Cama Com Madonna foi – mesmo que a Netflix tenha como conduta o fato de nunca divulgar o número de acessos a seu conteúdo, isso é óbvio que vai acontecer já nas primeiras semanas. Entretanto, o que separa a Blond Ambition Tour de Homecoming é exatamente a grandiloquência da concepção do espetáculo apresentado ao vivo para o público in loco. A plateia do Coachella era de 125 mil pessoas. Estavam no palco durante o show de Beyoncé mais de duzentas pessoas. Sim, mais de duzentas pessoas. Talvez o mais alto número de artistas já reunidos durante um concerto de música pop. Com certeza, a jogada mais arriscada de toda a carreira da cantora. Por isso, o tempo extenso de preparação do espetáculo para poder coordenar músicos, dançarinos, cantores e convidados especiais (o marido Jay-Z, a irmã Solange, as ex-companheiras de Destiny’s Child, Kelly Rowland e Michelle Williams).

Junto à sua equipe de criadores, Beyoncé concebeu um espetáculo conceitual para se apresentar no Coachella, sobretudo porque tivera de desmarcar a apresentação do ano anterior em virtude de uma gravidez inesperada. Então quis fazer uma homenagem à sua origem negra e à cultura da celebração de música e dança instituída nas universidades norte-americanas através das bandas de fanfarra e suas coreografia através das balizas e dos instrumentistas. Para caber tudo em um palco, verticalizou tudo e fez, a laPaulo barros no Sambódromo do Rio de Janeiro, os próprios músicos e bailarinos transformarem-se em um cenário vivo, vibrante e contagiante. Através de uma pirâmide com vários degraus, todos interagem milimetricamente ensaiados, provocando um efeito visual que dispensa cenografia artística e principalmente o já confortável telão de ledali no fundão de tudo.

O filme vai intercalando pedaços do set list de 33 músicas (todas mostradas na íntegra) com imagens granuladas captadas no imenso galpão onde toda a equipe se reunia diariamente para ensaiar e compor o espetáculo. Enquanto os bastidores são mostrados, uma voz em off, um tanto abafada intencionalmente (talvez para combinar com a sujeira visual), mostra Beyoncé fazendo observações aleatórias sobre sentimentos, sensações e intenções diante de toda esta pirotecnia visual e musical. Ela fala sobre suas certezas, suas inseguranças, sua família (sobretudo os filhos gêmeos recém-nascidos e a filha mais velha), sua posição feminista e opiniões a respeito do valor às tradições da cultura universitária que formam o conceito da empreitada. Já no microfone em cima do palco, ela provoca a audiência falando sobre empoderamento feminino e o sentimento de pertencimento e identificação com o que está sendo mostrado ali no palco. De vez em quando, frases filosóficas ou motivacionais também são mostradas, dividindo a narrativa entre ensaios e concerto.

A única coisa sobre a qual Beyoncé não fala durante os 137 minutos de duração de Homecoming é sobre o que estaria, de fato, por trás de toda a grandiloquência do projeto, do qual também assina a direção, o roteiro e a produção executiva do filme. E também já se sabe que este é apenas o primeiro de três lançamentos que ela irá fazer pela Netflix nos próximos anos. De fato, para ser diva da música pop neste final de segunda década do Século 21 não é preciso só cantar e ficar divando nos palcos e bastidores. É necessário ser mega, giga, tera. Passar feito um rolo compressor por cima das emoções descontroladas da horda mundial de fãs e seguidores na internet. E, sobretudo, deixar a concorrência comendo poeira lá atrás.