Movies

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre

Novo filme fala sobre o luto pelo protagonista mas peca ao se estender em personagens demais e tramas paralelas subdesenvolvidas

Texto por Andrizy Bento

Foto: Marvel/Disney/Divulgação

“Só as pessoas mais feridas podem ser grandes líderes”

Sequência do grande sucesso de público e crítica Pantera Negra, de 2018, este Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever, EUA, 2022 – Marvel/Disney) deveria ser um um filme sobre Shuri, uma produção que se dedicasse a mostrar o crescimento da personagem interpretada pela atriz Letitia Wright, que se obriga a amadurecer após inúmeras perdas. Toda a tragédia em seu entorno daria consistência à jornada da heroína e seria enredo suficiente para um longa, tendo como mola-mestra o luto pela morte do irmão, o rei T’challa (Chadwick Boseman). Uma base lúgubre, triste, mas funcional e eficiente para situar a heroína no panteão de super-heróis que é o MCU (Universo Cinematográfico da Marvel). Porém, é Hollywood e Wakanda Para Sempre faz parte de uma safra de produtos que ultrapassou o nicho ao qual era destinada no passado. Não apenas os fãs de quadrinhos de super-heróis consomem esses filmes hoje em dia. Já há um tempo eles abrangem o público em geral.

Portanto, é necessário fanservice para agradar aos marvetes, introduzindo tudo o que for possível da mitologia dos quadrinhos; contextualizar esse fanservice para atingir os espectadores que não conhecem a base original; e, considerando que a Marvel Studios optou por não escalar um substituto para Boseman (falecido em 2020, vítima de um câncer de cólon) seja por carinho ao saudoso ator ou por preferir não despertar a fúria dos ardorosos fãs, em uma demonstração solene de respeito, compor uma obra cuja essência é o luto pelo rei T’Challa e um tributo a Boseman. Toda a história de sucessão protagonizada por Shuri tem esse sabor agridoce de despedida ao intérprete de Pantera Negra, além de ser intercalada por diversas tramas paralelas. O resultado é um longa sem unidade, que aponta para vários lados. É difícil dar coesão a todos os núcleos narrativos. O diretor Ryan Coogler não parece se esforçar muito para alcançar tal objetivo, contentando-se com épicas cenas de ação e profusas sequências de pesar pela perda de T’Challa. É grandioso na embalagem, porém razoável no conteúdo.   

O que fez Pantera Negra se destacar dentre os longas da franquia MCU nos cinemas, levando-o até mesmo a concorrer ao Oscar de melhor filme, era o equilíbrio do conjunto. Coogler apostou em uma lenda fascinante, com cenas de ação certeiras e uma crítica ao imperialismo americano. Em sua essência, a produção de 2018 era feliz e bem-sucedida ao construir nas telas uma mitologia convincente, envolvendo cerimônias ritualísticas e fortes representações culturais que fundamentam Wakanda sem dispensar as boas e velhas lutas coreografadas, explosões e perseguições que fazem a festa dos fãs de blockbusters e ainda trazia uma base política sólida ao discutir racismo e colonialismo. Wakanda Para Sempre apresenta todos esses elementos, mas de maneira desorganizada e totalmente over.

A homenagem a Chadwick Boseman tem início nos créditos de abertura, continua na bela sequência inicial que representa a cerimônia fúnebre e se estende por toda a história. Após a morte de T’Challa, a rainha Ramonda (Angela Bassett) faz o possível para proteger sua nação de poderosos líderes estrangeiros que buscam se apossar do vibranium (metal fictício encontrado em abundância em Wakanda, que possui a capacidade de absorver todas as vibrações em sua proximidade, bem como a energia cinética direcionada a ela e faz com que a terra natal do Pantera Negra seja rica e poderosa), ao mesmo tempo em que tem de lidar com o luto pela perda do filho e tentar uma conexão com a filha, Shuri, que parece ter se fechado em um casulo após a morte do irmão.

Nesse ínterim, entidades do governo descobrem que Wakanda não é o único lugar a possuir vibranium, identificando-o também no fundo do oceano por meio de um detector construído especificamente para rastrear o elemento. A matéria é proveniente do reino submarino governado por Namor (Tenoch Huerta), um mutante com poderes extraordinários derivados de sua herança genética incomum, com fisiologia anfíbia, força sobre-humana, supervelocidade e pés alados que garantem a ele a capacidade de voar. Ao tomar conhecimento do detector de vibranium, Namor entra em contato com Wakanda a fim de solicitar apoio para que capturem a cientista responsável pela invenção. Riri Williams (Dominique Thorne) é uma jovem universitária que não faz ideia que é o principal alvo dessa caçada. Em meio a tudo isso, Shuri precisa encontrar seu lugar entre as lideranças de Wakanda, digladiando com o próprio rancor e sentimento de vingança que a consome.

O elenco numeroso e as diversas tramas paralelas centradas em diferentes personagens tornam os já eloquentes 161 minutos de Wakanda Para Sempre insuficientes para trabalhar tanto material. Por isso mesmo, várias discussões interessantes acabam exploradas de maneira superficial, alcançando um nível muito raso de debate. É o caso, por exemplo, da tão alardeada (ao menos nos materiais de divulgação!) liderança feminina, que ganha pouca substância. Outros temas trabalhados com pouca profundidade neste exemplar afrofuturista da Marvel são justamente a questão racial e o imperialismo americano. Há muita coisa acontecendo na tela e, ainda assim, o roteiro peca ao não se aprofundar em nenhuma delas: a tentativa de focar em Shuri, as introduções de Namor e Riri Williams e o plot envolvendo o agente Everett Ross (Martin Freeman). Todas essas tramas socadas em um único longa tornam o enredo desequilibrado.

Entendo que Wakanda Para Sempre ocupa uma posição difícil na franquia dos Vingadores. O longa tinha a ingrata função de “substituir” o herói de forma nobre, sem ferir seu legado. Mas toda essa construção aliada à introdução de duas personagens importantes transforma o longa em um bolo de noiva e é justamente o desenvolvimento de Shuri que acaba ofuscado. É até irônico, pois, mesmo sem querer, a personagem já acenava para essa possibilidade desde o ritual de desafio no primeiro longa. A pedra angular deste longa-metragem deveria ser a preparação do terreno para que, aos poucos, Shuri ganhasse protagonismo.

Há um momento em que a princesa pergunta a Namor o porquê de estar lhe contando tudo isso. E eu não resisti e respondi mentalmente: porque filmes hollywoodianos têm a mania de serem expositivos demais e contar origens por meio de flashbacks manjados. A insistência da indústria em subestimar a inteligência do público se baseia na crença de que o espectador não vai ser capaz de acompanhar uma história na tela se tudo não for devidamente explicado.

Se já não bastasse o excesso de tramas que incham o longa, a montagem vacila em diversos momentos, especialmente ao mostrar os desdobramentos de lutas tão definitivas, intercalando ambas e tirando o impacto do desfecho das duas. Como tradição dos filmes do estúdio, este não foge à regra de apresentar embates corporais repletos de cortes secos e abruptos. O design de produção continua primoroso e as cenas pirotécnicas que se desenrolam tanto em terra firme como no mar são empolgantes, embora o longa peque pela falta de contrastes, especialmente nas cenas que se passam no reino de Namor, Talokan. A trilha sonora é composta de vários temas interessantes, mas o conjunto da obra é deveras saturado. Há todo um cuidado em retratar a cultura dos wakandanos, explorando seus costumes e a mitologia dos povos que ocupam aquele território. O mesmo não acontece com os talokans. Mas nem vou reclamar nesse quesito, porque, além da certeza de que Namor regressará, isso só tornaria a produção ainda mais longa e modorrenta. Por falar nisso, a guerra entre as duas nações é maniqueísta e bidimensional, abusando de um artifício muito raso para deflagrar o conflito.

O filme que encerra a fase mais criticada do MCU também é um reflexo da mesma, composta de filmes muito apoteóticos em suas intenções, mas inchados ou apáticos em seus resultados. Wakanda Para Sempre é emocional em diversas passagens, especialmente ao rememorar T’Challa. É conceitual, ao abordar o luto cinematograficamente, mostrando como cada figura do elenco lida com a morte do personagem, do ator e do amigo. Mas não é funcional, não possui um fim, um objetivo. Um demérito irreparável quando nos referimos a obras cinematográficas. Eis um tributo a Chadwick Boseman que não faz a devida justiça a seu homenageado. 

festival, Music

Rock in Rio 2022 – ao vivo

Oito grandes concertos para você se lembrar (positivamente) da mais recente edição do festival

Texto por Abonico Smith

Fotos: Cadu Oliveira/Portal RockPress (Gilberto Gil, Ratos de Porão, Gangrena Gasosa); Produção Rock In Rio/Célula Pop (Green Day, Racionais MCs); Reprodução/G1 (Måneskin, Coldplay, Homenagem a Elza Soares)

Mais um Rock in Rio realizado (no Rio de Janeiro, é bom deixar claro, apesar de parecer óbvio demais isso e não ser!) e mais uma coisa grandiloquente marcada por muitos show que, se comparando com as três primeiras edições do evento, mancham a história do evento. Teve Post Malone cantando sem qualquer acompanhamento instrumental ao vivo e ganhando o cachê mais fácil da História. Teve Justin Bieber com a cabeça dando tilt e sendo obrigado a se apresentar para não pagar uma multa altíssima, antes de cancelar todo o resto de sua turnê sul-americana. Teve Megan Thee Stalion enchendo o palco de gente vinda da plateia para compensar a mais profunda falta de performance cênica. Teve Demi Lovato botando uma banda de capacitadas instrumentistas de turnês e estúdios para dar a sensação de que seu power pop era mesmo a última bolacha do planeta. Teve Ivete Sangalo declarando seu voto no 13 (até que enfim!). Teve a esquecida Pabllo Vittar sendo ovacionada ao cantar como convidada no show de Rita Ora. Teve Ludmilla gastando rios de dinheiro em produção para ser headliner do último dia. Teve Luisa Sonza dançando muito e também dublando muito a sua própria voz pré-gravada. Teve Billy Idol se atrapalhando com o som e, segundo disseram as más línguas, esquecendo a letra de um de seus maiores hits, “Eyes Without a Face”. Teve o famoso dia do metal levando um mar de camisetas pretas na primeira das sete noites. Teve neste mesmo dia do metal headliner (Iron Maiden, em sua 765ª vinda ao país) pedindo para tocar antes da penúltima atração (Dream Theater) porque, conforme consta, a idade pesa pro sexteto clássico e eles não queriam ficar pr lá até depois das duas da manhã. Teve o Sepultura fazendo outro crossover musical, agora tocando em conjunto, na abertura oficial do evento, com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Teve como primeiro um show de fato do evento um belo cartão de visitas: os power trio Black Pantera e Devotos se unindo para mostrar a força do rock preto brasileiro. Teve Cee-Lo Green fazendo James Brown reencarnar e soltando o vozeirão em grandes clássicos do godfather do funk, acompanhado por uma banda space jazzy viajandona e encantadora. Teve uma homenagem aos artistas nacionais do primeiro Rock In Rio (Ivan Lins, Pepeu Gomes, Alceu Valença, Evandro Mesquita) escanteando os próprios no meio do sanduíche. Teve Dua Lipa sem feder nem cheirar. Teve Djavan pela primeira faz um show para chamar de seu no festival. Teve erros de escalação e transmissão, ambos relacionados à apresentação de Avril Lavigne: ela superlotou o Sunset Stage quando cairia melhor no palco principal, o Mundo e o Multishow cortou o fim da performance dela para mostrar outra que estava começando. Teve obviedades (até quando aturar Capital Inicial e Jota Quest fazendo pela enésima vez o mesmo show?) e teve quem foi muito além da obviedade mas derrapando para o absurdo no meu sentido (como será explicado adiante, no trecho sobre o Coldplay). Ah, sim! Teve ainda o Guns N’Roses vindo pela décima terceira vez ao evento, mais uma vez com a voz de Axl sendo mais rara de ser encontrada do que a barra de ouro dos chocolates de Willy Wonka.

Mas para não perde tempo com aquilo sobre o qual realmente não vale a pena falar, o Mondo Bacana lista aqui os oito concertos que, sim, podem fazer você se lembrar para sempre da ediçãoo 2022 do Rock in Rio (2 a 4 e 8 a 11 de setembro) de um modo positivo.

Coldplay

Existem dois Coldplays na face da terra. Tem o old school, uma grande banda vinda do universo indie, com clássicos que arrepiam multidões até hoje como “The Scientist”, “Viva La Vida”, “Clocks” e “Yellow”. Existe também, infelizmente, o Coldplay 2.0, feito sob medida para a geração Z, aquela para qual festivais de música viraram experiência e concertos devem trazer muito mais do que boa música (aliás, a qualidade dela nem importa mais também!). A atual turnê do grupo de Chris Martin é um circo tecnológico no qual o figurino combina com a cenografia dos instrumentos e das imagens no telão. Tem um palco menor no qual a banda se aproxima bastante do público e pode tocar pertinho lá do miolo. Tem pulseiras distribuídas para toda a audiência presente ao local e que pisca e muda de cor conforme comandados disparados por técnicos da banda, formando assim um pulsante cenário tridimensional abaixo dos músicos, também na horizontal. Tem o grito pela sustentabilidade, algo do qual esses ingleses não abrem mão.  Mas também tem programações eletrônicas que descambam pro playback puro, completado por quatro horrorosas máscaras de animais (ou seriam ETs?) usadas pelos instrumentistas. Tem, nesta hora, um flerte ao TikTok, no qual Chris Martin, depois de cantar, fica simulando uma dancinha como se estivesse correndo sobre o solo do palco que vai formando desenhos abstratos. Tem uma música cantada por uma marionete manipulada em pleno palco (?!?!?!). A entrega de entretenimento do Coldplay foi prejudicada por uma chuva torrencial, que estragou a roupa de cores fosforescentes de Martin e ainda fez pifar um piano eletrônico colocado lá no palco menor junto à plateia mas de nada alterou a euforia do vocalista em voltar a se apresentar no Brasil. Ah também teve erros técnicos de gravação que fizeram o quarteto tocar na sequência duas músicas de novo (“A Sky Full Of Stars” e “Viva La Vida”) e a tenebrosa tentativa de cantar “Magic” todinha em português. No fim das contas, contudo, fã que é fã continua chorando copiosamente ao assistir de perto à banda. Mas quando o senso crítico começa a se fazer valer, percebe-se que eles passaram do ponto do exagero.

Green Day

Show do trio californiano é sempre um petardo. Neste Rock in Rio  não foi diferente. Não tiveram o menor medo de começar com um de seus maiores hits, “American Idiot” e depois enfileirar clássico atrás de clássico, sem dar tempo para a plateia respirar ou os fãs pararem de cantar e se recomporem. Billy Joe Armstrong não é apenas um entertainer de primeira. Ele comanda uma banda repleta de bom humor, que não se leva a sério na hora em que não tem de se levar a sério, que tem um repertório poderoso e sabe equilibrar-se perfeitamente entre a pegada punk e a crocância de uma melodia perfeita levada por guitarras do power pop.

Gilberto Gil

Aos 80 anos de idade recém-completados, Gil não precisa fazer mais nada nos palcos para provar sua genialidade. Por isso mesmo, ao optar pela simplicidade de passear por clássicos das mais diversas fases de seu repertório e escalar uma banda de apoio repleta de integrantes de sua família (filha/os, neta/os, nora), fez um show mezzo dançante mezzo contemplativo e algo de primeira grandeza no Palco Mundo, honrando o passado de glórias e retomando o gostinho daquela fase bem pop mostrada lá no primeiro Rock in Rio, em 1985. Sua generosidade ainda vai além ao chamar a neta Flor, de apenas 13 anos de idade, para sair da linha das backings e dividir os vocais principais em uma versão bilíngue de “Garota de Ipanema” em ritmo de reggae e depois consolá-la durante o choro de emoção da garota. Assim, forma mais uma artista de futuro enquanto revisita eternas pérolas semprepreciosas como “Aquele Abraço”, “Palco”, “Andar Com Fé”, “Não Chore Mais”, “Drão”, “Expresso 2222”, “Tempo Rei”, “Vamos Fugir” e “Toda Menina Baiana”. De quebra, colocou dois b sides como “Barato Total” e  Estrela” para contrabalançar o hit parade e mostrar às gerações mais novas a riqueza e a diversidade de sua trajetória musical.

Måneskin

O Rock in Rio é um festival que prima por apostar no certo e no óbvio. Quase não arrisca em suas escalações e faz questão de manter boas novidades do universo da música de fora da Cidade das Artes. Então que este quarteto de vinte e poucos anos de faixa etária tenha vindo nesta edição para fazer a família Medina repensar um pouco os rumos artísticos. Para um evento que já trouxe grandes artistas em seu auge (como B-52’s, Faith No More, Prince, George Michael), ver o Måneskin em ação promovendo uma balburdia cênica e sonora das boas foi o grande alento deste ano. Misturando glamhard rock e power pop com piadas de fluidez de gênero, fizeram a massa cantar em italiano algumas de suas composições (aliás, desde os tempos de Rita Pavone que o Brasil não se entregava tanto a este idioma na música pop), escolheram um seleto conjunto de covers bacanudas e turbinadas (Who, Stooges, Britney Spears, Frankie Valli & The Four Seasons) e ainda encantaram meio mundo de quem estava in loco ou mesmo vendo pela TV. A baixista Victoria de Angelis é um show à parte, com seu ativismo e atitude: adepta do Free Niples, não teve o menor pudor de tocar quase sem roupa e ser tocada por desconhecidos em um duradouro momento de mosh. Ela e seus três mosqueteiros mostraram que rock’n’roll, de fato, é isso daí – atitude, boa música e performance incendiária. Para todo o resto dá para mandar um belo dedo do meio.

Racionais MCs

O dia em que os Racionais MCs foi de glória para o rap e o funk nacional. Antes, os cariocas Papatinho, L7nnon e Filipe Ret abriram os trabalhos no Sunset com classe. Depois veio o também carioca Xamã para mostrar a alta qualidade da nova geração do gênero, inclusive chamando o trio de rappers indígenas Bro MCs para mostrar o quão diverso o gênero pode ser sem perder a classe e a verborragia. Depois veio Criolo, mas para mostrar que o hip hop, em São Paulo, também anda de braços dados com o samba. Superprodução com filminho de abertura, cenografia elaborada imitando um vagão de metrô paulistano, citações ao clássico filme de 1979 sobre rap Warriors: Os Selvagens da Noite, muitos figurantes e dançarinos e um repertório bem porrada que é capaz de reduzir o clássico álbum Sobrevivendo no Inferno a apenas uma faixa (a sempre imprescindível “Capítulo 4, Versículo 3”). De resto, os singles mais novos e tão arrasa-quarteirões quanto (“Quanto Vale o Show?”, “Mil Faces de um Homem Leal (Marighella)” com direito a discurso sobre a figura histórica que inspirou a canção) e clássicos de outros álbuns como “Vida Loka partes 1 e 2”, “Cores & Valores”, “Eu Sou 157”,  “Jesus Chorou” e “Nego Drama”. Aqui veio o momento mais catártico da noite, quando os versos disparados por Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue, sob as bases do DJ KL Jay, com a projeção de nomes e fotografias de pretos mortos no Rio de Janeiro pela violência da polícia e da mílicia, inclusive, claro, a vereadora Marielle Franco.

Ratos de Porão

Enfim, o Rock In Rio reparou uma injustiça tamanha! Se o Sepultura vem se apresentando há várias edições, por que nunca convidaram João Gordo e sua banda para tocar antes por lá? Outra das grandes instituições do rock subterrâneo brazuca, o RxDxPx precisou completar quatro décadas de carreira para ser lembrado pelo maior (em tamanho) festival de rock do país. OK que o palco reservado ao quarteto não foi nenhum dos dois principais – ironia das ironias, foi espaço chamado Supernova, dedicado a “novas” atrações. Mas João também não deixou barato em sua performance. Detonou o (des)governo bolsominion várias vezes em seu microfone e dividiu o set list entre faixas do novo álbum (o poderoso Necropolítica) e clássicos eternos dos Ratos. Para completar, ainda teve uma bandeira do MST no palco.

Gangrena Gasosa

Outra instituição do underground nacional, desta vez made in Rio de Janeiro. Aliás, o Gangrena só poderia ter nascido no Rio, para saber misturar tão bem a sonoridade do metal com a cultura da umbanda, inclusive com letras explorando (com ironias e sarcasmo) detalhes deste religião de matriz africana e cada um de seus integrantes personificando uma entidade dos terreiros. O saravá metal do Gangrena pode até ter começado sendo encarado como uma piada, um chiste, mas depois de uma trajetória de quase trinta anos, com direito a pausa nas atividades e uma barulhenta briga judicial pelo direito de uso do nome entre o vocalista e alguns ex-integrantes que fundaram o negócio. O novo Omulú da formação (Dave Sterminium) deu um gás nos vocais mais guturais e realça o contraste com o gogó mais malandro e tradicional de Zé Pelintra (Angelo Arede). A percussão rola solta no meio das palhetadas velozes e é impossível não se contagiar pela fusão sonora cada vez mais competente deste (atual) sexteto. Claro que os trocadilhos dos títulos das canções ainda provocam boas risadas, mas a performance precisa e afiada mostrada no palco Espaço da Favela revelou que muito tesouro precioso pode estar escondido nos locais mais periféricos do festival.

Homenagem a Elza Soares

Um line-up integralmente feminino marcou o último dia do festival, tanto no palco Mundo quanto no Sunset. E engana-se que quem fez o melhor concerto do dia foi a headliner Dua Lipa. Aliás, a melhor do dia nem estava presente no local, quanto mais nesta dimensão. Afinal, Elza Soares é daquelas pessoas que nem David Bowie: descarnam mas continuam por aí, preenchendo nossas vidas com tamanha presença como se estivessem ali, do nosso lado, com uma boa velha amizade. Para entoar um punhado de hinos eternizados na voz de Elza foram convocadas seis vozes tão poderosas quanto a da diva: Agnes Nunes, Mart’nália, Gaby Amarantos, Larissa luz, Majur e Caio Prado (foto acima) – vale lembrar que Alcione também estava escalada, mas teve de cancelar sua participação por causa de uma cirurgia recente. “A Carne” abriu o set cheio de discursos entre as canções e nas letras das mesmas. Pela valorização das mulheres, do universo LGBT, dos pobres, dos pretos, dos favelados. Enquanto for necessário bradar contra as injustiças sociais e de gênero, Elza Soares sempre estará muito viva ecoando em nossos ouvidos. Nem que por meio de outras vozes interpretando as suas músicas.

Movies

O Grande Movimento

Diretor boliviano aposta no retrato das relações metafísicas que sobrevivem à margem da selva de concreto

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Olhar de Cinema/Divulgação

As sinfonias da cidade retratam o movimento das metrópoles, transformando selvas de concreto e engarrafamentos em um ritmo sensível por meio da expressão do cinema. O Grande Movimento (El Gran Movimiento, Bolívia/Catar/França/Suíça/Reino Unido, 2021 – Olhar de Cinema) é o último lançamento do cineasta boliviano Kiro Russo, que foi o centro da mostra Foco da 11a edição do Olhar de Cinema, e se pretende fazer jus ao estilo de Dziga Vertov e Walter Ruttmann. Nele, La Paz é o vetor de uma jornada entre Elder (Julio César Ticona) e Max (Max Bautista Uchasara).

Elder é um dos protagonistas do primeiro longa de Russo, Viejo Calavera, do qual este é uma espécie de continuação, e caminhou sete dias para chegar à capital boliviana protestar por melhores condições para si e seus colegas, mineiros de carvão. Contudo, ao chegar em La Paz, vai em busca de trabalho e adoece por ter inalado muito carvão. A trama é esparsa e bastante aberta: as personagens vêm e vão sem muita explicação, uma característica que ecoa a postura passiva de Kiro Russo, cuja câmera é invisível, paciente e impassível. Seus longos planos frequentemente se alteram por meio de um potente jogo de zooms que aproximam e afastam os objetos sem movimentar a câmera. Também são comuns as instâncias em que Elder ou Max, um misterioso bruxo em situação de rua que vaga as ruas e arredores de La Paz, são enquadrados em meio a multidões, escombros e árvores, parte constituinte de um ruído socioeconômico.

Desafiando o reducionismo do cinema a furos de roteiro e “finais explicados”, Kiro Russo é bastante óbvio em sua temática, mas absurdamente vago em seu roteiro, desenvolvendo a trama com lentidão, num entremeio de cenas cotidianas e repetições de motif constante. Se a primeira parte, por assim dizer, do longa-metragem remete ao estilo de uma sinfonia da cidade, a segunda é o retrato das relações metafísicas que sobrevivem à margem da selva de concreto. 

A margem, aqui, é um elemento central: o diretor é explícito ao afirmar, na breve apresentação em vídeo exibida antes do início da exibição em Curitiba, que seu interesse é versar sobre o capital. Contudo, o desempregado e o homem em situação de rua que protagonizam o filme são personagens à margem das relações capitalistas – o proletário em ruína física e o lumpen, já excluído da própria relação de trabalho e existência que configuram o trabalhador. A partir do momento em que deixa de posicioná-los no mecanismo capitalista e individualiza-os, operando uma transição do macro da cidade para o micro de Elder e Max, O Grande Movimento parece afastar-se da pretensão de Russo para embarcar numa situação marginal ao capital. Quando a barreira de classes impede o acesso da população mais pobre da ciência e, principalmente, da saúde, quem é capaz de salvá-la em um momento de necessidade?

Ainda no começo do longa-metragem, Elder é encontrado por Mama Pancha (Francisca Arce de Aro) uma senhora que, embora o protagonista não conheça, afirma ser sua madrinha e grande amiga de sua falecida mãe. É ela que o abriga, encontra bicos para que ele trabalhe e o leva ao médico, a fim de investigar a tosse constante. O doutor, após uma breve consulta, afirma não haver nada de errado e é imediatamente respondido com uma preocupação maternal: pode ser um demônio? Com a escassez de respostas, Mama Pancha une Elder e Max, a quem ajuda quando vê, e busca no misticismo ancestral a salvação de seu afilhado.

Sem teto, comida ou lugar na cidade – afinal, dorme numa floresta próxima à cidade –, Max é a representação pictórica da ancestralidade cultural latino-americana. Sua reza e seu benzimento são a linha de frente do único combate possível pela vida de Elder. Mas o desfecho é trágico. Nem mesmo o resgate da tradição pode curar uma doença, por essência, capitalista. O carvão em pó inalado durante o trabalho de Elder é, como Russo expõe em sua sequência final, o moedor de carne que assola a sociedade em La Paz e a sentencia para o mesmo fim.

Contudo, o simbolismo raso dessa fração final e algumas experimentações no andar do filme tornam sua projeção incerta – O Grande Movimento é um filme divisivo. Seu ritmo lento faz com que os defeitos, que são poucos embora flagrantes, sejam amplificados na mente do espectador e as escolhas de estilo que se repetem transformem-se num marasmo criativo. Mas a paciência faz bem: Kiro Russo traz a reflexão ao centro dessa experiência fílmica, gostemos ou não de seu resultado.

Music, TV

Karol Conka – A Vida Depois do Tombo

Oito motivos para você não deixar de assistir à série documental da Globoplay sobre a participante mais polêmica do BBB21

Texto por Abonico Smith

Foto: Globoplay/Divulgação

Foram necessários apenas dois meses para separar a saída de Karol Conká do Big Brother Brasil 21 e a estreia de A Vida depois do Tombo, série documental em quatro episódios que acaba de estrear nas opções de streaming da Globoplay. O foco aqui é justamente mostrar o que o título já adianta: como ficou a vida – pessoal e profissional – da rapper curitibana depois de sua passagem polêmica pelo reality show mais visto e comentado dos últimos anos na televisão brasileira.

Lá dentro da casa sitiada nos estúdios do Projac, no Rio de Janeiro, ela aprontou quase que diariamente por quatro semanas. Tretou diretamente com alguns participantes, chegando a demonstrar seguidas vezes um comportamento agressivo em toda a sua verborragia, o que assustou, irritou e desagradou quase toda a audiência. Não por acaso, a cantora conquistou a maior porcentagem de votos em toda a história do programa, não só no Brasil como também no mundo. Karol obteve quase todos os votos computados, deixando para seus então dois concorrentes na ocasião a divisão de menos de 1% da escolha para a eliminação daquela rodada – vale lembrar ainda que era apenas o quarto paredão da edição deste ano. Na manhã seguinte, ao ser entrevistada por Ana Maria Braga em seu programa matinal, ela não perdeu a chance de dar uma alfinetada com seu habitual deboche, dizendo que se sentia uma Carminha ou Nazaré Tedesco lá da casa, fazendo referência a duas supervilãs de novela que até hoje, anos depois, o público ama odiar.

Desde as inacreditáveis atitudes e declarações que Karol disparou na vigésima primeira edição do BBB que a artista vem sendo alvo de uma gigantesca campanha de cancelamento. Nas redes, nas ruas, no dia a dia. De artista com respaldo suficiente para garantir sua entrada no programa no grupo dos famosos (denominado Camarote) a alvo constante de xingamentos, racismo e até mesmo ameaças de violência à família foram pouco mais de dois meses. É justamente isto o que A Vida Depois do Tombo procura mostrar: como a rapper fodona, dona de língua superafiada vem lidando com a fama e a carreira depois de ter caído em desgraça durante a experiência televisiva recente e, sobretudo, suas reações ao se deparar com uma pequena retrospectiva das barbaridades que protagonizara. 

Abaixo, o Mondo Bacana elenca oito motivos para você não deixar de assistir ao documentário seriado. Tenha sido espectador(a) assíduo do BBB ou não. Seja fã de rap ou não. Seja alguém que ama a cultura pop ou não.

Extrema rapidez de realização

Da eliminação de Karol (última semana de fevereiro) à disponibilização do documentário (últimos dias de abril) passaram-se apenas dois meses. E além do prazo bastante curto, pode-se dizer que a produção foi extremamente ágil. Afinal, já a partir do segundo dia da rapper fora da casa as câmeras já a seguiam captando tudo o que acontecia ao redor dela, ainda no calor de todas as quentes reações de rejeição quanto a ela. Do reencontro com o conforto da família ainda no hotel no Rio de Janeiro à viagem rumo à casa em São Paulo e a volta gradativa à normalidade do cotidiano com cachorro, comida caseira e o trabalho de criar e gravar canções em estúdio.  Então tudo ali se passa antes mesmo do fim desta temporada do BBB. Tudo em 25 dias consecutivos. E mais: antes mesmo de Karol ter voltado à casa na noite da final, para cantar justamente a música “Dilúvio”, com parte da letra sobre esta terrível experiência. Mais up to date com os fatos impossível!

Cancelamento que passou dos limites

Karol cometeu erros execráveis lá dentro da casa, tanto que foi eliminada com a maior porcentagem de toda a história em todas as franquias do Big Brother no mundo. Só que toda a reação de cancelamento a ela foi desproporcional, como mostra o documentário. Para começar, antes da votação maciça, ela foi “homenageada” com diversas paródias (sem um pingo de graça, aliás) com vídeos superproduzidos e upados no YouTube. Na noite do paredão, foram registradas comemorações com o estouro de fogos e muitos gritos com xingamentos para ela. Nos dias subsequentes à saída, vem o pior: o sofrimento com contínuas ameaças à família, sobretudo ao filho adolescente, na escola e na internet. Agora ficam as perguntas. Será que o ódio dado a ela não passou de todos os limites também? O que ela fez justificaria o que recebeu, tal qual a expressão “olho por olho, dente por dente”? E mais: isso aconteceria da mesma forma se não fosse ela mulher e preta?

Black Mirror mode on

A Vida Depois do Tombo é uma série documental feita já para o streaming. Então o seu público-alvo é aquele que está justamente acostumado com o maior chamariz destas plataformas: as séries. Para mostrar as reflexões de Karol acerca de seus erros mais recentes foi armado todo um circo tecnológico em um estúdio. Ela fica no meio, sentada em uma cadeira, com meia dúzia de telões gigantescos mandando mensagens escritas a ela, da forma mais direta e objetiva possível. Quando não são revividas imagens-chave de seu comportamento inadequado no BBB, aquilo ali fica piscando intermitentemente com os letreiros direcionados a ela. Passa uma sensação de pequenez a quem está no centro das atenções e recebendo um bombardeio de adrenalina. Os (bem) mais velhos podem se lembrar de um programa que a TV Record exibiu entre 1968 e 1971, chamado Quem Tem Medo da Verdade? e que submetia importantes artistas brasileiros daquela época a uma espécie de tribunal inquisidor baseado em polêmicas sensacionalistas. Já os mais jovens… bem, estes vão poder disparar “mas isso aí é bem Black Mirror, hein?”.

Flagrante durante o dilúvio

Um dos grandes acertos do documentário é justamente dar uma de BBB fora do Projac e dentro da casa da cantora. Durante uma reunião, com a câmera afastada da mesa, a assessora de imprensa de Karol é flagrada dando instruções a ela sobre como proceder durante a (temida) entrevista no Domingão do Faustão. “Fala que você surtou lá dentro”, orienta a profissional de comunicação, sem qualquer pudor. Quem também está nesta reunião é o produtor que comanda as redes e a equipe ao redor da rapper.  Ele ganha uma bronca por ter se precipitado em algumas decisões durante o dilúvio do cancelamento descomunal e dispensado gente sem o o conhecimento e o consentimento da “patroa”. Não resta a menor dúvida de que todos ali não se deram conta de que estavam sendo filmados…

Carreira no rap curitibano

Nem só de BBB vive A Vida Depois do Tombo. Outro belo acerto do documentário é deixar o passado recente de lado e mergulhar em toda a trajetória profissional de Karol e mostrar como a jovem Karoline se encontrou com o mundo do ritmo-e-poesia e decidiu focar todas as suas energias nele. Através de depoimentos do ex-marido e pai de seu filho, o rapper e produtor Cadelis, é desvendada a sua breve ascensão no hip hop de Curitiba, uma cidade outrora brindada em outras grandes cidades do país pelas suas guitarras barulhentas. Depois de um breve período de afastamento dos palcos por causa da maternidade, Karol voltou com tudo para lançar (em 2013) um primeiro álbum acachapante, adicionando doces melodias e elementos de música brasileira às batidas quebradas e ao canto falado. Daí em diante o estouro foi meteórico, chegando a fazer turnês pelo exterior e se apresentando na cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro (2016).

Trajetória pessoal x obra profissional

Se existe um gênero musical bastante transparente na história da música pop ele é o rap. Quase sempre a vida pessoal dos artistas influencia diretamente a criação das letras e ilustra a trajetória deles em discos, declarações e atitude. Com Karoline dos Santos Oliveira não foi diferente. E o documentário também vai através de rastros da infância e adolescência que moldaram a persona Karol Conká. Um dos momentos mais fortes é sem dúvida quando ela e a mãe passam a limpo a relação com o vício etílico do falecido pai e os problemas de bullying e racismo enfrentados nos tempos de colégio. A soma destes dois elementos praticamente forjaram uma Karol que sempre se obriga a ser forte emocionalmente e, sobretudo, defender-se com a língua, fazendo da fala e do discurso suas armas mais afiadas – a ponto de ferir gente e gerar um alto índice de rejeição nacional, como bem foi demonstrado em sua passagem pelo BBB.

Tretas em série

Batuk Freak, o primeiro álbum, foi um grande sucesso. Entretanto, revelou-se uma obra envolta em polêmicas durante e depois da sua concepção e gravação. No documentário, Karol revela ter se mudado para a casa do produtor artístico DJ Nave e sua esposa, a produtora executiva Drica Lara e vivido dias de extrema instabilidade emocional por lá. Depois de uma série de apresentações para a divulgação do disco, rompeu laços com a dupla, chegando às vias judiciais. Na sequência, Karol se aliou ao DJ Zegon, ex-Planet Hemp. Para seu selo gravou alguns singles com um som mais pesado, contundente e rápido. O maior hit da carreira dela, “Tombei”, foi uma destas gravações feitas para o selo eletrônico de Zegon na efêmera gravadora digital Skol Music e criadas ao lado da dupla Tropkillaz (isto é, Zegon e o beatmaker curitibano Laudz). Só que o tão esperado segundo álbum não saiu, ficou emperrado por anos – até Karol se associar ao terceiro produtor, o DJ Hadji, e assinar, enfim com a Sony Music para lançar Ambulante, em 2018, já tirando o pé do acelerador e se voltando mais a atmosferas pop. Pelo documentário, descobre-se que também houve altas tretas nos bastidores entre os dois. Tanto de Zegon, assim como Nave, proibiram o uso de sete de dez gravações no documentário, por também serem registrados como autores (à revelia de Karol, que, furiosa ao saber disso, questiona com um “mas fui eu quem escreveu as músicas”). As três composições restantes e ouvidas em A Vida Depois do Tombo, são parcerias de Karol com outros produtores. E se não bastasse serem destrinchados os desafetos com os ex-parceiros, ainda há uma boa parte dedicada à briga com outra grande rapper brasileira, a brasiliense Flora Matos. Flora se negou a gravar um depoimento. Sobre as confusões envolvendo Karol, Nave e Zegon, os três estão proibidos, por determinação da justiça, de se pronunciar sobre isso.

Operação Passa-Pano?

Assim que foi anunciado o seu lançamento, a série documental foi vista por muita gente como uma tremenda operação “passa-pano” da Globo para minimizar os danos provocados à carreira de Conka e a ela própria. Depois das quase duas horas divididas em quatro episódios, não é mesmo a impressão que ela passa. Com extrema coragem e ousadia, Karol se expõe ainda mais aqui. Muito de sua vida, carreira e suas atitudes acaba sendo escancarado e até explicado, porém não justificado. A tentativa de reconciliação com os concorrentes afetados diretamente por ela no BBB também acaba fracassando de certa forma, embora ela diga estar arrependida do que fizera e conseguir reconhecer os erros pelos quais pede perdão logo em seguida. Em uma entrevista exibida no Fantástico, a diretora Patricia Carvalho, entretanto, é muito incisiva na resposta à pergunta se a rapper iria gostar do que está mostrado na série. “Não, porque esta é a Karol diante do espelho. Durante o documentário a gente ficou em dúvida muitas vezes. Isso é falso ou é verdadeiro? Ela está sentindo isso mesmo ou está me manipulando?”, disparou.

>> Veja abaixo o clipe de “Dilúvio”, a nova música de Karol Conká, gravada logo após a saída do BBB21 e que tem parte da letra que fala sobre sua experiência no programa

Movies

Monster Hunter

Milla Jovovich e Paul WS Anderson voltam ao universo dos videogames com muitas lutas, perseguições e uma história sem pé nem cabeça

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Sony Pictures/Divulgação

Milla Jovovich já pode ser considerada uma veterana em filmes de adaptações de videogameMonster Hunter (Alemanha/EUA/Japão/China, 2020 – Sony Pictures) é o mais novo título a entrar no currículo da atriz. Do mesmo diretor de Resident Evil e Mortal Kombat, a nova produção pode impressionar nas cenas de ação, mas deixa a desejar no roteiro. O “outro mundo” em que a maior parte da história acontece tem visuais incríveis, embora pouco seja explicado sobre ele ao longo dos 100 minutos de acontecimentos. O foco aqui é claro: monstros, lutas, perseguições e mais lutas.

A premissa é simples: durante uma expedição no deserto a equipe de Nathalie Artemis (Milla Jovovich), militar de operações, atravessa um portal para outro mundo. Lá encontram monstros terríveis e jamais vistos antes. A tal equipe é logo aniquilada e Artemis se vê sozinha com um nativo do novo mundo, o Caçador (Tony Jaa). Após sequências intermináveis de lutas entre os dois, a dupla improvável se une. É uma relação tipo Crusoé e Sexta-Feira: pessoas de mundo e línguas diferentes que se unem para sobreviver. 

O diretor Paul WS Anderson sabe bem qual público seu filme irá agradar. Essa consciência, óbvio, resulta em muita ação. As lutas são bem coreografadas e as perseguições, intensas. A história se divide em dia e noite, com dois tipos de monstros à solta. As cenas dentro do covil de uma das criaturas é o melhor deste longa. E se tem ação frenética, tem pouca história. Quem procura por um enredo fechado e explicações sairá frustrado, principalmente com o final feito para ter uma continuação e não para concuir este filme. Mesmo assim, fãs do game deverão ficar satisfeitos ao final dos créditos, afinal a ação fantástica faz jus à sua origem.

Monster Hunter torna complicado sentir qualquer coisa pelos personagens. Eles são muito mal trabalhados. A equipe de Artemis, assim como é introduzida, some sem qualquer desenvolvimento. É difícil até sentir dó! E se a personagem de Jovovich aparece beijando um anel algumas vezes, acrescentaria muito explicar o significado disso. Ela é casada? Noiva? Tem filhos? A unidimensional mulher porreta que “bota pra quebrar” não preenche o longa.

A cena inicial mostra um barco navegando nas areias do deserto, antes de ser atacado por um dos monstros. Esses personagens retornam, de maneira abrupta, no último ato. Chega a ser repetitivo dizer, mas tal núcleo tem um desenvolvimento ainda mais precário. Alguns personagens têm apenas duas ou três falas monossilábicas. Uma pena para a atriz brasileira Nanda Costa, em seu primeiro papel em Hollywood, que caiu justamente nesse balaio. 

As tentativas de comédia também são falhas e repetitivas. A cena de Artemis mostrando o que é chocolate para o Caçador chega a ser desconfortável. Talvez uma mulher branca mostrando coisas “desenvolvidas” para um homem não branco não seja o alívio cômico mais inteligente. Por sinal, a maioria das piadas do filme se baseia na dificuldade da comunicação entre os personagens. Uma hora isso cansa.

Monster Hunter revela-se, no seu decorrer, grandioso, bruto e intenso. Aqui há algumas perseguições muito bem montadas, daquelas de deixar o público bem nervoso. De resto, entretanto, é só mais um filme de monstros. Sem muita história, sem pé nem cabeça.