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Não se Preocupe, Querida

Thriller psicológico com Florence Pugh e Harry Styles e sobre o american way life nos anos 1950 naufraga com roteiro raso e final insatisfatório

Texto por Carolina Genez

Foto: Warner/Divulgação

Tudo se passa nos anos 1950, quando acompanhamos  Alice Chambers (Florence Pugh), uma dona de casa que vive em uma comunidade experimental cercada por um deserto. Enquanto os homens da vizinhança saem para trabalhar no misterioso Projeto Vitória, também responsável pela região, as mulheres conversam, limpam a casa e cozinham vivendo uma vida previsível. Os dias passam até que Alice passa a se questionar sobre o local onde mora e com o que o marido Jack (Harry Styles) trabalha.

A história de Não se Preocupe, Querida (Don’t Worry Darling, EUA, 2022 – Warner) começa interessante, mostrando como é a vida de Alice. Imersa em um verdadeiro American Way of Life, faz café e se despede de Jack, arruma a casa, depois vai até a cidade fazer uma aula de balé e, por fim, volta para preparar o jantar e receber o marido. Apesar de pacata, essa vidinha a faz feliz: o marido a trata bem, ela tem amigas com quem conversa e fofoca constantemente, mora numa bonita e organizada residência enquanto Jack está na concorrência para uma nova promoção em seu trabalho. 

As coisas, porém, começam a desandar quando uma antiga amiga de Alice, Margaret (KIKI Layne) vai ao deserto, onde os moradores são constantemente alertados a não entrar. Lá ela também tece questionamento sobre a comunidade experimental e principalmente sobre o chefe do marido, Frank (Chris Pine). A partir dos alertas de Margaret, Alice observa mais aquela comunidade e vai percebendo que as coisas não são o que parecem.

A parte de terror da trama é muito bem executada, deixando o espectador sentir todo o nervosismo passado por Alice, já que ela não só indaga a comunidade como também passa a ser taxada como lunática pelos moradores. As cenas de tensão são muito bem dirigidas e planejadas de fato sufocando os espectadores. Parte disso acontece muito por conta da trilha sonora, que além de contar com músicas da época faz com que os sons incidentais transmitam aquela sensação estranha quando colocados no contexto certo. Aqui ainda há a composição de John Powell, que remete a sons de respiração justamente ajudando a aumentar o sufoco vivido por Alice.

O filme tinha muito potencial. Sua ambientação é maravilhosa e imersiva, de fato jogando os espectadores para 1950 com os figurinos e penteados da época e também mostrando um subúrbio colorido e alegre, similar a um conto de fadas, ao estilo das propagandas de revista do american way of life. Parte disso acontece graças à maravilhosa fotografia de Matthew Libatique ,que se aproveita das paisagens para criar bonitos planos e ainda dos aspectos coloridos dos cenários. Tudo isso para a sensação de vida perfeita.

Porém, Não se Preocupe, Querida não consegue atingir seu propósito como um todo. O roteiro é um dos grandes vilões, entregando uma narrativa que acaba decepcionado com resoluções nada satisfatórias e explorando o mínimo boa parte dos personagens. Apesar do público conseguir se conectar com Alice, até por seguir e ir descobrindo a trama junto com ela, todos os outros são muito mal aproveitados, já que não são exploradas as motivações deles, soando caricatos e desinteressantes. 

Em relação às atuações, o elenco pode não impressionar mas ainda assim consegue convencer o público com performances medianas. Uma das grandes perdas é o não aproveitamento de Chris Pine: seu personagem parece ser interessante, mas acaba sendo mal utilizado, servindo apenas para sorrisos falsos e ameaças passivo agressivas. Gemma Chan também não agrega muito. Já Harry Styles, um dos grandes chamativos de público do filme, é ok. 

A maravilha fica por conta de Florence Pugh, que vem de uma sequência de impecáveis performances com Midsommar e Adoráveis Mulheres. Em Não se Preocupe, Querida não é diferente. Novamente mostrando ser uma das grandes promessas de Hollywood, a atriz entrega uma humana e muito realista com sua dona de casa que passa por diversas sensações de horror e pânico e que vai ganhando confiança conforme o filme se desenvolve. Na pele de Alice, consegue passar com perfeição toda sua angústia e agonia, de maneira que se torna extremamente fácil do lado de cá da tela torcer por ela. Pugh tem presença marcante e puxa a atenção em qualquer cena que participe. Comunica-se com o espectador apenas com olhares e expressões corporais. Talvez sua performance a leve a algumas indicações ou prêmios da temporada.

O roteiro se prolonga em aspectos desnecessários, complicando mais ainda a narrativa. Pior é quando chega a autossabotagem lá pelo meio, quando uma reviravolta fraca e previsível não condiz com os primeiros 40 minutos. Até há a tentativa de trazer críticas sobre o machismo e a própria vida que as mulheres do filme vivem, porém estas são colocadas de forma rasa e acabam se perdendo no meio das muitas informações presentes. Aí tudo chega ao final de forma aberta, anticlimática.

Dirigido por Olivia Wilde, esse foi um dos títulos mais aguardados e também polêmicos de 2022 (por conta de diversas tretas e brigas nos bastidores). As expectativas estavam altas pela promessa de thriller psicológico com um mistério conduzido pelo estranhamento. Entretanto, apesar de ambicioso e de parecer original à primeira vista, não consegue suprir as expectativas conquistadas em seu desenrolar. Talvez por isso mesmo venha agora, com sua chegada às telas, uma enorme desilusão. 

>> Leia aqui a resenha de Meu Policial, o outro filme protagonizado por Harry Styles em 2022

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Music, TV

Karol Conka – A Vida Depois do Tombo

Oito motivos para você não deixar de assistir à série documental da Globoplay sobre a participante mais polêmica do BBB21

Texto por Abonico Smith

Foto: Globoplay/Divulgação

Foram necessários apenas dois meses para separar a saída de Karol Conká do Big Brother Brasil 21 e a estreia de A Vida depois do Tombo, série documental em quatro episódios que acaba de estrear nas opções de streaming da Globoplay. O foco aqui é justamente mostrar o que o título já adianta: como ficou a vida – pessoal e profissional – da rapper curitibana depois de sua passagem polêmica pelo reality show mais visto e comentado dos últimos anos na televisão brasileira.

Lá dentro da casa sitiada nos estúdios do Projac, no Rio de Janeiro, ela aprontou quase que diariamente por quatro semanas. Tretou diretamente com alguns participantes, chegando a demonstrar seguidas vezes um comportamento agressivo em toda a sua verborragia, o que assustou, irritou e desagradou quase toda a audiência. Não por acaso, a cantora conquistou a maior porcentagem de votos em toda a história do programa, não só no Brasil como também no mundo. Karol obteve quase todos os votos computados, deixando para seus então dois concorrentes na ocasião a divisão de menos de 1% da escolha para a eliminação daquela rodada – vale lembrar ainda que era apenas o quarto paredão da edição deste ano. Na manhã seguinte, ao ser entrevistada por Ana Maria Braga em seu programa matinal, ela não perdeu a chance de dar uma alfinetada com seu habitual deboche, dizendo que se sentia uma Carminha ou Nazaré Tedesco lá da casa, fazendo referência a duas supervilãs de novela que até hoje, anos depois, o público ama odiar.

Desde as inacreditáveis atitudes e declarações que Karol disparou na vigésima primeira edição do BBB que a artista vem sendo alvo de uma gigantesca campanha de cancelamento. Nas redes, nas ruas, no dia a dia. De artista com respaldo suficiente para garantir sua entrada no programa no grupo dos famosos (denominado Camarote) a alvo constante de xingamentos, racismo e até mesmo ameaças de violência à família foram pouco mais de dois meses. É justamente isto o que A Vida Depois do Tombo procura mostrar: como a rapper fodona, dona de língua superafiada vem lidando com a fama e a carreira depois de ter caído em desgraça durante a experiência televisiva recente e, sobretudo, suas reações ao se deparar com uma pequena retrospectiva das barbaridades que protagonizara. 

Abaixo, o Mondo Bacana elenca oito motivos para você não deixar de assistir ao documentário seriado. Tenha sido espectador(a) assíduo do BBB ou não. Seja fã de rap ou não. Seja alguém que ama a cultura pop ou não.

Extrema rapidez de realização

Da eliminação de Karol (última semana de fevereiro) à disponibilização do documentário (últimos dias de abril) passaram-se apenas dois meses. E além do prazo bastante curto, pode-se dizer que a produção foi extremamente ágil. Afinal, já a partir do segundo dia da rapper fora da casa as câmeras já a seguiam captando tudo o que acontecia ao redor dela, ainda no calor de todas as quentes reações de rejeição quanto a ela. Do reencontro com o conforto da família ainda no hotel no Rio de Janeiro à viagem rumo à casa em São Paulo e a volta gradativa à normalidade do cotidiano com cachorro, comida caseira e o trabalho de criar e gravar canções em estúdio.  Então tudo ali se passa antes mesmo do fim desta temporada do BBB. Tudo em 25 dias consecutivos. E mais: antes mesmo de Karol ter voltado à casa na noite da final, para cantar justamente a música “Dilúvio”, com parte da letra sobre esta terrível experiência. Mais up to date com os fatos impossível!

Cancelamento que passou dos limites

Karol cometeu erros execráveis lá dentro da casa, tanto que foi eliminada com a maior porcentagem de toda a história em todas as franquias do Big Brother no mundo. Só que toda a reação de cancelamento a ela foi desproporcional, como mostra o documentário. Para começar, antes da votação maciça, ela foi “homenageada” com diversas paródias (sem um pingo de graça, aliás) com vídeos superproduzidos e upados no YouTube. Na noite do paredão, foram registradas comemorações com o estouro de fogos e muitos gritos com xingamentos para ela. Nos dias subsequentes à saída, vem o pior: o sofrimento com contínuas ameaças à família, sobretudo ao filho adolescente, na escola e na internet. Agora ficam as perguntas. Será que o ódio dado a ela não passou de todos os limites também? O que ela fez justificaria o que recebeu, tal qual a expressão “olho por olho, dente por dente”? E mais: isso aconteceria da mesma forma se não fosse ela mulher e preta?

Black Mirror mode on

A Vida Depois do Tombo é uma série documental feita já para o streaming. Então o seu público-alvo é aquele que está justamente acostumado com o maior chamariz destas plataformas: as séries. Para mostrar as reflexões de Karol acerca de seus erros mais recentes foi armado todo um circo tecnológico em um estúdio. Ela fica no meio, sentada em uma cadeira, com meia dúzia de telões gigantescos mandando mensagens escritas a ela, da forma mais direta e objetiva possível. Quando não são revividas imagens-chave de seu comportamento inadequado no BBB, aquilo ali fica piscando intermitentemente com os letreiros direcionados a ela. Passa uma sensação de pequenez a quem está no centro das atenções e recebendo um bombardeio de adrenalina. Os (bem) mais velhos podem se lembrar de um programa que a TV Record exibiu entre 1968 e 1971, chamado Quem Tem Medo da Verdade? e que submetia importantes artistas brasileiros daquela época a uma espécie de tribunal inquisidor baseado em polêmicas sensacionalistas. Já os mais jovens… bem, estes vão poder disparar “mas isso aí é bem Black Mirror, hein?”.

Flagrante durante o dilúvio

Um dos grandes acertos do documentário é justamente dar uma de BBB fora do Projac e dentro da casa da cantora. Durante uma reunião, com a câmera afastada da mesa, a assessora de imprensa de Karol é flagrada dando instruções a ela sobre como proceder durante a (temida) entrevista no Domingão do Faustão. “Fala que você surtou lá dentro”, orienta a profissional de comunicação, sem qualquer pudor. Quem também está nesta reunião é o produtor que comanda as redes e a equipe ao redor da rapper.  Ele ganha uma bronca por ter se precipitado em algumas decisões durante o dilúvio do cancelamento descomunal e dispensado gente sem o o conhecimento e o consentimento da “patroa”. Não resta a menor dúvida de que todos ali não se deram conta de que estavam sendo filmados…

Carreira no rap curitibano

Nem só de BBB vive A Vida Depois do Tombo. Outro belo acerto do documentário é deixar o passado recente de lado e mergulhar em toda a trajetória profissional de Karol e mostrar como a jovem Karoline se encontrou com o mundo do ritmo-e-poesia e decidiu focar todas as suas energias nele. Através de depoimentos do ex-marido e pai de seu filho, o rapper e produtor Cadelis, é desvendada a sua breve ascensão no hip hop de Curitiba, uma cidade outrora brindada em outras grandes cidades do país pelas suas guitarras barulhentas. Depois de um breve período de afastamento dos palcos por causa da maternidade, Karol voltou com tudo para lançar (em 2013) um primeiro álbum acachapante, adicionando doces melodias e elementos de música brasileira às batidas quebradas e ao canto falado. Daí em diante o estouro foi meteórico, chegando a fazer turnês pelo exterior e se apresentando na cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro (2016).

Trajetória pessoal x obra profissional

Se existe um gênero musical bastante transparente na história da música pop ele é o rap. Quase sempre a vida pessoal dos artistas influencia diretamente a criação das letras e ilustra a trajetória deles em discos, declarações e atitude. Com Karoline dos Santos Oliveira não foi diferente. E o documentário também vai através de rastros da infância e adolescência que moldaram a persona Karol Conká. Um dos momentos mais fortes é sem dúvida quando ela e a mãe passam a limpo a relação com o vício etílico do falecido pai e os problemas de bullying e racismo enfrentados nos tempos de colégio. A soma destes dois elementos praticamente forjaram uma Karol que sempre se obriga a ser forte emocionalmente e, sobretudo, defender-se com a língua, fazendo da fala e do discurso suas armas mais afiadas – a ponto de ferir gente e gerar um alto índice de rejeição nacional, como bem foi demonstrado em sua passagem pelo BBB.

Tretas em série

Batuk Freak, o primeiro álbum, foi um grande sucesso. Entretanto, revelou-se uma obra envolta em polêmicas durante e depois da sua concepção e gravação. No documentário, Karol revela ter se mudado para a casa do produtor artístico DJ Nave e sua esposa, a produtora executiva Drica Lara e vivido dias de extrema instabilidade emocional por lá. Depois de uma série de apresentações para a divulgação do disco, rompeu laços com a dupla, chegando às vias judiciais. Na sequência, Karol se aliou ao DJ Zegon, ex-Planet Hemp. Para seu selo gravou alguns singles com um som mais pesado, contundente e rápido. O maior hit da carreira dela, “Tombei”, foi uma destas gravações feitas para o selo eletrônico de Zegon na efêmera gravadora digital Skol Music e criadas ao lado da dupla Tropkillaz (isto é, Zegon e o beatmaker curitibano Laudz). Só que o tão esperado segundo álbum não saiu, ficou emperrado por anos – até Karol se associar ao terceiro produtor, o DJ Hadji, e assinar, enfim com a Sony Music para lançar Ambulante, em 2018, já tirando o pé do acelerador e se voltando mais a atmosferas pop. Pelo documentário, descobre-se que também houve altas tretas nos bastidores entre os dois. Tanto de Zegon, assim como Nave, proibiram o uso de sete de dez gravações no documentário, por também serem registrados como autores (à revelia de Karol, que, furiosa ao saber disso, questiona com um “mas fui eu quem escreveu as músicas”). As três composições restantes e ouvidas em A Vida Depois do Tombo, são parcerias de Karol com outros produtores. E se não bastasse serem destrinchados os desafetos com os ex-parceiros, ainda há uma boa parte dedicada à briga com outra grande rapper brasileira, a brasiliense Flora Matos. Flora se negou a gravar um depoimento. Sobre as confusões envolvendo Karol, Nave e Zegon, os três estão proibidos, por determinação da justiça, de se pronunciar sobre isso.

Operação Passa-Pano?

Assim que foi anunciado o seu lançamento, a série documental foi vista por muita gente como uma tremenda operação “passa-pano” da Globo para minimizar os danos provocados à carreira de Conka e a ela própria. Depois das quase duas horas divididas em quatro episódios, não é mesmo a impressão que ela passa. Com extrema coragem e ousadia, Karol se expõe ainda mais aqui. Muito de sua vida, carreira e suas atitudes acaba sendo escancarado e até explicado, porém não justificado. A tentativa de reconciliação com os concorrentes afetados diretamente por ela no BBB também acaba fracassando de certa forma, embora ela diga estar arrependida do que fizera e conseguir reconhecer os erros pelos quais pede perdão logo em seguida. Em uma entrevista exibida no Fantástico, a diretora Patricia Carvalho, entretanto, é muito incisiva na resposta à pergunta se a rapper iria gostar do que está mostrado na série. “Não, porque esta é a Karol diante do espelho. Durante o documentário a gente ficou em dúvida muitas vezes. Isso é falso ou é verdadeiro? Ela está sentindo isso mesmo ou está me manipulando?”, disparou.

>> Veja abaixo o clipe de “Dilúvio”, a nova música de Karol Conká, gravada logo após a saída do BBB21 e que tem parte da letra que fala sobre sua experiência no programa