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Os Rejeitados

Química improvável na relação entre professor ranzinza e aluno rebelde é uma das mais gratas surpresas da temporada

Textos por Abonico Smith e Tais Zago

Foto: Universal Pictures/Divulgação

Títulos como O Clube dos Cinco, Conta Comigo e Sociedade dos Poetas Mortos estão até hoje nos corações e mentes de qualquer cinéfilo aficionado pelas produções do cinema pop americano da década de 1980. Além de exalar o frescor da juventude em suas histórias, estas obras abordam temas de suma importância para esta fase da vida como diversidade, tolerância, paciência, lealdade e, sobretudo, autoconhecimento. Mergulham fundo no âmago humano e por isso mesmo são celebradas até hoje por quem ainda prefere um cinema mais real e sem aquela enxurrada de CGI que rola nos blockbusters da atualidade.

Os Rejeitados (The Holdovers, EUA, 2023 – Universal Pictures) parece ter sido feito para bater lá no fundo dessa turma. Assinado por Alexander Payne, um cineasta que tem como características a economia de obras ao longo da carreira em prol de projetos mais profundos e menos comerciais, o filme vem provocando burburinho desde o seu lançamento no último festival de Toronto. Foi adquirido pela distribuidora Focus Features pela “bagatela” de trinta milhões de dólares e chega agora aos cinemas brasileiros acompanhado de altas expectativas para esta safra de premiações. No último domingo, Paul Giamatti e Da’Vine Joy Randolph ganharam o Globo de Ouro como ator de musical ou comédia e atriz coadjuvante e aparecem como apostas seguras para figurar entre os indicados ao próximo Oscar. Filme, direção, roteiro e ator coadjuvante (o estreante Dominic Sessa) também podem ser outras categorias beliscadas. Nada mau para uma produção extremamente autoral, de relativo baixo orçamento, sem grandes pretensões de bilheteria e que vai buscar no passado – tanto na trama quanto na estética – inspiração para comer pelas beiradas e se fixar como um dos grandes longas da temporada.

De um lado temos o veterano professor de História Paul Hunham. Ele vive sozinho, dentro do próprio internato onde leciona, incrustado em algum canto do norte dos EUA, onde não para de nevar no inverno. Não se casou, não tem muita paciência para conviver com outras pessoas além de suas obrigações profissionais. Leva tudo com rigidez extrema, a ferro e fogo, dentro e fora da sala de aula. Angaria a antipatia de seus alunos e não larga uma garrafa de uísque. Portanto, é o típico personagem mal humorado no qual Giamatti se encaixa perfeitamente para atuar.

Do outro, um aluno insuportável e rebelde ao extremo chamado Angus Tully. Ele também amarga um alto índice de rejeição, mas por sua própria família. Ignorado pela mãe – que não pensa duas vezes antes de “trocá-lo” pelo novo marido – ele acaba tendo de passar as semanas que antecedem Natal e Ano Novo na própria escola. Esta é a época na qual crianças e adolescentes ganham um período de intervalo das aulas para voltar às suas casas e rever os parentes mais próximos. A escola fica praticamente vazia por três semanas e Tully (Sessa) precisa se resignar a ficar por lá. Sem os colegas de turma para sacanear, com um professor linha-dura no seu encalço o dia todo, vigiando seu comportamento quase sempre inadequado.

No meio disso quem também passa o break de inverno em Barton é Mary Lamb, a cozinha-chefe do refeitório que alimenta diariamente docentes e alunos. Sua maior luta é superar o período de luto – seu filho, que estudava e morava com ela por lá, foi morto em guerra, durante o serviço militar. Além de Angus e Paul, seus únicos companheiros no local são o jardineiro (que também fica por lá), os cigarros e os populares programas de auditório exibidos pela televisão. Mary é o vértice do triângulo que mais expõe seus problemas pessoais e emocionais.

Os três acabam criando elos emocionais improváveis, especialmente Tully e Hunham. Aos poucos, um vai descobrindo o outro e nutrindo sentimentos de pai e filho, como confiança e afeto. Ambos mostram, mesmo não querendo mostrar, ser altamente carentes disso, o que justifica a química quase imediata entre eles. A partir da metade final, quando Os Rejeitados se transforma em road movie e muitas das cenas se passam distantes de Barton, fica impossível para a dupla não manifestar novas descobertas e sensações (o que, por sinal, mais caracteriza um road movie: o deslocamento geográfico provocando deslocamentos internos). Se até então o espectador já está bastante envolvido com os dois, embarcar no melhor da viagem pisando no acelerador torna-se inevitável.

Este filme se passa nos últimos dias de 1970. Portanto, Payne tenta recriar a época da maneira mais fidedigna possível. Aproveita somente iluminação e locações reais (nada aqui fora reconstruído em estúdio) e usa a pós-produção para dar mais credibilidade à estética de seu filme. Filmou tudo por meio da câmera manual Alexa Mini, da Arri, e inseriu posteriormente a granulação e outras sujeiras visuais típicas do celuloide. Até mesmo antes da primeira cena o cineasta brinca com a estética retrô: inclui o mesmo selo de Rated R que carimbava muitos dos filmes daquela época. Utiliza também artistas do período, como o poeta e cantor britânico Labi Siffre e as bandas, respectivamente galesa e holandesa, Badfinger e Shocking Blue.

Sem muitos radicalismos na narrativa e tocando no coração de quem senta na poltrona para ver o filme, Os Rejeitados desponta como um possível “azarão” para faturar o prêmio máximo da noite promovida pela academia cinematográfica norte-americana. Por não desagradar a muita gente, não corre o risco de receber notas muito baixas no ranking designado como critério para o quesito “melhor filme”. Na soma final de todos os votantes, corre o risco de terminar na liderança. Mas, se não ganhar, pelo menos, marcará a temporada como uma de suas obras mais queridas. Justamente retornando ao tempo em que Hollywood se salvou da bancarrota sendo cada vez menos Hollywood e trocando superficialidade pela densidade. (AS)

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Em meados dos anos 70, Paul Hunham (Paul Giamatti), um professor solitário e isolado socialmente, acaba sendo forçado a passar o feriado de Natal no colégio interno onde leciona para jovens privilegiados nos arredores de Boston. Os jovens aos seus cuidados foram deixados de lado, voluntaria ou involuntariamente, por suas famílias durante as festas de final de ano. 

Mas não se engane, não temos em Os Rejeitados (The Holdovers, EUA, 2023 – Universal Pictures) um O Clube dos Cinco (1985) setentista. Logo no começo das férias natalinas o pai de Jason Smith (Michael Provost), um dos cinco jovens “ilhados” na Escola, é acometido por um arrependimento abrupto e acaba “resgatando”, com seu helicóptero, quatro dos rapazes para uma luxuosa estação de esqui. Apenas um, Angus Tully (Dominic Sessa), acaba ficando para trás. Tragicamente ele não conseguiu fazer contato com a mãe para receber autorização para o passeio. Decepcionado, o jovem acaba ficando no colégio frio e vazio junto a seu odiado professor de história Paul, a cozinheira Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph) e outro funcionário da manutenção.

Aos poucos uma inusitada conexão começa a se formar entre Paul, Angus e Mary. A cozinheira estava passando o primeiro Natal sem o filho, também aluno da escola, que fora morto no Vietnam.  Com o passar dos dias frios e escuros, o luto da mãe acaba se misturando ao luto e a raiva do jovem. Tully está afastado do pai e abandonado pela mãe após ela se casar novamente. Ao mesmo tempo, a misantropia e o distanciamento inicial de Paul vão dando lugar à empatia pelo aluno e seu drama pessoal. Dentro de suas limitações, os três passam a permitir que alguns prazeres e alegrias mundanas permeiem seu convívio e diminuam seus sofrimentos durante a época das festas.

O diretor Alexander Payne escolheu o tema mesmo sem ter qualquer experiência pessoal com colégios internos. O roteiro original é assinado por David Hemingson, que tinha criado a narrativa pensando em uma série televisiva. Mesmo assim, a junção criativa entre Payne e Hemingson e o fantástico elenco nos trouxe uma pequena pérola que já está colhendo os louros por sua sensibilidade. Sem grandes exageros dramáticos, mas com muito coração, Os Rejeitados nos envolve. As cenas são pontuais; as reações, verdadeiras; os diálogos, repletos de insight. É uma verdadeira tragicomédia da vida pequeno-burguesa e uma crítica a escolas sisudas e ‘tradicionais”. Na trilha sonora temos até Cat Stevens (“The Wind”) nos momentos em que professor e aluno trocam cândidas experiências natalinas, algo que nos remete, mesmo que inconscientemente, ao clássico Ensina-me a Viver (1971).

Paul e Angus, duas personalidades tão diferentes e tão próximas. Ambos acabam descobrindo que lutam contra a depressão por fatores diversos, mas possuem em comum uma profunda solidão e a dor do abandono. Em Mary, Angus encontra um afeto genuíno e sem afetação. O título em português, Os Rejeitados, é exatamente o que a história sugere: um grupo de outcasts, completamente diferentes entre si, que encontram pontos comuns em seus sofrimentos e buscam o alívio de suas tristezas oferecendo apoio emocional uns aos outros. 

Somos, então, agraciados com estranhos saudosos de um Natal com família ou amigos, pela ausência ou pela rejeição. Um drama triste, um coming da relação professor/aluno sem apelar para clichês no estilo de Sociedade Dos Poetas Mortos (1989). Uma transferência materna entre Mary e Angus sem apelar para o melodrama desnecessário. Todos aqui possuem feridas abertas, novas ou antigas. A ajuda é mútua e balanceada. E a lição final que fica é a de que nunca é tarde demais para quebrar algumas regras que para nada mais nos servem a não ser representar o papel de algemas para nossa liberdade e felicidade. É a permissão para ser alegre, mesmo em situações difíceis. Um sorriso no meio do solo desolado da tristeza. (TZ)

Music, TV

Karol Conka – A Vida Depois do Tombo

Oito motivos para você não deixar de assistir à série documental da Globoplay sobre a participante mais polêmica do BBB21

Texto por Abonico Smith

Foto: Globoplay/Divulgação

Foram necessários apenas dois meses para separar a saída de Karol Conká do Big Brother Brasil 21 e a estreia de A Vida depois do Tombo, série documental em quatro episódios que acaba de estrear nas opções de streaming da Globoplay. O foco aqui é justamente mostrar o que o título já adianta: como ficou a vida – pessoal e profissional – da rapper curitibana depois de sua passagem polêmica pelo reality show mais visto e comentado dos últimos anos na televisão brasileira.

Lá dentro da casa sitiada nos estúdios do Projac, no Rio de Janeiro, ela aprontou quase que diariamente por quatro semanas. Tretou diretamente com alguns participantes, chegando a demonstrar seguidas vezes um comportamento agressivo em toda a sua verborragia, o que assustou, irritou e desagradou quase toda a audiência. Não por acaso, a cantora conquistou a maior porcentagem de votos em toda a história do programa, não só no Brasil como também no mundo. Karol obteve quase todos os votos computados, deixando para seus então dois concorrentes na ocasião a divisão de menos de 1% da escolha para a eliminação daquela rodada – vale lembrar ainda que era apenas o quarto paredão da edição deste ano. Na manhã seguinte, ao ser entrevistada por Ana Maria Braga em seu programa matinal, ela não perdeu a chance de dar uma alfinetada com seu habitual deboche, dizendo que se sentia uma Carminha ou Nazaré Tedesco lá da casa, fazendo referência a duas supervilãs de novela que até hoje, anos depois, o público ama odiar.

Desde as inacreditáveis atitudes e declarações que Karol disparou na vigésima primeira edição do BBB que a artista vem sendo alvo de uma gigantesca campanha de cancelamento. Nas redes, nas ruas, no dia a dia. De artista com respaldo suficiente para garantir sua entrada no programa no grupo dos famosos (denominado Camarote) a alvo constante de xingamentos, racismo e até mesmo ameaças de violência à família foram pouco mais de dois meses. É justamente isto o que A Vida Depois do Tombo procura mostrar: como a rapper fodona, dona de língua superafiada vem lidando com a fama e a carreira depois de ter caído em desgraça durante a experiência televisiva recente e, sobretudo, suas reações ao se deparar com uma pequena retrospectiva das barbaridades que protagonizara. 

Abaixo, o Mondo Bacana elenca oito motivos para você não deixar de assistir ao documentário seriado. Tenha sido espectador(a) assíduo do BBB ou não. Seja fã de rap ou não. Seja alguém que ama a cultura pop ou não.

Extrema rapidez de realização

Da eliminação de Karol (última semana de fevereiro) à disponibilização do documentário (últimos dias de abril) passaram-se apenas dois meses. E além do prazo bastante curto, pode-se dizer que a produção foi extremamente ágil. Afinal, já a partir do segundo dia da rapper fora da casa as câmeras já a seguiam captando tudo o que acontecia ao redor dela, ainda no calor de todas as quentes reações de rejeição quanto a ela. Do reencontro com o conforto da família ainda no hotel no Rio de Janeiro à viagem rumo à casa em São Paulo e a volta gradativa à normalidade do cotidiano com cachorro, comida caseira e o trabalho de criar e gravar canções em estúdio.  Então tudo ali se passa antes mesmo do fim desta temporada do BBB. Tudo em 25 dias consecutivos. E mais: antes mesmo de Karol ter voltado à casa na noite da final, para cantar justamente a música “Dilúvio”, com parte da letra sobre esta terrível experiência. Mais up to date com os fatos impossível!

Cancelamento que passou dos limites

Karol cometeu erros execráveis lá dentro da casa, tanto que foi eliminada com a maior porcentagem de toda a história em todas as franquias do Big Brother no mundo. Só que toda a reação de cancelamento a ela foi desproporcional, como mostra o documentário. Para começar, antes da votação maciça, ela foi “homenageada” com diversas paródias (sem um pingo de graça, aliás) com vídeos superproduzidos e upados no YouTube. Na noite do paredão, foram registradas comemorações com o estouro de fogos e muitos gritos com xingamentos para ela. Nos dias subsequentes à saída, vem o pior: o sofrimento com contínuas ameaças à família, sobretudo ao filho adolescente, na escola e na internet. Agora ficam as perguntas. Será que o ódio dado a ela não passou de todos os limites também? O que ela fez justificaria o que recebeu, tal qual a expressão “olho por olho, dente por dente”? E mais: isso aconteceria da mesma forma se não fosse ela mulher e preta?

Black Mirror mode on

A Vida Depois do Tombo é uma série documental feita já para o streaming. Então o seu público-alvo é aquele que está justamente acostumado com o maior chamariz destas plataformas: as séries. Para mostrar as reflexões de Karol acerca de seus erros mais recentes foi armado todo um circo tecnológico em um estúdio. Ela fica no meio, sentada em uma cadeira, com meia dúzia de telões gigantescos mandando mensagens escritas a ela, da forma mais direta e objetiva possível. Quando não são revividas imagens-chave de seu comportamento inadequado no BBB, aquilo ali fica piscando intermitentemente com os letreiros direcionados a ela. Passa uma sensação de pequenez a quem está no centro das atenções e recebendo um bombardeio de adrenalina. Os (bem) mais velhos podem se lembrar de um programa que a TV Record exibiu entre 1968 e 1971, chamado Quem Tem Medo da Verdade? e que submetia importantes artistas brasileiros daquela época a uma espécie de tribunal inquisidor baseado em polêmicas sensacionalistas. Já os mais jovens… bem, estes vão poder disparar “mas isso aí é bem Black Mirror, hein?”.

Flagrante durante o dilúvio

Um dos grandes acertos do documentário é justamente dar uma de BBB fora do Projac e dentro da casa da cantora. Durante uma reunião, com a câmera afastada da mesa, a assessora de imprensa de Karol é flagrada dando instruções a ela sobre como proceder durante a (temida) entrevista no Domingão do Faustão. “Fala que você surtou lá dentro”, orienta a profissional de comunicação, sem qualquer pudor. Quem também está nesta reunião é o produtor que comanda as redes e a equipe ao redor da rapper.  Ele ganha uma bronca por ter se precipitado em algumas decisões durante o dilúvio do cancelamento descomunal e dispensado gente sem o o conhecimento e o consentimento da “patroa”. Não resta a menor dúvida de que todos ali não se deram conta de que estavam sendo filmados…

Carreira no rap curitibano

Nem só de BBB vive A Vida Depois do Tombo. Outro belo acerto do documentário é deixar o passado recente de lado e mergulhar em toda a trajetória profissional de Karol e mostrar como a jovem Karoline se encontrou com o mundo do ritmo-e-poesia e decidiu focar todas as suas energias nele. Através de depoimentos do ex-marido e pai de seu filho, o rapper e produtor Cadelis, é desvendada a sua breve ascensão no hip hop de Curitiba, uma cidade outrora brindada em outras grandes cidades do país pelas suas guitarras barulhentas. Depois de um breve período de afastamento dos palcos por causa da maternidade, Karol voltou com tudo para lançar (em 2013) um primeiro álbum acachapante, adicionando doces melodias e elementos de música brasileira às batidas quebradas e ao canto falado. Daí em diante o estouro foi meteórico, chegando a fazer turnês pelo exterior e se apresentando na cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro (2016).

Trajetória pessoal x obra profissional

Se existe um gênero musical bastante transparente na história da música pop ele é o rap. Quase sempre a vida pessoal dos artistas influencia diretamente a criação das letras e ilustra a trajetória deles em discos, declarações e atitude. Com Karoline dos Santos Oliveira não foi diferente. E o documentário também vai através de rastros da infância e adolescência que moldaram a persona Karol Conká. Um dos momentos mais fortes é sem dúvida quando ela e a mãe passam a limpo a relação com o vício etílico do falecido pai e os problemas de bullying e racismo enfrentados nos tempos de colégio. A soma destes dois elementos praticamente forjaram uma Karol que sempre se obriga a ser forte emocionalmente e, sobretudo, defender-se com a língua, fazendo da fala e do discurso suas armas mais afiadas – a ponto de ferir gente e gerar um alto índice de rejeição nacional, como bem foi demonstrado em sua passagem pelo BBB.

Tretas em série

Batuk Freak, o primeiro álbum, foi um grande sucesso. Entretanto, revelou-se uma obra envolta em polêmicas durante e depois da sua concepção e gravação. No documentário, Karol revela ter se mudado para a casa do produtor artístico DJ Nave e sua esposa, a produtora executiva Drica Lara e vivido dias de extrema instabilidade emocional por lá. Depois de uma série de apresentações para a divulgação do disco, rompeu laços com a dupla, chegando às vias judiciais. Na sequência, Karol se aliou ao DJ Zegon, ex-Planet Hemp. Para seu selo gravou alguns singles com um som mais pesado, contundente e rápido. O maior hit da carreira dela, “Tombei”, foi uma destas gravações feitas para o selo eletrônico de Zegon na efêmera gravadora digital Skol Music e criadas ao lado da dupla Tropkillaz (isto é, Zegon e o beatmaker curitibano Laudz). Só que o tão esperado segundo álbum não saiu, ficou emperrado por anos – até Karol se associar ao terceiro produtor, o DJ Hadji, e assinar, enfim com a Sony Music para lançar Ambulante, em 2018, já tirando o pé do acelerador e se voltando mais a atmosferas pop. Pelo documentário, descobre-se que também houve altas tretas nos bastidores entre os dois. Tanto de Zegon, assim como Nave, proibiram o uso de sete de dez gravações no documentário, por também serem registrados como autores (à revelia de Karol, que, furiosa ao saber disso, questiona com um “mas fui eu quem escreveu as músicas”). As três composições restantes e ouvidas em A Vida Depois do Tombo, são parcerias de Karol com outros produtores. E se não bastasse serem destrinchados os desafetos com os ex-parceiros, ainda há uma boa parte dedicada à briga com outra grande rapper brasileira, a brasiliense Flora Matos. Flora se negou a gravar um depoimento. Sobre as confusões envolvendo Karol, Nave e Zegon, os três estão proibidos, por determinação da justiça, de se pronunciar sobre isso.

Operação Passa-Pano?

Assim que foi anunciado o seu lançamento, a série documental foi vista por muita gente como uma tremenda operação “passa-pano” da Globo para minimizar os danos provocados à carreira de Conka e a ela própria. Depois das quase duas horas divididas em quatro episódios, não é mesmo a impressão que ela passa. Com extrema coragem e ousadia, Karol se expõe ainda mais aqui. Muito de sua vida, carreira e suas atitudes acaba sendo escancarado e até explicado, porém não justificado. A tentativa de reconciliação com os concorrentes afetados diretamente por ela no BBB também acaba fracassando de certa forma, embora ela diga estar arrependida do que fizera e conseguir reconhecer os erros pelos quais pede perdão logo em seguida. Em uma entrevista exibida no Fantástico, a diretora Patricia Carvalho, entretanto, é muito incisiva na resposta à pergunta se a rapper iria gostar do que está mostrado na série. “Não, porque esta é a Karol diante do espelho. Durante o documentário a gente ficou em dúvida muitas vezes. Isso é falso ou é verdadeiro? Ela está sentindo isso mesmo ou está me manipulando?”, disparou.

>> Veja abaixo o clipe de “Dilúvio”, a nova música de Karol Conká, gravada logo após a saída do BBB21 e que tem parte da letra que fala sobre sua experiência no programa

Movies, News, TV

Oscar 2019

Oito motivos para você não se esquecer da cerimônia de entrega dos prêmios Academy Awards deste ano

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Texto por Abonico R. Smith

Foto: Reprodução

Queen

Muita gente pode ter se perguntado: o que diabos o Queen faria lá no palco do Dolby Theatre em Los Angeles na cerimônia do Oscar em 2019? Afinal, até então, o privilégio para a apresentação de números musicais ao vivo era dado somente às canções originais concorrentes na categoria. A dúvida se desfez logo após a primeira batida da noite deste 24 de fevereiro, dando abertura à festa. Sob o comando de Roger Taylor, o “tum-tum-tá” típico de “Will We Rock” colocou de pé as estrelas de Hollywood e todos os especialistas nos bastidores da sétima arte. Logo depois viriam Adam Lambert na voz e Brian May no matador solo de guitarra que conclui o arranjo. Era o Queen (ou o que sobrou dele; ou, para muitos, apenas um cover oficial da própria banda) abrindo alas para Bohemian Rhapsody brilhar na noite faturando o mais alto número de prêmios para um único filme (quatro, no total, incluindo o de ator para Rami Malek, no papel de Freedie Mercury). Logo em seguida, o trio Taylor-May-Lambert emendou a balada “We Are The Champions”, que, originalmente também vem na sequência de “We Will Rock You”, no álbum News Of The World). Jogo ganho. Não só in locomas também ao redor do mundo inteiro. Já que o Oscar quis fazer desta noite uma aposta mais popular e chamativa, conseguiu logo de cara. De quebra, o filme sobre Mercury e Queen ainda uniu novamente a dupla de Quanto Mais Idiota Melhor (Mike Myers e Dana Carvey, eternamente populares pela cena em que seus personagens batem cabeça no carro ao som da parte mais pesada de “Bohemian Rhapsody”) para fazer o anúncio do videoclipe que apresentava a obra como uma das indicadas ao prêmio máximo da noite.

Heróis e vilões

Muito de falou nas últimas semanas sobre quem poderia ser o apresentador oficial do Oscar. Contudo, nenhum ator ou comediante acabou fechando contrato para o papel de âncora. A Academia, então, anunciou que as aberturas dos envelopes seriam feitas por “heróis e vilões do cinema”. Contudo, quem esperava que alguém pudesse surgiu caracterizado com uniformes, roupas, cabelos e maquiagens típicas dos personagens encarnados nas telas, errou redondamente. Por conta de direitos autorais, isso não foi realizado. Entraram, sim, atrizes e atores vestidos formalmente (com exceção da dupla Melissa McCarthy e Bryan Tyree Henry, que partiram de vez pro escracho misturando exageros e símbolos referentes aos longas A Favorita e Pantera Negra). A “Rainha Anne” de Melissa estava com dezenas de coelhos adornando uma capa de cauda longuíssima, por exemplo. Um dos poucos momentos de humor debochado da noite. Valeu a pena.

Lady Gaga e Bradley Cooper

Já era prevista a vitória de “Shallow” como a canção original da temporada cinematográfica. Contudo, o número musical protagonizado pela dupla de atores de Nasce Uma Estrela foi comovente. A balada poderosa – que entre seus compositores, além da Gaga, tem o DJ e produtor Mark Ronson (responsável por muitos discos de primeira, entre eles Back To Black, de Amy Winehouse) e o guitarrista Anthony Rossomando (cujo currículo traz serviços prestados a excelentes bandas indie como Libertines e Dirty Pretty Things) – começou com um playback instrumental na medida para Gaga e Cooper soltarem o gogó de forma franca, sincera e emocional. De quebra, a cantora e atriz ainda tocou piano na parte final do arranjo. Como diz o Faustão, quem sabe faz ao vivo.

Spike Lee

Justiça foi feita a um dos diretores e roteiristas mais importantes do novo cinema autoral norte-americano das últimas décadas. Infiltrado na Klan, uma das obras mais interessantes desta temporada, concorria nas categorias filme, direção e roteiro adaptado. Pode ter perdido nas duas primeiras, mas pelo menos abocanhou uma “consolação de luxo” por contra a história do policial negro que consegue, do modo mais absurdo e inteligente possível, ser aceito nos quadros da organização fascista e racista que tocava o terror nos estados do Sul dos Estados Unidos até bem pouco tempo atrás. Vestido de chofer com a cor violeta dando o tom dos pés ao quepe, ele chegou no palco pulando no colo do apresentador Samuel L Jackson e ainda fez um belo discurso cheio de conteúdo sóciopolítico.

Olivia Colman

Quem também brilhou no discurso foi a atriz britânica Olivia Colman. Ou melhor, no não-discurso. Visivelmente transtornada de emoção e surpresa por ter superado “a favorita” (não dá para escapar do trocadilho infame!) Glenn Close na categoria, ela não sabia se falava, chorava, gaguejava ou mandava beijos para as concorrentes superadas. Com a estatueta na mão, protagonizou informalmente um dos mais espontâneos e engraçados momentos da cerimônia. De quebra quase se pôs de joelhos aos pés de Lady Gaga, que, sentada na fila da frente, retribuiu o carinho também de forma histriônica. E convenhamos: o trabalho de Colman como a Rainha Anne da A Favorita está espetacular. E nem é pela transformação física, de ter ganhado quinze quilos a mais para fazer o papel.

Pantera Negra

Antes de começar a cerimônia, o filme já havia quebrado uma escrita e entrado na História: foi a primeira produção baseada em um super-herói dos quadrinhos a concorrer à premiação máxima da noite. Se o drama com elenco negro e vivido quase que inteiramente na África (no fictício país de Wakanda) não foi agraciado como o melhor longa-metragem da noite, pelo menos saiu com três importantes prêmios técnicos: trilha sonora, figurinos e design de produção (categoria antigamente chamada direção de arte). Sinal de que uma produção caprichada nicho do grandioso público nerd pode, sim, rimar arte com altas bilheterias.

Alfonso Cuarón

Produtor, diretor, roteirista, fotógrafo. Alfonso Cuarón foi praticamente um faz-tudo nas funções mais importantes de Roma. Seu trabalho competentíssimo – e carregado de emoção e lembranças de sua vida na infância – garantiu a ele um excesso de bagagem para a volta para casa: faturou três estatuetas na noite, referentes às categorias filme em língua não inglesa, cinematografia e direção. Não levou a de melhor filme, é bem verdade, embora merecesse também. Entretanto, ninguém pode sair reclamando da falta de reconhecimento de seu múltiplo talento. Muito menos o México, o país onde nasceu. Afinal, a dinastia mexicana de direção no Oscar continua nas mãos de Cuarón, Iñarritú e Del Toro, vencedores dos prêmios nas últimas cinco edições.

Green Book

Como era de esperar, o filme mais mediano – e agradável à maioria das pessoas – foi agraciado com o prêmio principal da noite. Tocando de modo light na questão do racismo (a história se passa no início dos anos 1960, quando a luta pelos direitos civis nos EUA ainda não estava em momento explosivo e tenso) e também passando superficialmente por outros temos polêmicos, incluindo a homossexualidade, Green Book (esqueça o subtítulo pavoroso que o filme ganhou de sua distribuidora no Brasil) favoreceu-se do critério de votação dos membros da Academia. Vale lembrar que desde 2010, quando o número de concorrentes a melhor filme passou de cinco para até dez (são sempre oito ou nove, dependendo do coeficiente de corte na listagem apurada para o anúncio das indicações), todo votante precisa numerar esta lista de um a oito ou nove, segundo sua preferência pessoal. Portanto, aquela produção que fica ali no meio, entre segundo e quarto, justamente por ter o menor índice de rejeição, acaba sendo projetada no cômputo geral dos pesos e levando a estatueta. Foi o que aconteceu agora à história do branco bronco italiano de Nova Jersey que, por necessidade, durante algumas semanas do ano de 1962, trabalha como motorista de um renomado músico de jazz de Nova Yordurante uma turnê por cidades racistas ao sul dos Estados Unidos – e, ao fim da convivência cheia de diferenças culturais e ideológicas, um acaba sendo modificado pelo outro. Nada mais água com açúcar para agradar à maioria das pessoas. E, de quebra, Green Book faturou outros dois prêmios importantes da noite: roteiro original e ator coadjuvante (Mahershala Ali). Pode não ter sido o mais premiado na noite, mas saiu do Oscar 2019 como o principal filme da temporada pela importância das categorias.

VEJA OS GANHADORES DE CADA CATEGORIA

Filme: Green Book: O Guia

Direção: Alfonso Cuarón (Roma)

Atriz: Olivia Colman (A Favorita)

Ator: Rami Malek (Bohemian Rhapsody)

Canção original: “Shallow” (Nasce Uma Estrela)

Trilha Sonora: Pantera Negra

Roteiro adaptado: Infiltrado na Klan

Roteiro original: Green Book: O Guia

Curta-metragem de ficção: Skin

Efeitos visuais: O Primeiro Homem

Documentário em curta-metragem: Period. End Of Sentence

Animação em curta-metragem: Bao

Animação: Homem-Aranha no Aranhaverso

Ator coadjuvante: Mahershala Ali (Green Book: O Guia)

Montagem: Bohemian Rhapsody

Filme em Língua não inglesa: Roma

Mixagem de som: Bohemian Rhapsody

Edição de som: Bohemian Rhapsody

Fotografia: Roma

Design de produção: Pantera Negra