Você pode até estar acostumado com o “jeito Nolan” de fazer filmes: Amnésia, O Grande Truque, Interestelar, A Origem, Dunkirk… quase todas as suas produções subvertem a forma de contar uma história e, com frequência, subvertem o tempo e o espaço para contá-la. Mas nada te preparou para Tenet (Reino Unido/EUA, 2020 – Warner).
O novo longa do diretor, que chega hoje aos cinemas brasileiros depois de muito adiamento por conta da pandemia de 2020, subverte o que Nolan já tinha subvertido e, literalmente, põe o tempo pra andar pra trás. Na trama, nos deparamos como o personagem de John David Washington (chamado apenas de “o protagonista”) e percebemos que ele é uma espécie de espião internacional. E nosso conhecimento do filme meio que acaba por aí.
Deste momento em diante não entendemos muito mais: quem são estas pessoas? O que elas querem? Para quem trabalham? Qual o objetivo da missão?
Não bastasse toda a teoria de volta no tempo já ser complicada o bastante, a própria narrativa do filme (ainda que fosse tratada de forma linear) não é simples. Temos um filme de espionagem internacional/filme de ação de grife acima da média, com certeza. Mas sua trama é confusa e uma das únicas informações que conseguimos processar é que o mundo pode acabar se eles não forem bem sucedidos.
Como se não fosse imbróglio suficiente, Nolan mexe nas linhas e quem vai acaba voltando. Quem estava lá agora está aqui. Cenas são mostradas em diversos tempos com personagens que antes estavam indo e agora, voltando. Tudo é muito visual, tudo é muito bonito, suas cenas de ação são de tirar o fôlego. Mas nada é muito claro. É como se o cineasta tivesse mostrado cinco roteiros diferentes ao estúdio e os executivos tivessem resolvido juntar todos em um filme só.
No fim, a sensação é de que passamos duas horas e vinte minutos tentando entender que diabos estamos vendo numa trama confusa, que vai e volta, e admirando a beleza da atriz Elizabeth Debicki. E que passamos os dez minutos finais torcendo para que consigamos entender pelo menos um pouco do que vimos na tela.
Com Tenet, Nolan mira na ação com cérebro e acaba exagerando no segundo, entregando um filme quase impossível de ser entendido sem que você pare pra fazer anotações de quinze em quinze minutos. Até mesmo o que parecia ser um dos grandes segredos do filme é bastante óbvio.
Talvez a melhor definição para esta obra seja mesmo a de que “no início você não entende nada e no final você está de volta no começo”.
Documentário procura evidenciar a influência e o poder das redes sociais na política brasileira dos últimos anos
Texto por Janaina Monteiro
Foto: Reprodução
Quando Guy Debord escreveu A Sociedade do Espetáculo, que serviu de base para os acontecimentos de maio de 1968, não poderia imaginar que a internet, seus algoritmos e o mar de fake news divulgados via WhatsApp potencializariam, algumas décadas depois, sua teoria sobre a submissão alienante proporcionada pela mídia. O livro é leitura fundamental para tentar compreender o mundo moderno do pós-guerra, quando a sociedade se viu dominada pela mercantilização das relações, sejam elas sociais, políticas e econômicas.
Seguindo ideias marxistas que flertavam com o pensamento freudiano, Debord acreditava que o espetáculo é uma forma de dominação da burguesia sobre o proletariado. Alguns desses conceitos podem ser claramente percebidos no documentário Pulsão, dirigido, produzido e escrito por Diego “Di” Florentino em parceria com Sabrina Demozzi. A missão, aqui, é traçar uma retrospectiva que permite evidenciar a influência e o poder das redes sociais nos acontecimentos políticos dos últimos anos, desde as passeatas promovidas pelo Movimento Passe Livre em 2013 (e que eram organizadas via Facebook), passando pela operação Lava-Jato, o impeachment da presidente Dilma Rousseff e o desfecho com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
O título do documentário, lançado diretamente no YouTube no último dia 4 de setembro, evoca a teoria freudiana das pulsões: a pulsão da morte, o thanatos, é o movimento em direção à morte, à destruição. Ou seja, entende-se pelo desenrolar da narrativa que, há sete anos, o Brasil vem sendo empurrado ladeira abaixo, depois dos casos de corrupção que provocaram o impeachment de um nome eleito pelo povo até culminar na eleição, também democrática, de um representante da extrema-direita, que desde o início de sua campanha eleitoral não escondeu sua paixão por armas de fogo e sua aversão às minorias. A eleição de Bolsonaro teria sido um tiro no pé disparado pelos brasileiros num comportamento do tipo “efeito manada”, estimulado pelas redes sociais e criação de perfis falsos e, claro, pela verdadeira elite formada por grandes grupos econômicos e midiáticos. Agora, os marqueteiros de plantão, experts em SEO, somam-se à Rede Globo no que coube até hoje, na história do país, tornar o povo massa de manobra. A mensagem é simples: não acredite em nada daquilo que você vê. Não acredite em Bonners nem em Kataguiris.
Lançado na esteira do celebrado e premiado Democracia em Vertigem, de Petra Costa, Pulsão tem um quê de Cambridge Analytica, ao passo que mostra como o brasileiro se vê refém das redes sociais e suas fake news – além de reconstruir, passo a passo, como a sociedade abalada pelas denúncias de corrupção foi capaz de alçar ativistas políticos a políticos ativistas, elevar um juiz de primeira instância ao status de super-herói e eleger um presidente de extrema-direita. Neste ponto, a montagem de Rodrigo Baptista é extremamente eficiente ao confrontar imagens e discursos contraditórios resgatando material de arquivo de canais de tevê aberta (sobretudo Globo e TV Cultura) ou divulgado por outros canais de imprensa, além de conteúdo amador. Há uma sequência, por exemplo, em que uma jornalista elogia o fato de as passeatas serem pacíficas, enquanto a imagem mostra exatamente o oposto: um rapaz “de vermelho” sendo agredido ao atravessar a rua durante uma passeata.
Também há o momento em que o então juiz Sergio Moro afirmava, durante uma palestra, que não tinha intenção de se envolver com a política. Outras cenas são patéticas, como a então jornalista Joice Hasselmann (ex-aliada de Bolsonaro e atualmente candidata a prefeita de São Paulo pelo PSL) bajulando Moro e, depois, tendo um ataque de histeria ao comemorar sua eleição como a deputada federal mais votada. É constrangedor!
A direção do longa-documental consegue empreender o ritmo ágil, inclusive pelo uso de recursos visuais que lembram o ambiente digital, e ainda linkar os acontecimentos de forma dinâmica durante pouco mais de uma hora. Um dos personagens principais desse doc é o celular, que se transforma em algo muito maior que um mero aparelho: uma arma de guerrilha, de disparos de informações falsas, de memes e discursos demagógicos.
O tom didático, sobretudo por conta da narração em off de Cesinha Mattos (autor da trilha sonora), é uma das falhas. Com sua voz suave, parece que estamos diante de uma propaganda de maionese. O descuido na edição também incomoda. Ninguém lembrou-se de legendar os nomes das personalidades que aparecem no decorrer do documentário. Todo mundo sabe quem é Lula, mas nem todos são obrigados a saber quem é Marco Antônio Villa discursando com seu sotaque paulistano no microfone da rádio Jovem Pan. Também não há referência quanto à frase citada no desfecho do filme. É preciso recorrer ao “oráculo” Google para descobrir tais informações.
Outra questão é o caráter panfletário da obra, mesmo porque a ideia inicial do projeto era registrar o “Circo da Democracia”, evento ligado a entidades sindicais que reuniu em Curitiba diversas figuras políticas e acadêmicas de esquerda para debater a conjuntura política da época. Além disso, uma repórter do Intercept Brasil, veículo que publicou a série de vazamentos envolvendo Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, foi a responsável pela pesquisa ao lado de Sabrina. Mas ao contrário do que se costuma – ou costumava – aprender nas faculdades de Jornalismo, é impossível ser isento. O simples fato de eleger a sequência das imagens já se trata de um posicionamento.
Talvez se não estivéssemos num ano pandêmico, Pulsão teria outro alcance e engajamento da população. Movimentos populares se traduzem, na circunstância atual, em aglomerações nas praias, numa clara atitude displicente da população, condizente com o perfil do governante-mor brasileiro. De fato, as retóricas se confundem. O mesmo consumidor-cidadão-eleitor que acredita em fake news também parece acreditar que não será vítima de uma simples “gripezinha”. Resta saber se nessa massa sem máscara que invadiu as areias num final de semana de calor invernal estão apenas eleitores da esquerda ou direita. Para usar uma linguagem bem popular, para não dizer “dilmesca”, todos – seja lá qual lado for – são farinha do mesmo saco. Todos pagam o mesmo pato. À milanesa.
Universo Cinematográfico Marvel encerra ciclo de 11 anos e 21 filmes com emocionante tributo aos super-heróis e seus fãs
Texto por Andrizy Bento
Foto: Marvel/Disney/Divulgação
“Avengers Assemble!” – Steve Rogers
Após o estalar de dedos de Thanos (Josh Brolin) que dizimou metade da vida no universo e conferiu um final trágico e melancólico para Vingadores: Guerra Infinita (2018), muito se especulou acerca de como a catástrofe seria abordada em Vingadores: Ultimato(Avengers: Endgame, EUA, 2019 – Marvel/Disney) e, o mais importante, se seria possível revertê-la. O filme vinha cercado de inúmeras expectativas desde antes mesmo de possuir um trailer. E o burburinho aumentava conforme o material promocional era divulgado. Comum quando se trata de qualquer fenômeno pop.
Portanto, é interessante notar como todas as teorias que circularam pela internet e foram temas de vídeos intermináveis no YouTube e posts eloquentes no Reddit e outras mídias sociais não chegaram nem próximas de se concretizar. O fato de o filme da Capitã Marvel (2019) ser situado na década de 1990, dando a ideia de que seria ela a alterar o passado de modo a consertar o futuro, foi uma das primeiras conjecturas derrubadas assim que o filme solo da heroína entrou em cartaz. Presença de Adam Warlock, figura emblemática dos quadrinhos? Existência de universos paralelos que separavam o grupo de sobreviventes dos dizimados? Nem pensar. Ainda que viagem no tempo e o Reino Quântico introduzido em Homem-Formiga (2015) sejam realmente de vital importância para a história – bem como os fãs haviam teorizado – a maneira como estes elementos são empregados, nós nem havíamos chegado a cogitar.
Deveríamos ter confiado apenas em Robert Downey Jr, intérprete de Tony Stark/Homem de Ferro, que garantiu em entrevistas que o filme era totalmente imprevisível. Os teares e trailers pouco revelavam acerca do que vimos na tela. Os fãs até chegaram a criticar uma das prévias finais que mostrava Tony Stark retornando ao Planeta Terra ao lado de Nebula (Karen Gillan), contrariando a sugestão de que ele morreria no espaço, como um teaser anterior pareceu apontar. Bobagem chamar de spoiler. Ninguém esperava que uma suposta morte de um dos personagens principais fosse alardeada em um vídeo promocional, não é mesmo? Era óbvio que o herói retornaria à Terra e isso ocorre já nos primeiros minutos de projeção. No mais, Vingadores: Ultimatotraz uma surpresa a cada novo frame.
“A única coisa permanente na vida é a impermanência” – Thor
Em seus minutos iniciais, o longa se concentra em mostrar como os Vingadores remanescentes estão lidando com o trauma resultante de seu fracasso no épico embate contra Thanos e a concretização de seu abominável plano de restaurar o equilíbrio do universo, aniquilando metade da população universal. Thor (Chris Hemsworth) é, de longe, um dos que mais sofre com a culpa que carrega por não ter conseguido deter o Titã Louco, tendo sido o último dos heróis a confrontá-lo. Após o retorno de Carol Danvers/Capitã Marvel (Brie Larson) à Terra, o grupo parece se sentir mais confiante para encarar o vilão outra vez em busca de reverter o mal que ele causou. No entanto, o reencontro com o déspota não sai bem como eles esperavam, afinal Thanos não possui mais as Joias do Infinito. Frente às novas frustrações e desesperanças, boa parte do time se dispersa – resolvendo cuidar de suas próprias vidas, aprender a superar a tragédia e tentar cicatrizar as feridas.
Há um salto de cinco anos e vemos Steve Rogers/Capitão América (Chris Evans) participando de um grupo de apoio aos sobreviventes à dizimação e lamentando a perda de entes queridos, Tony Stark constituindo família e Thor no fundo do poço, como um completo desistente. Natasha Romanoff/Viúva Negra (Scarlett Johansson) ainda mantém contato com alguns dos heróis, como Rocket Raccoon (Bradley Cooper), Carol Danvers e James Rhodes/Máquina de Combate (Don Cheadle). Este último, inclusive, é quem a atualiza acerca do paradeiro de Clint Barton/Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), que se revoltou completamente após sua família ser vitimada por Thanos. Com o ressurgimento de Scott Lang/Homem-Formiga (Paul Rudd) e um elemento chave que pode ser a porta de saída para o pesadelo em que os Vingadores mergulharam após o fracasso, é hora de pedir auxílio a Stark, ir atrás de Barton, convencer Thor a regressar e contar com as habilidades de Dr. Bruce Banner (Mark Ruffalo), agora que ele finalmente conseguiu fazer as pazes com seu monstro pessoal, o Hulk.
Viagens temporais para mudar eventos do passado em ordem de restaurar o futuro não representam novidade. Pelo contrário, têm sido usadas à exaustão no cinema de entretenimento. Tanto é que vários títulos hollywoodianos do gênero são mencionados em linhas de diálogo certeiras de Ultimato. No entanto, o recurso que é apontado como manjado e simplista por muitos espectadores aqui é executado de maneira funcional e passando longe de qualquer clichê que os fãs pudessem ter imaginado. A missão dos Vingadores é voltar no tempo de modo a resgatar as Joias do Infinito – respeitando a cronologia estabelecida pelo MCU – para inseri-las na Manopla e desfazer o que Thanos ocasionou.
O resultado é um passeio nostálgico pelos filmes que integram a megaestrutura que é o Universo Cinematográfico Marvel, atribuindo a devida importância a todos os títulos que vieram anteriormente, mesmo filmes considerados mais fracos como Thor: O Mundo Sombrio (2013) ou outros menos alardeados como os longas dos Guardiões da Galáxia (2014 e 2017).
“Algumas pessoas superam, mas nós não. Nós não” – Steve Rogers
Em um digno tributo aos seis membros originais dos Vingadores, aqueles que deram início a esse grande evento, a viagem no tempo serve explicitamente para revisitar a mitologia construída até aqui, com propósitos que vão muito além de apenas satisfazer aos fãs. É quando temos a constatação de que nenhum elemento foi utilizado gratuitamente nos filmes que precederam Ultimato. E estamos falando dos 21 longas que compõem o MCU! Sim, tem uma quantidade razoável de fanservice na produção, mas é fanservice aliado a um roteiro engenhoso e brilhantemente escrito. O texto é inteligente, divertido e emocionante, equilibrando muito bem a intensa carga dramática com a comédia, a tensão e a ação. Tudo na medida certa.
Novamente, os irmãos Joe e Anthony Russo mostram sua destreza ao trabalhar com um numeroso elenco. Por mais que grande parte dos heróis só reapareça mesmo no clímax do filme e alguns personagens praticamente nem possuam muitas falas, todos possuem seu momento. Os embates, eximiamente coreografados e amparados por um desenho de produção primoroso, dão a oportunidade, nem que seja mínima, para cada herói brilhar, exibindo suas habilidades e mostrando do que são capazes. Diferentes núcleos colidem e o longa reserva um tempo de tela adequado para a conclusão de cada arco; resolvendo tudo a seu tempo, com o devido tratamento de respeito pelos personagens (pela maioria deles, pelo menos… Mas já retomamos esse tópico) e sem tornar o longa arrastado ou apressado demais. São três horas que passam voando e deixam os espectadores ansiando por mais. Você simplesmente não quer que o filme acabe.
E, por se tratar de uma homenagem aos membros fundadores da superequipe – merecida, afinal o elenco não fez uma tatuagem com o símbolo dos Vingadores à tôa; os atores realmente se importam com seus personagens – é a liderança do Capitão América, a cumplicidade entre Natasha e Clint, a devastação emocional de Thor, o pragmatismo de Bruce Banner e o coração de Tony Stark que representam o foco de Ultimato. Por mais que as cenas de ação – especialmente a épica batalha final – sejam espetaculares, é a humanidade dos heróis que vem em primeiro lugar.
O longa também presta um tributo aos próprios fãs. Várias passagens irão ficar gravadas na cabeça dos marvetes ao final da projeção: [atenção: spoilers]o glorioso momento em que os heróis, abatidos no longa anterior, retornam triunfantes para o confronto final contra Thanos e seu exército; Carol Danvers garantindo a Peter Parker/Homem-Aranha (Tom Holland) que conta com um time de peso para ajudá-la a derrotar o Titã Louco e, enfim, reunindo o clã feminino do MCU, enfatizando a força das heroínas da casa; a emocionante sequência que envolve o Capitão América e o Mjölnir de Thor, que confere até um momento de humildade ao asgardiano quando este expressa sua alegria e fascínio ao ver que há outro digno de invocar o artefato; a breve aparição de Loki (Tom Hiddleston); a participação especial de Edwin Jarvis (James D’Arcy), mordomo de Howard Stark, e da Agente Peggy Carter (Hayley Atwell), fundadora da S.H.I.E.L.D. e grande amor da vida do Capitão América; a cena final entre Peter Parker e Tony Stark. Outra vez, é este o duo que arranca lágrimas dos olhos dos fãs.
Se há algum demérito, este é o arco de Thor. Um desserviço para o personagem e que apenas ajuda a reforçar um estereótipo que não deve, nem nunca deveria ser motivo de comédia. Mas, ainda assim, o texto acerta pontualmente com relação ao herói, especialmente ao humanizá-lo, mostrando que o todo poderoso e antes ególatra Deus do Trovão é um homem falho e capaz de admitir e se responsabilizar pelos seus próprios erros.
Talvez seja este um dos poucos descuidos realmente notórios da produção, visto que até mesmo o novo uniforme dos Vingadores, tão criticado quando do lançamento do trailer e que soava duvidoso na ocasião, passa a ser aceitável quando finalmente compreendemos a razão e o contexto de terem sido adotados pelo grupo.
“Parte da jornada é o fim” – Tony Stark
Foi com Homem de Ferro, em 2008, que o MCU teve início. Dirigido por Jon Favreau, o longa tinha a complexa missão de dar um pontapé inicial aos filmes produzidos pela Marvel Studios. Até então, a empresa licenciava seus personagens para outras companhias, como é o caso dos X-Men, Demolidor e Quarteto Fantástico para a 20th Century Fox e o Homem-Aranha para Sony Pictures Entertainment. Tratava-se de um negócio deveras arriscado, pois o Homem de Ferro era um veterano das HQs, mas relativamente desconhecido do grande público. Stark estava bem distante da popularidade de um Peter Parker da vida, mas acabou se tornando o principal rosto da Marvel, roubando o trono do Homem-Aranha com facilidade, graças ao carisma e talento interpretativo de Robert Downey Jr e a competência e carinho com que Favreau adaptou o personagem para as telas. E, talvez por isso mesmo, a participação do cineasta em Ultimato, ainda que pequena, seja tão significativa. Bem como todo o clima de despedida do Homem de Ferro.
É visível em cada fotograma como a jornada de Tony Stark, nesta fase do MCU, está prestes a se encerrar. Durante sua volta no tempo, o herói tem um momento com Howard Stark e uma oportunidade de tratar de assuntos mal resolvidos com seu pai. A família que forma, sua participação na missão, o resgate ao garoto por quem ele se afeiçoou… Tudo deixa nítido que ele está cumprindo sua jornada e que, parte dela, é o fim. E valeu a pena.
Algo que o cinema blockbuster e a cultura pop em geral têm nos ensinado desde o início é que não existem batalhas do bem contra o mal que não resultem em baixas de ambos os lados. Desde Star Wars, passando por Senhor dos Anéis, Harry Potter, X-Men até o fenômeno televisivo Game Of Thrones, entendemos que, assim como na vida real, também na ficção a morte faz parte da vida e não existem vitórias sem sacrifícios. O que importa é que nenhum destes sacrifícios seja em vão. Perdemos vilões emblemáticos, mas também gloriosos heróis. Afinal, não é possível que apenas o lado do mal perca seus combatentes. Aqueles que lutam por justiça também pagam um preço alto por essa escolha. Algo atestado, inclusive, pela cena final de Natasha Romanoff, de uma nobreza incomparável.
Assim como Guerra Infinita, Ultimato é um filme bem resolvido, que se fecha em si mesmo, apara arestas, proporciona um encerramento digno para alguns personagens, enquanto aponta futuros promissores para outros e representa nada menos do que um dos mais grandiosos blockbusters de todos os tempos. A produção assume riscos e os defende com dignidade e sabedoria. Entrega um final feliz, mas melancólico. Contraditório, eu sei. Todavia, depende do ângulo pelo qual você o analisa. É agridoce, pois tem sabor de missão cumprida, mas também de despedida. Leva às lágrimas, embora também renove as esperanças. Surpreende, mas não se poderia imaginar outro encerramento que não aquele que vemos na tela. Não deixa pontas soltas, porém, o futuro ainda nos reserva algumas surpresas e respostas.
Seja o que for que o Universo Cinematográfico da Marvel esteja preparando para nos oferecer futuramente, a sua principal missão, ele já cumpriu com louvor. Muito mais do que simplesmente realizar filmes-eventos, o MCU transportou para a tela toda a energia, a dinâmica, a ação e o carisma de personagens lendários das HQs, concretizando o sonho de todo leitor de quadrinhos e fãs de longa data desses magníficos e nobres heróis que sempre desejaram vê-los no cinema.
E que venha a fase 4 da Marvel!
>> A jornalista assistu ao filme a convite da sala TSX Laser Cineplus Shopping Jardim das Américas
Vinte e cinco itens que, 25 anos após a morte de Kurt Cobain, constituem o legado da banda
Texto por Cristiano Viteck
Fotos: Reprodução
Goste ou não, você tem de concordar que o Nirvana foi a última grande banda de rock. Grande no sentido de suas músicas repercutirem muito além do mundinho da cultura pop, o que a transformou em fenômeno de massa como poucas vezes se viu.
A Nirvanamania saiu dos palcos das casas de shows, ganhou as ruas, chegou às passarelas da moda, virou dissertações de mestrado e teses de doutorado. O comportamento errático do grupo, em especial de Kurt Cobain, motivou debates na imprensa com psicólogos, médicos, religiosos, professores. Motiva até hoje algumas pessoas dedicarem suas vidas a colocar em dúvida se a morte do cantor foi mesmo suicídio ou assassinato.
O legado da banda continua a influenciar gerações nascidas no pós-Nirvana, que encontram naquela música a energia, o prazer, a raiva, as respostas ou pelo menos um ombro amigo para as angústias do dia-a-dia.
Entre aqueles que viveram a Nirvanamania no auge, além da nostalgia, ainda há que se pergunte “o que foi tudo aquilo”. Então, chovem mais livros, filmes e teses a cada ano buscando a explicação.
Neste primeiro fim de semana de abril, completam-se 25 anos do suicídio do compositor, cantor, guitarrista e líder Kurt Cobain. Especula-se que ele tenha morrido no dia 5, mas seu corpo só foi encontrado três dias depois, em sua casa em Seattle, onde passava uns dias sozinho, sem a presença da esposa Courtney Love. E como sempre acontece com astros que morrem muito cedo – e se for de forma trágica, mais ainda – o homem à frente do Nirvana teve sua imagem de jovem rebelde eternizada. Ele cheira a espírito adolescente e para sempre!
De uns tempos para cá, o rock parece cada vez mais música para gente velha. Mas o Nirvana, não. Como Kurt, a sua música também não envelheceu. Aquelas canções e letras, por mais difíceis de compreender, tratam de temas universais como o amor, o ódio, a culpa e o perdão (ou a falta dele). Por isso sempre encontrarão jovens dispostos a ouvi-la, como é natural para toda grande arte.
Os números não mentem. Um quarto de século após o fim, o Nirvana é uma força. No Spotify, seu “rival” do grunge (e ainda na ativa) Pearl Jam, soma 8 milhões de ouvintes. O Metallica, chega a 12,3 milhões. O Foo Fighters, liderado por Dave Grohl que tem presença quase diária nos portais de música com suas peripécias e projetos diversos, atinge 10 milhões de ouvintes. A rainha do pop Madonna, tem 9,4 milhões. O trio formado por Kurt, o baixista Krist Novoselic e o então baterista Grohl supera todos estes, com média de 12,5 milhões de ouvintes. Nada mal para uma banda liderada por alguém que está morto há tanto tempo.
Apresentamos, a seguir, uma lista de 25 itens (livros, discos, filmes, shows, exposição) que contribuíram para a permanência da banda e de Kurt Cobain no panteão dos deuses do rock e da cultura da rebeldia juvenil. Como toda lista, ela é incompleta. Mas serve de mapa para percorrer os caminhos trilhados até aqui pelo legado do Nirvana.
Unplugged In New York (1994)
Primeiro disco póstumo lançado, Unplugged In New York chegou às lojas em 1º de novembro de 1994. Retirado do show gravado quase um ano antes para a série Unplugged, da MTV, o registro é um dos momentos mais sublimes da carreira do Nirvana. Das 14 faixas, oito são versões de músicas da própria banda e, ainda assim, somente um hit massificado pelas rádios (“Come As You Are”, executada logo de cara). As demais foram covers do Vaselines (“Jesus Doesn’t Want Me For a Sunbeam”), David Bowie (“The Man Who Sold The World”), Meat Puppets (“Plateau”, “Oh Me” e “Lake of Fire”) e Leadbelly (“Where Did You Sleep Last Night”). Mesmo 25 anos depois, Unplugged in New York é um disco que incendeia a memória e emociona os fãs. Detalhe: há distorção no violão.
A estreia do Foo Fighters (1995)
Após o suicídio do amigo e companheiro de banda, o baterista Dave Grohl quase desistiu da música. Por sorte, mudou de ideia e seguiu em frente com um novo projeto, agora como vocalista, guitarrista e compositor. O álbum de estreia do Foo Fighters – que leva apenas o nome da banda – foi lançado em 4 de julho de 1995 pelo selo Roswell, criado pelo próprio Grohl. Foi ele quem tocou todos os instrumentos no disco. Este é o trabalho mais cru da carreira do Foo Fighters e aquele que mais se aproxima da sonoridade do Nirvana. Para o álbum foi resgatada a canção “Winnibago”, presente no álbum Pocketwatch, trabalho solo pouco conhecido que Dave Grohl lançou em 1990 sob o pseudônimo Late!, pouco antes de ocupar em definitivo a vaga de baterista do trio. Deste mesmo disco, o Nirvana gravara anteriormente “Colour Pictures of a Marigold”, mas batizada apenas como “Marigold”. A canção, única música cantada e de autoria de Dave Grohl no Nirvana, foi o lado B do single “Heart-Shaped Box”.
O primeiro disco ao vivo com guitarras (1996)
O segundo disco póstumo traz a banda no seu habitat natural. From The Muddy Banks Of Wishkah é uma coletânea de 17 canções gravadas em diferentes shows entre 1989 e 1994. A maior parte da compilação traz o Nirvana em sua melhor forma, quando a apatia e as drogas ainda não haviam roubado o brilho e a energia de Kurt Cobain no palco ou fora dele. A cereja do bolo deste repertório é a faixa ao vivo de “Spank Thru”, cuja versão oficial em estúdio havia sido lançada apenas na coletânea Sub Pop 200, de 1988.
Krist Novoselic de volta à música (1997)
Este episódio faz parte da lista mais por ser o primeiro sinal de vida de Krist Novoselic pós-Nirvana do que propriamente pela importância do trabalho. Depois de Dave Grohl se dar bem com o Foo Fighters, em 1997 foi a vez de Krist Novoselic apostar suas fichas. Mas, diferentemente do primeiro, o baixista do Nirvana não foi bem-sucedido com o projeto Sweet 75. Tendo como parceira a cantora venezuelana Yva Las Vegas, o disco de estreia decepcionou os fãs do Nirvana e foi recebido friamente pela imprensa. Após este fracasso, veio outro. Em 2002, Krist lançou junto com Curt Kirkwood (Meat Puppets) e Bud Gauch (Sublime) o único disco do Eyes Adrift, que não teve destino melhor que o Sweet 75. O mais novo projeto do baixista é a banda Giants In The Trees, cujo disco de estreia foi lançado em 2017, também sem muito alarde. Mais interessantes são outros dois projetos dos quais Krist Novoselic participou. Em 2007, ele assumiu o baixo do Flipper, grupo de pós-punk que teve grande influência sobre o Nirvana. Com a banda Krist gravou dois discos: Love, com material inédito registrado em estúdio, e Fight, ao vivo, ambos lançados há dez anos. Menção honrosa também para a participação dele no No WTO Combo, que contava também com Jello Biafra (Dead Kennedys) e Kim Thayil (Soundgarden). A banda lançou um disco ao vivo em 2000, Live From The Battle Of Seattle, gravado um ano antes, nas manifestações que tomaram as ruas da cidade-berço do grunge, durante reunião de líderes da Organização Mundial do Comércio.
Kurt & Courtney (1998)
Em fevereiro deste ano estreou o primeiro documentário a ter grande repercussão, por defender a tese de que o líder do Nirvana fora assassinado. A suposta criminosa? A viúva, claro. Dirigido por Nick Broomfield, o filme foi exibido pela BBC. Chegou também a ter sua exibição agendada para o Festival de Sundance, mas os organizadores desistiram depois de serem ameaçados de processo por Courtney Love. Familiares e amigos de Kurt Cobain, autoridades policiais e alguns outros sujeitos sinistros de credibilidade questionável são ouvidos no documentário. Dylan Carlson, o amigo que comprou a arma com a qual Kurt teria tirado a própria vida (ou sido assassinado!), aparece também. O clímax é o depoimento do cantor punk El Duce, no qual afirma que Courtney teria lhe oferecido 50 mil dólares para matar o esposo. Ele também diz saber quem matou Kurt, mas que prefere deixar que o FBI descubra. Dois dias depois de ser entrevistado para o documentário, El Duce morreu atropelado por um trem. Portanto, prato cheio para quem gosta de teorias da conspiração. Atulamente, o filme está à disposição para ser visto pelos assinantes da Netflix no Brasil.
Mais Pesado Que o Céu (2001)
A década seguinte ao suicídio de Kurt Cobain foi marcada por uma enxurrada de lançamentos literários sobre a vida do músico e a banda, que começavam a ser revistos com o devido distanciamento histórico, que permite interpretar melhor a carreira e o legado do artista. E é isso o que faz a primeira grande biografia de Kurt Cobain, Heavier Than Heaver, lançada em 2001. Ela foi escrita pelo jornalista Charles R. Cross, que por 15 anos foi editor do The Rocket, jornal musical de Seattle publicado entre 1979 e 2000. Com ampla pesquisa de arquivo e muitas entrevistas com pessoas próximas a Kurt em todas as fases da vida do cantor, o biógrafo conseguiu fazer um retrato apurado do líder do Nirvana. O livro foi lançado por aqui em 2002, com o título Mais Pesado Que o Céu. Em 2014, quando se completaram 20 anos do fim trágico do Nirvana, Charles R. Cross lançou outro livro, Here We Are Now: The Lasting Impact On Kurt Cobain (no Brasil chamado Kurt Cobain: A Construção do Mito). Esta obra é um olhar atento sobre o que representava o Nirvana duas décadas depois de ter transformado a cultura pop mundial.
Nossa Banda Podia Ser Sua Vida (2001)
Seguindo a onda de excelentes publicações que começaram a surgir à época e que tinham o Nirvana como mote, neste ano também foi lançado o livro Our Band Could Be Your Life: Scenes From American Indie Underground 1981-1991, do jornalista Michael Azerrad. Ele mostra como o Nirvana e a explosão do rock alternativo no início dos anos 90 não aconteceu por acaso. Ao resgatar a história de 13 bandas – entre elas Black Flag, Mission Of Burma, Minor Threat, Dinosaur Jr, Sonic Youth, Beat Happening, Hüsker Dü e Replacements – Azerrad interliga cenas musicais diversas da década de 1980 nos Estados Unidos que, embora pequenas, foram influentes e deram a base de fãs necessária para que o Nirvana saltasse do underground ao mainstream com o álbum Nevermind, em 1991. Com tradução do título ao pé da letra, Nossa Banda Podia Ser Sua Vida ganhou edição brasileira no final do ano passado. Azerrad também é autor de Come As You Are: A História do Nirvana, a biografia oficial do Nirvana, de 1993. Uma longa entrevista de Michael Azerrad com Kurt também deu origem ao cultuado documentário About a Son – Retrato de Uma Ausência, de 2006.
“You Know You’re Right” (2002)
A última canção de estúdio gravada pelo Nirvana foi lançada em 2002, na coletânea também batizada Nirvana. Editada como single para promover a compilação de sucessos, “You Know You’re Right” levou o trio de volta ao topo das paradas da Billboard e teve ampla divulgação na MTV, deixando mais do que evidente que havia uma base gigante de fãs sedentos por material inédito. Quem acompanhava a carreira da viúva de Kurt Cobain, Courtney Love, logo lembrou que a composição inédita do Nirvana havia sido tornada pública pelo Hole em 1995, em show da banda para a série Unplugged MTV. A faixa foi apresentada pelo Hole com o nome de “You’ve Got No Right”. A versão do Nirvana foi gravada poucas semanas após o lançamento do álbum In Utero, no final de 1993.
Os diários de Kurt (2002)
Se o livro Mais Pesado Que o Céuapresentava uma visão ampla da vida e da carreira de Kurt Cobain, a publicação dos diários do músico mergulhou os fãs na intimidade e na mente do líder do Nirvana. Journals não ganhou edição em português, o que se justifica pelo fato de o livro ser a reprodução exata das centenas de páginas em que o músico registrou, através de escrita e desenhos, seus aspirações, alegrias e frustrações. Estão lá esboços de letras que se tornariam famosas, de capas de discos que foram ou não lançados pelo grupo, as famosas listas de preferências do vocalista. O que salta aos olhos na leitura dos diários é a transição do problemático jovem músico que sonhava em se tornar rockstarem uma estrela mundial deprimida pelo sucesso e o vício, que já anunciava a própria morte em seus cadernos íntimos.
Fragmentos de Uma Autobiografia (2002)
Também neste ano, o jornalista brasileiro Marcelo Orozco lançou um título sobre o líder do Nirvana. Kurt Cobain: Fragmentos de Uma Autobiografia, chegou às livrarias pela saudosa Editora Conrad. Na obra, Orozco se propôs a fazer aquilo que o próprio biografado desencorajou o público a tentar: atribuir significados biográficos às composições (“cansei de ver pessoas querendo por sentido em minhas letras”, disse uma vez Kurt). Em geral, percebidos como difíceis de decodificar, os versos do compositor continuam inspirando e desafiando os fãs ao longo dos anos. De um jeito ou de outro, Orozco consegue fazer em seu livro um apanhado razoável da vida de Cobain e a obra merece crédito por isso. O autor justificou sua motivação. “Em sua música, Kurt soltava raiva quando sentia raiva; era doce quando se sentia doce; despachava rancores e pedia desculpas quando magoava alguém; tinha tristeza e humor. Imperfeito, complexo, vivo. E transparente, mesmo quando os versos pareciam enigmas sem sentido para outras pessoas”, afirmou o jornalista.
De grunge e governo (2004)
Após o fim do Nirvana e com os novos projetos musicais que não deram certo, o baixista Krist Novoselic passou a se dedicar a causas sociais e, principalmente, políticas. Um dos temas que mais o motivam é a revisão do processo eleitoral dos Estados Unidos. Desde 2005, ele é um dos mais ilustres membros da FairVote, organização fundada em 1992 em defesa desta causa. Um ano antes de entrar para a FairVote, Krist Novoselic publicou o livro Of Grunge and Government: Let’s Fix This Broken Democracy. Na obra, sem tradução para o Brasil, o músico e ativista expôs suas críticas e propostas para modernizar as eleições naquele país. E também explicou o seu interesse tardio pela política: “Eu costumava acreditar na retórica punk que defendia o completo abandono das instituições, a lógica sendo que nosso governo é a fonte da injustiça, então ele é o problema. Meu erro foi confundir hipocrisia, abuso de poder e a exclusão alimentada pelo nosso sistema eleitoral falido com sistema democrático. De modo errado eu me separava do meu governo. Hoje em dia, muitos cidadãos estão cometendo o mesmo erro.”
With The Lights Out (2004)
Após batalhas judiciais que se estenderam por anos pelos direitos do espólio do Nirvana, foi lançado em novembro de 2004 o box With The Lights Out. Formado por três CDs e um DVD, este material deu caráter oficial a uma série de gravações ao vivo, demos e faixas lançadas de forma avulsa pelo Nirvana em tributos, trilhas sonoras e afins. São 61 faixas de áudio e outras 20 registradas em vídeo no DVD. É ainda a melhor antologia do Nirvana: cobre toda a carreira da banda, desde o começo em Aberdeen em 1987 até o seu final em Seattle, em 1994. Uma das faixas mais interessantes é o cover de “Seasons In The Sun”, do cantor Terry Jacks, presente no DVD. Gravada em estúdio no Rio de Janeiro, em 1993, tem Kurt Cobain no vocal e bateria, Krist Novoselic na guitarra e Dave Grohl no baixo. Com essa mesma formação, a banda também tocou a música na caótica apresentação do festival Hollywood Rock, em São Paulo.
Classic Album: Nevermind (2005)
Produzida pela Isis Productions e distribuída pela Eagle Rock Entertainment, Classic Albums é uma série de documentários para TV/DVD sobre discos que se tornaram legendários. Com entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, empresários e quem mais puder contribuir para contar uma boa história sobre os registros destes álbuns, a série é um prato cheio aos aficionados em música pop. Em 2005, Nevermindfoi esmiuçado em um dos episódios. Krist Novoselic, Dave Grohl e o produtor Butch Vig deram seus depoimentos sobre os bastidores das gravações. Chama atenção como, mesmo depois de tanto tempo desde o lançamento, os três ainda se mostram surpresos com o tamanho do sucesso alcançado por Nevermind, registrado pela modesta quantia de 60 mil dólares. Dave Grohl: “eu não pensava que estávamos gravando um álbum clássico, apenas pensava que ele soava bem”. Krist Novoselic: “este disco é o que de melhor eu fiz na minha vida”.
Live At Reading (2009)
São muitos os que dizem, inclusive membros do Nirvana, que a melhor apresentação em toda a história do grupo foi a do Reading Festival, no dia 30 de agosto de 1992, época em que o Nirvana e o grunge eram fenômeno mundial. Junto a isso, os vícios e as overdoses de Kurt Cobain já alimentavam a imprensa, sendo as vidas dele, da esposa Courtney Love e da filha Frances Bean estampadas com frequência nas capas dos tabloides sensacionalistas britânicos. Quem não se lembra das reportagens que afirmavam que Courtney havia usado continuamente heroína durante a gravidez e que a filha do casal havia nascido viciada? Vivendo em um mundo onde caos pode ser a palavra definidora, muitos duvidavam de que Kurt apareceria para fechar a noite grunge do Festival. Até mesmo os membros do Nirvana estavam receosos sobre se conseguiriam fazer uma apresentação à altura da expectativa que havia sobre a “maior bando do mundo” na época. Dave Grohl: “Eu realmente pensei, ‘Isso será um desastre. Será o fim da nossa carreira’. E aí acabou sendo um show maravilhoso que nos curou por um tempinho”. Em 2009, Live At Reading foi lançado em áudio e vídeo para todos poderem ver e ouvir porquê esta ser considerada uma apresentação histórica. Além de músicas conhecidas, naquela o Nirvana antecipava outras que estariam em In Útero (“Tourette’s”, “All Apologies”) e fez versões de “The Money Will Roll Right In” (do Fang), “D-7” (do Wipers) além da já popular entre os fãs “Love Buzz” (do Schocking Blue). Não há como citar a entrada de Kurt no palco naquela noite, empurrado em uma cadeira de rodas e vestindo um jaleco de doente, fazendo piada com os rumores a respeito da própria saúde.
Os vinte anos de Nevermind (2011)
O 20º aniversário do disco Nevermind foi marcado pelo lançamento de um box supercaprichado, disponível em diversos formatos: vinil quádruplo, 4 CD + DVD ou CD duplo. Além do álbum “normal”, dependendo da versão que os fãs adquirissem, o material oferecia b-sides, versões inéditas, demos e faixas ao vivo. É verdade que boa tarde do material já estivesse disponível nos incontáveis bootlegs do Nirvana, mas não com a qualidade agora oferecida. Do material que marcou a efeméride, o mais interessante é a gravação da apresentação realizada em 31 de outubro de 1991. O show também foi lançado só em vídeo, com o título Live At The Paramount. A apresentação é o marco zero da Nirvanamania. Vale lembrar que o mesmo show havia sido dissecado pelo jornalista brasileiro André Barcinski no livro Barulho, lançado em 1992. Ele esteve lá, gostou muito do que viu e profetizou na época: “O legal do Nirvana é que eles ainda não têm uma história. Ela está sendo contada agora. Daqui uns dez ou vinte anos, a gente vai poder falar daquela ‘loucura do final de 91’”.
Os vinte anos de In Utero (2013)
As duas décadas de In Utero receberam tratamento semelhante ao 20º aniversário de “Nevermind”. O último disco de estúdio do Nirvana foi relançado em: vinil triplo, CD duplo e 3 CD + DVD. Da mesma forma, o material era formado pelo álbum normal, b-sides, versões e faixas ao vivo. Mas dois itens merecem destaque. Um deles é o vídeo, também lançado separadamente, com o show Live And Loud,que o grupo gravou em Seattle em 13 de dezembro de 1993 e originalmente exibido pela MTV como um programa especial. Outro material de destaque é a versão “2013 Mix” de In Utero, lançada em vinil duplo e capa diferente, com uma nova mixagem de Steve Albini, produtor original do disco e conhecido pela crueza de suas gravações. À época, a mixagem feita por ele foi motivo de uma pequena polêmica. A lenda é de que os diretores da gravadora detestaram o disco. Os membros do Nirvana também ficaram em dúvida quanto ao resultado. Por fim, acabou que a mixagem original de Albini ficou polida na masterização e duas das faixas de maior potencial radiofônico (“Heart-Shaped Box” e “All Apologies”) foram remixadas por Scott Litt, produtor identificado pelo seu trabalho de sucesso com o REM. A versão “2013 Mix” de Steve Albini mostra um In Utero mais áspero do que o original.
Hall da Fama do Rock and Roll (2014)
Na noite de 10 de abril de 2014, quando a morte de Kurt completava 20 anos, o Nirvana passou a fazer parte do Hall da Fama do Rock and Roll. A cerimônia, realizada em Nova York, marcou a primeira vez que Krist Novoselic, Dave Grohl e o agregado Pat Smear voltaram a se apresentar como Nirvana. Tocaram quatro músicas, todas cantadas por mulheres: Joan Jett (“Smells Like Teen Spirit”), Kim Gordon (“Aneurysm”), St Vincent (“Lithium”) e Lorde (“All Apologies”). O discurso de introdução ficou por conta de Michael Stipe (REM). Momento fofura da noite foi a reconciliação no palco entre Courtney Love e Dave Grohl, brigados desde sempre após o fim do Nirvana. As comemorações se estenderam noite adentro em um bar, com um show de 19 músicas tocadas pelo Nirvana com a participação das mesmas cantoras, entre outros convidados.
Fotos inéditas do corpo (2014)
Além de muitas homenagens, os vinte anos da morte de Kurt Cobain ficaram marcados pelo retorno das teorias de que ele fora assassinado. Isso motivou o Departamento de Polícia de Seattle a divulgar cerca de vinte fotos do local e de como Kurt Cobain foi encontrado, como forma de refutar a hipótese de assassinato. Apenas partes como o braço ou o pé de Kurt Cobain aparecem em algumas das imagens. Ainda assim, algumas fotos são bastante perturbadoras. Retratos da arma usada também foram tornadas públicas em 2016.
Sonic Highways (2014)
Depois de fazer, em 2013, o documentário Sound City, que conta a história do estúdio onde o Nirvana gravou Neverminde outras bandas também fizeram álbum clássicos, Dave Grohl lançou no ano seguinte a série de TV Sonic Highways, exibida nos Estados Unidos pela HBO e no Brasil pelo Canal Bis. O documentário é dividido em oito episódios, retratando oito cidades-chave na história da música estadunidense: Austin, Chicago, Los Angeles, Nashville, Nova York, Nova Orleans, Seattle e Washington. Grohl percorreu estas cidades e entrevistou músicos e produtores e visitou locais fundamentais de cada cena musical ali surgidas. O resultado é brilhante e não está descartada uma segunda temporada da série. Já o disco de áudio do projeto, lançado como apêndice do documentário e gravado nas mesmas localidades, é o mais fraco do Foo Fighters. A série foi lançada em DVD e blu-ray em 2015.
Soaked In Bleach (2015)
A teoria da conspiração de que Kurt Cobain fora vítima de assassinato ganhou um novo capítulo em 2015. Soaked In Bleach, documentário dirigido por Benjamin Stattler, questiona a versão oficial do suicídio. Tem depoimentos de autoridades que trabalharam no caso da morte de Kurt e principalmente do ex-detetive Tom Grant, contratado por Courtney Love para encontrar o marido dias antes dele ser achado morto. O próprio Tom reforça a suspeita de que a história de “suicídio” não passa de farsa. Soaked In Bleach é explícito na intenção de acusar Courtney como assassina ou mandante do “crime”.
Montage Of Heck (2015)
Um dos projetos mais importantes relacionados a Kurt Cobain. O filme/disco/livro Montage Of Heckfoi um mergulho nos arquivos do ex-líder do Nirvana, com o consentimento de Courtney Love e da filha Francis Bean. Dirigido por Brett Morgen, o carro-chefe do projeto é o documentário, que remonta a história de Kurt da infância até o suicídio. Tem imagens tocantes, como do músico feliz da vida quando criança brincando, fazendo “música” e se divertindo valer. Outras cenas são perturbadoras, como o músico chapadaço em um momento família: o primeiro corte de cabelo da filha. Morgen teve trabalho para pesquisar e dar um sentido ao material que tinha em mãos. Foram quase oito anos entre o início da produção e o lançamento de Montage Of Heck. O disco resultante já é menos interessante, até mesmo porque muito do arquivo musical de Kurt já havia sido explorado exaustivamente. Mas uma joia foi encontrada: uma gravação de “And I Love Her”, coverdos Beatles cantado e tocado no violão e registrado sem maiores pretensões por Cobain, que virou o single promocional do projeto. Menos repercussão teve o livro homônimo. Uma injustiça, pois ele reúne as entrevistas completas para o documentário com o avô Don Cobain, a mãe Wendy O’Connor e a irmã Kim, além das falas de Courtney Love, Krist Novoselic e a ex-namorada Tracy Marander. O livro é ilustrado com muitas fotos de Kurt e frames das animações de Stefan Nadelman e Hisko Hulsing que foram utilizadas em muitos momentos do documentário, quando não havia registros em vídeo para situações vividas por Kurt.
Taking Punk To The Masses no Brasil (2017)
Entre junho e dezembro de 2017, primeiro o Rio de Janeiro e depois São Paulo, receberam a exposição Taking Punk To The Masses. Foi a primeira vez que ela saiu de Seattle, onde estava sendo exibida desde 2011 no Museu de Cultura Pop da cidade. Com mais de 500 itens, muitos deles icônicos, a coleção é o maior acervo sobre Kurt Cobain e o Nirvana no mundo. Para o Brasil, o curador Jacob McMurrey selecionou cerca de 200 peças. Entre elas: a fita demo original gravada por Jack Endino em 1988, o contrato da banda com a gravadora Sub Pop, manuscritos originais de letras de músicas, pôsteres, roupas, instrumentos musicais, credenciais. O visitante pôde interagir ainda mais com o mundo do Nirvana, a partir de instalações interativas ou se perdendo na coleção de 21 discos de artistas diversos selecionados por Krist Novoselic. Coisa para fã nenhum botar defeito.
Batalha judicial (2018)
Após quatro anos de uma disputa judicial entre o jornalista Richard Lee e o Departamento de Polícia de Seattle, a Justiça decidiu que as fotografias do corpo morto de Kurt Cobain jamais poderão ser divulgadas. Sobre o processo Frances Bean, filha de Kurt, disse: “Liberar estas fotografias machucaria fisicamente a mim e minha mãe. Não posso imaginar o quão terrível seria saber que as imagens que o Sr. Lee procura seriam públicas, ou que eu ou qualquer uma das pessoas que amo, incluindo a mãe e as irmãs do meu pai, poderiam vê-las acidentalmente. A publicação destas fotos me chocaria e reforçaria o estresse pós-traumático de que sofro desde a infância”. Richard Lee foi um dos primeiros jornalistas a questionar a versão de suicídio. Há mais de duas décadas, ele foi o responsável pelo documentário amador Kurt Cobain Was Murdered, exibido pelo canal a cabo Seattle Public Access TV. Ele insiste até hoje nesta versão.
Cal Jam (2018)
Em 6 de outubro de 2018, Krist, Dave e Pat mais uma vez se apresentaram como Nirvana. A reunião aconteceu no Cal Jam, festival promovido pelo Foo Fighters na California. Para os vocais, mais uma vez Joan Jett foi convidada (“Breed”, “Smells Like Teen Spirit” e “All Apologies”), assim como John McCauley, membro da banda Deer Tick (“Serve The Servants”, “Scentless Apprentice” e “In Bloom”). Desde então, Krist e Dave têm considerado seriamente a possibilidade de uma pequena turnê do Nirvana. Os fãs aguardam ansiosamente!
Lembrando Kurt Cobain (2019)
Neste último dia 2 de abril, foi lançado nos Estados Unidos um novo livro de memórias: Serving The Servant: Remembering Kurt Cobain. Ele foi escrito por Danny Goldberg, empresário do Nirvana e um dos melhores amigos de Kurt entre o início de 1991 até o fim trágico em 1994. Goldberg esteve no olho do furacão durante o período mais famoso e turbulento da banda. Agora, 25 anos depois, ele compartilha suas lembranças, com a ajuda de outras pessoas próximas que também deram seus depoimentos para o livro. “Da forma que eu vejo, quem antecedeu o nível de Kurt em se conectar com a angústia adolescente não se encontra no cânone do rock and roll, mas na ficção de JD Salinger, particularmente em O Apanhador no Campo de Centeio. Como nesta clássica novela dos anos 1950, a arte de Kurt deu dignidade aos oprimidos”, comentou Goldberg. Ainda não exisye previsão de lançamento deste livro no Brasil.
Live At The Paramount, o vinil (2019)
E o mais recente item oficial da discografia é o lançamento, agora em vinil, do show Live At The Paramount. É a mesma apresentação de 31 de outubro de 1991, que já havia sido lançada oficialmente em vídeo e também em áudio (na edição superluxo comemorativa aos vinte anos de Nevermind). A data oficial de lançamento deste vinil é o próximo dia 12 de abril. O disco virá acompanhado de um pôster e uma réplica do ingresso daquele show.