Movies

Não Tem Volta

Em ritmo frenético de redes sociais, comédia com Manu Gavassi mira na descoberta das dores de amores pela geração Z

Texto por Frederico Di Lullo

Foto: Star Distribution/Divulgação

Quem nunca sofreu por amor? Talvez o assunto mais abordado na história da música, do cinema e da literatura é o que permeia a comédia, ora meio romântica, ora meio dramática Não Tem Volta (Brasil, 2023 – Star Distribution/Disney), que já estreou nos cinemas brasileiros.

Dirigida por César Rodrigues (conhecido pelo trabalho em Modo Avião e Vai Que Cola: O Filme), o filme conta a história de Henrique (Rafael Infante), um rapaz que, depois de perder Gabriela (Manu Gavassi), toma a decisão de tirar a própria vida. Para isso, contrata uma agência especializada no assunto.

Tudo ocorria bem. No entanto, sua grande paixão retorna à vida para continuar o que tinha acabado. Só que existe um porém nessa história: os matadores de aluguel disseram que, caso fossem contratados, não haveria forma alguma de voltar atrás.  E é assim, nessa trama até meio descompromissada, que inicia a história do filme. Com cortes e cenas que tranquilamente poderiam ser reels de Instagram ou TikTok, o longa vai de se desenvolvendo.

Filmado e editado no exato padrão de uma hora e trinta minutos de duração, Não Tem Volta progride na narrativa flertando com diversos gêneros, mas nunca esquece a comédia como eixo centralizador. Reações, comoções e situações inusitadas levam o enredo num ritmo frenético que mais parece um feed: uma hora estamos no Rio Janeiro, em outra estamos em Salvador.

Em suma, uma produção padrão, que cria identidade, curiosidade e o principal: entretenimento. É isso que, hoje em dia, muitas pessoas procuram, dentre centenas de opções em telas, aparelhos celulares e computadores.

E, como a voz doce e delicada da Manu Gavassi, o filme também viabiliza o seu segundo propósito: atinge em cheio a descoberta pela geração Z de seus respectivos dilemas afetivos. Afinal, quem nunca sofreu por amor?

Music

Burt Bacharach

Homenagem ao autor de dezenas canções que viraram inesquecíveis clássicos da música pop do século 20

Textos por Abonico R. Smith

Foto de Leandro Delmonico/Mondo Bacana (show em Curitiba) e reprodução (com os oscars)

O final da manhã desta quinta-feira, dia 9 de fevereiro, trouxe a notícia de mais uma perda de um integrante estelar na história da música pop do século 20 nessas intensas semanas dos últimos três meses. Depois de Terry Hall (Specials), Thom Bell (produtor, criador do Philadelphia soul), Tim Stewart (cofundador da Stax), Vivienne Westwood (estilista, mentora do visual dos Sex Pistols), Alan Rankine (Associates), David Crosby (Byrds, Crosby Stills & Nash/Crosby Stills Nash & Young), Jeff Beck (Jeff Beck Group, Yardbirds) e Tom Verlaine (Television), chegou a vez deste plano espiritual se despedir de Burt Bacharach. O maestro, pianista, arranjador, compositor e cantor faleceu de causas naturais, aos 94 anos de idade, em Los Angeles, onde morava.

Bacharach e seu parceiro e letrista Hal David criaram centenas de canções a partir do final dos anos 1950 que os colocaram no panteão dos grandes times de compositores da música em todos os tempos. Em popularidade, talvez só tenham rivalizado com John Lennon e Paul McCartney.

Para homenagear este magistral artista, o Mondo Bacana reposta uma resenha de uma década atrás, que analisa como foi o concerto realizado por ele em terras curitibanas, durante sua última passagem pelo Brasil, em abril de 2013. Aqui estão descritos todos os porquês de sua genialidade, que residirá para sempre no inconsciente coletivo do cancioneiro internacional.

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>> Texto originalmente publicado pelo Mondo Bacana em abril de 2013

Burt Bacharach – ao vivo

O roteirista Charlie Kaufman escreveu o filme Being John Malkovich (1999), no qual se descobria um portal que levava para dentro da mente de um dos mais cultuados diretores e produtores das últimas décadas do cinema dos EUA. No fim da noite daquela terça-feira 16 de abril de 2013 muita gente deve ter saído do Teatro Positivo, em Curitiba, querendo achar uma entrada secreta para a cabeça de outro ícone do entretenimento americano: o maestro e pianista e arranjador e compositor e cantor Burt Bacharach.

Ele é um dos grandes gênios da canção do século 20. Entre as décadas de 1960 e 1980, compôs quase uma centena de músicas capazes de grudar no cérebro humano como um chiclete e de lá nunca mais sair em tempo algum. São melodias, riffs e letras (grande parte delas sobre o amor e suas variáveis) que qualquer pessoa que tenha prazer em ouvir música popular já escutou por aí na vida e nunca mais conseguiu se esquecer. Não adianta. Estão lá, guardadas em algum cantinho. Em algum momento você vai acabar se lembrando disso. Mesmo que não saiba quem é Burt Bacharach e que quem criou foi ele.

Burt está hoje com 84 anos de idade. Muito lúcido e surpreendentemente ainda na ativa. Não só viajando pelo mundo para apresentar ao vivo suas grandes criações. Mas ainda compondo, arranjando e gravando obras inéditas, como o musical Some Lovers, que estreou em um teatro de San Diego no ano passado. Atualmente ele trabalha ao lado do fã e discípulo Elvis Costello, um dos grandes nomes revelados durante a explosão do punk rock inglês na segunda metade dos anos 1970.

Curitiba foi a primeira das três cidades a receber a nova passagem de Bacharch pelo Brasil. Na capital paranaense, o show foi um pouco mais curto do que no Rio e em SP, já que o maestro chegara pouco tempo antes. Ele mesmo brincou a respeito disso em uma de suas conversas dirigidas à plateia: “música é bom para tudo nesta vida, até mesmo para fazer passar o jet leg”. Mesmo assim, o que se viu foi uma inacreditável sequência de 31 canções, quase todas com extremo poder para seduzir imediatamente quem as ouve. Afinal, não se cria à toa uma extensa coleção de prêmios como o Grammy (seis), Emmy (um), Globo de Ouro (dois) e Oscar (três).

À frente de sua competente banda de apoio formada por sete outros músicos e três vocalistas, o set list foi daqueles de deixar o espectador sem fôlego. Uma porrada atrás da outra, sempre com socos fortes e muitas vezes sem interrupção, chegando a emendar várias canções em um mesmo medley. Burt ainda pode se dar ao luxo de interpretar seus greatest hits não por inteiro, mas apenas através de seus trechos mais marcantes. E é impressionante também a precisão da distribuição dos instrumentos nos arranjos. O piano e os teclados cumprem o lado harmônico (vale lembrar que não há a presença das cordas da guitarra ou do violão) e o flugelhorn (sopro da família dos metais de trompetes) acaba sendo bastante privilegiado durante a execução de muitos riffs. Bateria e baixo assumem escancaradamente a função de cozinha e dão a cama rítmica que passeia entre a bossa nova, o rock, o jazz e outros grooves derivados dos negros norte-americanos.

No meio de tudo isso, Burt se concentra tanto em cada música que ele entra no espírito de cada uma dela durante a interpretação. E quando o momento é só seu, tocando piano e cantando sem qualquer acompanhamento como em “Alfie”, ele eleva o transe à plateia, que fica enfeitiçada e em silêncio absoluto só para curtir as emoções da viagem particular do astro da noite.

Este arsenal de hits planetários que ficaram célebres nas vozes de cantores como Dionne Warwick (sua principal e mais conhecida intérprete até hoje), Aretha Franklin, Dusty Springfield, Tom Jones, Walker Brothers, BJ Thomas, Barbra Streisand, Whte Stripes e Carpenters (e os Beatles!) ou trilhas sonoras de filmes de sucesso produzidos em Hollywood (Butch Cassidy & Sundance Kid; Alfie; Arthur, o Milionário; O que é que há, Gatinha?) foi quase todo assinado em parceria com o letrista Hal David, falecido em setembro de 2012, aos 91 anos de idade. Iniciada em 1957, a alquimia entre Hal e Burt se transformou em uma das mais bem-sucedidas crias do Brill Building, prédio nova-iorquino no qual compositores batiam ponto diariamente como trabalhadores e tinham como função a criação de obras musicais inéditas para serem gravadas, ali mesmo, por diversos cantores e grupos de pop e rock do final das décadas de 1950 e 1960.

Isso explica toda a classe e maestria das composições de Bacharach: o trabalho apurado de lapidação autoral e a adoção de uma rotina de labuta constante em busca da melhor resolução musical entre acordes, melodias e palavras para se encaixar na métrica. Ele diz que pensa em música em todas as horas e já criou hits até quando estava no trânsito. Deve ser mesmo algo fenomenal descobrir o que se passa – e o que já se passou nas últimas seis décadas – dentro de sua cabeça.

Set List: “What The World Need Now Is Love”, “Don’t Make Me Over”, “Walk On By”, “This Guy Is In Love With You”, “Save A Little Prayer”, Tranis & Boats & Plains”, “Wishin’ & Hopin’”, “Always Something To Remind Of”, “One Less Bell To Answer”, “I’ll Never Fall In Love Again”, “Only Love Can Break A Heart”, “Do You Know The Way To San José?”, “Anyone Who Had A Heart”, “I Don’t Know What To Do With Myself”, “Waiting For Charlie To Come Home”, “My Little Red Book”, “(They Long To Be) Close To You”, “The Look Of Love”, “Arthur’s Theme”, “What´s New, Pussycat?”, “The April Fools”, “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”, “The Man Who Shot Valance”, “Making Love”, “Wives And Lovers”, “Alfie”, “A House Is Not A Home”, “That’s What Friends Are For”. Bis: “Every Other Hour”, “Hush”, “Any Day Now” e “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”.

Movies

Hamlet

Projeto documental acompanha uma das lideranças das ocupações realizadas por estudantes gaúchos durante o ano de 2016

Texto por Leonardo Andreiko

Foto: Galo de Briga Fimes/Divulgação

Em 2016, centenas de escolas de ensino médio foram ocupadas ao redor do Brasil. Nossa modesta Primavera Árabe, aquela chamada Primavera Secundarista, inseriu-se no contexto arisco da defesa da presidente Dilma Rousseff contra o golpe que sofria por parte do Congresso Nacional, de Michel Temer e demais setores dos três poderes – “Com o Supremo, com tudo”, como imortalizou Romero Jucá.

Nesse contexto, mas também reivindicando mais atenção às políticas públicas de educação, o Brasil foi tomado pelo breve protagonismo da juventude. Se o corajoso movimento não rendeu muitos frutos, afinal a democracia atual se encontra sob ataques muito mais graves que o neoliberalismo do governo Temer, ainda nos propicia uma série de reflexões.

Observando de perto a movimentação das ocupações gaúchas, Hamlet (Brasil, 2022 – Galo de Briga Filmes) é um projeto documental que acompanha Fredericco Restori, uma das lideranças dos ocupantes de uma grande escola de Porto Alegre. A narrativa dispersa é muito mais uma coleção de momentos – plenárias, assembleias, reuniões entre ocupantes, palestras e até a hora do videogame – que uma representação ampla e didática do período da ocupação.

Num primeiro momento, a câmera errática dirigida por Zeca Brito parece incerta do que quer filmar. O registro histórico se inicia numa grande plenária, em que já desponta a presença de Fredericco. Embora este seja nosso protagonista desde a primeira cena do longa-metragem, Brito parece muito mais interessado na coletividade dos ocupantes do colégio, um conjunto de sem nomes que insiste na “horizontalidade democrática”, por assim dizer, e nunca é gravada só. 

O foco constantemente desregulado, a princípio, parece sintoma de uma operação de câmera ansiosa em capturar a essencialidade do momento, mas logo se denuncia em seu exagero: ao compor as sequências cotidianas da ocupação, assim como suas seções mais dialógicas, Zeca Brito escancara seu próprio processo de formalização, ainda que busque escondê-lo sob um fino véu de naturalismo. Partimos do “parece ser” para o “quer parecer ser”, um movimento que não é ruim em si mesmo, mas interessante por nos lembrar que documentário não é realidade – é cinema.

Num segundo momento, esteticamente mais interessante, Hamlet assume seu discurso mais narrativo que repórter, utilizando ligações telefônicas de Fredericco como meio para a exposição de seu conflito interno, que também é refletido em sequências subjetivas. A bem da verdade, esse estatuto da obra sempre esteve presente, já que o filme se inicia, antes do registro histórico das ocupações, com uma conversa entre Fredericco e um homem mais velho tecendo comparações entre sua condição de liderança e a dúvida central de Hamlet: “ser ou não ser, eis a questão”.

Se o filme não esconde a condição de líder que caracteriza Fredericco, sua ideologia juvenil, a princípio, recusa-se a aceitá-la. Ao longo de Hamlet, sua posição vai de “precisamos manter a horizontalidade para não tornar este um movimento fascista” para “eu queria ser líder, e era líder, mas não tinha coragem de admitir”. A ingenuidade da mobilização secundarista permeia todos os acontecimentos do filme – desde a rusga desmobilizada com entidades de base da categoria, como a UBES e a UNE, até a escuta atenta aos ensinamentos do grande crítico e cineasta brasileiro Jean-Claude Bernadet sobre a conjuntura política. 

Justamente por essa inerente ingenuidade, alguns dos momentos aqui retratados conferem ao filme um curioso frescor: um “vai chorar” que vaza na captação sonora durante um protesto; o canto “Bololo ha ha, quero ver desocupar”, eco da relação entre política e cultura que é muito única a cada geração que a vive; a incessante descoordenação da massa durante momentos de tensão, em que o silêncio é um episódio raro que, quando acontece, é muito efêmero.

Contudo, se esses momentos evocam no espectador não mais que a curiosidade e, quando muito, um sorriso de canto de boca, igualmente não se sente o peso que se propõe em Fredericco. A deslocada comparação com Hamlet, que pretende dar tom ao filme, só se dá com clareza na última cena, numa fraca articulação entre o concreto (a ocupação) e o abstrato (as conjecturas posteriores sobre a relação entre vida e arte) que não oferece material suficiente para se realizar. De fato, às vezes a vida imita a arte, assim como a arte imita a vida. Mas nem sempre.

Music

Boogarins + Oruã – ao vivo

No palco do Circo Voador, a experiência sensorial promovida por duas bandas que fogem do lugar-comum da música

Boogarins

Texto e fotos por Luciano Vitor

Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa. O Circo Voador, palco de centenas de shows, centenas de bandas, centenas de horas (na minha humilde contagem, o que talvez esteja muito errado e é bem possível!), no último dia 21 de maio serviu de encontro para duas bandas que nasceram no erro da música. Mas por que “erro”? Porque a grande massa enxerga a música como algo objetivo, reto, sem muitas surpresas. Algo que beire ali um minuto e meio (ou dois ou três minutos no caso do pop), com letras terríveis, sonoridade pasteurizada e refém de aplicativos de dancinhas e afins. Justamente por isso Oruã (do Rio de Janeiro) e Boogarins (de Goiânia) são bandas que fogem do lugar comum. Suas apresentações são experiências não apenas sonoras, mas sensoriais.

Depois de mais de duas décadas pisei novamente no templo musical da Lapa, bairro central do Rio de Janeiro. O último show ao qual eu havia assistido ali tinha sido do Buddy Guy (EUA) com o Baseado em Blues (RJ). Salvo engano, muitíssimo antes da nova estrutura do Circo Voador. Outros tempos, outra era. Entretanto, se a estrutura mudou, a essência talvez não. A ideia continua a mesma: um palco, uma lona de circo, com entradas espaçosas e piso superior para quem não quem quer ficar em pé. Na área externa, banquinhas com material das bandas, material independente de cinema, locais para comprar bebidas, alimentos e afins. É nostálgico pisar no Circo Voador tanto tempo depois.

Já havia escrito a respeito do Oruã há alguns anos, mas com uma formação bem diferente do que pude presenciar ali no Circo. O grupo carioca gravita em torno de uma ideia que, na minha humilde opinião, traz a música para um sistema coletivo, onde uma banda pode e deve ter vários colaboradores, várias formações, vários direcionamentos e, principalmente, diversos significados e significâncias. Por isso enxergá-lo não apenas como um grupo musical, mas como algo para ter diversos direcionamentos diferentes com instrumentistas diferentes.

Se alguns anos atrás consegui ver o Oruã com quatro músicos no palco, na formação clássica de uma banda de rock na sua acepção mais conhecida (baixo, bateria, guitarra e vocal), desta vez no Circo Voador estava algo muito mais grandioso: duas baterias, maracas, guitarra, baixo, programação e teclados, dois vocais e muita vontade de agradecer o público presente com uma apresentação ímpar. Karin, Lê Almeida, Daniel, Bigú, Cascaes, Joab e Russo encheram o Circo com música sinuosa, torta mesmo, de uma maneira que as próprias incongruências cariocas divididas por dezenas de bairros se encontrassem ali, diante de uma plateia cheia de caras e aspectos diferentes. Foi um puta show!

Oruã representa algo muito mais à frente que os dials tradicionais podem suportar. Entre tantas mesmices, eu oro (e aqui vem o famoso trocadilho) para que um dia possamos ver uma música torta, com dissonâncias e a assinatura do quarteto-barra- septeto servindo como trilha sonora de uma das séries dos streamings mundiais da vida.

Oruã

Agora, sobre o Boogarins. Não lembro qual foi a última banda que se manteve tanto tempo dentro do mainstream do universo independente. Na realidade, este ingrato pódio é volúvel demais. Não se consegue acompanhar a evolução que o indie avançou de maneira única dentro do cenário. E o Boogarins conseguiu isso, com constância e muito trabalho.

O quarteto goiano ganhou a ribalta há dez anos, com o estouro de “Lucifernandis”. Depois disso, foi mundo afora! Após mais uma turnê na Europa, o Boogarins desceu no Rio de Janeiro e logo após um simples acorde hipnotizou a plateia. E esse show foi a imersão quase tradicional na psicodelia da banda. Acordes longos, entrega total no palco, faixas quase que instantaneamente reconhecidas pelo enorme público e um domínio absurdo de palco. A cozinha rítmica é algo de surreal. Erro zero, músicas estendidas na sua execução e um quarteto que se conhece pelo olhar. O bônus da noite foi a presença de Bonifrate, musico do Rio de Janeiro que deu uma sábia contribuição à dinâmica do grupo. Foi uma interação precisa como toda a apresentação.

Por fim, o Circo Voador presenciou uma noite incrível, com duas bandas que não precisam mais de apresentações. Precisam penas invadirem de vez o mainstream do indie mundial (como o caso do Oruã) para não saírem de vez de lá!

Set List Oruã: “Dinorá”, “Real Grandeza”, “Outros Santos”, “Miragem”, “Cravina Flor”, “Ramais”, “Cavalo Branco”, “Caboclo”, “Escola”, “Obrei Orei”, “Osíris”/“Essência Bruta” e “Maldição”.Set List Boogarins: “Derramado”, “Sombra ou Dúvida”, “Te Quero Longe”, “Passeio”, “Sai de Cima”, “Cães do Ódio”, “Correndo em Fúria”, “Dislexia ou Transe”, “Inocência”, “Onda Negra”, “Benzin”, “San Lorenzo”, “LVCO 2”, “Noite Bright” e “Foi Mal”. Bis: “Erre”, “600 Dias (ou Mantra dos 20 anos)”, “Lucifernandis” e “Auchma”.

Movies

CODA – No Ritmo do Coração

Pequena joia cinematográfica conta como uma adolescente serve de elo de comunicação entre sua família surda e o mundo ao redor

Texto por Taís Zago

Foto: Amazon Prime Video/Divulgação 

Ruby Rossi (Emilia Jones) passou os seus 17 anos de vida em uma pequena cidade litorânea de Massachusetts com pouco mais de 30 mil habitantes chamada Gloucester. Como muitos outros adolescentes de sua idade, Ruby está no ultimo ano da high school, é uma aluna mediana e ainda não sabe direito o que fazer depois da formatura. Nunca pensou em se candidatar para nenhum college e nem possui muitos amigos, é uma underdog na sua escola. Além disso, ela pertence à uma família de pescadores e acorda todos os dias muito antes do sol nascer para sair de barco com o pai, Frank (Troy Kotsur), e seu irmão, Leo (Daniel Durant), para pescar em alto mar. Logo na primeira cena de CODA – No Ritmo do Coração (CODA, EUA/França/Canadá, 2021 – Amazon Prime) vemos Ruby separando peixes e cantarolando alegre “Something’s Got A Hold On Me”, de Etta James. Cantar é o que ela mais ama fazer quando não passa tempo com sua família, da qual também faz parte a sua mãe, Jackie (Marlee Matlin).

O titulo original do filme é um acrônimo para child of deaf adult(s), expressão que significa filho(a) de adulto(s) com surdez. E Ruby é uma dessas crianças, tanto seus pais Frank e Jackie como seu irmão mais velho Leo são surdos. A família se comunica com linguagens de sinais e, não raramente, dependem dela, que não possui problemas em sua audição, para a comunicação com o mundo ao redor. Desde pequena Ruby acumula, portanto, um grande leque de responsabilidades em relação a seus pais e irmão. 

O roteiro da também diretora Sian Heder é uma adaptação de La Famille Bélier (2014), onde a família em questão vive na zona rural e a menina também tem o dom musical. O diferencial aqui é o elenco. Enquanto no filme francês original os papéis dos personagens surdos são interpretados por atores que escutam (e que tiveram de estudar muito para aprender a comunicação), no americano, Sian optou por contratar atores que realmente possuem a deficiência auditiva, sendo a mais conhecida Marlee Matlin, que além de ter ganho o Oscar e o Globo de Ouro pelo filme Children of a Lesser God (1986), é uma ativista norte-americana pelos direitos dos surdos pela National Association of the Deaf. Essa se mostrou uma das melhores decisões dramáticas para o resultado final. O pai de Ruby, Frank, é esplendidamente interpretado por Troy Kotsur. Frank é livre e engraçado e o amor dele pela filha é comovente. Emilia Jones também está encantadora como Ruby, tanto por sua voz potente como pela ternura e a naturalidade de sua expressão corporal.

Em uma decisão quase inédita para norte-americanos – pois apenas The Sound Of Metal (2020) havia usado esse recurso – a Apple, produtora, decidiu lançar o filme com legendas fixas também para os diálogos fora da interpretação de sinais. Até então, nos cinemas, as pessoas surdas precisavam assistir a sessões com legendas ou usar óculos especiais para enxergá-las.

No Ritmo do Coração é um daqueles longas onde risos e lágrimas rolam quase ao mesmo tempo. Para alguns, inclusive, essa mistura adentrou o kitsch. A personagem Ruby carrega o mundo em suas costas desde os primeiros dez minutos de filme e essa insinuação, mesmo que não intencional, alimenta clichês sobre a dependência de pessoas com necessidades especiais de outras consideradas “totalmente funcionais” pela sociedade. Heder poderia ter sido mais sutil e indireta com algumas cenas que vão muito além do necessário para provar seu argumento. Mas pelo bem do drama já constatamos que diretores americanos não raramente optam por expor que os sentimentos e atitudes de forma enfática e exacerbada. E, claro, sempre vai ter aquela cena do tudo ou nada, onde todos protagonistas precisam se mobilizar e correr contra o tempo para aproveitar a última chance de realizar seus sonhos. 

Porém nada disso tira o brilho dessa pequena joia cinematográfica, que surpreendeu a todos no Sundance Festival de 2021 ao ser o primeiro filme concorrente a abocanhar ao mesmo tempo os prêmios de júri, publico, direção e o especial de melhor elenco. Em 2022, Troy Kotsur venceu o SAG Awards de melhor ator e os atores venceram na categoria Elenco. A lista de troféus é longa, mas a jornada de premiações de No Ritmo do Coração ainda parece longe de chegar ao fim. Além de indicações ao BAFTA britânico e ao Globo de Ouro, também concorre três vezes ao Oscar 2022 – ator coadjuvante, roteiro e filme. Temos aqui um daqueles filmes revelação daqueles de ter um cartaz cheio de medalhinhas e troféus. Do tipo que nos seduz enquanto zapeamos entre centenas de imagens buscando entretenimento de qualidade. Eu, pessoalmente, acho que os louros são muito merecidos.