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Viúva Negra

Depois de alguns adiamentos por conta da pandemia, a heroína vingadora ganha seu primeiro filme solo tanto nos cinemas quanto no streaming

Textos por Andrizy Bento e Leonardo Andreiko

Fotos: Marvel/Disney/Divulgação

Previsto para estrear originalmente em abril de 2020, Viúva Negra (Black Widow, EUA, 2020 – Marvel/Disney) sofreu adiamentos devido à pandemia de covid-19, que obrigou as salas de cinema e vários outros estabelecimentos a fecharem as portas temporariamente a fim de evitar aglomerações e, portanto, preservar a saúde e segurança da população. A ansiedade resultante dos constantes reagendamentos da estreia fez com que as expectativas dos fãs com relação ao longa se tornassem cada vez mais altas, já que eles mal podiam esperar para conferir uma das integrantes originais dos Vingadores ganhar o tão merecido protagonismo. Todas essas situações de adiamento e espera poderiam ser fatores prejudiciais para seu desempenho nas telas (o filme poderia não corresponder às expectativas projetadas pelos fãs), mas ainda havia outro complicador: o timing de lançamento dentro da cronologia do MCU, independente de pandemia, parecia inadequado após o desfecho trágico de Natasha Romanoff em Vingadores: Ultimato.

Entretanto, esse ainda se tratava de um aspecto contornável – bastava que os produtores e roteiristas tivessem acertado na tônica e abordagem assumidas pela produção. Viúva Negra seria um tributo à heroína abatida, com um provável sabor agridoce de encerramento do arco da vingadora? Ou exploraria sua origem e legado, de modo a dar continuidade com outra personagem assumindo seu posto, considerando que Natasha foi uma das várias meninas treinadas na Sala Vermelha no Programa Operação Viúva Negra? As perguntas são devidamente respondidas no filme que segue, sabiamente, pelos dois caminhos.

Como ainda estamos atravessando um momento pandêmico, a solução para Viúva Negra enfim ganhar as telas, foi lançá-lo simultaneamente nos cinemas e na plataforma Disney+; claro que no streaming ele ainda não está disponível para todo e qualquer assinante, podendo ser conferido por um valor adicional. Dessa forma, aqueles que não podem ir ao cinema e não se rendem aos meios ilegais, têm de desembolsar alguns reais a mais para ter o acesso premium. É o modo que a casa do Mickey encontrou de não sair no prejuízo.

Para quem já conhece um pouco do background da personagem, o filme protagonizado por ela é facilmente entendível e não necessita de muitas exposições, escapando do caráter didático de grande parte das produções solo de origem. Para quem não se lembra do momento em que ela revela brevemente seu passado em Vingadores: Era de Ultron, basta ter em mente que Natasha foi treinada na Sala Vermelha (programa desenvolvido por uma organização da União Soviética), juntamente com outras jovens órfãs para o combate e espionagem. Lá também foi biológica e psicotecnologicamente aprimorada. Bem como as demais garotas, ainda teve de passar por um procedimento invasivo de histerectomia, de modo a evitar distrações e “obstáculos” em seu trabalho como espiã.

Tornando-se o “projeto” mais bem-sucedido desenvolvido pelo Programa Operação Viúva Negra, ela passou a figurar como uma ameaça à segurança global e entrou no radar da S.H.I.E.L.D. Para matá-la, Nick Fury enviou o agente Clint Barton, conhecido pela alcunha de Gavião Arqueiro, mas reconhecendo seu potencial, habilidades e destreza, Clint recuou em sua missão e aconselhou Fury a integrá-la à SHIELD. Trabalhando juntos, Natasha e Barton desenvolveram um vínculo poderoso de cumplicidade e uma ótima dinâmica de equipe, o que os levou a uma missão em Budapeste, citada primeiramente no longa original dos Os Vingadores (2012) e finalmente explicada no filme solo da Viúva Negra. Aliás, no primeiro longa da equipe, pudemos testemunhar a trajetória de Natasha de agente da SHIELD à vingadora.

Nem vou entrar no mérito de que uma personagem tão fascinante e que, para completar, foi intensamente ativa e onipresente em filmes pregressos do MCU, merecia um longa individual muito antes. Pois teria de considerar as perspectivas mercadológicas de bem poucos anos atrás, quando executivos de estúdios eram terminantes em afirmar – sem nem ao menos fazer alguma tentativa – que filmes solo de heroínas (ainda mais uma relativamente desconhecida do público que não consome HQs) não seriam capazes de render altas cifras como as produções protagonizadas por personagens do gênero masculino e já familiares ao público, a exemplo de Homem de Ferro, Thor e Capitão América. Antes tarde do que nunca, pelo menos.

Viúva Negra agrada e empolga quem curte a fórmula da Marvel Studios e surpreende quem assiste de maneira descompromissada. O longa protagonizado por Scarlett Johansson consegue ir um pouco além de apenas um bom entretenimento de fim de semana, com uma trama sólida, ritmo fluido, resultando em uma eficiente tradução da heroína dos quadrinhos para as telas.

A narrativa começa em 1995, quando Natasha e sua “irmã” Yelena têm suas infâncias interrompidas, ingressando forçosamente em uma iniciação cruel que visa transformá-las em assassinas perfeitas. O prólogo se concentra na falsa família infiltrada em Ohio, composta pela jovem Natasha Romanoff, a irmã caçula Yelena Belova, o pai Alexei Shostakov (conhecido como o Guardião Vermelho) e a ex-viúva negra Melina Vostokoff, que assume o papel de mãe das garotas. Esses minutos iniciais já deixam aparente que Natasha tem conhecimento de que aquele núcleo familiar no qual está inserida é fake. Mas Yelena, de apenas seis anos, não faz a menor ideia. Posteriormente, durante os créditos iniciais, temos lampejos do treinamento e da rotina brutal aos quais Natasha, Yelena e outras órfãs são submetidas, destacando que a missão das jovens mais aptas é converterem-se em espiãs e assassinas, enquanto as demais são friamente executadas. O começo sombrio é embalado por um cover inusitado de “Smells Like Teen Spirit”, clássico do Nirvana, interpretado por Malia J em uma toada bastante melancólica que corresponde perfeitamente às imagens mostradas na tela.

Vinte e um anos depois, vemos Natasha escapando dos homens do General Ross, que a acusa de violar o Tratado de Sokovia e ferir o rei de Wakanda. A vingadora é bem-sucedida em sua fuga e retira-se para um lugar isolado a fim de permanecer reclusa por um tempo. No entanto, seus planos não saem exatamente como ela desejava e seu caminho se cruza novamente com o de Yelena e de seus pais adotivos, aos quais ela deve se unir a fim de executar uma nova missão: ir atrás de uma figura aterrorizante de seu passado do qual ela acreditava já ter se livrado há anos. Ninguém menos do que Dreykov, o chefe da Sala Vermelha que, para surpresa de Nat, continua ativa. O filme narra o que houve com Natasha durante esse período em que permaneceu afastada dos Vingadores e foi para Budapeste confrontar seus fantasmas – situando-se entre os eventos de Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita. Sem muitos spoilers: a localização da Sala Vermelha é um achado e todo o plano para derrotar o responsável pelo programa é bem orquestrado na tela.

A produção é recheada de sequências de explosões, tiros, perseguições por terra e ar e muita pancadaria para deleite dos fãs do gênero. As cenas de ação são bem conduzidas e, apesar de toda a pirotecnia e situações surreais e inverossímeis, não apenas funcionam como conseguem soar bastante plausíveis dado o acuro da direção de fotografia, do desenho de produção e do preciso emprego dos efeitos especiais. Se há algum demérito no departamento visual, está no fato de a Marvel Studios insistir em apresentar cenas de luta com demasiados cortes, o que tira um pouco da “magia” desse tipo de sequência. O espectador tem a ciência de que os embates corporais ilustrados na tela tratam-se de pura coreografia e são resultantes de um árduo trabalho de montagem, não transmitindo a sensação de legitimidade esperada. Todavia, o clímax ágil e eletrizante mais do que compensam essa deficiência.

Além de contar com bons acréscimos ao elenco, cuja presença que mais se destaca é a de Florence Pugh que interpreta Yelena, além de nomes como Rachel Weisz e David Harbour, a inserção do personagem Taskmaster (traduzido como Treinador nas HQs em português), agrada aos fãs de quadrinhos, ainda que apareça no longa com identidade e background bem distintos das de sua contraparte na mídia original. E, obviamente, há numerosas referências aos Vingadores.

Embora seja um espetáculo visual e sonoro, o que realmente se sobressai em Viúva Negra é o fato de o filme humanizar a protagonista. O roteiro explora muito mais do que seu lado vingadora, propondo um mergulho em sua psique e deixando bem aparente os esforços descomunais que ela faz em ordem de manter seu emocional estável, ainda que este esteja comprometido. Contudo, não deixa de manter alguns de seus sentimentos nebulosos, considerando que o mistério é parte essencial do charme da personagem. Ao introduzir o plot da família de Natasha, mesmo que esta se trate de uma família fake, temos acesso à intimidade da heroína de um modo que ainda não havíamos tido a oportunidade em longas que o precederam na cronologia do MCU. E, felizmente, é um plot que não soa artificial.

De forma bastante sutil, pontual e orgânica, a produção ainda lança luz sobre questões pertinentes e atuais, como o papel da mulher na sociedade, o insistente controle sobre nossos corpos, comportamentos e os questionamentos diante de nossas condutas, o quão valiosa é nossa autonomia e poder de escolha, bem como a representação das super-heroínas na cultura pop. O longa até se permite um momento de autossátira, como quando Yelena zomba da pose de Natasha para lutar – o modo característico de jogar o cabelo para trás em câmera lenta, que se trata de pura estética, mas tornou-se algo emblemático da personagem, visto pela primeira vez no hoje longínquo Homem de Ferro 2, lançado em 2010. O melhor? Aborda pautas fundamentais com relação ao espaço e representação da mulher, mas passando bem longe do discurso panfletário.

O resultado é um bom thriller de espionagem e ação, que coloca em evidência temas de hoje e bem relevantes, e retrata na tela tanto o que faz de Natasha Romanoff uma lutadora poderosa e perspicaz, quanto uma pessoa sensível e, por vezes, vulnerável. Dirigido, roteirizado e protagonizado por mulheres, o longa de Cate Shortland, escrito por Jac Schaeffer é um filme feito especialmente para os fãs da heroína, mas não se reduzindo a uma “carta de amor” destinada a eles.

Há um anacronismo na origem da espiã – aspectos de sua história que conflitam com o que já foi apresentado sobre ela em filmes predecessores da estrutura MCU – para o qual é difícil fazer vista grossa. E o longa também tem aquele jeito de “meio do caminho” como a maioria esmagadora das produções da Marvel Studios – a aventura isolada que não faz tanta diferença no todo. Assim são também os outros filmes solo dos heróis da Marvel, como os do Thor, Homem-Aranha e mesmo os longas protagonizados pelo Homem de Ferro. No entanto, Viúva Negra tem um enredo muito mais consistente do que os filmes do Homem-Formiga ou da Capitã Marvel, para citar alguns exemplos. De qualquer forma, apesar das falhas, o conjunto da obra é bastante agradável.

Para completar, a trilha sonora é outro de seus atrativos. Inclui, além da citada cover do Nirvana, a versão original de “American Pie”, de Don McLean, que garante alguns momentos de leveza em meio ao caos que se desenrola ao redor de Natasha e sua família.

Lançado tardiamente, Viúva Negra não só cumpre o esperado, como supera expectativas e não desaponta os fãs. É o filme ideal para inaugurar a Fase 4 do MCU nas telonas. (AB)

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Um Universo Cinematográfico, em especial de proporções tão grandiosas quanto o da Marvel, impõe uma série de limitações a seus filmes e em especial às aventuras solo, em virtude de seus épicos crossover e de uma narrativa geral que se estende por anos. Nesse caso, as constrições narrativas são muitas: a protagonista cuja morte já está anunciada; a necessidade de uma trama simples o suficiente para passar despercebida no tempo em que se insere (entre Guerra Civil e Guerra do Infinito), mas espalhafatosa o bastante para caber na fórmula Marvel; a introdução de uma nova protagonista, sua história e o anúncio de sua próxima participação. Justamente por isso, esse não é tanto um filme da Viúva Negra, Natasha (Scarlett Johansson), como é de Yelena (Florence Pugh).

Assim, Viúva Negra (Black WIdow, EUA, 2020 – Marvel/Disney) retrata o reencontro das irmãs para enfrentar o abusivo vilão que as transformou em Viúvas, Dreykov (Ray Winstone), superagentes com as mesmas aptidões da heroína. Para isso, precisam recuperar contato com sua família “adotiva”, com quem estiveram por alguns anos como disfarce para uma missão de Melina (Rachel Weisz) e o Guardião Vermelho (David Harbour).

Conduzido como qualquer blockbuster da Marvel, o enredo é fraco e serve somente como cola gasta entre cenas de ação “engajantes”, cuja lógica interna comete inúmeras adaptações convenientes às protagonistas (a já conhecida armadura de enredo ou plot armor). Se havia alguma tentativa de estudo emocional ou psíquico de Natasha, ela não sobrevive ao ritmo constantemente quebrado por piadocas e alívios cômicos fora de hora.

A princípio, o que descrevo pode ser a análise de muitos longas multimilionários de super-heróis e heroínas dos últimos anos. Tal sensação não se distancia de um diagnóstico já esperado: de fato, este é somente um entre tantos lançamentos desprovidos de um discurso profundo. Costuma-se admitir um bom filme do gênero quando há um conflito interessante. Por exemplo, Thanos é um bom vilão porque somos capazes de entender suas motivações.

No entanto, Dreykov, além de não interagir com a trama até seu clímax, é plástico e unidimensional, providenciando ao longa um pretenso embate moral confuso e politicamente complicado. Líder estratégico da União Soviética, ele se refugia numa base espacial após um atentado de Natasha que supostamente o mata. Embora ecoe o estereótipo de crueza moral do regime socialista aos olhos do Ocidente, acompanhado da estética soviética mesmo que tenha se refugiado nos ares após o fim do regime, o patético plano de dominação mundial do antagonista o concede “o poder de manipular o preço de petróleo, água e afins” – um controle absoluto do capital, portanto, mas nunca utilizado ou sequer percebido pelas agências de inteligência do Universo Marvel. Confuso, não?

Ao mirar no repetitivo artifício de entregar riscos astronômicos ao conflito vigente buscando conferir-lhe legitimidade ao público, ou seja, buscando a empatia e atenção dos espectadores, Viúva Negra comete o mesmo erro que diversos filmes de seu gênero, e alcança seu mesmo resultado: o desinteresse. Parece-nos então que, ciente da fraqueza do roteiro que lhe é entregue, a diretora Cate Shortland foca sua atenção – além das longas e repetitivas batalhas e fugas – na interpretação de seu quarteto estelar. Contudo, não há bons personagens sem um bom roteiro. Os diálogos travados e as já comuns interrupções para alívio cômico resultam em quase-personagens dramáticos, com pouquíssimo impacto e traços caricatos, como o sotaque russo forçado das três novas adições ao UCM.

Sendo assim, a personagem mais surpreendente é Alexei, o Guardião Vermelho, a quem é dada a menor expectativa narrativa e o papel mais simples: atenuar o tom pretensamente dramático com uma personalidade deslumbrada e atrapalhada. David Harbour está extremamente confortável no papel, assim como todas as atrizes com quem contracena. É de se supor que, caso o elenco não tivesse nomes de tamanha força, as dobradinhas entre Natasha e Yelena, além de toda a dinâmica familiar frustrada, não teriam sido ruins, mas desprezíveis.

Viúva Negra é um filme esquecível que se propõe à difícil tarefa de construir camadas a um personagem falecido e, claro, introduzir uma nova (anti?)heroína ao panteão da Marvel. Sofrendo todos os sintomas do corporativismo exagerado da Disney, não oferece uma história convincente ou qualquer discurso que não se resuma a maniqueísmo barato embrulhado em ação antilógica e explosões aleatórias. (LA)

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Mulher-Maravilha 1984

A amazona Diana retorna às telas em história bastante fraca e confusa, o que acaba por ameaçar as expectativas para o próximo filme da trilogia

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Warner/Divugação

Em 2017, Patty Jenkins apresentou ao mundo o primeiro filme solo da Mulher-Maravilha. O longa agradou público e crítica e criou altas expectativas para sua sequência. Depois de boatos e adiamentos, Mulher-Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984, EUA/Reino Unido/Espanha, 2020 – Warner) estreou e, ao contrário do primeiro, passou longe de um consenso entre fãs e imprensa. O segundo filme da franquia é fraco, confuso e repete os mesmos erros do primeiro, mas sem o principal que fez o título de três anos antes gerar uma boa experiência: o carisma. 

A primeira cena do filme é um flashback da infância da protagonista, quando ainda vivia em Themyscira, em que ela trapaceia em um jogo com outras amazonas. Com isso, aprende a importância da verdade. É isso? Sim, é isso. Os visuais são muito bonitos e a ação entretém, mas o formato sermão é meio esquisito. A segunda cena mostra Diana (Gal Gadot) já adulta, nos anos 1980, salvando pessoas de ladrões em um shopping center. A amazona esconde sua identidade heróica e torna-se uma espécie de justiceira silenciosa. Sem uniforme, trabalha lidando com antiguidades.

Se não tivesse 1984 no título, seria difícil precisar em que época a história está situada. Tirando alguns momentos como a cena do shopping ou quando o personagem de Chris Pine prova roupas, a ambientação é genérica. Aliás, continuando o tópico do visual, os pôsteres podem ter contribuído muito para a decepção com o filme. O novo uniforme, dourado, grandioso, com asas, é extremamente mal utilizado. Aparece por tão pouco tempo que não dá para entender porque foi parte tão importante da divulgação. 

Steve (Pine) é um dos personagens principais do longa de 2017. A escolha para trazê-lo novamente ao elenco é difícil de justificar. Ele é divertido, mas a forma como seu personagem “volta” não é convincente. Se no primeiro filme tínhamos uma Mulher-Maravilha que discursou sobre não precisar de homens, na sequência temos outra que está disposta a sacrificar a vida de uma pessoa e prejudicar o destino da humanidade por outro. Confuso, não é? A mudança repentina de personalidade da personagem é difícil de engolir, é abrupta. O sentimento de luto de Diana deveria ter sido tratado de maneira diferente.

O grande vilão do filme é o ambicioso Maxwell Lorenzano (Pedro Pascal), que encontra uma pedra realizadora de desejos. A relíquia é chamada neste filme como “pata do macaco” – o que significa que na mesma medida que ela dá, ela tira algo. É nessa lógica que os grandes acontecimentos do filme se desenrolam. Por mais que seja interessante, torna-se forçado. Ver Maxwell induzindo as pessoas a dizerem o que desejam não é sutil nem para uma ficção.

Falando em sutileza, Patty Jenkins teve zero disso ao conduzir uma cena da Mulher-Maravilha salvando crianças em um Egito oitentista e fruto do imaginário racista estadunidense. Gal Gadot nasceu em Israel e nunca escondeu suas posições a respeito da Palestina. Colocá-la falando árabe, tirando crianças da estrada para que não fossem atropeladas por outros “egípcios sem coração” é falta de noção. A escolha por um ator e um personagem latinos para emular a megalomania de Trump também é uma falta de tato sem tamanho. A sorte é que Pedro Pascal é ótimo ator. 

A primeira parte de WW84 (como o longa foi apelidado na internet) é muito abaixo do esperado. A química entre Pine e Gadot não se repete, a história ainda está se desenvolvendo e Pascal e Kristen Wiig acabam roubando a cena. A comediante, que manteve sua audição para o filme em segredo, interpreta a cientista Barbara Minerva, que torna-se a vilã Cheetah. Inicialmente tímida e desengonçada, após desejar a pedra mágica para ser mais igual a Diana adquire superpoderes. Como filmes de herói com dois vilões precisam balancear a história para não desperdiçar um destes personagens, infelizmente Cheetah é desperdiçada. Sua transformação chega tarde, dura pouco, não impressiona e deixa o desejo dela ter aparecido em outra obra. 

A Mulher-Maravilha de 2017 encantou por mostrar a amazona conhecendo um mundo novo e se apaixonando por um humano. A narrativa da vilania humana era um bom caminho, um bom espelho – uma pena que, no final, o roteiro escolheu transformar o vilão em um deus. A mudança repentina de tom se repete na sequência de 2020. Quando o clímax do filme chega, somos surpreendidos com mais um sermão. Lutas? Estratégias? Uso da nova armadura? Não, conversa-clichê com o público. Essa é a grande arma usada pela heroína. Ela palestra sobre a importância da verdade. Isso já seria questionável, considerando que o principal defeito do vilão não era mentir e sim ser ambicioso e inescrupuloso. Contudo, o papo meia-boca para salvar o mundo se parece mais com Gal Gadot cantando “Imagine” com outros artistas do que uma heroína salvando o mundo.

Jenkins é uma boa diretora, mas precisa aprender a editar suas ideias. Um filme menor, mais contido, seria certeiro. A história expõe fraquezas de roteiro, de atuação, de edição e de efeitos especiais (a cena do laço da verdade repelindo tiros é muito mal feita!). Quem sabe se o enredo fosse a busca pela amazona perdida Asteria o resultado seria mais empolgante. Na era dos filmes de super-heróis, o melhor pode ser mirar em tramas simples e que encantem pelo desenvolvimento.

Não é injusto dizer que Mulher-Maravilha 1984 é decepcionante – pode-se falar muito de um filme quando sua melhor cena é a que vem após créditos. E mais um título já está confirmado, criando novas esperanças de uma história como a de 2017, mas mantendo o medo de uma como a de 2020. Fica a expectativa de uma aventura digna da heroína e que explique o porquê, em Batman Vs Super Homem, dela não ter qualquer lembrança de seu passado. 

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Tenet

Christopher Nolan provoca vai e vem no tempo e faz você não entender nada por mais de duas horas e chegar ao final estando de volta ao começo

Texto por Flavio Jayme (Pausa Dramática)

Foto: Warner/Divulgação

Você pode até estar acostumado com o “jeito Nolan” de fazer filmes: AmnésiaO Grande TruqueInterestelar, A OrigemDunkirk… quase todas as suas produções subvertem a forma de contar uma história e, com frequência, subvertem o tempo e o espaço para contá-la. Mas nada te preparou para Tenet (Reino Unido/EUA, 2020 – Warner).

O novo longa do diretor, que chega hoje aos cinemas brasileiros depois de muito adiamento por conta da pandemia de 2020, subverte o que Nolan já tinha subvertido e, literalmente, põe o tempo pra andar pra trás. Na trama, nos deparamos como o personagem de John David Washington (chamado apenas de “o protagonista”) e percebemos que ele é uma espécie de espião internacional. E nosso conhecimento do filme meio que acaba por aí.

Deste momento em diante não entendemos muito mais: quem são estas pessoas? O que elas querem? Para quem trabalham? Qual o objetivo da missão?

Não bastasse toda a teoria de volta no tempo já ser complicada o bastante, a própria narrativa do filme (ainda que fosse tratada de forma linear) não é simples. Temos um filme de espionagem internacional/filme de ação de grife acima da média, com certeza. Mas sua trama é confusa e uma das únicas informações que conseguimos processar é que o mundo pode acabar se eles não forem bem sucedidos.

Como se não fosse imbróglio suficiente, Nolan mexe nas linhas e quem vai acaba voltando. Quem estava lá agora está aqui. Cenas são mostradas em diversos tempos com personagens que antes estavam indo e agora, voltando. Tudo é muito visual, tudo é muito bonito, suas cenas de ação são de tirar o fôlego. Mas nada é muito claro. É como se o cineasta tivesse mostrado cinco roteiros diferentes ao estúdio e os executivos tivessem resolvido juntar todos em um filme só.

No fim, a sensação é de que passamos duas horas e vinte minutos tentando entender que diabos estamos vendo numa trama confusa, que vai e volta, e admirando a beleza da atriz Elizabeth Debicki. E que passamos os dez minutos finais torcendo para que consigamos entender pelo menos um pouco do que vimos na tela.

Com Tenet, Nolan mira na ação com cérebro e acaba exagerando no segundo, entregando um filme quase impossível de ser entendido sem que você pare pra fazer anotações de quinze em quinze minutos. Até mesmo o que parecia ser um dos grandes segredos do filme é bastante óbvio.

Talvez a melhor definição para esta obra seja mesmo a de que “no início você não entende nada e no final você está de volta no começo”.