Music

Imagine Dragons – ao vivo

Dan Reynolds bota Curitiba para lavar a roupa com água da chuva em seu tanquinho

Texto e foto por Luciana Penante (Bora Curitiba)

Dois de março de 2023. Pedreira Paulo Leminski, Curitiba. Dez minutos para o show ter início, a atração de abertura, OutroEu, deixando o palco, surgem os primeiros pingos de chuva. Uma algazarra de capas plásticas começa a se formar. Casais, famílias inteiras – com muitas crianças, inclusive – e um extrato bem diversificado de curitibanos aguardam Dan Reynolds e companhia.

Pontualmente, às 20h30, o Imagine Dragons sobe ao palco e mostra a que veio. Logo percebe-se que a água que cai do céu não é impedimento para a diversão de ninguém ali. O que se segue é uma explosão. “Thunder”. De hits e também de suspiros pelo tanquinho à mostra do vocalista, que prova que quem está na chuva é para se molhar.

O cantor está realmente inspirado e passa quase todo o show na passarela que percorria a área central da pista Premium. Bastante comunicativo, Reynolds diz muitas vezes que ama seu público e conta de sua infância, que curiosamente teve momentos bem brasileiros, como assistir futebol e beber guaraná, graças ao pai, que trabalhou em nosso país.

Em outro momento tocante, o cantor aborda o tema saúde mental, falando da importância da terapia na vida dele. Segundo o próprio, é graças a ela que ele está vivo hoje. Logo após dizer que “sempre vale a pena viver”, a banda emenda “Demons”. O público canta junto, acompanhado pelo violão delicado de Daniel Wayne Sermon.

Empolgante, a apresentação teve alguns pontos altos, como quando o cantor desceu do palco e interagiu com a fila do gargarejo em “I Bet My Life”. E quando a banda performou a sempre potente “Radioactive”, na qual a luz vermelha do palco irradiou pela plateia maravilhada.

Embora tenha impressionado o físico de Reynolds (fruto de exercícios para vencer a espondilite anquilosante, uma doença autoimune que atinge as articulações e pode ser amenizada com uma musculatura forte), não é ele que explica o sucesso com os firebreathers (termo dado a quem pertence à fanbase da banda). Fica nítida a devoção e o carinho desses fãs, que a todo momento apareciam no telão cantando, com destaque para um menininho que aparentava ter menos de 10 anos. Nos ombros do pai, ele sabe as letras de cor.

Boa parte da chuva, durante o show, também é de papel picado com algumas cores. Isso acaba por criar uma cena bastante interessante no final de tudo: um mar de capas de chuva transparentes salpicadas em vermelho, azul, branco e dourado. É uma bela metáfora. Afinal, vamos todos embora da Pedreira mais coloridos.

Set list: “My Life”, “Believer”, “It’s Time”, “I’m So Sorry”, “Thunder”, “Birds”, “Follow You”, “Natural”, “Next To Me”, “Amsterdam”, “Wrecked”, “I Bet My Life”, “Whatever It Takes”, “Sharks”, “Enemy”, “Bad Liar”,  “Demons”, “On Top Of The World”, “Bones”, “Radioactive” e “Walking The Wire”.

Movies, Music

Amor, Sublime Amor

Com direção certeira de Steven Spielberg, clássico musical da Broadway ganha nova versão para o cinema repaginada aos dias de hoje

Texto por Abonico Smith e Camila Lima

Fotos: Fox/Disney/Divulgação

Com a transmissão simultânea do som junto à imagem, trazida às salas de projeção em 1927, Hollywood escancarou as portas para que o musical reinasse absoluto como o gênero preferido da audiência nas décadas seguintes. Títulos como O Mágico de Oz (1939), Sinfonia de Paris (1951), Cantando na Chuva (1952), Nasce Uma Estrela (1954), Minha Bela Dama (1964) e A Noviça Rebelde (1965) viriam a se tornar clássicos do cinema norte-americano. Entretanto, a partir dos anos 1970, com a mudança de paradigmas da indústria e a chegada de uma turma de produtores, diretores e roteiristas que passaram a apostar no diferente, no conceitual, no alternativo, as histórias apoiadas por coreografias e canções passaram a ser, pouco a pouco, escanteadas pelos grandes estúdios em seus cronogramas de lançamentos anuais. Mesmo com os teatros sempre lotados na Broadway, a expectativa da experiência cinematográfica tornou-se algo cada vez mais longe das tramas musicadas, apesar de algumas recentes tentativas de soerguimento delas através de boas bilheterias e prêmios obtidos por La La Land: Cantando Estações (2016), Mamma Mia! O Filme (2008), Chicago (2002) e Moulin Rouge: Amor em Vermelho (2001).

Eis que chegamos ao ponto central onde está outro exemplo da Era de Ouro dos musicais na sétima arte. Adaptado de uma montagem de sucesso que estreara pouco tempo antes na Broadway, West Side Story (batizado singelamente aqui no Brasil como Amor, Sublime Amor) estendeu às grandes telas em 1961 a história de jovens nova-iorquinos que, quatrocentos anos depois (justamente no fervor dos anos 1950, a década que “inventou” a adolescência), reviviam as paixões proibidas, rivalidades familiares e o arquétipo do amor puro e juvenil, elementos eternizados por William Shakespeare lá na Inglaterra do final do século 16 em sua tragédia teatral Romeu e Julieta. Dirigido em parceria entre Jerome Robbins (que também assinava a empreitada dos palcos) e Robert Wise (que logo depois viria a se consagrar com A Noviça Rebelde), o longa-metragem caiu no gosto popular e da Academia. Levou dez Oscar na cerimônia do ano seguinte e emplacou a trilha sonora como um marco daquele início de percurso daquele segmento da música pop que viríamos a chamar de rock’n’roll – tanto que o nome de Elvis Presley chegou a ser cogitado para a escalação do protagonista. Então um teenager, Steven Spielberg ganhou de presente naquela época o disco com as músicas compostas pelo maestro Leonard Bernstein em parceria com o letrista Stephen Sondheim, o que fez se tornar cada vez apaixonado pela obra com o passar dos anos. 

Além de seu apreço pela obra original, há outras possíveis motivações que levaram Spielberg a reviver a trama de Tony e Maria neste momento histórico específico. Apesar de um clássico, o West Side Story de seis décadas atrás abordava questões de gênero e em especial raciais de forma muito problemática, incluindo o uso do hoje inaceitável recurso do blackface e a escalação de atores nada latinos para viver a turma latina da trama. O que o cineasta fez foi trazer – de maneira brilhante e com a ajuda do roteirista Tony Kushner – todas essas questões à tona de forma crítica, embora mantenha o tom quase sublime. Exemplos são a realidade das comunidades latinas nas grandes metrópoles dos EUA no fim da década de 1950, o racismo sofrido pelos latinos, debates de interseccionalidade, principalmente suscitados na personagem de Anita (Ariana DeBose): mulher, trabalhadora, porto-riquenha e negra.

Apesar de todo o cunho crítico e das quase três horas de duração, o novo Amor, Sublime Amor (West Side Story, EUA, 2021 – Fox/Disney) é daqueles filmes gostosos de assistir, como Spielberg sabe como fazer. A sensação passada na sala de cinema é a de estar num espetáculo da Broadway, com os atores ali bem na frente, não apenas projetados em uma tela. Os números musicais são extravagantes, maravilhosamente coreografados e dirigidos. Neles, figurino e iluminação são muito bem utilizados pra dar ainda mais vida às cenas. Há também uma contraposição muito interessante entre cores quentes e frias para representar os latinos e os yankees – algo, aliás, já feito na série Them, de Jordan Peele.

Por tudo isso – e pela sempre assumida paixão pela história juvenil de paixão, ódio e morte musicada por Bernstein e Sondheim – que a opção por Steven Spielberg (justo ele, um dos integrantes da turma underground que veio para derrubar o status mágico dos musicais nas telas!) por este novo Amor, Sublime Amor torna-se a escolha mais acertada que poderia ter sido feita. Também conhecido pela sobriedade de seus filmes sérios e pelo magnetismo espetacular que imprime aos seus so called filmes-pipoca (aqueles como gosto supremo de entretenimento leve, despretensioso e divertido, como uma boa Sessão da Tarde sempre deve ser para qualquer que seja a idade dos espectadores), ele foi o cara certo na hora certo para atualizar com precisão a história centrada na paixão do integrante dos branquelos americanos Jets Tony (Ansel Elgort) por María (Rachel Zegler, bastante cotada para indicações às principais premiações de atriz da temporada), irmã do líder da gangue latina rival Sharks. Se a onda agora for refazer musicais clássicos para conquistar a geração Z, pelo menos este West Side Story ganha disparado em poder de atração e qualidade ao também recente remake de Nasce Uma Estrela com elenco encabeçado por Lady Gaga.