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O Último Dia de Yitzhak Rabin

Filme sobre o assassinato do premiê e prêmio nobel da paz Yitzhak Rabin é lançado no Brasil por causa do conflito atual que envolve Israel e Palestina

Texto por Abonico Smith

Foto: Synapse/Divulgação

Para muitos, um injustificável e desmedido massacre genocida contra civis (maioria de mulheres e crianças) provocado por escusos interesses econômicos e políticos. Para outros, apenas exercício do direito de uma nação de se defender perante o risco de mais alguma ação carregada de terrorismo. Não importa de que lado da perspectiva do muro você esteja, uma coisa é certa: está sendo bombardeado pelos nomes de Israel e Palestina há quase um mês na pauta dos noticiários aqui, ali e acolá. No Brasil não poderia ser diferente, seja o veículo jornalístico pertencente à mídia tradicional ou bravas iniciativas independentes carregadas de um viés sociopolítico que foge de interesses comerciais que mandam e desmandam no território do mainstream. O fato é que quando o premiê israelense Benjamin Netanyahu declarou guerra ao Hamas surgiu uma grande oportunidade para se corrigir uma injustiça cinematográfica por aqui. Então, com oito anos de atraso, enfim, é lançado o filme O Último Dia de Yitzhak Rabin (Rabin: The Last Day, Israel/França, 2015 – Synapse), dirigido por Amos Gitaï e com roteiro assinado em conjunto com Marie-José Sanselme, também sua parceira em outras obras mais recentes do mais famoso cineasta daquele país.

O interesse de Gitaï é vasculhar pistas que podem vir a esclarecer alguns pontos nebulosos por trás do assassinato do então primeiro-ministro, ocorrido em 4 de novembro de 1995 (há exatos 28 anos) de uma praça pública de Tel Aviv, após uma grande manifestação pela paz. No ano anterior, Rabin fora agraciado com o Prêmio Nobel da Paz ao lado do presidente de Israel Shimon Peres e do líder da Organização pela Liberdade da Palestina Yasser Arafat. Os governos israelense e palestino selaram em setembro de 1993 uma série de acordos mediados pelo norte-americano Bill Clinton visando à abertura das negociações sobre os territórios ocupados, a retirada de tropas de Israel do sul do Líbano, o status da cidade “dividida” de Jerusalém e, o mais importante, o fim dos conflitos bélicos entre todos os lados rivais daquela região. As atitudes e decisões de Yitzhak (vale lembrar que ele e Shimon pertenciam ao partido ligado a questões trabalhistas) começaram a incomodar muitos judeus radicais sionistas de seu país, especialmente o pessoal da extrema-direita congregado no partido chamado Likud, na época comandado por… Benjamin Netanyahu, que estava por trás uma maciça campanha de manipulação da opinião pública contra Rabin, envolvendo a incitação de ódio e violência contra ele.

Gitaï, que sempre procurou imprimir em seus longas-metragens uma pequena representação da sociedade israelense, mistura linguagens para desvendar os segredos e mistérios por trás dos três tiros à queima-roupa disparados por um jovem estudante universitário naquele dia na Praça da Paz. Coloca atores vivendo personagens reais, encenando diálogos e situações que possam levar os espectadores (sobretudo gente como nós, brasileiros comuns, que há décadas praticamente só ouvimos falar os nomes dos partidos e dos políticos nos noticiários de jornais, revistas, rádios e televisões) a ligarem os pontos. Entretanto também não abre mão de misturar altas doses documentais, utilizando imagens externas de acontecimentos garimpadas em arquivos e acervos, inclusive o seu próprio – já que Amos andava acompanhando alguns atos públicos de Rabin e inclusive estava filmando no momento do assassinato do premiê.

O ritmo lento, a duração extensa (2h36) e a narrativa nada linear do roteiro podem cansar um pouco quem não está muito acostumado a padrões cinematográficos não hollywoodianos ou também não tem lá muito interesse em questões históricas que podem fazer compreender um tanto melhor muito do que anda acontecendo nos dias atuais em Faixa de Gaza, Cisjordânia, Israel e seus arredores não palestinos. Por outro lado, quem se interessar por ver o trabalho “investigativo” do cineasta tem uma excelente oportunidade de perceber que tanto do lado de lá do planeta como do lado de cá muito do modus operandi da right wing não é tão diferente assim. Só que Israel sempre foi um Estado de orientação muito mais bélica do que o Brasil.

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Duna

Nova adaptação cinematográfica de clássico literário da ficção científica justifica todas as expectativas com elenco estelar e grandiosidade visual

Textos por Leonardo Andreiko e Marden Machado (Cinemarden)

Fotos: Warner/Divugação

A versão de Duna (Dune, EUA, 2021 – Warner) de Denis Villeneuve é um dos filmes mais aguardados deste ano, senão a cabeça dessa lista. O diretor de Blade Runner 2049 e A Chegada prometeu uma readaptação do clássico literário de ficção científica, que outrora esteve nas mãos de David Lynch (Duna, de 1984, com Sting fazendo parte do elenco). Como se não bastasse, o time que atua nesta versão é repleto de estrelas, como Timothée Chalamet, Zendaya, Javier Bardem e Stellan Skarsgard. 

A veia grandiosa da produção permeia todo o longa. Duna conta a história de Paul Atreides (Chalamet), herdeiro da Casa Atreides e do poder da Voz, que lhe assombra com visões premonitórias. A primeira parte de uma pretensa saga cinematográfica, com o roteiro assinado por Villeneuve, Eric Roth e Jon Spaihts, é a calmaria antes da tempestade. A extensa duração promete aos espectadores mal acostumados uma pá de cenas de ação e reviravoltas na trama, mas oferece um retrato comedido das Casas Nobres Atreides e Harkonnen, sua opressão do planeta Arrakis e, principalmente, de seu protagonista.

Dessa forma, é quase ambígua a abordagem de Villeneuve ao mundo complexo de Duna. Ao mesmo tempo que poucos eventos narrativos de expressão estratosférica ocorram, há em toda a mise en scène uma grandiosidade ensurdecedora. A pretensão épica da direção é óbvia: são diversos os “grandes momentos”, quando uma revelação leva a uma montagem dramática embebida nos sintetizadores e coros da trilha sonora composta Hans Zimmer. A constante verve premonitória que atormenta Paul também rende sequências enervantes de rápidos entrecortes cujo contraste é inquietante: O fogo vivo e a areia dessaturada; o ambiente escuro e o céu superexposto.

Embora as batalhas da trama não estejam distribuídas igualmente do início ao fim, Duna é uma panela de pressão, lentamente embalando o espectador para o fim daquela calmaria – em dado momento, o filme a abandona e se torna tempestade. E nos deixa esperando mais. Mas seria tolice ignorar a construção que nos leva à hora de ruptura. Villeneuve é muito perspicaz em significar todo o contexto expansionista e logicamente hipercapitalista abusando do tratamento épico que confere ao longa. A humanidade em Duna é, ao mesmo tempo, colossal e minúscula. O diretor insiste, ao longo da trama, em evidenciar essa escala que opõe criador e criatura – os pequenos seres humanos e suas enormes máquinas, cidades e construções. A arquitetura e a falta de cor são expressões da megalomania de uma humanidade desinteressada no planeta para além do lucro. Seu maquinário é onipresente e igualmente retrato desse futuro cuja ordem política é o retorno ao passado – em dado momento, Duque Leto Atreides (Oscar Isaac) se refere a Arrakis como seu feudo.

A outra instância em que a escala humana é abandonada em virtude da grandiosidade espacial é também um dos pontos altos de Duna: sua relação com o deserto. Ele não é uma mera locação, um mapa pelo qual se percorre para sair do ponto A e chegar no ponto B da trama, mas uma entidade. As referências a um deserto vivo, pulsante, são várias na cultura Fremen, a população originária oprimida pelas casas nobres, que fazem de Arrakis seu “garimpo ilegal”. Ao contrário da pretensão humana, contudo, ele é grandioso. O lar de vermes de centenas de metros de largura, capazes de engolir o imenso maquinário de extração dos Atreides como se fosse um aperitivo, é objeto de uma antecipação imensa. Para atravessá-lo e sobreviver a ele, é preciso conhecê-lo. 

Desse modo, as particularidades de Duna compõem um blockbuster que se destaca dos lançamentos deste último ano. Tanto como filme em si mesmo, interpretado sob a luz de um épico mais intimista e contemplativo, quanto na qualidade de início de uma saga, em que se percebem as intenções de prenunciar importantes âncoras narrativas de uma trama geral, o longa-metragem de Villeneuve é uma obra para os cinemas. 

A suspensão do tempo dentro da sala escura, munida de qualidade audiovisual espetacular, é ingrediente para a elevação da experiência fílmica que propõe o diretor. Se estiver esperando a melhor oportunidade para marcar seu retorno aos cinemas após a imunização pela vacina da covid-19, assista a este novo Duna em uma sala de cinema. (LA)

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Desde que o escritor americano Frank Herbert publicou em 1965 sua obra mais conhecida que o cinema tentava adaptá-la. Concretamente, esse processo teve início no final dos anos 1970, na esteira do estrondoso sucesso de Star Wars. No começo da década seguinte, o cineasta Ridley Scott, que vinha do badalado Alien, envolveu-se com o projeto e quase dirigiu o filme, abandonando-o para realizar Blade Runner. Em seu lugar foi chamado o quase estreante David Lynch, que na época tinha apenas alguns curtas e dois longas no currículo.

Lynch, também autor do roteiro, mergulhou fundo no universo de Herbert e concebeu um filme que até hoje divide opiniões entre os fãs da saga. Tudo se passa em um futuro distante. O clã Atreides está de mudança para o planeta deserto que dá título ao livro/filme. Mas o que poderia dar errado? Em se tratando de um clássico da ficção-científica rico em metáforas e alegorias, simplesmente tudo. Ainda mais quando você mistura castas sociais, política, religião e ecologia.

Duna, o filme de 1984, atualmente disponível no Brasil pela Netflix, dividiu e continua dividindo opiniões. Mas é, indiscutivelmente, uma grande espetáculo visual. (MM)