Music

Iron Maiden e Avatar – ao vivo

Gigante do heavy metal revisita várias fases de sua trajetória diante de um mar de camisetas pretas na Pedreira Paulo Leminski

Texto por Luciano Vitor

Foto: Nay Klym/Divulgação

Usar o termo “mar de gente” em shows de rock é cair no lugar-comum. Mas propício para um evento na Pedreira Leminski, e Curitiba, Cercada por rochas, possui ainda um lago. Mas ao descer da noite do último dia 27 de agosto, só se enxergava o “mar de gente” que lotava o espaço com capacidade para 26 mil pessoas. Um verdadeiro mar negro, formado por camisetas do Iron Maiden, preenchia o espaço. Uma ou outra cor poderia até despontar aqui e ali, mas passava despercebida em meio ao ébano predominante.

Este ponto da capital paranaense é o local propício para grandes concertos. Portanto, nada mais adequado do que receber uma banda gigante em um lugar mítico! Para quem conhece a área, lembra muito uma arena a céu aberto. Só que antes do Iron Maiden veio a atração de abertura, Avatar. Show de qualidade, verdade, porém bem protocolar. Bons riffs, jogadas de cabelos em algumas músicas e aquele heavy metal básico. Formada em 2001, a banda alternou várias canções com energia quase juvenil no palco durante pouco mais de uma hora. Sobrou vontade para estes suecos, que foram profissionais ao servirem de esquenta.

Pouco antes das 21h, a ansiedade do público já estava a mil. Começava o burburinho para o início do Iron Maiden. Palmas e coros ecoavam, fãs literalmente imersos no que estava por começar. Quando os músicos da Donzela de Ferro surgiram no palco, não deu tempo de sentir falta de mais nada.

Com um fundo de palco emulando uma pequena vila japonesa, tal como o disco mais recente, Senjutsu, lançado em 2021, os ingleses vieram para não desacelerar em mais nenhum momento. Foi hit atrás de hit, dominando o público já nos primeiros 15 minutos. Após uma rápida troca de palco, saiu a vila japonesa para entrar a pseudoigreja com vários Eddies (o mascote e “rosto” da banda, destacado na capa de dezenas de álbuns) em vitrais ao fundo. Com a troca de ambientação dos palcos, a pausa do vocalista Bruce Dickinson abriu espaço para as já esperadas esmerilhadas dos homens das cordas, o baixista Steve Harris e os três guitarristas Dave Murray, Janick Gers e Adrian Smith.

Mas todos os olhos, lógico, voltavam-se a Bruce. Ele não é apenas o frontman do Iron, é a verdadeira persona que, para dar voz as canções, incorpora de maneira verossímil todos os personagens necessários. Ora uma espécie de shogun, ora um pastor, ora um mero mortal à frente de uma das maiores bandas de heavy metal do mundo, o britânico, do alto dos seus 64 anos, é muito mais que um vocalista. Incorpora, como poucos, um verdadeiro leprechaun ao correr pelo palco como um jovem. E se multiplica. Às 21h50, em outra troca de ambientação cenográfica, era o vocalista se tornando o ciborgue conhecido da capa do belíssimo álbum Somewere In Time, de 1986. Poucos minutos depois, veio um chapeleiro louco cantando “Fear Of The Dark”.

Com tantas canções de diversas épocas, foi possível não apenas apreciar um pedaço da História do rock naquela noite lendária na fria e acolhedora Pedreira. Eram milhares de famílias e amigos juntos, adolescentes e crianças levando adiante o legado do heavy metal. Como foi o caso de Vagner (41 anos), que veio com os filhos Pedro (10) e Gabriel (14). Gerações diferentes, idades diversas e o gosto pelo lúdico Iron Maiden. Além da educação que se aprende em casa, a boa música também vem de berço!

Set list Avatar: “Hail The Apocalypse”, “Colossus”, “Paint Me Red”, “Bloody Angel”, “The Eagle Has Landed”, “Let It Burn” e “Smells Like a Freakshow.

Set list Iron Maiden: “Senjutsu”, “Stratego”, “The Writing On The Wall”, “Revelations”, “Blood Brothers”, “Sign Of The Cross”, “Flight Of Icarus”, “Fear Of The Dark”, “Hallowed Be Thy Name”, “The Number Of The Beast” e “Iron Maiden”. Bis 1: “The Trooper”, “The Clansman” e “Run To The Hills”. Bis 2: “Aces High”.

Music

Jorge Du Peixe – ao vivo

Vocalista da Nação Zumbi pisa em solo sagrado com releituras de Gonzagão em show solo vibrante e com protocolos

Texto e foto por Fabio Soares

Qual foi seu último concerto antes da pandemia? Muitos terão a resposta, outros não, mas o certo é que após quase dois anos, o circuito de shows no Brasil regressa, muito embora combalido pela inatividade, associado a novos hábitos. O tão falado e necessário protocolo é o novo Norte. Assistir a uma apresentação musical “calçando” máscaras? Não brinquem, doravante será assim, aceitem que dói menos.

E foi sob este clima de recomeçar a andar que em 28 de Novembro último me dirigi ao SESC Vila Mariana, em São Paulo, para vivenciar minha primeira gig após quase dois anos: Jorge Du Peixe (corpo, alma e voz da Nação Zumbi) realizaria a derradeira de três apresentações na unidade para promover Baião Granfino, seu recente trabalho solo em que revisita o repertório de ninguém mais, ninguém menos que Luiz Gonzaga.
Acompanhado por um competentíssimo e diverso sexteto, o cantor abriu os trabalhos com “Assum Preto”, clássico gonzaguiano recheado de tristeza (“Assum Preto, o meu cantar/É tão triste como o teu/Também roubaram meu amor/Que era a luz, ai, dos ‘óios’ meus”). “Sanfona Sentida” veio a seguir na forma de um sofisticado xote com percussão pujante. Neste momento houve a primeira quebra de protocolo, com parte dos presentes dirigindo-se às laterais da plateia para dançar. A rouca voz do artista emoldurava o clássico de maneira singular. Aliás, em Baião Granfino, a particular assinatura musical do artista tira o disco de covers da zona de conforto. Ah, se todos os álbuns de versões fossem assim!

O baile seguiu com uma matadora trinca de clássicos: “Orelia”; “Sabiá” (com seu indefectível refrão “A todo mundo eu dou psiu [psiu, psiu, psiu]/ Perguntando por meu bem/ Tendo o coração vazio/ Vivo assim a dar psiu/ Sabiá vem cá também” e “Acácia Amarela”. Esta, por sua vez, despertou gatilhos neste que vos escreve ao fazer lembrar os discos de Luis Gonzaga que a mãe colocava numa alaranjada vitrola Sonata – vale ainda destacar que o refrão da canção é uma ode à desigualdade social (“Sou um feliz operário/ Onde aumento de salário/ Não tem luta nem discórdia/ E o Grande Arquiteto do Universo/ É harmonia, é concórdia”).

Entre os intervalos das canções, Peixe lembrou a plateia que Gonzagão foi o primeiro popstar da história do Brasil. “Ele foi pré-bossanova, pré-iê iê iê, pré-tropicália. Apontou caminhos que ninguém havia imaginado até então”. A plateia, extasiada, aplaudiu ao mesmo tempo que quebrava todo e qualquer protocolo.

Depois, “Festa” fez o baile de máscara explodir e a sequência formada por “Pagode Russo”, “Qui Nem Jiló” e “O Fole Roncou” colocou um fim a noventa mágicos minutos em que a sofisticação caminhou lado a lado com o popular. “Nossa missão é levar a música de Gonzagão a todos os lugares possíveis e imagináveis. Enquanto eu estiver vivo, seguirei tentando”.

Você está conseguindo, Jorge, acredite. Você está conseguindo. E com protocolos!

Set list: “Assum Preto”, “Sanfona Sentida”, “Orelia”, “Sabiá”, “Acácia Amarela”, “Baião Granfino”, “Rei Bantu”, “Festa”, “Pau de Arara”, “Cacimba Nova”, “Maria, Minha Maria”, “Erva Rasteira”, “Roendo Unha”, “Pagode Russo”, “Qui Nem Jiló” e “O Fole Roncou”.

Movies, TV

Bom Dia, Verônica

Série brasileira da Netflix prende o espectador com trama misteriosa e envolvente sobre a violência contra as mulheres

Texto por Ana Clara Braga

Foto: Netflix/Divulgação

Produções que tratam de violência contra a mulher tendem a perder a mão e exagerar no conteúdo gráfico, como se o tema já não fosse pesado e chocante o bastante. Bom Dia, Verônica (Brasil, 2020 – Netflix) entra nesse mundo com muita responsabilidade e sob a muitas vezes injusta lupa colocada em produções nacionais. A série é uma adaptação do livro de mesmo nome de Ilana Casoy e Raphael Montes e conta com grandes nomes globais no elenco. 

Verônica (Tainá Müller) é uma escrivã da polícia civil com sede de justiça e empatia que a diferenciam da maioria de seus colegas. A princípio, Verô (seu apelido na série) está no encalço de um golpista em série que ataca mulheres, mas após uma aparição na TV a policial se vê em meio a uma trama misteriosa envolvendo um tenente-coronel da polícia militar, Brandão (Eduardo Moscovis), e sua esposa, Janete (Camila Morgado).

O enredo é envolvente, cheio de revelações chocantes e tensão, elementos que fazem uma boa série policial. O roteiro consegue balancear bem problemas burocráticos reais e a liberdade criativa para dar ritmo à história. Verônica é apenas uma escrivã. Seu trabalho é interno, mas sua vontade de fazer diferença a leva a quebrar algumas regras. Online é possível achar reclamações de espectadores que se incomodaram com as atitudes da policial, considerando “impossível” ela conseguir fazer tais coisas exercendo o cargo que exerce. Injusto. Séries internacionais estão a todo o momento quebrando convenções, mas ninguém reclama, por exemplo, de médicos em hospitais de ponta fazendo trabalho de enfermeiros.

O núcleo de Brandão e Janete é responsável pelos melhores momentos da série. Moscovis está impecável na pele de um misógino violento e Camila dá show como a esposa presa em um casamento extremamente tóxico. A cada episódio mais uma pequena camada da mente doentia do serial killer é revelada. Porém, não é o suficiente. Muitas perguntas ficam em aberto. Qual a relação da mãe de Brandão com suas atitudes violentas? O que é o ritual performado por sua avó? Qual a importância de pegar as meninas na rodoviária? São questões que instigam a curiosidade do público mas não são respondidas. 

Como já dito, a violência contra a mulher é um terreno perigoso em produções audiovisuais. O revenge porn é um exemplo do que não fazer. Esse subgênero do terror utiliza-se do abuso contra o corpo feminino para chocar. Isso não acontece em Bom Dia, Verônica. Existem, sim, cenas de violência, mas elas se encaixam na trama e não são exageradas ou sensacionalistas. Os diretores souberam tratar do tema de maneira respeitosa, não recorrendo à exploração da dor feminina. 

Verônica é uma personagem complexa, que carrega traumas do passado e não aceita as coisas continuarem da forma como são. Essa é uma combinação explosiva que a leva a romper protocolos e buscar meios fora do convencional para conseguir justiça. Tainá Müller é uma boa atriz e se joga de cabeça no papel. Na mesma medida que vê seu lado de investigadora cada vez mais aflorado, a protagonista vê a evolução e deterioração das relações que mantém com o marido, filhos, chefe e colegas de trabalho. O lado humano da escrivã não some em nenhum momento, justificando a série levar seu nome.

Esta é uma boa série nacional, que pode ter defeitos, mas merece reconhecimento. O nível de produção é cinematográfico, contém boas atuações e uma trama que prende o espectador. E, o melhor, Bom Dia, Verônica termina com abertura para uma segunda temporada, já confirmada pela Netflix.